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Dinâmica social das tecnologias da informação:

processos de fragmentação e reaglutinação das identidades culturais

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Agenda 13/10/2009 às 00:00

1. Da modernidade à sociedade da informação

Não é de hoje que se discutem as transformações que caracterizam o estágio atual da evolução social. Podemos perceber claramente os contornos de uma ordem nova e diferente de todo estilo de vida, costume ou organização social antecedente. Estamos no limiar de uma nova era, que está nos levando para além da própria "modernidade". O estilo de vida ou estágio social que se convencionou chamar de "modernidade" compreende o período de mudanças ocorridas nos três ou quatro últimos séculos, que emergiu na Europa (a partir do século XVII) e depois se disseminou pelo resto do mundo, devido à sua influência e os benefícios que fomentou. Como efeito, algumas formas sociais modernas (a exemplo do sistema político do estado-nação, a diversificação das fontes e produção por atacado de energia, a produção massificada de produtos para consumo, o trabalho assalariado e os modernos assentamentos urbanos) criaram oportunidades bem maiores para os seres humanos gozarem de uma existência segura e gratificante que qualquer tipo de sistema pré-moderno [01]. Mas a trajetória do desenvolvimento social está nos retirando das instituições da modernidade e nos levando a um novo e diferente tipo de ordem social. Realmente, temos um sentido geral de estarmos vivendo uma nítida disparidade do passado, quando o avanço das tecnologias da informação faz surgir nascentes espaços virtuais, propiciando um novo estilo de vida e novas formas de relacionamento interpessoal, diferentes do padrão a que estamos acostumados. A informática contemporânea, ou seja, a informática em rede, que tem na Internet a concretização de um espaço ou mundo virtual (ciberespaço) está gerando profundas modificações na forma do relacionamento humano e dando novo impulso ao fenômeno conhecido como "globalização" [02].

Uma grande variedade de termos tem sido cunhada para definir essa nova era ou novo período evolutivo, como "pós-modernidade", "pós-modernismo", "sociedade da informação", "sociedade do conhecimento", "nova economia", apenas para citar alguns. Particularmente, preferimos o termo "sociedade da informação", que indica uma mudança de um sistema social baseado na manufatura de bens materiais para outro voltado para um bem atualmente mais valioso – a informação. Este novo modelo ou sistema de organização social se assenta num modo de desenvolvimento econômico "onde a informação, como meio de criação de conhecimento, desempenha um papel fundamental na produção de riqueza e na contribuição para o bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos". Para alguns, ainda não entramos definitivamente na "pós-modernidade" ou nesse novo tipo de sociedade, que ainda se encontra em processo de formação e expansão. Seria mais precisamente uma fase de transição, de transformações institucionais, mas ainda não completamente concluída e estabelecida. Nesse lado se posiciona Anthony Giddens, para quem vivenciamos períodos de "alta modernidade" ou "modernidade radicalizada", mas sem um distanciamento absoluto ou aniquilamento das instituições e modo de vida que caracterizaram a modernidade [03]. Já para outros pensadores e sociólogos, a revolução da tecnologia da informação e a reestruturação do capitalismo foram suficientes para introduzir uma nova forma social. É o caso de Manuel Castells, para quem a "cultura da virtualidade real construída a partir de um sistema de mídia onipresente, interligado e altamente diversificado", que terminou por transformar as "bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo intemporal", caracteriza um novo sistema social, que chama de a sociedade em rede [04]. Castells argumenta que a Internet é muito mais do que simples tecnologia, é o meio de comunicação que constitui a forma organizativa de nossas sociedades [05].

A sociedade, realmente, não é um elemento estático, mas um corpo em constante mutação. A história humana é marcada por certas "descontinuidades" e não tem uma forma homogênea de desenvolvimento. Existiram e podem ser identificadas certas "descontinuidades" ou pontos de transição em várias fases do processo evolutivo social, como, por exemplo, na transição entre sociedades tribais e a emergência de estados agrários [06]. Talvez ainda não dispomos de elementos suficientes para identificar uma "descontinuidade" capaz de separar as novas instituições sociais (pós-modernas) da ordem social anterior. Os modos de vida produzidos pelas tecnologias da informação não nos desvencilharam de todos os tipos de relacionamentos sociais preexistentes. Mas as mudanças ocorridas nas últimas décadas foram tão dramáticas e tão abrangentes que não podem ser comparadas a qualquer outro período compreendido na modernidade. As formas de interconexão social que cobrem o globo promoveram ondas de transformação social em ritmo e escopo diferentes de outros períodos históricos precedentes. A sociedade contemporânea está inserida em um processo de mudança, em que as tecnologias são as principais responsáveis, criando novos paradigmas sociais. Assim, de certo modo não é tão relevante identificar um momento exato de transição, se já saímos de uma fase histórica para outra ou se houve um deslocamento definitivo das instituições sociais modernas. Parece-nos ter maior importância compreender as consequências dessas transformações sócio-institucionais promovidas pela revolução tecnoeconômica. Com o nascimento e desenvolvimento de novas estruturas sociais, a partir das redes de comunicação em escala global, é mais interessante analisar as transformações e suas conseqüências.


2. Desterritorialização x territorialização

As principais transformações sociais promovidas pela revolução tecnológica devem ser analisadas sob o prisma da relação entre tempo e espaço, alterada pelas comunicações em redes de alcance mundial. Essa questão está relacionada com as condições nas quais o tempo e o espaço são organizados de forma a vincular situações de presença e ausência. O cálculo do tempo que constituía a base da vida cotidiana sempre foi vinculado a uma noção de lugar. Havia uma vinculação do tempo e do espaço pelos sistemas sociais. As barreiras geográficas sempre serviram como limites dos sistemas sociais, no sentido de que as pessoas se relacionavam umas com as outras num cenário físico. O lugar ou a localidade em que as pessoas estavam situadas geograficamente sempre esteve intimamente relacionado (e limitando) as atividades sociais delas. A atividade social reservava seus "encaixes" nas particularidades dos contextos de presença (física). Como explica Giddens, "nas sociedades pré-modernas, espaço e tempo coincidem amplamente, na medida em que as dimensões espaciais da vida social são, para a maioria da população, e para quase todos os efeitos, dominados pela "presença" – por atividades localizadas. O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando relações entre outros "ausentes", localmente distantes de qualquer situação dada ou interação face a face" [07].

Com o dinamismo da sociedade em rede, marcada por interconexões comunicativas que perpassam barreiras geográficas (e os limites naturais de sistemas políticos e ordens culturais), esse processo do deslocamento da relação tempo-espaço (lugar) vem a ser estimulado poderosamente. Na verdade, e como adverte Giddens, esse processo de distanciamento entre as noções de tempo-espaço não é uma característica original da sociedade da informação. A modernidade já conhecera, como ele diz, outros mecanismos de "desencaixe" dos sistemas sociais [08]. Por "desencaixe", ele se refere ao deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas de tempo-espaço. Ao lado do desenvolvimento das comunicações e dos sistemas de transporte, que possibilitaram a interação social além dos contextos locais, ele cita o dinheiro como um mecanismo de desencaixe. Ele explica: "O dinheiro é um modo de adiamento, proporcionando os meios de conectar crédito e dívida em circunstâncias em que a troca imediata de produtos é impossível. O dinheiro, pode-se dizer, é um meio de retardar o tempo e assim separar as transações de um local particular de troca. Posto com mais acurácia, nos termos anteriormente introduzidos, o dinheiro é um meio de distanciamento tempo-espaço. O dinheiro possibilita a realização de transações entre agentes amplamente separados no tempo e no espaço" [09]. Giddens tem razão nessa observação das consequências da utilização do dinheiro como fator de deslocamento do tempo em função do local (espaço físico), nas relações sociais, sobretudo agora em que o dinheiro é independente dos meios físicos (papel ou moeda) pelos quais ele era representado, assumindo a forma de pura informação armazenada em computadores de instituições financeiras. Mas nada é comparável, em termos de recombinação da equação tempo-espaço, com as transformações que são proporcionadas com a utilização das tecnologias da informação. As comunicações em redes informáticas são capazes de conectar o local e o global de forma que seria impensável tempos atrás, alterando a rotina e a vida de milhões de pessoas e criando uma estrutura de ação e experiência genuinamente mundial.

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As características peculiares das novas estruturas comunicativas das redes de computadores, que têm na Internet o exemplo mais fidedigno e evoluído, proporcionaram profundas transformações nas relações humanas, em especial no modelo político-administrativo centralizador moderno, fortemente marcado pelo aspecto geográfico na sua definição. A possibilidade de o usuário interagir com a informação, o que não acontece em se tratando dos meios de mídia clássicos (como o rádio e a televisão, que funcionam somente irradiando informações de um ponto central), bem como o aumento da velocidade que as transmissões em rede vêm adquirindo a cada dia, encurtando as distâncias geográficas a ponto de torná-las insignificantes, estariam nos levando a um novo e abrangente processo de "desterritorialização" [10].

Conceito cunhado por Deleuze e Guattari [11], para quem ao longo da história o homem teria sofrido três grandes processos de desterritorialização, essa nova fase seria bem mais profunda e não identificada a um simples deslocamento físico de um espaço para outro, mas sobretudo mental. Primeiramente os selvagens ocupavam uma pequena área circunscrita ao espaço geográfico onde viviam, depois os bárbaros habitaram território mais amplo, até chegar aos povos civilizados organizados em Estados-nação. O poder político e social sempre esteve vinculado a territórios geográficos, exercido por um chefe de tribo, um rei, um parlamento, mas sempre circunscrito a um determinado espaço geográfico, dentro do qual o poder do soberano era quase absoluto. Mesmo numa democracia, o poder político central tem grande influência na vida dos cidadãos, por meio do estabelecimento da estrutura social, do ordenamento legal, de normas econômicas, de praticamente tudo, enfim. Dentro do ciberespaço, onde fronteiras geográficas inexistem, isso tende a se modificar.

Pierre Lévy delineia uma quarta desterritorialização [12], sendo esta uma mudança para o que ele chama de espaço do saber. Em outras palavras, a Internet criou um espaço alternativo de comunicação, livre da ingerência dos governos territoriais, que perderam o poder de determinar o que as pessoas devem estudar, o que fazer e pensar e a quem devem se associar. Dentro do ciberespaço, formam-se grupos auto-organizados, que realizam o ideal de democracia direta, sem necessidade de delegação de poder a representantes. As pessoas se relacionam cada vez mais de acordo com os seus interesses específicos, deixando de se identificar como deste ou daquele país; passam a ser integrantes desta ou daquela comunidade, cujos membros podem estar espalhados pelo mundo afora. Esse fenômeno, inclusive, já começa a ser denominado por alguns pensadores e filósofos como o "neomedievalismo", numa alusão à organização social da Europa medieval, onde o poder político e a autoridade não eram geograficamente definidos.

O ciberespaço é realmente desterritorializante, no sentido de que permite o acesso à informação ilimitada e propicia interação social além de fronteiras físicas. Um internauta que acessa a rede mundial e navega no espaço informacional infinito, vivencia um processo desterritorializante, sem sair do lugar. Mas não devemos ter a idéia do ciberespaço apenas como instrumento do desencaixe físico e da compressão espaço-tempo ou como portador de processos desterritorializantes. A dinâmica social propiciada pelas tecnologias da informação é mais complexa. Em meio ao processo mais amplo de desterritorialização, podem ser visualizados fenômenos de territorialização [13] no ciberespaço. "Desterritorializado, o homem se vale de meios técnicos e simbólicos para reterritorializar-se, construindo seu habitat" [14]. O ciberespaço nasce como espaço estriado, instrumento da sociabilidade coletiva, e vai sendo, pouco a pouco, reterritorializado por "novos agenciamentos da sociedade" [15].

O que possibilita a formação de novos "territórios" é o controle dos fluxos informacionais, em determinadas sub-áreas do ciberespaço. Como já afirmava Raffestin, "o acesso ou o não-acesso à informação comanda o processo de territorialização, desterritorialização da sociedade" [16]. Com efeito, existem certas áreas no ciberespaço que são controladas efetivamente por algumas pessoas, que limitam o acesso à determinada informação. As pessoas que constroem um site, que moderam um chat, que gerenciam uma plataforma de rede P2P ou que monitoram um blog, promovem reterritorializações, na medida em que controlam, nesses subespaços, o fluxo de informações. Todo espaço, físico ou eletrônico, apropriado por alguma força de forma exclusiva, se transforma em um território. Em resposta aos múltiplos engajamentos que propiciados pela utilização das tecnologias da informação, os controladores dessas subáreas marcam no ciberespaço a sua territorialidade.

Essa interferência de múltiplos agentes controladores do fluxo informacional, modificando a estrutura nascente do ciberespaço, "territorializando-o", deu margem ao surgimento de agrupamentos humanos em redes de relacionamentos de interesses específicos e comuns (sejam religiosos, sociais, profissionais etc.). Esses agrupamentos, identificados por outros elementos, como p.ex. o sentimento de pertencimento [17], podem assumir características de verdadeiras comunidades virtuais. Rheingold, um dos primeiros autores a utilizar esse termo, diz que:

"As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem na Rede (Internet) quando uma quantidade significativa de pessoas promove discussões públicas num período de tempo suficiente, com emoções suficientes, para formar teias de relações pessoais no espaço cibernético (ciberespaço)" [18].

As subáreas ou "novos territórios" servem como locos para o estabelecimento das comunidades virtuais. As listas de discussão, os chats, os blogs e outros "lugares" de "assentamento" no ciberespaço não são propriamente as comunidades, não podendo ser confundidos com estas. Servem como suporte da comunidade ou, no dizer de Jones [19], de virtual settlement. Como explica Raquel da Cunha Recuero, sobre a concepção do virtual settlement:

"As idéias de Jones trazem alguns pontos que podem ajudar-nos a esclarecer um pouco a idéia de "comunidade virtual". Se agregarmos, como o próprio autor determina, ao conceito de comunidade virtual o de virtual settlement, veremos que também existe como condição para a comunidade virtual, a existência de um espaço público, onde a maior parte da interação da comunidade se desenrole. Este espaço, por si só não constitui a comunidade, mas a completa. A comunidade precisa, portanto, de uma base no ciberespaço: um lugar público onde a maior parte da interação se desenrole. A comunidade virtual possui, deste modo, uma base no ciberespaço, um senso de lugar, um locus virtual. Este espaço pode ser abstrato, mas é "limitado", seja ele um canal de IRC, um tópico de interesse, uma determinada lista de discussão ou mesmo um determinado MUD. São fronteiras simbólicas, não concretas [20].

Cada comunidade virtual, portanto, se desenvolve a partir de um "local" no ciberespaço que serve como referência para o estabelecimento das comunicações de interesse de seus membros. É o suporte tecnológico da comunidade; não é a verdadeira comunidade, pois o que identifica realmente esta é o senso de traço comum, de identificação de interesses. A comunidade virtual pode ocupar um "lugar" no ciberespaço (virtual settlement), que pode ser um site, um blog, um canal de chat, uma lista de discussão (no Yahoo Groups, p.ex), um determinado espaço em um site que gerencia rede de relações sociais (como, p.ex., no Orkut), só para citar alguns. Mas o que a caracteriza é a identificação de interesses comuns, é a união de pessoas para a realização de objetivos comuns [21]. Para se formar, a comunidade pressupõe, portanto, a interatividade na relação entre seus membros, que se unem movidos por um sentimento de pertencimento. Este é o sentido de ligação, a sensação ou consciência que as pessoas têm de que "são partes de um mesmo corpo" e sentem-se responsáveis por ele.


3. Sociabilização no ciberespaço

A existência das comunidades virtuais faz solapar de uma só vez dois tabus que insistiam em permanecer no que diz respeito às relações sociais nas redes informáticas. O primeiro, de que não poderia ser transportado para o ciberespaço o conceito tradicional de comunidade, relacionado à idéia de uma base territorial (física). A existência de uma base territorial sempre fora, até então, um dos requisitos do conceito de comunidade defendido pela sociologia clássica. Muitos autores criticavam a idéia de uma comunidade virtual justamente por não conseguirem conceber comunidade sem um território físico delimitado, um lugar que propiciasse a interação das pessoas. Agora se sabe que ciberespaço (a exemplo de um lugar físico, como a vizinhança, a cidade, o bairro) permite que as pessoas, mesmo que não vivam em um mesmo lugar, estabeleçam relações entre si e obedeçam a convenções comuns. As tecnologias da informação, ao alterarem a equação espaço-tempo, possibilitaram as condições para a existência de relações entre pessoas separadas fisicamente. Território físico, portanto, não é mais condição para a formação de uma comunidade ou grupo social.

O segundo tabu tinha a ver com as previsões sombrias feitas por alguns pensadores, em relação às modificações na forma de relacionamento humano nos espaços virtuais. Alguns pensadores, considerados "apocalípticos", viam na virtualização das relações por meio telemático um caminho para a degeneração dos valores humanos e para a perda de referências físicas e psíquicas. Baudrillard, por exemplo, chegava a alertar para os perigos das novas tecnologias da informação [22], que podem proporcionar o fim da cultura, das artes etc. Lucien Sfez, por sua vez, aponta o tautismo (que seria uma síntese de tautologia + autismo), para definir o estado de alheamento do homem do mundo exterior, na realização de tarefas repetidas e troca de informações no espaço virtual, como paradigma da nova sociedade da informação [23].

Realmente, não podemos deixar de concordar que as novas tecnologias de comunicação estão proporcionando o aparecimento de um estilo de vida diferente de tudo o que estamos acostumados a vivenciar. O que não nos parece seguro é afirmar que as relações humanas estão sendo enfraquecidas pelas relações tecnológicas; melhor seria dizer que as relações humanas encontraram nova forma de expressão e desenvolvimento, completamente distintos do padrão a que estamos acostumados. De fato, computadores operando em rede estão produzindo uma transformação tão fantástica e assustadoramente veloz na forma como as coisas se processam na sociedade, que o melhor seria tentar compreender como a Internet funciona e como se transforma [24], antes de se anunciar qualquer catástrofe do tipo da massificação e homogeneização do homem.

Como tivemos oportunidade de enfatizar [25], as novas tecnologias da informação, sintetizadas no acesso à internet, constituem meios admiráveis para o descobrimento, a invenção e a criação humanas. As transformações que permitem são imensamente favoráveis aos indivíduos. A cultura e as artes ou qualquer outra forma de expressão da inteligência e sensibilidade humanas tendem a se desenvolver nesse novo mundo virtual, e não ao contrário. Nem tampouco iremos caminhar em direção a um futuro em que os homens passarão a viver num isolacionismo cada vez maior, alheado às relações com seus semelhantes mais próximos. Em primeiro lugar porque é um engano pensar que com o surgimento do ciberespaço o ambiente natural vai ser alterado. O ciberespaço preserva os espaços antecedentes, do mundo concreto e físico, onde as atividades tradicionais irão permanecer. As relações interpessoais, sem a mediação dos meios eletrônicos de comunicação, continuarão a ser estabelecidas nas formas com que estamos acostumados [26]. Em segundo lugar porque a marca mais acentuada da Internet é o cooperativismo, e não o isolamento. Isso tem explicação na própria origem da internet, nascida em meios acadêmicos, utilizada para troca de informações entre pesquisadores, mas também retrata a imensidão da rede, que ninguém, sozinho, consegue dominar e conhecer todo o seu funcionamento, daí porque necessita ser construída coletivamente, com o predomínio de uma ética que valoriza a troca de informações. Por fim, é preciso atentar que a internet é uma mídia totalmente diferente dos "classics media", ou seja, da mídia tradicional - o rádio e a televisão-, que funcionam pela irradiação das informações de uma fonte centralizada. Em razão de sua estrutura toda baseada no padrão de rede - ponto a ponto -, permite estabelecer um processo de comunicação interativo [27].

De um modo geral, portanto, a vida em rede não acarreta problemas para o processo de sociabilização. A rede de computadores não é um agente desumanizador ou de isolamento do ser humano. A vida em rede, como já previa Pierre Levy, traz mais vantagens do que desvantagens, porquanto possibilita contatos mais frequentes e produtivos, aproximando os atores sociais. Abre o caminho para acompanharmos "as tendências mais positivas da evolução em curso e criarmos um projeto de civilização centrado sobre os coletivos inteligentes: recriação do vínculo social mediante trocas de saber, reconhecimento, escuta e valorização das singularidades, democracia mais direta, mais participativa, enriquecimento das vidas individuais, invenção de formas novas de cooperação aberta para resolver os terríveis problemas que a humanidade deve enfrentar, disposição das infra-estruturas informáticas e culturais da inteligência coletiva" [28].

Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. Dinâmica social das tecnologias da informação:: processos de fragmentação e reaglutinação das identidades culturais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2295, 13 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13674. Acesso em: 22 dez. 2024.

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