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Processo legislativo:

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Agenda 01/10/2000 às 00:00

CAPITULO III – FEDERALISMO

3.1. Considerações Iniciais. 3.2. Conceito e surgimento; 3.3. Princípios e características; 3.4. Bicameralismo e federação.

3.1. Considerações Iniciais

Como percebemos no capítulo anterior a respeito do bicameralismo e unicameralismo, a maioria dos países pesquisados adota o primeiro tipo como técnica de organização do Poder Legislativo.

A opção acima registrada está vinculada tendo em vista a influência do federalismo enquanto forma de estruturação dos Estados contemporâneos. A forma federal ao admitir mais de uma autonomia política exige o tipo bicameral como a técnica mais mais condizente a traduzir as aspirações políticas desses entes no processo legislativo.

Em face disso, compreender o tema federalismo constitui-se uma necessidade básica a quem se dispõe a estudar os variados tipos de organização do Poder Legislativo.

Por conseguinte, neste capítulo iremos trazer conceitos e surgimento do federalismo, seus elementos caracterizados com os princípios que o informam, finalizando sobre a necessidade do tipo bicameral aos países que adotaram o federalismo.

3.2. Conceito e surgimento

A expressão federação tem origem do latim, que quer diz foedus, foedoris, cujo sentido é o de aliança e pacto. É "processo de integração política, que significa aliança, sociedade ou união de Estados."(48) Mouskheli conceituará como:

"...um Estado que se caracteriza por uma descentralização de forma especial e de grau elevado; que se compõem de coletividades-membros dominadas por ele, mas que possuem autonomia constitucional, bem como participam da formação da vontade federal, distinguindo-se desta maneira de todas as demais coletividades públicas inferiores".(49)

Essa instituição veio configurar a forma dos Estados contemporâneos, "surgiu como movimento político que visava a descentralização do exercício do poder político e o equilíbrio entre as diversas esferas governamentais".(50)

Suas bases teóricas permitiram aos Estados-membros deterem autonomia, participando, por um critério de representação, na formação da vontade federal.

Anterior a sua expressão política, o federalismo adquiriu seu conteúdo valorativo com Kant. "A primeira formulação de alguns elementos essenciais da teoria federalista, entendida como doutrina social global, se encontra no início da era do nacionalismo nos escritos políticos, jurídicos e filosófico-históricos de Kant".(51)

Atribui-se ao jurista alemão, o precursor da teoria federalista, como asseverou BOBBIO:

"Kant é, então, o primeiro grande pensador federalista e a sua contribuição teórica consiste em ter fundado o Federalismo numa visão autônoma dos valores e do curso histórico. Todavia, não tendo refletido sobre a natureza da inovação constitucional que permitira a fundação dos Estados Unidos da América, não conhecia o funcionamento do Estado federal e, portanto, não possuía os instrumentos conceptuais para conceber, de uma forma real, a possibilidade de um governo democrático mundial capaz de limitar a soberania absoluta dos Estados, mas que também por eles fosse limitado."(52)

A primeira experiência prática da teoria federalista, dá-se nos Estados Unidos no movimento de Independência. As então treze colônias do Norte buscam uma equação que lhes permitissem unir esforços, ao mesmo tempo preservando a identidade de cada uma delas com a menor perda de autonomia. Nesse esforço, é que surgiu a obra "Federalist", um conjunto de ensaios publicado em 1787, da lavra de Hamilton, Jay e Madison. Esse trabalho teórico que serviu a ratificar a Constituição americana é tida como a mais completa formulação do Estado federal.

3.3. Princípios e características

A teoria federalista enfeixa um sistema de princípios e características traçados pela doutrina, por vezes não tão bem divididos conceitualmente, mas servindo a identificar o Estado federal.

A seguir enumeramos os princípios básicos que sustentam a teoria federalista. São eles: i) os cidadãos dos diversos Estados-membros aderentes à Federação devem possuir a nacionalidade única dessa; ii) repartição de competências; 3) competência tributária a cada ente que lhe garanta renda própria; iv) poder de auto-organização com autonomia constitucional; v) possibilidade excepcional de intervenção federal; vi) participação dos Estados-membros na formação da legislação federal; vii) possibilidade de criação de novo Estado ou modificação territorial com aquiescência da população do Estado afetado; viii) Existência de um órgão de cúpula assegurando a interpretação e a proteção da constituição federal.(53)

BORGES NETTO, citando Enrique Ricardo Lewandowski, nos traz características do Estado federal: a) repartição de competências; b) autonomia política das unidades federadas; c) participação dos membros nas decisões da União; e d) atribuição de renda próprias às esferas de competência.(54)

À análise das técnicas de organização do Poder Legislativo emerge necessariamente o estudo da forma de governo. O sistema bicameral, na experiência dos países que o adotaram, tem uma conexão inata com o federalismo. BACKES destaca que é "ponto assente na literatura sobre instituições políticas existir uma relação estreita entre federalismo e bicameralismo."(55)

3.3 Bicameralismo e federação

O bicameralismo tem se conformado para viabilizar o Estado federal. Nesse modelo, é fundamental a presença de uma segunda casa para que represente os interesses dos Estados que compõem a federação. A existência desta casa tem sido uma constante nos países que adotaram como forma de Estado o modelo federal.

Realçando a importância dessa segunda casa, SARTORI leciona:

"A Câmara Alta representará os Estados-membros, baseando-se, portanto, na representação territorial. Desse ponto de vista é também evidente que o federalismo exige um parlamento com duas casas, de igual poder, mas com natureza distinta".(56)

No mesmo raciocínio, SALDANHA ressalta:

"a necessidade de uma segunda câmara no intuito de reforçar politicamente o Legislativo. Nos Estados federais a existência de outra Casa decorre da necessidade de uma representar as unidades políticas que compõem a federação e a outra a União".(57)

Na discussão do unicameralismo e bicameralismo emerge a prevalência do segundo, enquanto técnica adotada pelos países ocidentais, revelando várias formas de bicameralismo, para melhor se ajustar às realidades históricas, políticas e culturais de cada país.

Ao papel de câmara representativa dos interesses dos entes federados, Michel Temer colocou em destaque a função moderadora ou de equilíbrio dos interesses federativos, ao sustentar que no bicameralismo do tipo federal:

"ambas as Casas participam do processo de elaboração da lei, mas o Senado tem função moderadora, visando a manter o equilíbrio federativo. É a adoção desse bicameralismo (federativo) que permite a participação dos Estados no concerto federal. Isto parece, apesar de a Câmara dos Deputados abrigar representantes do povo brasileiro, não há dúvidas de que os deputados oriundos de um Estado tenderão a emitir opiniões que favoreçam seus Estados de origem. É no Senado, em face da paritariedade da representação, que se moderará a atividade legislativa da Câmara dos Deputados quando, nesta, a legislação tiver o objetivo de beneficiar determinadas regiões em detrimento do todo nacional. É no Senado que se promove o equilíbrio dos interesses federativos".(58)

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Todavia, se, por um lado, tem sido uma constante a existência de uma segunda casa para atender aos interesses dos Estados-membros, por outro lado, as competências reservadas a esta casa, mormente no que tange à revisão legislativa, tem variado em diferentes países. Interessante é o modelo da Alemanha. Seus traços foram ressaltados nos estudos de PINTO FEREIRA:

"Há que se mencionar que, de certa forma, existem soluções intermediárias, que consistem no fato de que, nada obstante seja preservado o caráter bicameral, na verdade, a segunda Câmara não funciona em todas as matérias da competência da Câmara Baixa ou Câmara dos Deputados. Trata-se de um bicameralismo desigual. Este modelo ocorre, por exemplo, na República Federal da Alemanha".(59)

Sobre sua composição, lembra BACKES:

"a importância da Câmara Alta alemã se revela por ser composta por representantes dos executivos dos Estados-membros (länder). (...) No entanto, o forte Bundesrat alemão tem seus poderes relacionados aos projetos que afetam os estados, como é ressaltado pelo autor logo a seguir. O poder do Bundesrat se manifesta em apenas 50% das leis, aproximadamente."(60)

E, sobre o poder de veto do Bundesrat alemão, registrou SARTORI que "seu poder veto só é absoluto com respeito às leis que afetam os länder".(61)

Outros países formularam e atribuíram competência à segunda câmara numa compreensão diferente à dos Estados Unidos. A Índia e a Bélgica também são apontadas como exemplos de federações em que o Senado tem consideravelmente menos poderes, não tendo um papel importante no processo de elaboração das leis.

Por fim, ao estudo da revisão do processo legislativo, no sistema bicameral, é essencial focá-lo a partir da forma federal dos Estados contemporâneos. Olvidar esse aspecto, com certeza, qualquer conclusão a respeito da conveniência político-jurídica do trabalho de revisão entre as casas legislativas estaria deformada em seu nascedouro, pois esse aspecto é premissa básica à analise sobre o tema, sobretudo porque todos os países que optaram pelo federalismo constituíram uma câmara com maiores ou menores competências.


CAPÍTULO IV – O PODER LEGISLATIVO NO BRASIL

4.1. Considerações iniciais; 4.2. Generalidades históricas; 4.3. Aspectos do processo legislativo nas Constituições anteriores; 4.4. Bicameralismo; 4.5. Federação brasileira.

4.1. Considerações iniciais

Nesse capítulo pretendemos investigar o surgimento e o desenvolvimento do Poder Legislativo brasileiro, percorrendo etapas históricas iniciadas com a independência de Portugal. Não nos interessa a análise do período colonial, pois nesta fase nossas instituições estavam vinculadas ao Estado português. Isto fugiria à nossa proposta metodológica de centrá-lo na análise do processo legislativo.

Explicitando, brevemente, essas etapas do desenvolvimento do Poder Legislativo pátrio, pretendemos situar melhor a discussão do processo legislativo atual, objeto do capítulo posterior.

4.2. Generalidades históricas

O Poder Legislativo no Brasil surge sob o signo da intervenção do Poder Executivo. Recém havíamos nos tornado independentes de Portugal, e em nossa primeira demonstração de maturidade político-institucional há uma ruptura nos trabalhos do Poder Legislativo originário - a primeira Assembléia Nacional Constituinte. A propósito assinalou SALDANHA: "Nossa história legislativa nasce de forma traumática com a intervenção do Imperador D. Pedro I, em 1823, que dissolveu a Assembléia Constituinte."(62)

Com isso, a primeira Carta Constitucional brasileira vai definir a estrutura organizacional do Estado brasileiro de maneira autoritária, traçando nesse Texto as funções que cabiam a cada Órgão que compunha a estrutura do Estado nacional:

"A iniciativa das leis, como acontece hoje, podia ser de qualquer das Casas. No entanto, as prerrogativas estabelecidas na Constituição para a Câmara eram em maior número do que hoje: cabia à Câmara a iniciativa sobre impostos e recrutamento; sobre o exame e reforma dos abusos da administração finda; iniciativa de reforma de artigo constitucional; e, como hoje, a ela cabia a iniciativa de exame das propostas do Poder Executivo".(63)

Pela Carta Imperial o Brasil nasce com o tipo bicameral, mesmo a forma de Estado sendo unitária. Teremos um Senado exercendo um papel moderador, a par da própria Câmara dos Deputados ser dotada de uma feição nada democrática, exigindo-se para nela fazer parte situação econômica privilegiada, conforme asseverou FERREIRA FILHO:

"A Carta de 25 de março de 1824 confiava o Poder Legislativo à Assembléia Geral (exigindo para seus atos a sanção imperial). Esta assembléia se compunha de uma Câmara de Deputados, representativa do povo, e de um Senado, de membros vitalícios, com função de contrapeso e moderação, o que deflui das condições de elegebilidade para o mesmo, especialmente quanto ao censo mais alto e à idade mais avançada. Adotava, pois, essa Constituição o bicameralismo sistemático".(64)

No período republicano, a partir de 1891, inauguramos uma nova fase constitucional, com importantes alterações na forma e conteúdo do Poder Legislativo. Um dado significativo foi a adoção do federalismo enquanto forma de Estado, fato que veio reforçar o tipo bicameral como técnica de organização do Legislativo.

Interessante notar que o bicameralismo de natureza moderadora do Império é absorvido pela jovem República, só que agora com a função de representar os interesses dos Estados-membros, sem, contudo, abandonar o papel de câmara moderadora.

O mandato dos senadores era de nove anos, com renovação trienal. "A Constituição de 1891 adotou o modelo atual, com um Senado composto por membros mais velhos, com caráter mais moderador".(65)

A Constituição de 1934, fruto do movimento revolucionário liderado por setores da classe média e setores militares, principalmente os jovens tenentes, representa o fim da República Velha. Nesse Texto a grande alteração foi o novo papel atribuído ao Senado, tornando-se uma câmara de colaboração. Suas competências ficariam mais restritas às questões federativas.

Se por um lado a Constituição de 1934 teve vida curta, na de 1937, que foi outorgada, o Poder Legislativo é esvaziado, foi o que Machado Horta chamou de "Processo Legislativo nominal".(66) O Senado recebe a designação de Conselho Federal, cujo Presidente será escolhido dentre os Ministros pelo Presidente da República.

Já a Constituição de 1946 retoma as funções legislativas, com seus traços básicos: "bicameralismo explícito, amplos poderes para a Câmara Federal, eleições diretas para deputados e senadores."(67)

Com o período ditatorial militar, as constituições (1967 e 1969) e seus atos institucionais novamente desfiguram as instituições políticas. Inúmeras alterações foram promovidas na órbita do Poder Legislativo, visando, como sempre, nos regimes de exceção, esvaziar esse Poder em favor do Executivo. Tal situação perdurou até 1988, quando então inauguramos outra fase em nossa histórica republicana, com a Constituição atual.

4.3. Aspectos do processo legislativo nas Constituições anteriores

No processo legislativo brasileiro - inaugurado com a Constituição de 1824 - tem sido uma constante o processo de tramitação dos projetos de lei iniciar na Câmara dos Deputados.

Vamos perceber, ao longo da história, que a Câmara dos Deputados vai perdendo prerrogativas ao Senado e ao Poder Executivo, diminuindo consideravelmente sua importância institucional.

No Império, maiores eram as competências da Câmara, que podia dispor sobre impostos e recrutamentos; sobre o exame e reforma dos abusos da administração finda; iniciativa de reforma de artigo constitucional e poder de veto absoluto, podendo rejeitar qualquer matéria.

No Brasil, tradicionalmente desde a Constituição Imperial, cabe ao Poder Executivo a atribuição para a elaboração e apresentação da proposta orçamentária, pois é este Poder quem conhece a realidade sócio-política em que irá atuar, possibilitando o fornecimento de maiores elementos ao legislador, para análise e decisão sobre a peça orçamentária.(68)

Além da atribuição de propor e aprovar projetos de lei, em conjunto com a Câmara dos Deputados, o Senado tinha atribuições de corte judicial, devendo conhecer dos delitos individuais cometidos pelos membros da família imperial, ministros de Estado, conselheiros de Estado e Senadores, e dos delitos dos deputados durante o período da legislatura; conhecer da responsabilidade dos secretários e conselheiros de Estado. Cabia-lhe expedir cartas de convocação da Assembléia, caso o Imperador não houvesse feito dois meses depois do tempo determinado pela Constituição, reunindo-se para tal extraordinariamente. Cabia-lhe ainda convocar a Assembléia da morte do Imperador para eleger a Regência.

Na Constituição de 1891 manteve a prerrogativa de corte judicial, todavia perdeu a de convocar o Congresso Nacional.

Com a Constituição de 1934, o Senado passa a ter como incumbência fundamental "promover a coordenação dos poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura das leis e praticar os demais atos de sua competência".(69) Atribuições privativas lhe foram ampliadas, entrementes, perdeu a prerrogativa de corte judicial no julgamento de crimes comuns do Presidente da República e de ministros de Estado, atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Relativamente aos crimes de responsabilidade do Presidente e dos ministros, conexos com este, criou-se um Tribunal especial.

O Poder Legislativo foi atribuído à Câmara dos Deputados, com a colaboração do Senado Federal. A participação do Senado no processo legislativo passou a limitar-se a determinadas matérias, de caráter mais propriamente federal, como: estado de sítio, sistema eleitoral e de representação, organização judiciária federal, tributos e tarifas, mobilização, declaração de guerra, celebração de paz, passagem de forças estrangeiras pelo território nacional, tratados e convenções com as nações estrangeiras, comércio internacional e interestadual, regime de portos, navegação de cabotagem e nos rios e lagos do domínio da União, vias de comunicação interestadual, sistema monetário e de medidas, banco de emissão, socorro aos estados, matérias em que os estados tivessem competência legislativa subsidiária ou complementar.(70)

Com a Constituição de 1946, o Senado recupera a prerrogativa de corte judicial para processar e julgar o do Presidente e seus ministros, em crimes de responsabilidade.(71) Ainda nessa Constituição a Câmara dos Deputados continua a ter a primazia para legislar sobre matéria financeira e fixação dos efetivos das forças armadas, agora essas prerrogativas são divididas com o Presidente da República.

A competência do Senado é alargada compreendendo: a "autorização de empréstimos externos dos estados e municípios; suspender, no todo ou em parte, lei ou decreto declarados inconstitucionais e o rol de atividades que necessitam de sua aprovação."(72)

No período da Ditadura Militar (1964 a 1985), a Câmara dos Deputados e o Congresso Nacional perdem prerrogativas. "O Congresso só podia acatar ou rejeitar os decretos-lei, não lhe era permitido emendar. (art. 55, 1969) O presidente recebe iniciativa para propor emenda constitucional, o que não tinha anteriormente (art. 47, inciso II/69). Outra inovação que surge com as Cartas do período ditatorial é a faculdade concedida ao Presidente de solicitar urgência para seus projetos.(73)

Nas matérias financeiras e militares a Câmara "perde as primazias legislativas que dividia com o Executivo com relação a iniciativa de leis de impostos (Império e em 1891) e matéria financeira (1946), e de iniciar legislação sobre matéria financeira e efetivos militares.

Como acentuamos noutro momento, o Senado invade as competências da Câmara dos Deputados, ampliando "as suas competências, pois passou a ter iniciativa legislativa em área que era só da Câmara (matéria financeira). Aumentou seu controle sobre altas autoridades e com relação ao endividamento e financiamento dos estados. A partir da última Constituição, passa a controlar também o endividamento também da União".(74)

4.4. O bicameralismo no Brasil.

Em nossa histórica constitucional, todas as Cartas "deram estrutura bicameral ao Legislativo. Variou, porém, o caráter desse bicameralismo."(75)

À assertiva acima, BARBOSA corrobora nossa vocação bicameral:

"No Império, a Assembléia Geral se compunha de suas câmaras: a dos Deputados e a dos Senadores. Na República de 1891, o Congresso Nacional era formado por dois ramos: Câmara dos Deputados e Senado. A Constituição de 1934 alterou o sistema, declarando no art. 22 que o Poder Legislativo "é exercido pela Câmara dos Deputados com a colaboração do Senado Federal". (...) Na Carta Constitucional da Ditadura do Estado Novo, o Poder Legislativo seria exercido pelo Parlamento Nacional com a colaboração com o Conselho de Economia Nacional e do Presidente da República.(...)Na Constituição de 1946, o Poder Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, que se compunha da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. As Cartas de 1967 e 1969 mantiveram a estrutura do Poder Legislativo tal como fixado na Constituição de 1946".(76)

Mesmo na forma de Estado unitário, com a independência de 1822, a Carta de 1824, outorgada pelo Imperador fez a opção pelo bicameralismo, conforme mencionamos em passagem anterior.

Foi com as Constituições de 1934 e 1937 que tivemos expressivas alterações em nosso sistema bicameral:

"Ambas, todavia, amesquinhavam o papel da Câmara Alta (chamada na Carta do Estado Novo de Conselho Federal). De fato, aquela a considerava mera colaboradora da outra e a inscrevia entre os órgãos de coordenação entre os poderes. Esta nela inscrevia representantes escolhidos pelo Presidente, o que a desnaturava numa longa medida." Essas alterações foram revertidas com a Constituição de 1946 a qual retomou com a tradição de 1891. Atribuiu as tarefas do legislativo ao Congresso Nacional, composto da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O mesmo ocorreu com a Constituição de 1967".(77)

Seguindo as tradições, na Assembléia Nacional Constituinte de 1988, sem maiores dificuldades, imperou o sistema bicameral, em que pese as vozes dissonantes, entrementes mesmo entre os defensores do bicameralismo era consenso a reformulação do papel do Senado, consoante sustentou o senador PEDRO SIMON:

"O Senado é uma casa revisora, não homologadora de decisões, como muitos deputados pensam. O Senado tem a função de aprofundar o debate sobre as grandes questões nacionais que dizem respeito ao País como um todo. O Senado tem a função de aprofundar o debate e de conduzi-lo com responsabilidade. Isto não significa homologar, aceitar, declinar da responsabilidade que o Senado tem perante a Nação. Eu sou contra a extinção do Senado. Sou a favor, isto sim, de sua reformulação completa".(78)

4.5. A federação Brasileira

Retomamos um ponto já comentado que é ligação inata do federalismo com o bicameralismo. Em todas as discussões sobre a melhor técnica legislativa, bicameral ou unicameral, prevalece o primeiro tipo, sobretudo quando determinado país faz a opção pelo federalismo enquanto forma de Estado.

O Brasil já havia optado pelo bicameralismo na fase Imperial, cujo reforço se deu quando da "derrubada da monarquia, em 15 de novembro de 1889, com a edição do Decreto nº 1, que adotou a República federativa como forma de governo e de Estado, cuja estrutura definidora somente foi alcançada com a Constituição de 1891. (...) Seu surgimento se deu a partir do Poder central para as ordens jurídicas periféricas".(79)

Desde então, todos os arcabouços constitucionais do Estado brasileiro conservaram a forma federativa, tendo na Constituição de 1988 ganhado foro de princípio fundamental, protegido pela cláusula de imutabilidade, a denomina cláusula pétrea, inscrita no art. 60, parágrafo 4º.

Muito se discute se o modelo federativo brasileiro é algo que corresponde a nossa realidade, cujos detratores aduzem que nada mais fizemos do que copiá-lo da experiência americana. A esse debate trazemos as opiniões de BONAVIDES:

"Ao contrário do que muita gente pensa e diz – repetindo impensadamente um lugar-comum infundado na realidade dos fatos – a federação, no Brasil, não foi uma criação artificial, uma importação de modelo estrangeiro, uma imposição forçada dos fundadores da República. A federação correspondeu, no Brasil, ao atendimento de uma necessidade profundamente enraizada nas condições de vida da sociedade brasileira diversificadamente distribuída nas capitanias e depois províncias do país. "

E continuou o mestre cearense:

"O centralismo do período colonial, trazido por Portugal, e que prosseguiu, embora atenuado, durante o Império, é que foi uma solução artificial, imposta autoritariamente, de cima para baixo, Um centralismo que asfixiava, matava, abafava a vida política, mental e econômica das regiões em que se repartia o país."(80)

É incontestável que todo o debate acerca do fortalecimento da federação enquanto base da República brasileira passa necessariamente pelo exame das competências do Senado. Seu papel mais largo ou mais restrito relativamente às suas competências, seu papel de iniciar ou rever os projetos de lei dizem respeito à questão federal. Por isso, quando nos propomos a refletir sobre a revisão dos projetos de lei entre a Câmara dos Deputados e o Senado não podemos deixar de trazer à discussão as bases federais da República brasileira.

Sobre o autor
Peterson de Paula Pereira

Procurador da República no Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Peterson Paula. Processo legislativo:: a revisão entre as Casas do Congresso Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/137. Acesso em: 5 nov. 2024.

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