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Efetivação dos direitos fundamentais e ativismo judicial.

Uma proposta de análise empírica

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O objetivo é viabilizar uma análise que permita discernir entre o discurso retórico sobre ativismo judicial e as decisões de importante impacto na efetivação dos direitos sociais.

RESUMO

A Constituição de 1988 incorporou direitos fundamentais que problematizaram a relação entre os três Poderes e suscitaram um novo papel para o Poder Judiciário. Contudo, o debate sobre a efetivação dos direitos fundamentais, em especial os direitos sociais tem sido permeado pelos conceitos de judicialização da política e ativismo judicial. A proposta do presente trabalho é refletir sobre a relação entre a necessidade de efetivação dos direitos sociais e o fenômeno do ativismo judicial com base em um recorte da realidade do Distrito Federal na pesquisa empírica elaborada. O objetivo é viabilizar uma análise que permita discernir entre o discurso retórico sobre ativismo judicial e as decisões de importante impacto na efetivação dos direitos sociais.

PALAVRAS-CHAVE: direitos fundamentais – ativismo judicial – pesquisa empírica – Poder Judiciário.


ABSTRACT

The 1988 Constitution incorporated fundamental rights that questioned the relation between the three Powers and fostered a new role for the Judicial Power. However, the debate about accomplishing fundamental rights, especially social rights, has been permeated by definitions of judicialization of politics and judicial activism. The proposal of this paper is to reflect about the link between the need of accomplish of social rights and the phenomenon of judicial activism based on a cutting of reality in Federal District in the empirical research done. The purpose is to develop an analysis that allows a distinguished conception of rethorical speech about judicial activism and important decisions with impact on accomplish of social rights.

KEY WORDS – fundamental rights – judicial activism – empirical research – Judicial Power.


INTRODUÇÃO

A história política brasileira é marcada por momentos democráticos e autoritários. Após o último momento autoritário, uma nova Constituição Federal foi promulgada, em 1988. Esta Constituição, caracterizada por um forte apelo popular por cidadania e limitação aos desmandos do Estado no período anterior, inovou no tocante ao papel da Constituição e suas relações com a Política.

O debate travado entre os principais atores envolvidos no desenho institucional do Estado Brasileiro à época ilumina a preocupação com a legitimação material da Constituição e com a defesa da mudança da realidade pelo Direito. A esta percepção de Constituição deu-se o nome de Constituição Dirigente (BERCOVICI, 2004) e muitos dos debates atuais se concentram na efetivação dos direitos fundamentais e no exercício da cidadania previstos no novo texto constitucional.

Portanto, a Constituição de 1988 não representa apenas a reconstrução do Estado de Direito após o período de autoritarismo militar, mas também um resgate do direito, inclusive do próprio papel ativo do Judiciário, em uma percepção mais ampla de "dizer o Direito". Isto porque, de forma restritiva, "dizer o Direito" pode ser resumido em resolver os litígios, que é sem dúvida uma percepção crucial. Contudo, ela não é a única. Quando utilizamos a expressão "dizer o direito", ampliamos o leque de funções dos tribunais, construindo um quadro conceitual e teórico que extravasa o domínio do litígio. (SOUSA SANTOS ET AL., 1996). O "dizer o direito" pelo Judiciário está no contexto da efetivação dos direitos fundamentais e do pleno exercício da cidadania.

É este cenário que conduz ao presente trabalho. Diante das novas demandas impostas ao Poder Judiciário, dois fenômenos muito estudados pela ciência política americana foram incorporados às pesquisas brasileiras: a "judicialização da política" e o ativismo judicial. As análises elaboradas sobre os dois fenômenos normalmente desprezam o citado papel atribuído ao Direito na Constituição de 88 e consequentemente na sua contribuição para a efetivação dos direitos fundamentais.

Isto é, procura-se sublinhar os efeitos que a "fabricação judicial" de decisões vem produzindo nas relações sociais e políticas, para se tentar entender em que grau isso pode ser defensável ou não. As instituições que compõem os diversos sistemas judiciais têm sido apresentadas pela literatura especializada como cada vez mais ativas no controle das políticas públicas. Teóricos de diversos matizes argumentam que isso acarreta uma delegação de poder que privilegia atores, formalmente neutros ou imparciais, em detrimento dos representantes políticos profissionais. (HALIS, 2004, p. 33)

Nosso objetivo aqui é questionar as críticas à atuação do Poder Judiciário no contexto da proposta constitucional: os direitos sociais incluídos no catálogo dos direitos fundamentais demandam uma prestação de natureza fática, por intermédio da implementação de políticas públicas. Desta feita, possibilitam a exigibilidade da prestação estatal, vinculando a atuação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (BONTEMPO, 2009).

Para tanto, os dois fenômenos serão analisados à luz de uma pesquisa empírica no âmbito do Distrito Federal – as demandas pelo direito à saúde em primeira instância - e no contexto de um texto constitucional comprometido com a Justiça Social.

A pergunta-problema feita ao recorte da realidade da assistência à saúde no Distrito Federal foi: em que medida as decisões judiciais retratam o ativismo judicial como uma invasão jurisdicional nas políticas públicas de saúde e nesse sentido dificultam a efetivação dos direitos fundamentais? Nossa hipótese é de que o Poder Judiciário não tem se comportado como "ativista" na efetivação dos direitos fundamentais, e que o discurso presente nos recentes debates sobre judicialização da política e ativismo judicial é mais "retórico", sem conexão com a realidade. O contexto do papel atribuído ao Poder Judiciário pela Constituição de 1988 e a necessidade de efetivação dos direitos fundamentais acompanhará a análise ora proposta.

Assim, iniciaremos o presente trabalho com uma explanação sobre o contexto sócio-jurídico que permeia o debate – a efetivação dos direitos sociais no contexto dos direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição de 1988. Em um segundo momento traçaremos reflexões de cunho teórico sobre a judicialização da política e o ativismo judicial. Por fim, relataremos a pesquisa empírica efetuada e os principais dados levantados, que então conduzirão para a conclusão.


I – A PROBLEMÁTICA DA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

A Constituição de 1988, seguindo a tendência da época, incorporou no seu texto os direitos econômicos, sociais e culturais - DESC, aqui mais genericamente denominados de "direitos sociais". São direitos que, em sua maioria, demandam uma conduta positiva do Estado por meio da implementação de políticas públicas, com vistas à realização da igualdade material.

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Contudo, a efetivação desses direitos logo após a promulgação da Carta de 1988 foi esvaziada pelo debate quanto ao caráter programático das normas constitucionais e na leitura ortodoxa da teoria da separação dos poderes.

No passado, vários fatores restringiam a atuação jurisdicional no campo social. Predominava a percepção de que os juízes deviam se restringir a aplicar as normas editadas pelo legislador. As prestações sociais, ainda que positivadas no texto constitucional, só seriam judicialmente exigíveis quando o legislador assim determinasse, definindo legalmente os parâmetros segundo os quais o Estado as proveria. Esse ponto de vista tradicional começa a ser superado em meados da década de 1990, com decisões judiciais que determinam a entrega de medicamentos para portadores do vírus HIV. (SOUZA NETO, 2008, p. 515)

Essa "pressão" e aumento da demanda no Poder Judiciário pode ser atribuída a inúmeros fatores, entre eles o movimento de afirmação da normatividade do texto constitucional, as crises dos Poderes Legislativo e Executivo na implementação dos direitos sociais, e a superação do paradigma do positivismo jurídico (SOUZA NETO, 2008).

Conforme retomaremos adiante, no Brasil, o aumento da demanda foi atrelado ao fenômeno da judicialização das relações sociais. A questão da efetivação dos direitos sociais no Brasil é a grande responsável por esta nova abordagem. Diante da omissão do Poder Executivo, muitos dos direitos sociais previstos na Constituição de 1988 não foram efetivados e o cidadão tem procurado a Justiça para sua efetivação. Contudo, "o crescente processo de ‘juridificação’ das diversas esferas da vida social só é compatível com uma filosofia constitucional comprometida com o ideal da igualdade-dignidade humanas e com a participação político-jurídica da comunidade" (CITTADINO, 2004, p. 106).

No momento, a argumentação jurídica reside no embate entre "mínimo existencial" e "reserva do possível" que conduz às divergências teóricas sobre o papel do Poder Judiciário. O primeiro implica no dever de o Estado assegurar as condições materiais mínimas de vida para as pessoas mais necessitadas como garantia da liberdade real e a proteção dos pressupostos da democracia. (SARMENTO, 2008). A reserva do possível identifica-se, por outro lado, "com a existência de embasamento legal para que o Estado incorra nos gastos necessários à satisfação do direito social reclamado. A questão nodal, aqui, diz respeito à existência de previsão orçamentária para a realização de determinada despesa, tendo em vista o princípio da legalidade da despesa." (SARMENTO, 2008, p. 573)

Essas duas argumentações jurídicas concentram a maior parte do debate, que podem ser resumidas em problemas como: o Poder Judiciário está tecnicamente preparado para auferir a implementação de uma política pública? Em que medida é "justo" condicionar a eficácia dos direitos sociais ao orçamento? O mínimo existencial se restringe àqueles que não possuem recursos necessários à aquisição da prestação demandada do Estado? Em que medida condicionar a prática da cidadania ao ajuizamento de demandas perante o Judiciário implica nova exclusão de grande parte da população, desprovida de recursos financeiros, do acesso à cidadania?

Apontamos apenas alguns dos problemas que suscitam o debate. A questão é matéria de tal importância no Poder Judiciário hoje que o Supremo Tribunal Federal - STF convocou uma Audiência Pública sobre a temática do direito à saúde nos dias 27, 28 e 29 de abril, e 4, 6 e 7 de maio de 2009, quando ouviu 50 especialistas, entre advogados, defensores públicos, promotores e procuradores de justiça, magistrados, professores, médicos, técnicos de saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde.

Contudo, nas diversas manifestações durante a Audiência Pública, podemos vislumbrar um importante elemento para a presente análise – o discurso da judicialização da política e do ativismo judicial como "entraves" à política pública, como exacerbamento das competências constitucionais do Poder Judiciário, como violação aos limites normativos à soberania popular, como limitação ao exercício da cidadania, etc...

Conforme aponta o Juiz da 5ª Vara da Justiça Federal em Recife, Jorge André de Carvalho Mendonça, no dia 6 de maio de 2009, durante a Audiência Pública:

Não raramente nos dias atuais vemos grandes críticas da doutrina e também de alguns especialistas que aqui estiveram presentes dizendo que a primeira instância do Judiciário costuma conceder tudo o que se pede – eu queria dizer que isso não é bem verdade. Não é verdade que os juízes de primeiro grau costumam conceder todas as liminares pedidas. Essa afirmação feita algumas vezes não tem base empírica, até porque não existe sistema de informática que permita que se saiba o percentual de liminares concedidas em razão daquelas que foram requeridas. Então, essa informação, com certeza absoluta, não é verdadeira; pelo menos, ela não corresponde a um dado fático pesquisado nos sistemas de informática do Poder Judiciário. (disponível em www.stf.jus.br)

A problemática pode ainda ser apontada em outras palavras: "a indagação é se o Poder Judiciário, para não violar a deliberação pública de uma comunidade política que atua autonomamente orientada pelos valores que compartilha, deve ou atuar como regente republicano da cidadania ou abdicar de garantir direitos constitucionalmente assegurados" (CITTADINO, 2004, p. 108).

E para ainda retomarmos a Audiência Pública no STF, Luis Roberto Barroso comenta que:

A judicialização no Brasil decorre do modelo constitucional brasileiro e, portanto, em alguma medida ela é inevitável. Constitucionalizar é tirar uma matéria da política e trazê-la para dentro do Direito. E, portanto, existem prestações que o Judiciário não pode se negar a apreciar - e é muito bom que seja assim. Porém, a judicialização tem uma óbvia faceta negativa. É que, na medida em que uma matéria precise ser resolvida mediante uma demanda judicial, é sinal que ela não pôde ser atendida administrativamente; é sinal que ela não pôde ser atendida pelo modo natural de atendimento das demandas, que é, por via de soluções legislativas, soluções administrativas e soluções negociadas. A faceta positiva é que, quando alguém tem um direito fundamental e esse direito não foi observado, é muito bom poder ir ao Poder Judiciário e merecer esta tutela.

Aqui retomamos a força matriz do presente trabalho: a necessidade de caracterização empírica da judicialização da política e do ativismo judicial, que muitas vezes se restringe a manifestações por parte dos que não concordam com a decisão proferida pelo Poder Judiciário, esvaziando o fenômeno. A ausência de debate sobre o papel do Poder Judiciário no processo de efetivação dos direitos sociais não é abordada. Cumpre traçarmos agora o conteúdo teórico destes fenômenos para fins da análise ora proposta.


II – A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL

Conforme já destacado, os dois fenômenos aqui abordados são fruto de um relevante papel atribuído ao Direito após o último período ditatorial no Brasil. Isto não quer dizer que seja problema exclusivamente brasileiro. Na verdade, a expansão do poder judicial é um fenômeno mundial do final do século passado. Contudo, normalmente os estudos são feitos a partir dos Tribunais Constitucionais, como mecanismo de defesa do texto constitucional e seu caráter "político".

Nesse sentido, importante salientar como distinguimos "judicialização da política" de "ativismo". A expressão "judicialização da política" passou a ser utilizada pela ciência social e do direito a partir da obra de C.N.Tate e T. Vallinder (1995), em que os autores abordam não apenas o conceito, mas também as condições institucionais para o processo de expansão do Poder Judiciário no processo decisório das democracias contemporâneas, em uma pesquisa empírica comparada em diferentes países. Os autores apontam dois contextos para judicializar a política: transferência do processo de decisão do Poder Legislativo e do Poder Executivo para as cortes, e expansão dos métodos de decisão judiciais para além do campo estritamente jurídico.

Nosso escopo será no primeiro contexto, ou seja, o processo pelo qual as cortes e juízes venham a aumentar a influência e até mesmo elaborar políticas públicas, que até então estavam restritas ao âmbito dos Poderes Legislativo e Executivo. Assim, os autores destacam a importância da "intenção" das cortes em "judicializar".

Até mesmo quando não decidem, os autores aceitam o ato de "não decidir" como uma possível política de fazer política, e assim não esvaziar o papel de "policy-maker", ou seja, de ator no processo de elaboração de políticas públicas.

a judicialização da política requer que os operadores da lei prefiram participar da policy-making a deixá-la ao critério de políticos e administradores e, em sua dinâmica, ela própria implicaria papel político mais positivo da decisão judicial do que aquele envolvido em uma não decisão. Daí que a ideia de judicialização envolve tanto a dimensão procedimental quanto substantiva do exercício das funções judiciais. (MACIEL E KOERNER, 2002, p. 114)

Vianna (1996) destaca ainda que o processo de judicialização da política também advém de uma espécie de "revolução passiva", ou seja, uma revolução sem revolução, onde o Judiciário seria investido da capacidade de interpretar o conteúdo constitucional, transcendendo suas funções tradicionais de simplesmente adequar o fato à lei, mas de inquirir a realidade à luz dos valores e princípios dispostos constitucionalmente, ou seja, os valores universais de uma sociedade que não se reconhece no seu Estado, em seus partidos e no seu sistema de representação.

Portanto, um novo papel é imposto ao juiz:

não como escolha deliberada, mas como reação de defesa em face de um quádruplo desabamento: político, simbólico, psíquico e normativo. O juiz surge como o recurso contra a implosão das sociedades democráticas que não conseguem administrar de outra forma a complexidade e a diversificação que elas mesmas geraram. Ele é o último guardião de promessas tanto para o sujeito como para a comunidade política. (GARAPON, 2001, p. 26-7)

Esse novo papel político do juiz nas democracias contemporâneas, que implica ainda uma nova autoridade, a quem é atribuída a função de legitimar a ação política, estruturar o sujeito, organizar os laços sociais, dispor as construções simbólicas, certificar a verdade (GARAPON, 2001), acarretou, também, uma explosão de litigação. O número excessivo de processos implica uma "juridificação da sociedade": a extensão de processos jurídicos ou do próprio Direito a domínios da sociedade que até então não necessitavam de regulação jurídica, como as relações familiares ou laborais. (PEDROSO, 2003).

No Brasil, a discussão sobre o ativismo judicial tem sido abordada na problemática da judicialização, numa relação de causa e efeito. "A constitucionalização do Direito e a ênfase na efetividade do Texto Fundamental foram fatores determinantes para se ampliar a judicialização no cotidiano" (VALLE, 2009, p. 36). O crescente processo de judicialização da política é resultante de uma progressiva apropriação das inovações da Carta por parte da sociedade e de agentes institucionais (VIANNA, 1999).

Podemos ainda destacar, no contexto da recente Audiência Pública, um enaltecimento do fenômeno da judicialização da política que a própria Ciência Política tem questionado: a utilização do fenômeno como expressão das estatísticas de aumento expressivo das ações judiciais.

A ampliação da problemática da judicialização, saindo daquilo que chamo de "conceito mínimo de judicialização", ou seja, o hiperdimensionamento do caráter procedimental, tem mostrado que o aumento puro e simples do número de processos não implicou uma intervenção efetiva do Judiciário. Portanto, existe também um hipodimensionamento do caráter substancial, isto é, até que ponto os juízes modificam as leis ou atos dos demais poderes? Ou mesmo, até que ponto essas decisões interferem na aplicação de políticas públicas? (CARVALHO, 2004, p. 121)

Para a presente proposta, o fenômeno da judicialização da política forneceu elementos para a caracterização do ativismo judicial. A judicialização representaria o processo mais amplo no qual o ativismo judicial é uma possível característica ou manifestação. Assim, as possibilidades de pesquisa se intensificam na figura do juiz.

A compreensão de "judicialização da política" utilizada na presente pesquisa está atrelada à de Castro (1997), que aponta o fenômeno como "um novo ‘ativismo judicial’, isto é, uma nova disposição de tribunais judiciais no sentido de expandir o escopo das questões sobre as quais eles devem formar juízos jurisprudenciais" (CASTRO, 1997, p. 148). Contudo, a dimensão ativismo/disposição está atrelada à necessidade de descrição do quadro institucional e das regras que permitem ou impedem ações tipicamente políticas por parte dos tribunais.

Especialmente no que se refere ao Judiciário, poder inerte por definição, é necessário explicitar de que maneira sua atuação pode interferir no processo político strictu sensu (os mecanismos de controle constitucional das leis, por exemplo). A partir daí é que o ativismo judicial, se houver, e, também, a judicialização da política, podem ser compreendidos. (ARANTES, 1997, p.99/100, nota 15).

Portanto, urgem análises empíricas dos dois fenômenos, que muito frequentemente são utilizados por quem não concorda com determinada decisão judicial, ou seja, por quem expressa discordância com esta decisão, tornando as expressões vazias, principalmente o ativismo. (LINDQUIST; CROSS, 2009)

Isto não inviabiliza a tentativa de definição e estudo, mas inclui elementos de cunho ideológico que demonstram ainda mais a relevância da pesquisa empírica. Na tentativa de enquadrar essas características em uma pesquisa empiricamente sustentada, Lindquist e Cross (2009) desenvolvem quatro dimensões de análise das decisões da Suprema Corte Americana no período de 1953 a 2004:

a)"maiorista" e de respeito aos Poderes eleitos – quando a Corte escolhe não acatar decisões de outros atores governamentais, refletindo um certo "contragolpe" à maioria;

b)estabilidade dos precedentes e fidelidade à lei – o conceito de stare decisis acarreta estabilidade e previsibilidade no sistema do rule of law, portanto, quando uma decisão visa a refutar um precedente, há uma atitude ativista;

c)enaltecimento institucional – simples expansão da autoridade institucional judicial para atender casos e controvérsias. Aceitando alguns casos que anteriormente eram considerados de competência exclusiva do debate legislativo/parlamentar, a Corte está reduzindo o poder do Legislativo e aumentando o poder do Judiciário;

d)exercício jurisdicional visando ao resultado e a "fazer" política (no sentido de elaborar política pública) – A corte exerce sua autoridade impondo a visão dos juízes do que é uma boa política pública para a nação. Aqui a grande questão reside na definição de Constituição.

Em pesquisa recente efetuada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, chegou-se à conclusão de uma precedência do ativismo judicial do STF sobre o fenômeno da judicialização da política, que se revela como condição subjetiva – uma atitude assumida pelos magistrados sem relação às decisões (e omissões) dos demais poderes – indispensável para se intensificar o processo de judicialização no sistema político brasileiro (VALLE, 2009, p. 38). A pesquisa enfatizou a Corte como parte de uma complexa equação de poder, o que caracterizaria o conceito de ativismo judicial na dimensão "engrandecimento institucional" que apontamos anteriormente.

O presente trabalho, diferentemente, partiu de duas outras dimensões: a de contra-golpe à maioria e a de busca por resultado. Isto porque na mesma linha diagnosticada pelos autores americanos, no Brasil o ativismo judicial tem sido utilizado como discurso retórico que busca criticar o posicionamento de determinado magistrado sobre determinada temática que contraria os interesses do interlocutor que "acusa" o Poder Judiciário de ativista.

As dimensões do ativismo judicial aqui abordadas surgem no contexto apontado na introdução: a Constituição de 1988 atribuiu ao Direito e ao Poder Judiciário um papel preponderante na efetivação dos direitos sociais.

Com vistas à análise empírica do discurso comum atribuído ao Poder Judiciário e que aponta as possibilidades de futuras análises é que o presente trabalho aborda um recorte restrito da realidade na primeira instância no Distrito Federal na temática direito à saúde.

Sobre as autoras
Ana Cândida Eugênio Pinto Ribeiro

Advogada Sindical e Trabalhista em Brasilia, integrante do grupo de Pesquisa do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP “Democracia, Direitos Fundamentais e Cidadania”.

Julia Maurmann Ximenes

Advogada, Mestre em Direito, Doutora em Sociologia Política pela Universidade de Brasília, professora da Pós-Graduação e do Mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Ana Cândida Eugênio Pinto; XIMENES, Julia Maurmann. Efetivação dos direitos fundamentais e ativismo judicial.: Uma proposta de análise empírica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2306, 24 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13752. Acesso em: 8 nov. 2024.

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