5. Nosso posicionamento.
Consideramos que o encargo de 20% instituído pelo art. 1º do Decreto-lei nº 1025/69 é penalidade administrativa pelo inadimplemento voluntário da obrigação tributária, com o que não concorda Sacha Calmon Navarro Côelho (18), para quem o contribuinte tem o dever subjetivo de resistir ao pagamento de tributo. Assim, inadimplir uma obrigação tributária não consistiria num ato ilícito, pois não teria tipicidade.
Não concordamos com a inclusão do encargo na categoria das taxas pois não acreditamos que a cobrança administrativa ou judicial da Dívida Ativa se caracterize como serviço público, posto dever este refletir um caráter de prestacionalidade ao contribuinte, o que não ocorre pelo ajuizamento de uma execução fiscal. Ademais, o valor do serviço deve guardar relação eqüitativa com a taxa cobrada, fato este não encontrado no instituto de que tratamos, levando-o a transplantar-se para a categoria dos impostos (19).
Da mesma forma, cremos não assistir razão aos que o vêm como imposto, pois um tributo não pode ter como fato gerador um ato ilícito, mas incidir sobre atos, bens, situações lícitas como prescreve o art. 3º do CTN. Mesmo como imposto melhor sorte não assiste ao indigitado encargo, posto que, à mingua de previsão constitucional para a hipótese fática do encargo com a atribuição de competência tributária à União, deveria o mesmo ser veiculado por lei complementar, posto que assim restaria compreendido na competência residual da União (art. 154, I, da CF).
O encargo de 20% instituído pelo Decreto-lei nº 1025/69 e alterado por vários diplomas normativos consiste, verdadeiramente, em medida punitiva ao devedor recalcitrante (20). Se o devedor satisfaz o débito antes da cobrança judicial, diminui-se o percentual devido a 10%; ajuizada a ação fiscal, eleva-se o encargo a 20% do montante da dívida consolidada (principal, multa e juros). Como multa que é, constatamos o exercício de uma ilegalidade a agravar o quadro tributário no Brasil: a incidência de encargos dos mais variados tipos e gostos a onerar o contribuinte, e entre eles, a burla ao princípio geral de direito da proibição de bis in idem, caraterizado pela cobrança de uma multa (encargo de 20%) sobre uma outra multa (multa de mora), esta que muitas vezes atinge o percentual de 100% sobre o valor do débito.
Portanto, vislumbra-se, a despeito da denominação que lhe der, a ilegalidade do encargo de 20% instituído pelo Decreto-lei nº 1025/69, pois o mesmo grava o patrimônio do executado com uma sanção, já prevista e duplamente cobrada, sob o roupagem de custear a máquina arrecadatória estatal.
NOTAS
- O art. 1º da Lei 6830/80 está assim redigido, verbis: "Art. 1º. A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil ".
- Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 9. ed. rev. São Paulo: Forense, 1997, p. 4-5.
- FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico de Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988, p. 244.
- " Multa fiscal: toda prestação pecuniária compulsória, instituída em lei, em prol do Estado ou de pessoa sua, que seja sanção de ato ilícito em matéria fiscal, assim entendido o descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória (deveres principais secundários numa linguagem mais apurada). Juros: são calculados sobre o principal da dívida (o tributo não pago), a título de compensar o Estado pela não disponibilidade do dinheiro, representado pelo crédito tributário, desde o dia previsto para o seu pagamento " (grifos do autor) ( COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e Prática das Multas Tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, pp. 76-77).
- O art. 110 do CTN está assim disposto, ipsis litteris: " Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias ".
- SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 11. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 163).
- Passou-se a entender que o encargo de 20%, do art. 1º, do Decreto-lei 1025/69, tratava-se de honorários de advogado com a edição do Decreto-lei 1645/78 que em seu art. 3º dispunha: "Art. 3º. Na cobrança da Dívida Ativa da União, a aplicação do encargo de que tratam o art. 21 da Lei nº 4439, de 27 de outubro de 1964,... o art 1º do Decreto Lei nº 1025/69, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-lei nº 1569, de 8 de agosto de 1977, substitui a condenação do devedor em honorários de advogado e o respectivo produto será, sob esse título, recolhido integralmente ao Tesouro Nacional ".
- Revista Dialética de Direito Tributário. nº 56, p. 167
- A Súmula nº 168 tem a seguinte dicção, verbis: "O encargo de 20%, do Dec.-lei 1.025, de 1969, é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios".
- O referido acórdão tem a seguinte ementa, verbis: "Processo Civil. Execução Fiscal. Encargo Previsto no art. 1º do Decreto-lei 1.025/1969. Precedentes do STJ. Embargos de Divergência acolhidos. I É legítima a cobrança do encargo de 20% previsto no art. 1º do Decreto-lei 1.025/1969, o qual serve para cobrir todas as despesas (inclusive honorários advocatícios) relativas à arrecadação dos tributos não recolhidos, não sendo mero substituto da verba honorária. II Embargos de divergência acolhidos". (STJ. 1ª Seção. EREsp nº 124263/DF, rel. Min. Adhemar Maciel, unânime, DJ 10.8.1998, p. 07).
- O art. 3º do CTN está desta forma versado, litteris: "Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade plenamente vinculada".
- Cf. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 4.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999, pp. 79-86.
- Cf. AMARO, Luciano. idem, p. 74-79.
- CAHALI, Yussef Said. Apud in BACHO, Renato Lopes. Honorários Advocatícios nos Executivos Fiscais da Fazenda Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº. 43, 1999, p. 117.
- Cf. BACHO, Renato Lopes. Honorários Advocatícios nos Executivos Fiscais da Fazenda Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 43, p. 122; CARDOSO, Alessandro Mendes. Do encargo instituído pelo Decreto-lei nº 1.025/69. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 56., pp.7-18.
- "Serviço público, como um capítulo do direito administrativo, diz respeito a atividade realizada no âmbito do das atribuições da Administração, inserida no Executivo. E refere-se à atividade prestacional, em que o poder público propicia algo necessário à vida coletiva, como por exemplo: água, energia elétrica, transporte urbano. As atividades-meio, por exemplo: arrecadação de tributos, serviços de arquivo, limpeza de repartições, vigilância de repartições, não se incluem na acepção técnica de serviço público ". E mais adiante: "Em essência serviço público significa prestações; são atividades que propiciam diretamente benefícios e bens, aos administrados, não se incluindo aí as de preparação de infra-estruturas (arquivo, arrecadação de tributos) ". MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, pp. 329-330.
- "...para o efeito de situar o problema da cobrança de taxas, podemos entender por serviço público toda e qualquer atividade prestacional realizada pelo Estado, ou por quem fizer suas vezes, para satisfazer, de modo concreto e de forma direta, necessidade coletivas." MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 16. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 340.
- "Multas é que não podem ser por ausência de tipicidade do ilícito. Tampouco poderão ser tributários, vez que na espécie não há "fato gerador". Ocorre-nos, todavia, que, a título de ressarcir despesas judiciais inclusive honorários advocatícios à conta da Fazenda, pela cobrança do crédito tributário, venha a lei estatuir "acréscimos" à dívida. Nossa posição é radical no particular. O aparato judicial deve estar disponível às partes. É dever do Estado. Nada de acréscimos, portanto" (grifos originais) COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e Prática das Multas Tributárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 80.
- "Finalmente, é muito importante, nas taxas, o elemento base de cálculo, dado possuir ele um caráter determinante do quantum devido. Não sendo a base de cálculo bem escolhida, desaparece a figura da taxa para, em seu lugar, surgir a do imposto" BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 151.
- O STJ possui recente pronunciamento neste sentido, verbis: "Processual Execução Fiscal Acréscimo Previsto no art. 1º do DL 1.025/69 Sanção ao Devedor Recalcitrante Possibilidade. O acréscimo ao valor do débito fiscal determinado pelo DL 1.025/69, constitui sanção, cominada ao devedor recalcitrante, em percentagem legalmente fixada. Não se confunde com os honorários de sucumbência, previstos no art. 20 do Código de Processo Civil. Não é lícito ao Juiz eximir o devedor recalcitrante do pagamento do encargo". (Recurso Especial nº 220.587/SP, julgamento em 02.9.1999, p. 00101). Em nota, o advogado Alessandro Mendes Cardoso observa: "Este entendimento, por enquanto restrito aos julgamentos relatados pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, é passível de discussão, haja vista que sobre o valor a ser executado pela União Federal já incide a multa e juros de mora. Ressalte-se, ainda, que incidindo o encargo do Decreto-lei nº 1.025/69 sobre o valor consolidado do débito teríamos a aplicação de uma "sanção" sobre os valores já devidos a título de multa e juros de mora, ou seja, um bis in idem". CARDOSO, Alessandro Mendes. Do encargo instituído pelo Decreto-lei nº 1.025/69. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 56, p.12.
BIBLIOGRAFIA
Livros
- ALVÁRES, Manoel. VITTA, Heraldo Garcia. SOUZA, Maria Helena de. CÂMERA, Miriam Costa Rebollo. SAKAKIHARA, Zuudi. Execução Fiscal Doutrina e Jurisprudência. FREITAS, Vladimir Passos de. (coord). São Paulo: Saraiva. 1998.
- AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 4.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 1999.
- BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 4.ed. atual. São Paulo: Saraiva. 1995.
- COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria e Prática das Multas Tributárias. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense.1998.
- FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico. 1.ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 1988.
- MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 16.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros. 1999.
- MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1998.
- SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. v.I. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense. 1994.
- THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v.I. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense. 1996.
Artigos:
- BACHO, Renato Lopes. Honorários Advocatícios nos Executivos Fiscais da Fazenda Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 43, abril 1999.
- CARDOSO, Alessandro Mendes. Do encargo instituído pelo Decreto-lei nº 1.025/69. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: nº 56, maio 2000.