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A cláusula "pecunia non olet" em Direito Tributário

Agenda 06/10/2009 às 00:00

É princípio consagrado em Direito Tributário que o tributo deve incidir sobre as atividades lícitas e, da mesma forma, sobre aquelas consideradas ilícitas ou imorais. Isso ocorre de acordo com o princípio pecunia non olet, segundo o qual, para o Estado, o dinheiro não tem cheiro que se traduz na conhecida expressão pecunia non olet. Aliomar Baleeiro lembra que a cláusula surgiu a partir do diálogo ocorrido entre o Imperador Vespasiano e seu filho Tito, quando este se pôs a indagar o pai sobre a razão pela qual se decidiu tributar os usuários de banheiros públicos na Roma Antiga. Assim, o Imperador justificou a incidência do tributo respondendo que o dinheiro não tem cheiro, não importando para o Estado a fonte de que provenha (Direito tributário brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi, 11ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 714). Em outras palavras, pouco importa para o Fisco, desde tempos antigos, se a atividade praticada pelo contribuinte é "limpa" ou "suja".

Assim, diante do fato típico previsto na legislação tributária, o que importa é tão somente a sua análise objetiva sendo irrelevante se o fato gerador do tributo decorre de uma fonte lícita ou ilícita, de ato imoral ou não, de ato nulo ou anulável, criminoso ou não. Em outras palavras, o Direito Tributário preocupa-se em saber tão somente sobre a relação econômica relativa a um determinado negócio jurídico.

De fato, há uma universal incidência do tributo não importando sua origem ou fonte. O Código Tributário Nacional, de certo modo, prevê uma versão atenuada da teoria da interpretação econômica do fato gerador que se desenvolveu na Alemanha, com a doutrina de Ennio Becker. Dispõe o art. 118. do CTN que:

Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I – da validade jurídica os atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

Ademais, é possível verificar que a cláusula pecunia non olet está enraizada no princípio da isonomia tributária consagrado no art. 150, inc. II, da CF/88. Ricardo Lobo Torres esclarece que "se o cidadão pratica atividades ilícitas com consistência econômica, deve pagar o tributo sobre o lucro obtido, para não ser agraciado com tratamento desigual frente às pessoas que sofrem a incidência tributária sobre os ganhos provenientes do trabalho honesto ou da propriedade legítima" (Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário - v. 2, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 372). Assim, aquele que pratica atividades ilícitas não pode ser invocar sua própria torpeza para furtar-se ao pagamento de tributos a pretexto de que o fato gerador não se aperfeiçoaria diante das irregularidades cometidas por ele próprio.

Eduardo Sabbag conta que, recentemente, na Itália, a polícia fiscal autuou uma prostituta, no exercício de sua profissão, ao movimentar vultuosas cifras em sua conta bancária (cerca de um milhão de reais). O referido autor menciona ainda que também a lei francesa prevê "a tributação dos proventos da prostituição" e que na Alemanha "deve haver prevalência da realidade econômica sobre a forma jurídica, no caso de distorção ou emprego anormal ou abusivo desta" (Manual de Direito Tributário, 1ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 98).

Para a legislação brasileira do Imposto de Renda, todos aqueles que auferem renda ou de proventos de qualquer natureza poderão ser chamados a integrar o pólo passivo da relação tributária, independentemente da denominação jurídica de seus rendimentos, títulos ou direitos. O art. 26. da Lei nº 4.506/64 dispõe que: "os rendimentos derivados de atividades ou transações ilícitas, ou percebidas com infração à lei, são sujeitos à tributação sem prejuízo das sanções que couberem". Outros exemplos ainda são citados por Eduardo Sabbag em seu recente Manual:

"I. cobrança de ICMS, em razão da circulação de mercadoria, independentemente de ter havido pagamento do preço acordado pelo adquirente;

II. Na cobrança de ISS, em razão da prestação de serviços de terraplenagem, no âmbito da construção civil, ainda que a empresa prestadora não seja qualificada tecnicamente para este serviço;

III. A cobrança de IOF, incidente sobre empréstimo bancário, ainda que o solicitante tenha deixado o valor em conta corrente, sem utilizar de fato para a finalidade que o levou a efetivar o mútuo;

IV. Cobrança de IPTU, incidente sobre a propriedade de casa, localizada na zona urbana, na qual se explora a prostituição" (Ob. cit., p. 100).

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Com efeito, a jurisprudência tem admitido que é possível a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal (STJ: HC 7.444/RS, 5ª. T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). Isso se deve porque se o ato ou negócio ilícito for acidental à norma de tributação, surgirá a obrigação tributária com todas as conseqüências que lhe são inerentes. Assim, por exemplo, a renda obtida com o tráfico de drogas deve ser tributada, já que o que se tributa é o aumento patrimonial e não o próprio tráfico. Nesse caso, a ilicitude é circunstância acidental à norma de tributação. A propósito do assunto, o STF entendeu ser legítima a tributação de produtos financeiros resultantes de atividades criminosas, nos termos do que dispõe o art. 118, I, do CTN, conforme se vê da ementa reproduzida abaixo:

"Sonegação fiscal de lucro advindo de atividade criminosa: non olet. Drogas: tráfico de drogas, envolvendo sociedades comerciais organizadas, com lucros vultuosos subtraídos à contabilização regular das empresas e subtraídos à declaração de rendimentos: caracterização, em tese, de crime de sonegação fiscal, a acarretar a competência da Justiça Federal e atrair pela conexão, o tráfico de entorpecentes: irrelevância da origem ilícita, mesmo quando criminal, da renda subtraída à tributação. A exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso – antes de ser corolário do princípio da moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética"

(STF: HC 77530/RS, DJ 18-09-1998).

Por outro lado, não se pode conceber que o tributo seja uma maneira de sancionar o ato ilícito ainda que por via indireta. É certo que a exação não atua no sentido de punir, tampouco no sentido de legitimar tais atividades antijurídicas. Isso porque o CTN, em seu art 3º, prescreve que a prestação tributária não constitui sanção (no sentido de legalização ou validação) de ato ilícito, in verbis: "tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito , instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada" (grifei). Conforme já explicado, apenas a receita eventualmente oriunda desses atos é que há de ser tributada. A propósito do assunto, Ives Gandra Martins chega a afirmar o seguinte:

"é melhor tributar atividades que se encontram na linha limítrofe entre o regular e o irregular do que permitir que criminosos as explorem, impunemente, utilizando sua receita - não controlada - para atividades ilícitas, inclusive para a corrupção"

(Loteria, bingo e lavagem de dinheiro. Artigo publicada no Jornal do Brasil. Disponível em: https://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=108767).

Ainda assim é preciso entender que não se pode admitir que a ilicitude recaia sobre elemento essencial da norma de tributação. No caso de importação ilícita, por exemplo, sendo reconhecida a ilicitude e aplicada a pena de perdimento, não poderá ser cobrado o imposto de importação, já que "importar mercadorias" é elemento essencial do tipo tributário. Assim, a ilicitude da importação afeta a própria incidência da regra tributária no caso concreto (STJ: REsp. 984.607/PR, 2ª. T., Rel. Min. Castro Meira, DJe de 05.11.2008). No mesmo sentido, conclui-se que objetos ilícitos não podem ser considerados, sob a ótica do direito tributário, mercadoria ou serviço capazes de gerar recolhimento de ICMS, sob pena de incidir o tributo inclusive sobre a substância entorpecente juntamente apreendida (TJDF: SER 19990110645302, 2ª. Turma Criminal, Rel. Min. Vaz de Mello, DJU de 20.04.2005). Neste caso, a melhor solução é adotada pelo Código Penal que prevê o perdimento de bens e recursos oriundos da infração penal.

Como visto, o ordenamento jurídico brasileiro consagra o princípio pecunia non olet em matéria de Direito Tributário, segundo qual o produto da atividade ilícita deve ser tributado, desde que realizada, no mundo dos fatos, a hipótese de incidência da obrigação tributária. A intenção do legislador ao instaurar a norma do art. 118. do CTN foi de evitar que a atividade ilícita se configurasse mais vantajosa do que os contribuintes com igual capacidade contributiva decorrente da prática de atividades, profissões ou atos lícitos. Por fim, faz-se a ressalva quando a ilicitude recai sobre elemento essencial do tributo sendo que, neste caso, a melhor solução é adotada pela lei penal, já que um tributo não pode prever como hipótese de incidência a realização de um ato ilícito.

Sobre o autor
Átila Da Rold Roesler

Procurador federal da Advocacia-Geral da União, especialista em Direito Processual Civil, autor do livro Execução Civil - Aspectos Destacados (Editora Juruá, 2007), ex-Delegado de Polí­cia Civil do Estado do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROESLER, Átila Rold. A cláusula "pecunia non olet" em Direito Tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2288, 6 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13631. Acesso em: 25 dez. 2024.

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