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Mandados de criminalização e crimes contra a criança e o adolescente

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1. Mandados de Criminalização

Os mandados constitucionais de criminalização impõem uma relação entre a Constituição e o direito penal visando à proteção de determinados bens jurídicos, considerada como tutela de fins [01].

Visam nesse escopo vincular o legislador penal impondo-lhes a obrigação de legislar em face dos bens jurídicos positivados. Nesse contexto não tem o condão de definir a conduta incriminada nem tampouco dizer sobre o conteúdo da sanção; promovem, pois a definição da conduta que se pretende incriminar.

São determinações contidas no próprio texto constitucional e que obrigam um enfrentamento satisfatório de determinados temas, vale dizer, reclamam a aplicação do direito penal na busca da sua proteção.

Essas obrigações constitucionais de penalização encontram-se no bojo de algumas Constituições européias como da Alemanha, Espanha, Itália, França e da própria Comunidade Européia. A Constituição brasileira de 1988, seguindo essa diretriz, trouxe diversos comandos de criminalização.

Há mandados de penalização explícitos (expressos) e implícitos. Os mandados explícitos de criminalização são aqueles facilmente perceptíveis conquanto definidos de forma clara e expressa pelo legislador constituinte. Podem ser identificados nos artigos 5º, incisos XLII (racismo), XLIII (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e crimes hediondos) e XLIV (ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático); 7º, inciso X (retenção dolosa do salário dos trabalhadores); 225, § 3º (condutas e atividades lesivas ao meio ambiente); 227, § 4º (abuso, violência e exploração sexual de criança ou adolescente).

Já os mandados implícitos de criminalização são aqueles que, muito embora não estejam claramente expostos, podem ser extraídos da avaliação do corpo constitucional como um todo, ou seja, da avaliação contextual dos valores consubstanciados ao longo do Texto Constitucional. Foram reconhecidos pela primeira vez em 1975 pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão. Com a reforma do Código Penal alemão, o aborto foi permitido, desde que fosse realizado nos três primeiros meses de gestação. Essa matéria foi levada ao Tribunal Constitucional Federal, que declarou a inconstitucionalidade dessa disposição, porque havia um mandado de criminalização implícito na Constituição alemã: "De outro lado, não convence a objeção de que não se possa deduzir de uma norma de direito fundamental garantidora de liberdade a obrigatoriedade do Estado de sancionar criminalmente. Se o Estado é obrigado, por meio de uma norma fundamental que encerra uma decisão axiológica, a proteger eficientemente um bem jurídico especialmente importante também contra ataques de terceiros, freqüentemente serão inevitáveis medidas com as quais as áreas de liberdade de outros detentores de direitos fundamentais serão atingidas" [02].

No sistema jurídico brasileiro, pode-se afirmar – a título de exemplo - que há mandado implícito de criminalização em relação à corrupção eleitoral. O critério utilizado para justificá-lo decorre da necessidade de proteger a própria estrutura do Estado eis que o processo eleitoral tem que ser absolutamente transparente para que a corrupção não contamine os alicerces do Estado; em verdade, não é possível falar em Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, CF) onde há um processo eleitoral corrompido.

Em alguns países como a Alemanha há quem sustente a impossibilidade de reconhecer a existência de mandados implícitos eis que não se coadunam com a idéia de Estado Democrático de Direito, notadamente por refletir em insegurança jurídica. No Brasil há quem apregoe igualmente esta idéia.

Todavia, é imperioso reconhecer igualmente que o Direito Penal brasileiro necessita de uma releitura, assentada nos valores arraigados na Constituição de 1988, fazendo imperioso admitir a existência dos mandados explícitos e implícitos de criminalização, no escopo de evitar que o campo penal permaneça numa concepção puramente dogmática, apartada dos anseios traçados pelo constituinte.

Assim, os mandados de criminalização visam estabelecer determinados bens em que o legislador não tem outra opção senão tutelá-los na senda penal. Deve-se registrar, porém, que essas obrigações de penalização não limitam o legislador infraconstitucional, que pode estabelecer outros bens como passíveis de tutela penal, desde que não sejam ofendidos os valores e princípios consagrados na Constituição. "A criminalização há de fazer-se tendo por fonte principal os bens constitucionais, ou seja, aqueles que, passados por um filtro valorativo do legislador constitucional são postos como base e estrutura jurídica da comunidade. E, embora o legislador criminal possa tutelar com suas sanções bens não previstos constitucionalmente, só o pode fazer desde que não violente os princípios básicos das constituições" [03].

Nessa vereda, diverge o mandado constitucional de criminalização do mandado legal-penal eis que este traz a definição da conduta incriminada e a sua correlata sanção penal, voltada ao indivíduo que afronta a ordem positiva.

Não se trata de engessar o legislador penal eis que a sua atuação é irrenunciável; estabelece, contudo, limites ao enunciar, por exemplo, que não há crime sem lei anterior nem tampouco sanção sem previa cominação.

Como apregoa Luciano Feldens "a Constituição da Republica Federativa do Brasil oferece um extenso rol de mandados expressos de penalização. Inicia por fazê-lo no artigo 5º, inciso XLI ao expressar que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais" [04].

De certo, a previsão é notadamente genérica razão pela qual o citado autor revela a seguir que deve haver "algumas considerações. Sob a perspectiva do bem tutelado, confere legitimidade à instituições de tipos penais que visem a coibir condutas que, em tese, revela aludida discriminação atentatória" [05].

Assim, pode-se até perquirir se toda violação a diretos fundamentais deve ser criminalizada – embora deva ser punida - mas se assim o fizer os direitos enumerados como fundamentais revestem-se ainda da chancela de "mandados de criminalização" e conseqüentemente – por reclamarem a proteção criminal (ultima ratio) devem afastar medidas despenalizadoras sob pena de imprimir o juízo de que o legislador infra constitucional não atendeu aos reclamos da Constituição.

Márcia Dometila Lima de Carvalho foi a primeira, no Brasil, a desenvolver essa concepção de mandado de criminalização, embora não com essa nomenclatura. Fazendo uma abordagem muito crítica da sociedade brasileira, a autora trabalha com o critério de justiça social para determinar as obrigações constitucionais de criminalização: "Significa, isto, que a superioridade normativa no Direito Constitucional delimita o que deve ser considerado delito pelo Direito Penal, e, mais ainda, que na tipificação delitual o acento deve ser dirigido para a proteção do valor constitucional maior, ou seja, para a justiça social" [06]. E mais adiante arremata: "Por outro lado, obedecendo-se ao necessário processo de penalização, tipifica-se todo fato grave, fomentador da injustiça social, que a Constituição pretende eliminar" [07].

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Por sua vez, Luciano Feldens adota o critério dos direito fundamentais para determinar os mandados de criminalização. Nesse sentido, propugna: "Passamos a perceber, pois, uma situação de intrínseca conexão entre o dever de prestação normativa em matéria penal e o tema da prospecção objetiva dos direitos fundamentais, haja vista a exigência que se impõe ao Estado de protegê-los (o que eventualmente apenas poderá vir a ocorrer de forma satisfatória quando aludida proteção normativa se verifique por meio de leis penais)" [08].

Mas, qual o melhor critério? Na realidade o significado não é o mesmo. Justiça social comporta uma leitura mais ampla. Para realizar a justiça social é necessário respeitar as garantias individuais que formam a sua base. Entretanto, por vezes, para se promover a justiça social é necessário flexibilizar determinadas garantias individuais. À título exemplificativo, a aplicação de pena privativa de liberdade, a quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico etc., são instrumentos relevantes para promover justiça social, mas que atingem direitos fundamentais como liberdade, privacidade, intimidade, dentre outros.

Se o caminho adotado for simplesmente o dos direitos fundamentais, o campo é mais seguro. Mas, nesse caso, a idéia de mandados implícitos perde a relevância; assim melhor é definir os mandados de criminalização sob a ótica da justiça social. "A eleição dos mandados de criminalização está muito mais ligada à Justiça Social, do que a proteção absoluta a direitos e garantias individuais, em face de uma justificativa que nos parece simples: sem proteção aos direitos e garantias individuais, considerados de forma ampla, não há Justiça Social, ainda que seja possível o respeito absoluto aos direitos e garantias individuais sem Justiça Social" [09]. Nesse prisma, pode-se destacar, por exemplo, que nos crimes contra a ordem tributária a democracia como um todo é atingida, pois ao deixar de recolher determinado tributo o sujeito inviabiliza a educação, a saúde etc. É impossível atingir a idéia de um Estado Democrático de Direito sem que haja uma distribuição eqüitativa de renda.

A eleição de um mandado de criminalização decorre de motivações históricas e sociais. Na Espanha, dentre outros temas, há mandado explícito de criminalização em relação ao meio ambiente [10], aos crimes contra o patrimônio histórico, cultural e artístico dos povos da Espanha [11]. Na Alemanha a Lei Fundamental de 1949 determina a penalização dos atos que se destinem a uma guerra de agressão [12]. No Brasil, os fatores históricos e sociais também são preponderantes para aferição dos mandos de criminalização. É o que se verifica na nossa Carta Política quanto ao combate ao racismo [13], à tortura, ao tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, ao terrorismo e aos crimes hediondos [14], às ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático [15], à retenção dolosa do salário dos trabalhadores [16], às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente [17] e ao abuso, à violência e à exploração sexual de criança ou adolescente [18].

A Constituição de 1988 indica claramente nos artigos 1º [19] e 3º [20] quais são os fundamentos dos mandados de criminalização no sistema jurídico brasileiro. Portanto, para eleição de uma obrigação constitucional de penalização, há necessidade de que o bem ou interesse carecedor de tutela decorra dos fundamentos ou dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Dessa forma, por exemplo, quando se fala em proteção da criança e do adolescente, está se falando em tutela da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), cidadania (art. 1º, II, CF) etc.


2. Mandados de criminalização e combate aos crimes contra a criança e o adolescente

Dentre as obrigações constitucionais de criminalização expressamente previstas na nossa Lex Mater, nesse momento, merece destaque a necessidade de combate e punição das condutas violadoras dos direitos da criança e do adolescente e em especial daqueles comportamentos que impliquem abuso, violência e exploração de ordem sexual dos menores.

Como já salientado outrora, o § 4º do artigo 227 do Texto Constitucional estabelece que: "A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente". Note-se que para essas práticas criminosas, o legislador constituinte determina não só que exista uma punição, mas que esta seja "severa". Os direitos fundamentais à dignidade, à liberdade, à cidadania, são direitos que, evidentemente, alcançam a criança e o adolescente, e para que sejam devidamente protegidos e efetivados demandam a positivação de normas penais incriminadoras.

Dando vazão ao aludido mandado de criminalização, encontram-se no Código Penal os crimes de estupro [21], atentado violento ao pudor [22] e corrupção de menores [23], bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), as condutas descritas nos artigos 240 a 244, adiante tratados.

2.1. Crimes contra os costumes e os mandados de criminalização

Assim que a lei dos crimes hediondos foi promulgada ensejou inúmeros debates, dentre os quais a inserção dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor no rol dos crimes havidos como hediondos e como não podia fugir a regra trouxe à baila a ratio legis porquanto não se consolidou de forma definitiva o entendimento de que o crime de estupro e o de atentado violento ao pudor simples são ou não hediondos.

E a discussão impõe-se igualmente no que tange a hediondez dos crimes em comento quando praticados com violência presumida, como se depreende do artigo 224 do Código Penal.

A discussão aqui aposta, nesse sentido, toma como base o crime de estupro, sem olvidar que o entendimento resultante dela se impõe igualmente ao crime de atentado violento ao pudor.

Reza o artigo 1º da Lei 8.072/90: "São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº.2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: (...) V – estupro (art.213, caput e sua combinação com o artigo 223 [17], caput e parágrafo único)".

A controvérsia baseia-se na necessidade de o crime de estupro, artigo 213, caput estar combinado ("e sua combinação") com o artigo 223, caput e parágrafo único para que seja considerado hediondo, ou assim o é, tanto o artigo 213, caput – isoladamente - e, igualmente, quando combinado com o artigo 223.

Parece-nos que a referida controvérsia, malgrada a redação da lei, deve ser respondida com esteio na existência de um mandado de criminalização explícito sobre a matéria.

Ao apregoar que a lei deve punir qualquer violência contra as crianças e adolescentes severamente o legislador constitucional não deixou à mercê do infraconstitucional a faculdade de puni-la ou não, pelas razões já apostas, de tal sorte que não nos parece razoável sustentar que somente nos casos previstos no artigo 223 do Código Penal há hediondez na prática dos crimes contra os costumes, afastando-se assim esta natureza nos casos de violência "simples" ou presumida.

ad argumentandum, o Supremo Tribunal Federal deveria dar cabo à discussão editando uma súmula vinculante sobre o tema que poderia contar com os seguintes dizeres: "Os crimes previstos nos artigos 213 e 214 do Código Penal são considerados hediondos em todas as suas formas".

Vê-se que a redação abarca não só as hipóteses já enumeradas na lei dos crimes hediondos (223 do Código Penal), mas também nos casos de violência "simples" e também "presumida".

Destarte, o entendimento de que o estupro e o atentado violento ao pudor com violência presumida não são crimes hediondos afronta à necessidade de se punir severamente os crimes perpetrados contras as crianças e os adolescentes, mormente na hipótese prevista no inciso I do artigo 224 do Código Penal.

2.2. Os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 completou a sua maioridade este ano. Todavia, parece-nos que o legislador não coibiu a prática de condutas que envolvam as crianças e os adolescentes como deveria fazê-lo, mormente se partimos da premissa de que a tutela emana do mandado de criminalização acima aposto.

Os crimes em espécie estão enumerados nos artigos 228 a 244, sendo certo que a Lei 11.829 de 25 de novembro de 2008, deu nova redação a alguns artigos ademais de inserir outras condutas criminosas.

Alguns crimes, mesmo após a edição da nova lei, continuam permitindo a aplicação de benefícios como a suspensão condicional do processo, a transação penal ou a aplicação de regime aberto para o cumprimento das penas; tais instrumentos divergem da idéia de que estas condutas devem ser punidas com severidade.

No mais, a nova lei cuidou essencialmente de criminalizar e/ou majorar as penas para os delitos chamados comumente de "pedofilia".

Inicialmente frise-se que "pedofilia" não é crime, porquanto não há na lei referência a esse nomen iuris, como igualmente não o é o "seqüestro relâmpago"; popularmente passou-se a intitular a prática de condutas contra as crianças e adolescentes como "pedofilia" especialmente nos casos em que há qualquer conotação sexual, tomando-a, portanto, como sinônimo de crimes que envolvem tais pessoas.

Em verdade, se utilizados os termos previstos no Código Penal estamos diante dos crimes contra os costumes com violência presumida, consoante artigo 224, I. Ademais deles, devemos nos socorrer das condutas tipificadas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Da nova lei extrai-se que o legislador majorou as penas sensivelmente.

ad argumentandum tantum o artigo 240 passou a ter a seguinte redação, a saber:

Artigo 240 – Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 1º Incorre nas mesma penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.

§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:

I - no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;

II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou

III – prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.

A redação originária impunha a pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos, ou seja, a pena mínima dobrou. No mesmo sentido foram aumentadas as sanções nas hipóteses das causas de aumento. Anteriormente nas hipóteses do §2º a pena variava de 3 (três) a 8 (oito) anos e agora a de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos e 6 (seis) meses, considerando a fração relativa ao aumento.

De outra feita a nova lei alterou os artigos 240, 241 [24], e inseriu os artigos 241-A [25], 241-B [26], 241-C [27], 241-D [28], 241-E.

Essencialmente, o que buscou o legislador foi coibir a prática de condutas que se agigantaram com o uso dos computadores pessoais, e ao descrever tais condutas criminalizou situações até então desconsideradas como a "mera" posse de fotografia ou filme que envolvem crianças e adolescentes em cenas de sexo explícito.

Curiosa nesse sentido a redação do artigo 241-E, in verbis:

Art. 241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão "cena de sexo explícito ou pornográfica" compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais."

Cena de sexo explícito é a que apresenta atividade sexual explícita. Com a devida vênia dizemos, "esta explicado"! De certo caminhou bem em afirmar que as situações simuladas ou a exibição de órgãos genitais para fins sexuais, mas não descreveu o que se pretende com o termo "sexo explícito".

A criminalização – depois de alcançada a maioridade da lei – visa punir inclusive quem cria uma cena inexistente, ou seja, inverídica, por meio de montagem de fotos ou vídeos, como preceitua o artigo 241-C.

Mas como infelizmente tornou-se comum, o legislador não manteve a coerência ao mensurar as penas para os crimes.

O artigo 241-D, preceitua:

Artigo 241-D- Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;

II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir a criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.

Da mesma sorte o artigo enuncia:

Artigo 241 – Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Ora, aquele que alicia a criança responde por uma pena que varia de 1(um) a 3(três) anos, enquanto aquele que vende a foto da criança anteriormente aliciada suporta uma pena que varia de 4 (quatro) a 8 (oito anos).

Qual a explicação para a desproporcionalidade?

Mais uma vez a nova lei tem assento na discussão que atualmente se trava no congresso e nas CPI´s – da "pedofilia", sobre o tema, e mais uma vez elaboram-se leis de afogadilho, no clamor da discussão sem se verificar as conseqüências advindas da sua tipificação.

A nosso sentir, a criminalização de tais condutas possui explicação lógica: - com o advento do computador e especialmente pela sua popularização os crimes chegaram a todas as casas, inclusive as das pessoas mais abastadas que, quase na sua totalidade, compõem o quadro das pessoas responsáveis pela elaboração das leis.

È notório que as crianças e os adolescentes desde sempre foram vítimas das condutas agora criminalizadas, mas só não se faziam presentes nas leis penais porque subjugavam "apenas" as crianças menos favorecidas, que invariavelmente se envolviam com aliciadores e, portanto, criminosos, em troca de comida, brinquedos, balas ou bombons.

Não se discute que a novel lei andou bem em punir tais situações, criando crimes formais ou de mera conduta, mas parece-nos que não obstante deva louvar-se tal punição, o legislador continua respeitando apenas parcialmente o mandado de criminalização previsto na Constituição Federal. A lei já alcançou a maioridade e ainda não evoluiu, o que nos permite repetir o adágio que de a "lei que tarda já falhou".

Sobre os autores
Marcelo Amaral Colpaert Marcochi

pós-graduando em Direito Penal pela UniFMU

Eduardo Pião Ortiz Abraão

Advogado e Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Universidade de Taubaté. Mestrando em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCOCHI, Marcelo Amaral Colpaert; ABRAÃO, Eduardo Pião Ortiz. Mandados de criminalização e crimes contra a criança e o adolescente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2218, 28 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13233. Acesso em: 23 dez. 2024.

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