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O conteúdo jurídico do dano moral

Agenda 07/11/2009 às 00:00

Assunto freqüente na mídia e nas causas cíveis, o dano moral é talvez o principal responsável pelos processos nos Juizados Especiais Civis Estaduais (antiqüíssimos Juizados de Pequenas Causas, terminologia abolida já há quase 20 anos, mas ainda bastante usual na linguagem popular). Mas o que seria, na verdade, dano moral?

Há uma falsa percepção de que o dano moral seria sinônimo de incômodo, chateação ou qualquer constrangimento que alguém venha a passar motivado por outrem. Entretanto, este não é o real significado do dano moral, ao menos para o Direito.

Antes de mais nada, faz-se necessário esclarecer o que vem a ser o dano, para o Direito.

O dano é um dos requisitos para que haja a responsabilidade civil.

E o que vem a ser responsabilidade civil?

A responsabilidade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica pré-existente (um mandamento), contratual (decorrente de ajustes prévios entre os contratantes) ou legal, impondo ao infrator a conseqüente obrigação de indenizar. Tal transgressão a uma norma jurídica será chamado de ilícito.

Um ilícito pode ser, ao mesmo tempo, civil e penal. Aqui, trataremos apenas dos reflexos dentro do Direito Civil, pois existe grande diferença entre as duas disciplinas. Note, entretanto, que um ilícito pode, ao mesmo tempo, trazer reflexos tanto penais quanto civis, como, por exemplo, um ataque que venha a lesionar uma pessoa. O autor (da lesão) estará sujeito às penas do crime de lesão corporal, previsto no art. 129 do Código Penal, podendo ainda ter de indenizar a vítima dos gastos que tiver no tratamento da lesão sofrida, além da possibilidade de vir a ter que indenizar danos morais eventualmente sofridos pela vítima.

A responsabilidade civil poderá ser, a depender da natureza jurídica da norma transgredida, uma responsabilidade contratual ou extracontratual (também chamada de aquiliana). No caso da responsabilidade contratual, a norma violada é uma norma negocial, enquanto que, na responsabilidade extracontratual, a norma jurídica violada é uma norma legal.

A responsabilidade contratual tem base nos artigos 389 e seguintes do Código Civil. Vejamos o que diz o art. 389:

Art. 389.

Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Já a responsabilidade aquiliana tem sua base nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Vejamos o art. 186:

Art. 186.

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Conforme mencionado anteriormente, para que exista a responsabilidade civil, faz-se necessário provar a existência de três requisitos. São eles: conduta humana, nexo de causalidade e dano ou prejuízo.

A conduta humana é o comportamento (ação ou omissão) da pessoa que gera um prejuízo a outrem.

Já o nexo de causalidade é exatamente o vínculo (relação causa-efeito) entre a conduta do agente e o prejuízo havido pela vítima.

Por fim, o dano é exatamente a lesão ocasionada pelo agente a um interesse protegido pelo direito, seja este interesse material ou moral.

O dano material, como não é objeto deste artigo, será deixado para ser apreciado em outra situação. Falaremos, portanto (e finalmente) sobre o que vem a ser o dano moral.

Entende-se por dano moral toda espécie de lesão a um direito da personalidade de alguém.

O Código Civil brasileiro, nos artigos de 11 a 21, trata dos direitos da personalidade, tais, como: a integridade física, a imagem, a honra, o nome. Em verdade, os direitos da personalidade, que têm proteção constitucional, não se esgotam em um rol trazido na lei, podendo-se chegar a novos direitos da personalidade, tendo em vista a proteção máxima que lhes é conferida.

Sendo assim, ocorrendo alguma lesão a um dos direitos da personalidade de um indivíduo, terá havido dano moral em sentido amplo, podendo ser, por exemplo, um dano estético (dano à integridade física), um dano à imagem ou um dano moral em sentido estrito (dano à honra).

É por este motivo que a jurisprudência, sobretudo a do STJ, já há algum tempo vem entendendo que o dano moral dispensa a demonstração de sofrimento psicológico, bastando, para a sua caracterização, da ofensa a um dos direitos da personalidade da pessoa. Vejam-se, como exemplo, os recorrentes casos nos Juizados Cíveis de reparação por danos morais movidos por consumidores em face de empresas por negativações indevidas em serviços de proteção ao crédito. Dispensa-se qualquer demonstração de sofrimento, presumindo-se o dano moral pela simples exposição da pessoa em rol de maus pagadores, o que, por si só, já é uma lesão à personalidade da pessoa.

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Eis o chamado dano in re ipsa, ou seja, aquele em que a presunção da sua ocorrência é bastante, em situação na qual há suficiente indício de que haja ocorrido, em razão de ser conseqüência necessária e inevitável da conduta praticada. O dano moral, portanto, dispensa sua demonstração, bastando apenas que se demonstre a ocorrência de conduta ensejadora de transtorno a direito da personalidade para que seja considerado como ocorrido.

Tal é o motivo que levou o STJ a editar recentemente o enunciado 403 de sua Súmula: "Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais".

Por outro lado, a demonstração de circunstâncias fáticas como o abalo psicológico, a ocorrência real de negativa de crédito ou quaisquer efeitos do dano têm importância prática no momento de se mensurar a extensão do dano, o que certamente trará reflexos na quantificação da indenização correspondente. Uma simples negativação indevida de crédito merecerá, sem dúvida, uma compensação menor que a hipótese de uma pessoa que, de férias, venha a ter o crédito negado em decorrência de inscrição indevida no SPC, vindo a passar por abalos durante todo o período de férias sem que tenha concorrido para a negativação.

Por outro lado, como se está falando da hipótese de registro nos cadastros de proteção ao crédito, cumpre aqui destacar o teor do recente enunciado de n. 385 da Súmula do STJ, segundo o qual, "Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento".

Trata-se de exemplo de aplicação da teoria do abuso de direito, pois, não raro, o devedor contumaz, tendo várias pendências que geraram restrições em seu nome, verificando um registro de uma dívida inexistente, recorre ao Judiciário a fim de obter uma reparação, alegando o dano in re ipsa. É óbvia a inexistência do dano moral na hipótese, pois, em que pese a restrição indevida, há várias outras, devidas, que justificam a inexistência de qualquer dano a direito da personalidade em decorrência daquela única negativação inoportuna.

Um ponto de relevância para o tema, e que merece destaque, é o que diz respeito ao dano moral da pessoa jurídica, tese que vem sendo admitida reiteradamente pela doutrina e jurisprudência – em que pese posição divergente defendida por renomados juristas – pois, embora questionável o dano moral em sentido estrito (ofensa à honra de uma pessoa jurídica), é incontroverso que uma sociedade comercial, por exemplo, tem direito à proteção de seu nome, ou que uma organização religiosa possa pretender proteção jurídica a fim de impedir divulgações difamatórias que possam vir a trazer-lhe prejuízos frente à sociedade.

Este é, aliás, o teor do enunciado n. 227 da Súmula do STJ: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".

Outra discussão que vem se mostrando tendente a se pacificar diz respeito à possibilidade de cumulação de danos morais. Imagine-se, por exemplo, uma vendedora de uma loja de cosméticos que se vê obrigada pelo empregador a posar para uma campanha publicitária, sem qualquer remuneração extra, utilizando os produtos que vende, sob pena de, não aceitando, ser demitida por justa causa. Caberia à vendedora pleitear, a um só tempo em face do empregador, e em decorrência do mesmo fato, duas indenizações decorrentes de danos morais diversos: uma por utilizar a sua imagem para fins comerciais, merecendo, portanto, uma reparação pecuniária compensatória à exposição à qual foi submetida, e outra pelos constrangimentos aos quais foi submetida, que possam ter lhe ocasionado ofensa à sua honra, por sido compelida dentro de uma situação sem qualquer opção, podendo-se ter configurado, a depender do caso em concreto, hipótese de assédio moral.

No mesmo exemplo, caso o uso da maquiagem viesse a trazer ainda efeitos colaterais na vendedora (sempre, é claro, verificando-se o caso em concreto), poder-se-ia estar configurada outra hipótese de dano moral, por ofensa à integridade física da empregada, ou seja, uma só conduta teria desencadeado três espécies de dano moral, todas indenizáveis.

É neste sentido que vem caminhando a jurisprudência do STJ, que cristalizou tal entendimento no recentíssimo enunciado de n. 387 de sua Súmula, segundo o qual "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral".

Entendo que o referido enunciado, em verdade, merece interpretação extensiva, indo além do que o mandamento que se extrai, pois, como se verificou no exemplo acima, pode-se deduzir ser possível a cumulação de tantos danos morais quantos forem os direitos da personalidade lesionados pela conduta geradora.

Faz-se necessário ainda verificar que proteção aos direitos da personalidade não se dá apenas na forma de indenização. A indenização é, em verdade, uma forma de compensação, agindo como forma de proteção compensatória, uma vez ocorrida a lesão. Não é por outro motivo, aliás, que já decidiu o STJ que não incide sobre a indenização por danos morais imposto de renda, pois, em verdade, não se trata de renda, mas de reparação ao patrimônio (moral) da vítima.

Existe, entretanto, ainda a possibilidade de proteção preventiva aos direitos da personalidade, que se dá por meio da tutela específica, que pode se dar, por exemplo, por meio da tutela inibitória. Exemplo bastante didático é ocorrido ao programa televisivo e radiofônico Pânico, que, perseguindo insistentemente a atriz global Carolina Dieckman, não deixou outra alternativa à atriz, senão a acionar o Judiciário com o fim de se livrar das perseguições costumeiras. No caso, a pretensão tratada era que se encerrassem as investidas dos humoristas sobre a sua pessoa, e não somente indenizações pelos fatos já ocorridos. A fim de chegar à tutela específica, o magistrado foi graduando as penalidades até chegar à efetividade, começando por multa, passando por multa aumentada mais distanciamento de 200 metros da vítima, finalizando com a obrigação de não acompanhar, seguir e sequer mencionar o nome da atriz, sob pena de tirar o programa do ar, chegando assim à tutela específica para o caso em concreto.

Por fim, vale lembrar que o dano moral não se confunde com aborrecimentos dia dia-a-dia. O dano moral, como dito, caracteriza-se por ofensa a um ou mais direitos da personalidade. Assim, por exemplo, uma mera queda de sinal telefônico, um mal atendimento em um restaurante ou a aquisição de um aparelho com defeito não são capazes de ensejar reparação por dano moral.

Sobre o autor
Arlindo Gonçalves dos Santos Neto

Advogado, graduado pela Universidade Federal do Amazonas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS NETO, Arlindo Gonçalves. O conteúdo jurídico do dano moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2320, 7 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13808. Acesso em: 4 dez. 2024.

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