1) A Extinção dos Créditos Tributários
O tributo não se perpetua no tempo, como de sorte ocorre em todo o campo das obrigações, sejam elas privadas (1) ou públicas. Pelo contrário, nasce para ser satisfeito, nos termos da lei (ex vi lege), e assim, desaparece, libertando o contribuinte (sujeito passivo) do estado de sujeição que o prendia ao Fisco (sujeito ativo).
Já nas disposições gerais sobre o Crédito Tributário, o CTN dispõe:
"Art. 141 - O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias." (2) (grifamos)
Comentando este dispositivo legal Bernardo Ribeiro de Moraes asseverando-nos:
"O crédito tributário desde que regularmente constituído (formalizado como tal), em princípio, é inalterável e deve ser exigido como tal, salvo diante dos casos previstos no próprio Código Tributário Nacional (`casos previstos nesta lei´), quando se admitem determinadas exceções." (3)
Esse comando legal deixa claro, em primeiro lugar, que todos os casos de modificação, extinção, suspensão e exclusão do crédito são taxativos, isto é, aqueles previstos na lei (o CTN os especifica exaustivamente); e, em segundo lugar, que a autoridade está vinculada à própria lei. Portanto, não pode dispensar a efetivação do crédito ou as suas garantias, sob pena de responsabilidade funcional.
Sem maiores digressões e procurando delimitar, desde já, nosso tema, faz-se oportuno conceituar o que venha a ser extinção do crédito tributário, vez que o objeto do presente trabalho, o parcelamento administrativo, encontra-se contido dentro deste universo. Para tanto devemos nos socorrer da melhor doutrina. Roque Antônio Carrazza sintetiza, com muita proficiência, sublinhando que causa extintiva da obrigação tributária é:
"...o ato ou fato a que a lei atribui o efeito de liberar o sujeito passivo tributário, daquele liame abstrato (vínculo jurídico) que o prendia ao sujeito ativo tributário, desde a ocorrência do fato imponível (fato gerador in concreto)." (4)
O CTN enumera estas várias formas de extinção do crédito tributário em seu art. 156 do CTN, onde estatui:
"Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - a remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus parágrafos 1° e 4°;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2° do art. 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
Parágrafo único - A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observando o disposto nos arts. 144 e 149" (5).
Como se vê, são dez as modalidades extintivas do crédito tributário, mas podemos verificar que algumas se enquadram como simples variações de forma única, distinguidas por detalhes. Assim, além do pagamento propriamente dito, considerado restritamente como ato de quitar o tributo devido com a entrega de moeda, ou de valor que nela se expresse, podemos alinhar como suas variações: compensação, transação, conversão do depósito em renda, pagamento antecipado e sujeito a homologação, consignação em pagamento.
Dentro deste espírito de quitar o débito para com o fisco, cuja a modalidade ordinária e usual no dizer de Hugo de Brito Machado (6) é realmente o pagamento, assevere-se que muitas vez o crédito embora pago em moeda, não ocorre em momento único, porém mediante pagamentos mensais e sucessivos através do instituto do PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO. Quer dizer, o poder público (fisco) admite, mediante transação, onde estribados em liberalidades expressas em concessões mútuas (7), que o sujeito passivo quite seu débito, mediante o desembolso parcelado de quantias até o zeramento de seu passivo, consoante critérios rígidos contidos em lei ou regulamento.
Lembre-se porém que enquanto não integralmente honrado o parcelamento pelo contribuinte opera-se a suspensão do débito tributário até a quitação integral do avençado. O Prof. Bernardo Ribeiro de Moraes observa, verbis:
"Pelas causas da suspensão,
a exigibilidade do crédito tributário fica obstada
por um certo período de tempo. O Poder Público não
poderá, nesse período exigir o crédito tributário,
embora este já esteja definitivamente constituído.
(...)
Essa suspensão do crédito tributário vem a ser uma simples dilação temporária da sua exigibilidade para os casos previstos em lei." (8)
O certo é que tal concessão, independentemente da classificação, se como cláusula extintiva ou suspensiva da obrigação tributária, não deve causar qualquer furos, vez que não tem por intuito lesar o patrimônio público. Muito pelo contrário objetiva facilitar os ingressos decorrentes das variadas formas de receita derivada, tributos, sem maiores sacrifícios ao contribuinte (9). Neste sentido já decidiu os tribunais:
"AÇÃO POPULAR - PORTARIA 655/93 DO MINISTRO DA FAZENDA, QUE PERMITIU O PARCELAMENTO DO COFINS - INDEFERIMENTO DA INICIAL - REMESSA DE OFÍCIO - CONHECIMENTO - O art. 19 da Lei 4.717/65 estabelece o duplo grau de jurisdição em relação à "sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação" popular. No caso, inexiste impossibilidade jurídica do pedido porque o autor poderia, através de outra via, insurgir-se contra mencionado ato normativo, ainda que desvinculado de qualquer ato concreto, ou seja, em tese. Houve, todavia, inadequação do interesse processual à via eleita, uma das condições da ação, estando, assim, presente a carência, o que viabiliza o conhecimento da remessa. A Portaria 655/93, do Ministro da Fazenda, que cuida do parcelamento do COFINS, em princípio, não tem o condão de lesar o patrimônio público, mormente porque, facilitando o recebimento do crédito tributário, beneficia a Fazenda Pública. (TRF 1ª R. - REO 94.01.30579-0 - DF - 4ª T. - Rel. Juiz João V. Fagundes) (10)
Note-se inclusive que nenhum prejuízo advém aos cofres dos entes tributantes, inclusive a prescrição é interrompida. Neste sentido temos:
"O pedido de parcelamento do débito é causa interruptiva da prescrição (CTN, art. 174, IV). Enquanto pendente o parcelamento, não há que falar em prescrição."(AC n.° 56.992 - RS, 3ª T) (11)
No mesmo sentido AC n.° 61.517 - SP, 3ª T. (12)
Note-se ainda, que, em regra a Repartição
Tributária não está obrigada a aceitar o
parcelamento, salvo quando, a Lei determinar tal imposição.
Porém, no próprio interesse do Erário Público,
o parcelamento não deve ser negado indistintamente; salvo
em se tratando de contribuinte com antecedentes duvidosos, cujo
objetivo de um requerimento desta natureza é notadamente
procrastinatório.
2) A Transação
A transação, consoante o demonstrado no capítulo anterior, é uma das causas extintivas das obrigações tributárias.
Tal instituto é previsto genericamente no art. 156, III, do CTN, supra transcrito e disciplinado de forma pormenorizada, no art. 171, deste mesmo diploma normativo.
Estabelece o CTN:
"Art. 171 - A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso." (13)
O já citado Bernardo Ribeiro de Moraes observa:
"... o vocábulo transação tem o sentido de uma composição amigável entre o credor e o devedor (negócio jurídico bilateral), com o propósito de por termo a determinada relação jurídica." (14)
Portanto, é de uma clareza solar que a transação representa, da mesma sorte que o pagamento, uma modalidade extintiva do tributo, uma vez integralmente cumprida.
Diz mais adiante Bernardo Ribeiro:
"À primeira vista, não pode existir transação no direito tributário, visto que a atividade administrativa do lançamento é vinculada e obrigatória. A autoridade tributária não pode fazer concessões. Ao contrário, deve ela efetuar o lançamento conforme determina a lei.
Todavia, na prática tributária a transação tornou-se necessária. A Lei n.° 1.341, de 31.01.51, assim, abriu, exceção, permitindo a transação diante de autorização expressa do Procurador-Geral, nos casos em que a Fazenda Federal deseje terminar o processo. Encontrou-se, na transação, um instrumento para terminar litígios tributários, desde que estes apresentem dúvidas sobre certa relação jurídica." (15)
O Ex Procurador Geral da Fazenda Nacional Cid Heráclito Fontoura de Queiroz em Parecer de sua lavra sinalizou:
"A transação entre a Fazenda Nacional credora e o executado devedor se materializa no termo de parcelamento, lavrado nos termos propostos pela credora, até mesmo como condição estabelecida por esta para concordar com o favor." (16) (Grifos do original)
As cortes do país, por sua vez, vem sinalizando:
"CRÉDITO TRIBUTÁRIO - Parcelamento. Transação entre o fisco e o contribuinte. Inexistência de previsão de reajuste pela variação do indicador econômico incidente à época. Renúncia da fazenda ao critério correcional evidenciada. Impossibilidade de incidência a posteriori e in pejus de inovação monetariamente onerosa. Acordo que não se sujeita a modificações posteriores só pela vontade de uma das partes, mormente se a alteração advém de simples resolução administrativa, sob pena de se negar o princípio pacta sunt servanda. Aplicação do art. 1.027 do CC. Declarações de votos vencedor e vencido. (TJMG - Ap. 78.146-5 - reexame - 5ª C. - Rel. Des. Corrêa de Marins - J. 08.03.90) (17)
"A transação (acordo) para pagamento do débito parceladamente, apenas suspende a execução; não a extingue." (AC n.° 52.957 - MG, 2° T) (18) (grifamos)
Como se depreende o parcelamento administrativo dos
créditos de natureza tributários é um instituto,
também a nosso ver, notadamente transacional, vez que nos
limites da lei, sujeito ativo e passivo acordam acerca da liquidez
da dívida e do número de parcelas em que se quitará
o débito. A lei apenas estabelece os limites.
3) Da Evolução Histórica das Leis de Parcelamento Administrativo
O pagamento parcelado de débito tributários não constituem novidade em nosso ordenamento jurídico, fazendo assim parte da tradição legislativa nacional, inclusive com referências constitucionais.
A primeira norma que podemos trazer a baila, vez que atinente a temática, é o Decreto Imperial de 18 de agosto de 1831 que prescrevia em seu art. 4°:
"O Procurador da Fazenda Nacional conformando-se com as instruções gerais, ou particulares, que lhe forem dadas pelo Tesouro, ou pelas Juntas da Fazenda nas Províncias, poderá, no ato da conciliação, estipular com os Devedores da Fazenda Nacional prazos razoáveis para o pagamento, ficando desde logo aparelhada a execução do termo, que desta estipulação se prosseguir nos da penhora, ou seqüestro quando faltar algum pagamento; e não só pelo vencido; mas também pelos outros ainda pendentes, que nesse caso se haverão por igualmente vencidos." (19) (grifos nossos)
A primeira norma que efetivamente fala na expressão parcelamento em sede de Direito Tributário vem a lume mais de um século após o Decreto Imperial antes transcrito. O § 4° do art. 11 do Decreto-lei 352, de 1968, com a redação dada pelo art. 1° do Decreto-lei 623, de 1969, estatui literalmente:
"requerimento do devedor solicitando o parcelamento na via judicial ..."
A atual Carta Suprema em seus Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em seu artigo 57, ocupou-se em sede Constitucional da matéria:
"Os débitos dos Estados e dos Municípios relativos às contribuições previdenciárias até 30 de junho de 1988 serão liquidados, com correção monetária, em cento e vinte parcelas mensais, dispensados os juros e multas sobre eles incidentes, desde que os devedores requeiram o parcelamento e iniciem seu pagamento no prazo de cento e oitenta dias a contar da promulgação da Constituição". (20)
Por outro lado, temos tributos em que o parcelamento é expressamente vedado. A Lei Complementar n.° 77 de 13 de julho de 1993 que instituiu o IPMF estatuía em seu art. 16, verbis:
"É vedado o parcelamento do crédito tributário constituído em decorrência da aplicação desta Lei Complementar." (21)
A Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991), por sua vez, em seu art. 38, § 1°:
"Não poderão ser objeto de parcelamento as contribuições descontadas dos empregados, inclusive dos domésticos, dos trabalhadores avulsos e as decorrentes da sub-rogação de que trata o inciso IV do art. 30, independentemente do disposto no art. 95."
Fora alguns tributos específicos, como os
antes arrolados, em razão de suas peculiaridades, a regra
é a admissão do parcelamento administrativo, como
concessão posta facultativamente a favor da Administração
fazendária para obter os seus créditos.
4) Do Parcelamento
Parcela é a fração de um todo, pequena parte, fragmento é o primeiro sentido que nos ocorre acerca do tema.
O custeio das atividades públicas é atendida em sua grande maioria pelo pagamento dos tributos, receitas derivadas, nas épocas oportunas estabelecidas em lei.
Constitue-se em débito para com a Fazenda Pública aquele contribuinte, sujeito passivo, que não faz tais desembolsos nos momentos oportunas.
A legislação tributária no âmbito da federação brasileira prevê a possibilidade do contribuinte, em débito, para com o erário público, obrar o pagamento de suas pendências em parcelas mensais e sucessivas.
Carrazza exemplifica:
"...digamos que um dado contribuinte devia 100, a título de tributo, e o prazo para o pagamento de seu débito vencia no dia 20 de abril. Não podendo ou não querendo saldar seu débito nesta data, ele - desde que haja lei autorizadora neste sentido - pleiteia o parcelamento do mesmo, que é deferido. Com isto, pagará o débito em, por exemplo, cinco prestações de 22 cada uma, vencendo, a primeira, no dia 20 de maio; a segunda, no dia 20 de junho; a terceira, no dia 20 de julho; a quarta, no dia 20 de agosto; e a derradeira, no dia 20 de setembro." (22)
Frise-se porém que o parcelamento não se inclui entre os direitos públicos subjetivos do contribuinte. É antes de tudo uma faculdade submetida ao crivo do administrador público tributário. As legislações que versam acerca da matéria, nos quatro cantos deste país, asseguram às Autoridades Fazendárias o poder-dever de apreciar os pedidos de parcelamento, analisar-lhes a circunstâncias, deferindo-os ou não, conforme as exigências legais.
Tais limites vem sendo acatados pelos tribunais pátrios. Lemos em voto proferido pelo Desembargador Renato Mimessi, na Apelação Cível n.° 94.003098.9, Porto Velho, julgado em 30 de maio de 1995, Ministério Público do Estado de Rondônia X Divisa Indústria e Comércio de Bebidas Ltda.:
"Conquanto a proposta e a possibilidade de parcelamento sejam legalmente asseguradas, bem como especificadas algumas condições para sua aquisição, não há que se falar em direito líquido e certo subjetivo do sujeito passivo da obrigação tributária, pois este somente exsurgirá quando a autoridade fazendária competente aquiescer com a proposta, manifestando a sua vontade através da assinatura do Termo de Acordo e Parcelamento - TAP, ...
Assim, o parcelamento do débito constitui para o sujeito passivo da obrigação tributária uma expectativa de direito, que se transmudará em direito líquido e certo à suspensão da execução do crédito tributário somente com a convergência da vontade da Fazenda Credora, manifestada através do seu órgão competente, após satisfeitas as exigências legais.
Não poderia ser diferente, pois trata-se de benefício que deve ser outorgado como incentivo, conforme elevada política tributária, sendo compreensível e até mesmo desejável seja negado aos devedores e fraudadores contumazes do fisco." (Unanimidade) (23)
Com o parcelamento, o contribuinte abandona o estado de inadimplência. Tanto que, se quiser, poderá obter a certidão negativa de débito fiscal de que tratam os art. 205 e seguintes do Código Tributário Nacional, isto é, terá direito a uma certidão positiva com efeitos negativos.
Deferido o parcelamento, a época do pagamento do tributo desloca-se para adiante (para a época do pagamento das parcelas).
O parcelamento, portanto, regulariza a situação do contribuinte junto ao Fisco, que só desaparecerá se deixar de honrar com a obrigação pactuada. Neste sentido temos:
"Tributário - Débito Parcelado - Certidão Negativa. 1. Se a dívida foi transacionada entre as partes e obtido parcelamento, claro está que houve suspensão da exigibilidade. 2. Direito da empresa, em moratória, de obter certidão negativa, mesmo que haja registro do documento da circunstância do débito vencível (art. 151, I, CTN). 3. Segurança parcialmente concedida.. (Ac. un. da 2ª T do TRF da 1ª R - MS 94.01.20419-5 - DF - Rel. Juíza Eliana Calmon - j. 29.11.94 - Impte.: Vigibrás - Vigilância do Brasil Ltda.; Impdo.: Juízo Federal da 18ª Vara - DF - ementa oficial) (24)
"Administrativo. Mandado de Segurança. Ilegitimidade do Informante. Certificado de quitação. Débito parcelado e devidamente garantido. Direito a concessão pleiteada.
I - No mandado de Segurança, as informações devem ser prestadas pela própria autoridade apontada como coatora cuja responsabilidade é pessoal e intransferível perante a justiça. Encaminhadas por pessoa não legitimada, tais informações serão consideradas como não escritas, delas não se devendo tomar conhecimento.
II - Estando garantido o débito confessado e parcelado pelo contribuinte, não há como se lhe negar o competente certificado de quitação pleiteado.
III - Remessa de ofício e apelação
desprovidas. Sentença confirmada." (TFR, decisão
de 26/03/84, AMS n° 0103481 - SP, 5ª Turma, Rel. Min.
Geraldo Sobral) (25)
5) Anuência do Quantum Debeatur
Tendo o sujeito passivo pactuado com o sujeito ativo (ius dispositium) a forma de pagamento parcelado do débito fiscal, ainda que inadimplido o avençado, além de tal ato pressupor o reconhecimento tácito da dívida, importa, a outro tanto, iniludivelmente, na concordância acerca do quantum debeatur.
Caso o contribuinte requeira formalmente parcelamento, está aceitando primeiramente a regra do jogo e em segundo momento, está anuindo implicitamente, que a dívida fiscal contra si exigida, é legítima, líquida e certa; porque, in princípio, ninguém em são juízo, vai firmar compromisso para pagar uma obrigação se sobre a qual há dúvidas ponderáveis.
Ora, quando o contribuinte protocola pedido administrativo, através de requerimento, efetua uma CONFISSÃO IRRETRATÁVEL DA DÍVIDA. Reportando-nos aos termos do Decreto Estadual n° 3.017/89 - RICMS - art. 71, parágrafo terceiro, lemos, verbis:
"O requerimento do sujeito passivo, solicitando parcelamento de crédito tributário, na via administrativa ou judicial, valerá como confissão irretratável da dívida". (26)
Trata-se do mesmo dispositivo incerto nos antigos regulamentos do ICM, isto é, a mesma norma do art. 82 - § 2° do Decreto 22.584 e art. 81 § 2° do Decreto 31.425/87.
Como tivemos a oportunidade de ler acima o texto legal fala em confissão. Podemos entender, estribados na lição do Professor Calmon de Passos, que confissão:
"... é uma declaração de ciência, uma declaração da parte sobre a verdade de determinado fato cuja existência importa conseqüência desfavorável para quem admite essa verdade. Nada mais é, portanto, do que um testemunho sobre fato que só diverge dos demais testemunhos por ser feito pela própria parte e em contradição com seus interesses.
A confissão, pois, é meio de prova ao lado de outros meios de prova que o direito consagra, como sejam o documento, a perícia, o testemunho etc. Das demais só diverge pelo fato de ser uma prova poderosa, probatio probantissima, como denominada por alguns" (27)
Estamos, em sede de direito tributário ou diante de verdadeira presunção legal ou se resolvermos nos socorrer do direito privado de verdadeiro contrato. E se assim reconhecermos o parcelamento como ato contratual, tal se sujeita aos dois princípios básicos que regem este instituto jurídico: pacta sunt servanda e lex inter partes.
Tal tese vem sendo perfilada pelos Tribunais pátrios:
"Parcelamento - Improcedência da Pretensão do Contribuinte de Questionar Elementos do Acordo após sua Celebração
Incontroverso o acordo celebrado pelas partes para a liquidação do débito fiscal, como descrito na inicial, o ilustre prolator da sentença impugnada corretamente afirmou que o contrato faz lei entre as partes, razão pela qual não pode a Autora insurgir-se contra o indexador eleito para a atualização das parcelas. Depois de anotar que o Estado tem competência para instituir seus tributos e determinar a forma como eles são cobrados, conclui o julgador: "portanto, a multa, os juros e atualização monetária são devidos na forma como convencionaram as partes, nada podendo reclamar agora a autora."
Ora, se devidos a multa, os juros e a atualização monetária, pela variação da UFESP, pois o contrato faz lei entre as partes, pela mesma razão deveria a sentença julgar devida a outra parcela do acordo. ou seja, a honorária advocatícia." (Ementa não oficial - Excerto extraído do voto do Desembargador Relator Acciolo Freire, 9ª Câmara Civil do TJSP na Apelação Cível n° 205.623-2, em que figuravam como apelantes e apeladas, reciprocamente, a Fazenda do Estado de São Paulo (recurso provido) e o contribuinte Auto veículo Ltda.) (28)
"Parcelamento - Acordo de Vontades ao qual as partes se obrigam voluntariamente - impossibilidade de questionamento posterior
Quanto ao acordo.
A autora e a Fazenda Estadual fizeram acordo para o pagamento do ICMS em parcelas mensais, da avença constou a correção monetária pela UFESP, já vigente o índice do IPC da FIPE.
A autora anuiu a tudo, sem ressalvas.
Agora por esta ação quer afastar a correção.
A questão é singela, ação se presta a alterar cláusulas contratuais, sem lastrear-se em vícios da vontade?
Evidente que não.
É milenar.
Pact sunt servanda." (Ementa não oficial - Excerto extraído do voto do Desembargador Relator Viana Santos, Apelação Cível n° 227.176-2/6, da comarca de São Paulo, Apte.: Comercial Eletrisa Ltda. Apda.: Fazenda do Estado de São Paulo.) (29)
Por outro lado, se trilharmos a senda da presunção legal devemos inicialmente considerar que a legislação tributária, muitas vezes, servindo-se de uma técnica jurídica, destinada a dar certeza às relações e a facilitar as provas (30) constrói certas verdades, considerando inequívocas determinadas situações a partir da constatação de certos fatos ou realização de determinados atos (requerimentos).
Através desta técnica o Fisco muitas vezes, encontra a única forma de levantar o montante da operações realizadas pelo contribuinte e subtraídas à tributação.
Cabe ao contribuintes, com dados concretos, infirmar os pressupostos que norteiam o trabalho fiscal, porém, a simples alegação desacompanhadas de elementos convincentes de prova, permite, assim, a manutenção da presunção. Nosso Conselho Estadual de contribuintes vem decidindo:
"ICM. Diferença de controle. Presunção legal, estabelecida no artigo 211, inciso II, do RICMSC (Lei 4283/69, art. 23) é de natureza "juris tantum". Alegações insubsistentes não a elidem. Notificação mantida. Decisão confirmada. (Processo n° CO13-0097/86-1, Relator: Cons. Alcides Vettorazi, Julgado na sessão de 02/03/88, unânime) (31)
A respeito da presunção tributária, vale transcrevermos também parte do acórdão proferido pela Des. Thereza Tang:
"...Partindo-se do conceito de presunção elaborada por GENY e do qual, bom se diga, não se afastam os demais tratadistas, é de convir, ainda, com a unanimidade da doutrina, com respeito à existência no mundo jurídico, das ficções e presunções de direito, subdividindo-se as últimas, em presunção absoluta (juris et de jure) e presunções relativas (juris tantum).
No momento nos interessam, apenas, as chamadas presunções relativas, pois é delas que se trata o caso em pauta.
São estas presunções chamadas relativas ou juris tantum, somente pela característica especial que possuem, de poderem ser contestadas por prova melhor, ao contrário das presunções absolutas e das ficções, que não admitem prova em contrário.
De resto, tanto as presunções relativas, quanto as absolutas, são "o resultado do processo lógico mediante o qual do fato conhecido cuja existência é certa infere-se o fato desconhecido cuja existência é provável" ( Alfredo Augusto Beker, in Teoria Geral do Direito Tributário, SP, 1963, n° 135, pág. 462), ao contrário do que ocorre com a ficção, que dá certo, para (todos ou alguns) efeitos jurídicos, algo que se sabe não ser certo, ou que é contrário à natureza das coisas (Rubens Gomes de Souza, in art. .., ob e pág. cits.).
...Não se diga, também, que estas construções jurídicas arrepiam os textos constitucionais, já que por visarem, principalmente, facilitar a gestão, liquidação e arrecadação dos diversos tributos e reprimir a fraude à lei tributária ... são amplamente usadas pelo legislador brasileiro, nos moldes de paradigmas estrangeiros incontestados.
A propósito, Oswaldo de Moraes, em seu Dicionário Tributário Brasileiro, ed. 1973, págs. 182/3, alinha uma série de casos em que identifica, no direito tributário pátrio, nítidos espécies de presunção como aquela, por exemplo, que presume rendimento desviado da tributação o acréscimo de patrimônio da pessoa física, sem o correspondente aumento de rendimentos.
Por outro lado, reiteradas vezes tem os nossos Tribunais
enfrentado questões assemelhadas e, à unanimidade,
admitido o recurso às presunções como meio
de evitar a sonegação fiscal, pois como ensina o
renomado Prof. Peres de Ayala, em tópico que nos atrevemos
traduzir: este emprego cumulativo de presunção ou
ficção apresenta particular interesse no Direito-Tributário,
á que através de tal técnica pode resolver
o legislador fiscal um dos problemas mais graves e mais debatidos
em nossa disciplina: o representado pelos casos de incongruência
entre a realidade jurídica e realidade econômica,
criada pelo contribuinte de modo deliberado e com fins de fraude
à lei Tributária (autor cit. por Gilberto de Ulho
Canto, in Estudos e Pareceres de Direito Tributário, 1975,
pág. 401/1)." (32)
Parece-nos esta uma dos objetivos do texto legal supra citado.
Por outro lado muitas decisões, embora sem adentrarem na natureza contratualista do parcelamento administrativo dos crédito tributários ou sem analisarem o prisma das presunções legais, entendem, no mesmo sentido que o parcelamento importa na confissão irretratável da dívida:
"EXECUÇÃO FISCAL - Débito. Confissão extrajudicial irretratável. Parcelamento do débito, acordado em sede administrativa e homologado em Juízo. Eficácia probatória judicial. Art. 353 do CPC. Rejeição liminar dos embargos à execução. Recurso não provido". (TJSP - AC 164.233-2 - 14ª C. - Rel. Des. Franklin Neiva - J. 30.10.90). (33)
"EXECUÇÃO FISCAL - O fato de ter havido parcelamento administrativo de débitos executados judicialmente, não é causa de perda do objeto da ação e nem de extinção do processo. Incidência, na hipótese, do art. 792 do CPC, que possibilita a suspensão da execução". (TJRS - AC 590.083.267 - 1ª C. - Rel. Des. Tupinambá Miguel Castro do Nascimento - J. 02.04.91) (34)
"EXECUÇÃO FISCAL - PARCELAMENTO - SUSPENSÃO DO PROCESSO - 1. Convindo as partes, o juiz declarará suspensa a execução durante o prazo concedido pelo credor, para que o devedor cumpra voluntariamente a obrigação." (art. 792 CPC). (TRF 5ª R. - AC 9.731 - PE - 2ª T. - Rel. J. Petrúcio Ferreira) (35)
"Suspensão da Execução. Pedido de Parcelamento. Cerceamento de Defesa. Recebido o pedido de parcelamento para exame via administração, com efeito de confissão, não pode a execução prosseguir, até que seja solucionado aquele pedido, sob pena de cerceamento de defesa do devedor e nulidade do processo."(Ac n.° 59.827 - SP, 5ª T) (36)
Algumas vozes destoam desta farta manifestação jurisprudencial. Dentre estes merece destaque o magistério de Antônio Carlos Nogueira Reis que conclui em sede de parecer:
"Diante do exposto, estamos em condições de concluir, respondendo à consulta, que o pedido de parcelamento com confissão de dívida de tributo não impede, nem obstacula, o direito que é assegurado ao contribuinte de, a qualquer tempo (observado, tão-somente, o prazo prescricional), discutir a legalidade e legitimidade do crédito tributário, ainda que já tenha recolhido, no todo ou em parte, o débito correspondente, sendo-lhe nesta última hipótese, irrecusável a restituição do indébito, nos termos da lei brasileira." (37)
Hugo de Brito Machado a seu turno observa concludentemente:
"a) Se o fato confessado não corresponde à hipótese de incidência tributária, e, portanto, mesmo efetivamente existente, não é capaz de gerar a obrigação tributária (...), a confissão é absolutamente irrelevante.
b) Se o fato confessado é, em princípio, capaz de gerar a obrigação tributária, porque corresponde à hipótese de incidência do tributo, o efeito da confissão é o de comprovar tal fato.
c) Havendo erro quanto ao fato confessado, e comprovado inequivocamente que o fato confessado não corresponde ao efetivamente ocorrido, tem-se de admitir a prevalência do verdadeiro sobre o confessado." (38)
Considere-se, ad argumentandum, que não estivesse a norma legal falando de confissão irretratável de débito, inclusive, porém tais autores colacionam em suas alegações manifestações jurisprudenciais antigas e específicas: erro ou demonstração contábil através de instrumento pericial, efetuando incontesta prova em contrário.
Vejamos:
"Se o fato apurado pelo fisco estadual foi dado por inexistente, na órbita da Administração estadual, assim inexistindo o fato gerador do tributo federal, não pode prevalecer a obrigação tributária (CTN, art. 113, § 1°), porque sem fato gerador não há tributo. Em caso tal, não prevalece a confissão decorrente do pedido de parcelamento (Dec.-lei 352/68, art. 11, § 4°), porque não há como acolher confissão de débito inexistente." (Ap. Cível n.° 48.112 - SP, TFR, Relator Min. Carlos Mário da Silva Velloso) (39)
"Provada, por perícia, a inexistência do imposto, à luz do princípio de que a obrigação tributária é ex lege, e nunca contratual, ou potestativa, segue-se pela inexpressividade da tese alusiva à não retratabilidade de confissão do débito." (Ap. Cível n.° 38.113 - PR, TFR, Relator Min. Moacir Catunda) (40)
"Dívida Inexistente. IPI. Retratabilidade da Confissão de Dívida. A tese da irretratabilidade da confissão da dívida fiscal, não pode prevalecer quando provada a inexistência do imposto."(EAC n.° 38.113 - PR, maioria) (41)
O Professor Samuel Monteiro depois de arrolar a seguinte decisão:
"Dívida Confessada. Perícia Procrastinatória. Revisão Contábil. Dívida confessada para efeito de pagamento parcelado. Sem procedência a alegação de cerceamento de defesa, face à natureza procrastinatória da perícia pretendida." (42)
Posteriormente traz importante observação acerca do caráter restritivo da prova contábil:
"Somente através de "reconstituição de escrita"; ou, mais tecnicamente, através de Revisão Contábil para efeitos fiscais, poderá, se comprovado erro de fato ou alíquotas diversas da verdadeira, o contribuinte, infirmar a presunção da liquidez e certeza da dívida por ele confessada formalmente, através de acordo de parcelamento ou compromisso, ambos firmados por representante lega (diretor, sócio, gerente, titular de firma individual, procurador com poderes especiais e expressos para tal fim).
A perícia contábil (já em Execução Fiscal), é meramente protelatória, totalmente desnecessária e deve ser indeferida de plano (CPC, art. 420, parág. Único, II); salvo, repetindo, se, antes da citação ou no prazo dos Embargos à Execução Fiscal, o contribuinte comprovar através daquela Revisão Contábil-Fiscal, a existência de erros nos valores confessados, mesmo que pagos parcialmente.
Essa Revisão Contábil-Fiscal ou Reconstituição de Escrita, é trabalho específico e privativo de Auditoria Contábil; logo, somente o CONTADOR legalmente habilitado no Conselho Regional de Contabilidade, poderá efetuá-lo ....
O Supremo Tribunal Federal, já decidiu que qualquer Exame ou Inspeção de Contabilidade, é privativa de CONTADOR (Cf.: RE n.° 79.149 - MG, (2° Turma), in RTJ 75-524/529)." (43)
O certo é que o contribuinte que requer formalmente o parcelamento, está aceitando, por óbvio, implicitamente, que a dívida fiscal contra si exigida, é legítima, líquida e certa.
Não há o que se falar porém, em matéria de parcelamento no instituto da novação. Quem parcela não extingue uma obrigação para contrair outra. Não há nenhuma conversão de uma dívida em outra para extinguir a primeira, conceito deste instituto segundo Clóvis Beviláqua. (44)
No caso, de uma suposta execução fiscal por descumprimento do pactuado executa-se débito fiscal com sustentação em CDA definida. O parcelamento requerido e concedido refere-se a mesma certidão.
Logo, a obrigação é a mesma. Não se extinguiu a obrigação existente para se contrair nova. Não se converteu uma dívida em outra.
Simplesmente, após, em transação, convenciona-se uma nova maneira de pagamento. Não ocorrendo a novação, vez que a segunda obrigação confirma a primeira (art. 1000 do CCB).
Roque Antônio Carrazza destoa deste entendimento. Para ele:
"Na transação, desaparece
a primitiva obrigação tributária, surgindo,
em seu lugar, uma nova (ou novas). Estamos, pois, percebendo,
que a transação, em matéria tributária,
leva à novação.
(...)
Portanto, não resta a menor dúvida
que a transação representa - tanto quanto o pagamento
- tanto quanto o pagamento - modalidade extintiva do tributo.
A transação leva a efeito a extinção
da primitiva obrigação tributária, determinando
o surgimento, em lugar, de uma nova ou novas.
Como escrevemos acima, em matéria tributária,
a transação conduz à novação.
Na verdade, a novação é, a um tempo, causa extintiva e causa geradora de obrigações (inclusive tributárias)." (45)
Washington de Barros Monteiro trilha senda diametralmente oposta observando, verbis:
"não ocorre novação quando o credor tolera que o devedor lhe pague parceladamente." (46)
Os Tribunais, por sua vez já decidiram no mesmo sentido:
"Execução Fiscal. Parcelamento.
Alegação de novação. Improcedência"
(Apelação Cível n° 23.663/8 de Belo
Horizonte, Fazenda Pública de Minas Gerais X Imper - comércio
de Perfumes Cosméticos Ltda., Rel.: Des. Hugo Bengtsson,
3ª Câmara Cível, j. 09.06.94) (47)