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Da inviabilidade de incidência de juros de mora sobre obrigações pecuniárias da Fazenda Pública quando não há atraso no pagamento do precatório

Agenda 15/10/2009 às 00:00

1. Resumo

O presente estudo é focado na específica questão atinente aos juros de mora nas obrigações pecuniárias da Fazenda

Para tanto, procedemos à análise da Constituição de 1988, da legislação infra-constitucional e da jurisprudência pátria, o que nos revelará que, em regra, não pode haver incidência de juros moratórios.

As razões de tal conclusão seguem adiante.


2. Dos juros de mora

Os juros de mora são aplicados frente ao inadimplemento voluntário do devedor (art. 395 do CCB/02), ou seja, quando configurada a sua mora, a teor do art. 394 do Código Civil de 2002:

"Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou convenção estabelecer."

Da mesma forma, é relevante o disposto pelo art. 396 do mesmo diploma legal, que prescreve que "Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora."

De fato, não poderia ser imposto um encargo ao devedor quando este não contribua para a demora no cumprimento de sua obrigação

Neste diapasão, não há incidência de juros moratórios sobre as condenações por quantia certa imposta à Fazenda Pública. De fato, pois é evidente que só após a constituição em mora do devedor é que poderão incidir juros moratórios, o que somente se mostrará possível de ocorrer em sede de execução.

Se entre os particulares tais juros incidem desde o trânsito em julgado, isto se dá em razão do art. 475-J, do CPC, que lhes impõe o cumprimento imediato da obrigação.


3. Do regime de pagamento de obrigações por quantia certa por parte da Fazenda Pública como exigência que afasta a imposição de juros de mora

Em se tratando da Fazenda Pública, a Constituição Federal de 1.988 obsta tal adimplemento espontâneo e imediato, tendo em vista que o art. 100 traz a forma que deve, obrigatoriamente, ser observada para o cumprimento de suas obrigações pecuniárias decorrentes de decisão judicial (sistemática do precatório ou da requisição de pequeno valor – RPV), in verbis:

"Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual e Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentar compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.

§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bom como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3° deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório.

§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público.

§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade."

Observa-se que a previsão do § 1º, refere-se apenas à correção monetária, não dizendo nada em relação aos juros de mora.

No caso do precatório uma vez inscrito até 1º de julho, o crédito correspondente deve ser pago até o final do exercício seguinte. Então, a Fazenda Pública dispõe desse prazo para efetuar o pagamento. Realizado o pagamento nesse período constitucionalmente fixado, não há mora, não havendo, portanto, que se falar em cômputo dos juros.

Por imposição da Constituição Federal de 1988 o pagamento de obrigação pecuniária decorrente de sentença judicial deve ser feito por precatório, de modo que não há que se cogitar em mora quando o devedor (Fazenda Nacional) está atado aos termos da legislação mencionada, impedido de cumprir espontaneamente a obrigação, não havendo que se falar em fato ou omissão imputável ao devedor.

O STF tem entendimento pacificado de que não se aplicam juros de mora entre o período que medeia a expedição do precatório e o efetivo pagamento, desde que obedecido o prazo do § 1º, do art. 100, da CF/88, veja-se:

"Recurso Extraordinário. 2. Precatórios. Juros de mora. 3. Art. 100, § 1º, da Constituição Federal. Redação anterior à Emenda 30, de 2000. 4. Inclusão no orçamento das entidades de direito público. Apresentação até 1º de julho, data em que terão seus valores atualizados. 5. Prazo constitucional de pagamento até o final do exercício seguinte. 5. Descaracterização da mora, quando não há atraso na satisfação dos débitos. 5. Recurso extraordinário provido(STF. Tribunal Pleno. RE 298.616/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 03.10.2003"

"CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. JUROS DE MORA ENTRE A DATA DA EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO E O EFETIVO PAGAMENTO. CF ART. 100, § 1º (REDAÇÃO DADA PELA EC 30/2000)

Hipótese em que não incidem juros moratórios, por falta de expressa previsão no texto constitucional e ante a constatação de que, ao observar o prazo ali estabelecido, a entidade de direito público não pode ser tida por inadimplente. Orientação, ademais, já assentada pela Corte o exame da norma contida no art. 33 do ADCT. Recurso Extraordinário conhecido e provido. (Acórdão unânime. 1ª Turma. RE 305.186/SP, rel. min. Ilmar Galvão, DF 18/10/2002)"

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Do voto do então Ministro Sepúlveda Pertence, no RE 298.616/SP, extraímos:

"Ora, juros de mora, perdôe-se o óbvio, supõe mora. E não está em mora quem tem prazo para pagamento, em parte do qual, ademais, lhe é impossível solver a obrigação: com efeito, até a inclusão da verba no orçamento, o pagamento é impossível. E depois se fará conforme as forças do depósito, na ordem cronológica dos precatórios, até final do exercício.

Nos acórdãos dos Tribunais Regionais que pude consultar, que são referidos ou mesmo estão nos autos de um recurso que examinei, do qual sou Relator, parece-me que existe uma nítida confusão entre juros de mora e atualização do valor do precatório. Atualização é mera correção da expressão monetária da dívida, mantida, ao menos teoricamente, o seu valor originário. Juros de mora, diversamente, são a sanção do não-adimplemento no prazo assinado ao devedor da obrigação."

Este também é o entendimento esposado pelo STJ (AgRg no Ag 848905-RS Min. Paulo Gallotti, DJ 28.5.2007; AgRg no REsp 876.959-MG, Min. Denise Arruda, DJ 30.4.2007; AgRg no EREsp 641408-RS, Min. Eliana Calmon, DJ 05.3.2007; REsp 522840/DF, Min. João Otávio de Noronha, DJ 07.2.2007).

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 935.096/SC, rel Min. Felix Fischer, ampliou-se o entendimento para deixar assentado que até mesmo anteriormente à expedição do precatório não é possível aplicar juros de mora, pois a demora não poderia ser atribuída à Fazenda Pública.

Veja-se o voto do relator:

"Entretanto, o caso aqui é diverso. Pleiteia-se o pagamento de juros de mora de período anterior à data da formalização da requisição de pequeno valor.

Nesse caso, também não há como entender devidos juros de mora.

Juros de mora e atualização monetária do precatório ou RPV são coisas distintas. Os primeiros correspondem a sanção imposta ao devedor pelo não adimplemento da obrigação no prazo assinado; a atualização, por sua vez, é, como destacou o e. Min. Sepúlveda Pertence em voto proferido no RE 298.616, "mera correção da expressão monetária da dívida, mantida, ao menos teoricamente, o seu valor originário."

Portanto, se os juros de mora correspondem a uma sanção pecuniária pelo inadimplemento da obrigação, não se pode entender que, enquanto não inscrito o precatório ou expedida a RPV, haja inadimplemento da fazenda pública."

Seja como for, em todos os julgados mencionados a ratio decidendi é apenas uma: não se pode atribuir qualquer ato ou omissão ao Poder Público, eis que deve necessariamente observar o procedimento legal e constitucional.

Com efeito, não há falta, quando é compelido pela CF/88 a aguardar o inter procedimental para quitar suas obrigações.

Pois bem, da mesma forma que aplicado o raciocínio aos casos mencionados acima, a fundamentação neles esposadas também se aplica ao caso em apreço, pois, mesmo antes da apresentação da conta definitiva, o Poder Público já se encontra impedido de quitar a obrigação.

É impossível, vedado, ao Poder Público, cumprir sua obrigação pecuniária antes de diversas etapas: i) ajuizamento, pelo credor, da devida execução de título executivo (art. 730, do CPC), a qual permanece mesmo após o advento da Lei nº 11.382/06; ii) citação; iii) verificação pela Advocacia Pública (União, Estados, DF e Municípios) se os valores estão corretos.

Somente verificando-se incorreções no valor é que haverá embargos à execução, caso contrário, passa-se diretamente à expedição do precatório ou RPV.

Contudo, antes disto, não há possibilidade de adimplemento da obrigação em razão de vedação constitucional.

Mesmo que se cogite em uma situação na qual o Estado se disponha espontaneamente à pagar, isto não afastará tal conseqüência, uma vez que continuará a ser exigível a expedição de precatório.

Com efeito, a igualdade como direito fundamental de aspecto tanto objetivo como subjetivo impõe que as obrigações por quantia certa se sujeitem ao precatório. Não poderíamos diferenciar pessoas que se encontrem em situação equivalente tão somente pela qualidade do título que tenham contra o Poder Público.

Ante a escassez de recursos públicos, incapazes de atender a todas demandas sociais como saúde, educação de qualidade, moradia digna etc. e, mais escassos ainda para o atendimento de credores do Poder Público, impõe que se adote um sistema que seja condizente com o Estado Democrático de Direito.

Assim, o precatório é meio necessário, indispensável, para que não haja favorecimentos ou perseguições, as quais são inadmissíveis no atual estágio da sociedade, do Estado e do Direito.

Se assim é por exigência de direitos fundamentais, por necessidade de garantia de um Estado Democrático de Direito, não podemos enquadrar a demora para a quitação dos débitos do Poder Público na figura da mora como prevista pelo Código Civil. A exigência do prazo para pagamento do precatório (aqueles inscritos até 1ª de julho de um ano podem ser pagos até o final do exercício seguinte) é conseqüência natural dos orçamentos públicos.


4. Conclusões

Por tais razões, não é possível impor-se ao Poder Público (de resto, à própria sociedade que é destinatária da atividade do Estado) a aplicação de juros de mora no caso de fixação de obrigação pecuniária que surge com a própria sentença/acórdão.

De fato, pois não há que se falar em omissão imputável ao Poder Público na quitação de suas obrigações de índole pecuniária até que sobrevenha o termo final, fixado constitucionalmente, para a entrega do dinheiro ao particular. Eventual demora decorre do sistema que, tendo de um lado recursos escassos e, de outro, a necessidade de se dar tratamento isonômico a todos seus credores, adotou o sistema de precatório como mecanismo de garantia de seu perfil de Estado Democrático de Direito também neste aspecto.

Sobre o autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior

Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS JÚNIOR, Ari Timóteo. Da inviabilidade de incidência de juros de mora sobre obrigações pecuniárias da Fazenda Pública quando não há atraso no pagamento do precatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2297, 15 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13660. Acesso em: 22 dez. 2024.

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