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Reflexões sobre o direito à informação dos pacientes no Brasil e nos Estados Unidos

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Agenda 16/11/2009 às 00:00

O direito à informação é um direito fundamental que objetiva assegurar a todos as garantias necessárias à sobrevivência dentro de uma sociedade organizada. [01] Norberto Bobbio divide os direitos fundamentais nas seguintes categorias: a) direitos individuais, que pressupõem a igualdade formal perante a lei e constituem garantia do cidadão, diante da força cada vez mais descomunal do Estado; b) direitos sociais, que procura inserir o sujeito de direito no contexto social, representando um compromisso sócio-ideológico do Estado em busca da justiça social; c) direitos transindividuais, compreendendo os coletivos e difusos, abarcando a proteção do consumidor, meio ambiente e outros valores considerados importantes para a vida da sociedade; e d) direitos do patrimônio genético, relacionados à biotecnologia e bioengenharia, tratando de questões relativas à vida e os direitos dos sistemas informatizados e de comunicação. [02]

O direito à informação gerou na sociedade organizada a chamada intolerância a quem não fornece informações, dado ao caráter de domínio e poder que a informação exerce. [03] O direito à informação tem se mostrado de fundamental importância, desde a vida pessoal até a saúde financeira das grandes instituições ou dos Estados. [04] O direito à informação não poderá ser considerado apenas um sub-ramo do direito civil. Dentro do sistema jurídico de um Estado, este direito, não raras vezes, estará em confronto com outros direitos também constitucionalmente protegidos. [05]

É fundamental se ter em mente que o direito à informação está intimamente ligado com o princípio da boa fé objetiva e com a doutrina dos deveres anexos, acessórios ou secundários da prestação principal. A boa fé objetiva não pode ser confundida com a subjetiva. A boa fé objetiva analisa a conduta do sujeito, sendo irrelevantes os aspectos psicológicos que fizeram com que o sujeito realizasse determinada conduta. Trata-se da análise da atuação das pessoas em suas relações. José Roberto Castro Neves destaca a diferença entre boa-fé objetiva e subjetiva ao dizer que: "Enquanto a boa-fé subjetiva examina o conteúdo interno do ato, a crença do sujeito, a boa-fé objetiva vai averiguar o fato objetivamente, os aspectos externos do ato". [06]

O direito à informação teve sua origem no tradicional princípio da boa-fé objetiva, que se baseia no comportamento que as partes manifestam numa determinada relação. As condutas das partes devem estar sempre pautadas na lealdade, na correção, na probidade, na confiança e na ausência de intenção lesiva ou prejudicial. "A boa fé é regra de conduta dos indivíduos nas relações jurídicas obrigacionais". [07]

Emílio Betti dá uma definição do princípio da boa fé, ao dizer que ela se caracteriza como um critério de conduta que se funda na fidelidade do vínculo contratual e no compromisso de satisfazer a legítima expectativa da outra parte. Trata-se de uma obrigação de utilizar todos os recursos próprios ao serviço de interesses da outra parte para satisfazer integralmente o interesse da contratante que irá receber a prestação. [08]

Agathe E. Schmidt da Silva destaca que a boa fé, na verdade, trata-se de duas faces de uma mesma moeda: trata-se de um conceito ético e econômico. Externamente, o contrato tem a função social, como um dos fenômenos integrantes da ordem econômica, nesse contexto visualizado como um fator submetido aos princípios constitucionais de justiça social, solidariedade, livre concorrência e outros, que fornecem os fundamentos para uma intervenção no âmbito da autonomia contratual. Internamente, o contrato atua como vínculo funcional que estabelece a planificação econômica entre as partes. Visa, assim, a harmonização de interesses com a superação dos interesses egoísticos das partes e com a salvaguarda dos princípios constitucionais sobre a ordem econômica por meio do comportamento fundado na lealdade e na confiança. [09]

O princípio da boa-fé objetiva, no Brasil, só passou a ser considerado após o advento da Constituição Federal de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor - CDC. No Direito do consumidor, a boa-fé objetiva ganhou a dimensão de cláusula geral, de modo a servir de parâmetro de validade dos contratos de consumo, principalmente nas condições gerais dos contratos. [10]

No Direito brasileiro, a boa-fé objetiva, especialmente no CDC, se manifesta no artigo 4º, no seu inciso III, que trata da política nacional das relações de consumo e seus princípios que estabelece: "harmonização dos interesses dos participantes da relação de consumo (...) com base na boa fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores." O artigo 51 do CDC que trata das cláusulas abusivas diz que "são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais... III – "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé e a equidade." [11] Alberto de Amaral Júnior salienta que, antes do CDC, a constituição federal de 1988 já previa a boa fé objetiva. [13]

O direito à informação, decorrente da boa-fé objetiva, é um ônus para o prestador de serviços que se impõe em decorrência do exercício de atividade econômica. Contudo, o dever de informar não é apenas a realização do princípio da boa fé. Na evolução do direito do consumidor, assumiu um aspecto cada vez mais objetivo, relacionado à atividade lícita de fornecimento de produtos e serviços. A teoria contratual também construiu a doutrina dos deveres anexos, acessórios, secundários ou implícitos à prestação principal, para enquadrar o dever de informar. O direito à informação ganhou projeção de direito fundamental. Não se trata apenas de dever anexo. Nota-se aqui claramente a relação entre o direito de informação, a boa-fé objetiva e a doutrina dos deveres acessórios dos contratos. [14]

Como sinal da evolução do direito no sentido de valorizar a boa-fé, surgiu o novo Código Civil Brasileiro. Seu artigo 421 determina que a liberdade de contratar seja exercida em razão e nos limites da função social do contrato, enquanto que o artigo 422 dispõe que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. [15]

Ao estabelecer o princípio da boa-fé objetiva nas relações contratuais, sua finalidade é impor aos contratantes uma conduta de acordo com os ideais de honestidade e lealdade; em outras palavras, as partes contratuais devem agir conforme um modelo de conduta social, sempre respeitando a confiança e o interesse do outro contratante. [16]

A boa-fé objetiva é concebida como uma regra de conduta fundada na honestidade e, principalmente, na consideração de que todos os membros da sociedade são juridicamente tutelados, antes mesmo de serem partes nos contratos. O contraente é uma pessoa e como tal deve ser respeitado. [17]

Se os contratantes são obrigados a guardar, tanto na conclusão, como na execução do contrato, os princípios da probidade e da boa-fé, o juiz sempre poderá corrigir a postura de qualquer um deles sempre que observar um desvio de conduta. Ou seja, se um contratante quiser se prevalecer de qualquer situação onde obtenha mais vantagem que aquela inicialmente esperada, trata-se de conduta proibida e postura não condizente com a boa-fé objetiva, impondo-se a correção pelo magistrado. [18]

Cláudia Lima Marques, cuidando das relações contratuais, afirma que o princípio geral da boa fé nada mais é do que um dos princípios gerais do direito que está presente desde o movimento do direito natural. [19] A ilustre autora sustenta, ainda, que há uma dupla função assumida pela boa fé objetiva na nova teoria contratual. A primeira função seria como fonte de deveres de conduta durante o vínculo contratual (deveres anexos) e a segunda como causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos. [20]

Já os deveres conexos nascem com o contrato na medida em que este se consubstancia em fonte de eventuais conflitos, os quais são evitados se a atuação dos contratantes estiver amparada pela boa-fé em suas relações, não só em face das regras dos contratos, mas também diante da conduta social de cada uma das partes. Menciona a doutrina, como exemplo, os deveres de cuidado, previdência e segurança, o dever de comunicação e esclarecimento, o dever de informação, de prestação de contas, o respeito pelo nome do contratante, cuidado com o patrimônio do outro contratante, de sigilo, entre outros. [21]

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Pontes de Miranda afirma que o Estado deve interferir nas relações contratuais definindo limites, diminuindo os riscos do insucesso e protegendo camadas da população que ficam à margem de todo o processo de desenvolvimento econômico, em situação de ostensiva desvantagem. [22]

A boa fé historicamente sempre foi exigida nas relações jurídicas. O princípio da boa-fé, na verdade, assegura a aplicação de outros princípios que informam o sistema jurídico, consagrados a partir do texto constitucional. Valoriza a pessoa humana, na medida em que limita o império da vontade individual. [23]

A boa-fé é um princípio que pode ser invocado em quaisquer circunstâncias e obriga a todos os participantes do negócio jurídico, inclusive terceiros. [24] Já a boa-fé objetiva inclui nas cláusulas gerais dos contratos a necessidade das partes agirem com lealdade, probidade e honestidade. Abre, pois, um enorme campo para revisão judicial dos contratos, relegando a segundo plano a autonomia da vontade. [25]

Cláudia Lima Marques afirma que os deveres acessórios são tão importantes ou talvez mais importantes que a obrigação principal. Nota-se que alguns deveres acessórios, como o de sigilo, perduram após o término do contrato, como no caso do dever de sigilo profissional. [26]

Após uma breve exposição do conceito de boa fé objetiva e do direito à informação, há de se fazer agora uma análise mais detalhada do direito à informação dos pacientes. Os fundamentos normativos do direito à informação dos pacientes estão dispostos em diversas declarações e convenções internacionais. Para facilitar a análise das diversos dispositivos que tratam sobre as condutas éticas que os profissionais devem ter em relação a seus pacientes, serão abordadas, inicialmente, as declarações internacionais, por serem a gênese dessas condutas e as declarações nacionais, que foram fortemente influenciadas por essas. Em seguida, serão analisados os artigos mais importantes do Código de Ética Médica e Odontológica que tratam mais especificamente dos direitos dos pacientes, em especial, o direito à informação.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz no seu artigo XIX que "Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras". [27]

Já a Declaração de Lisboa sobre os direitos dos pacientes adotada pela 34ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial estabelece que: "o paciente tem o direito de receber informação sobre as anotações em qualquer de seus registros médicos e de ser informado integralmente sobre o estado de sua saúde, inclusive dos fatos médicos sobre sua condição" e ainda estabelece que: "Excepcionalmente pode ser negada informação ao paciente quando existir uma boa razão para acreditar que esta informação criaria um risco sério para sua vida ou sua saúde." [28]

A Declaração de Lisboa ainda destaca que a informação deve ser dada de maneira apropriada à cultura do paciente e de forma que se possa entender. O paciente tem o direito de ser informado sobre sua condição de saúde. A Declaração de Lisboa estabelece que: "o paciente tem o direito de escolher qual dos seus familiares deve ser informado sobre sua condição de saúde". Ela não se limita apenas na questão do direito de informação. Trata, também, do direito ao sigilo ao dizer que: "Tudo que for identificado sobre o estado de saúde de um paciente e condição médica, diagnostico, prognóstico, tratamento e toda informação do pessoal, deve ser mantido em sigilo até mesmo depois da sua morte" e conclui que: "uma informação confidencial só pode ser descoberta se o paciente dá consentimento explícito ou se isso está expressamente constando na lei. Só pode ser transmitida a informação se o paciente dá esse consentimento de forma explícita". [29]

Já a Declaração de Princípios Éticos Fundamentais da CONFEMEL estabeleceu que "É direito do paciente decidir livremente a respeito da execução de práticas diagnósticas e terapêuticas". No mesmo sentido, os artigos 56 e 59 do Código de Ética Médica. [30]

O Código de Ética Hospitalar Brasileiro destaca que "O paciente e/ou seu responsável legal têm direito irrestrito a toda informação referente à sua saúde, ao tratamento prescrito, às alternativas disponíveis e aos riscos e contra-indicações implícitas em cada uma destas. É reconhecido ao paciente o direito - igualmente irrestrito - de recusar determinado tratamento". [31]

Além disso, o Código de Ética Médica, ao abordar o tema do direito de informação do paciente, diz que é vedado ao médico: "Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida" e complementa com a afirmação que "é vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal." [32]

No Direito brasileiro, a Constituição de 1988 valorizou tanto o direito de informação que deixou expresso no seu artigo 5º, XIV: "é assegurado a todos o acesso à informação". A Constituição portuguesa no seu artigo 60 deixa explícito que "os consumidores têm direito à informação". Após a Constituição Federal de 1988; o CDC e o Código Civil, o direito à informação ganhou uma posição de destaque. Diversos dispositivos legais fazem menção ao direito à informação, entre eles, o inciso IV do CDC, que trata de um dos princípios gerais do CDC "IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo." A informação faz com que o consumidor tenha meios de poder escolher de forma autônoma e consciente, pois ela é uma força que leva a liberdade de escolha do indivíduo. [33]

Há diversos ordenamentos jurídicos internacionais que garantem o acesso à informação, entre eles, o artigo 7º, inciso V, da Carta Magna portuguesa diz que: "As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário". [34]

Na legislação brasileira, o CDC assegurou o Direito à informação dos consumidores e, consequentemente, dos pacientes em vários dispositivos legais. O artigo 6º, que trata dos direitos básicos do consumidor, assim dispõe, in verbis: "São direitos básicos do consumidor: III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem". [35]

No CDC, o direito à informação corresponde à base do sistema de proteção do consumidor. Os serviços que são oferecidos ao mercado devem conter uma explicação exaustiva sobre suas características e tempo de duração. Dessa forma, busca-se proteger o consumidor contra a falta de informação, assim como a informação insuficiente e enganosa. [36]

Já o artigo 8º do CDC diz que: "Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito." [37]

Cláudia Lima Marques diz que o artigo 14, ao tratar do direito de informação, estabelece que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. No caso dos profissionais dos profissionais liberais, o artigo 14 tem que ser interpretado conjuntamente com o parágrafo 4º que diz que: "§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa". A autora destaca que essa é a única exceção em relação a responsabilidade objetiva e salienta que "o cumprimento dos deveres anexos de informação, cooperação e cuidado (...) sempre são obrigações de resultado". [38]

Além disso, Sérgio Cavalieri afirma que o CDC estabeleceu como regra a responsabilidade subjetiva, com culpa provada, para os profissionais liberais prestadores de serviço. O autor acredita que a responsabilidade médica é, em regra, contratual. Ela pode ser eventualmente extracontratual nos casos de atendimento de emergência. A prova da culpa não é fácil de ser produzida e, em muitos casos, a obrigação do médico é entendida como uma obrigação de meio e não de resultados. O interessante no pensamento do autor é que a prova de culpa do profissional da área de saúde não é tão fácil de ser produzida. Entretanto, quando se trata do cumprimento do dever de informação do paciente, a responsabilidade do profissional deveria ser uma obrigação de resultado, e não de meio, e a prova de que a informação foi transmitida de forma clara, concisa e direta deveria caber ao profissional. [39]

Nelson Nery Junior salienta que: "não se olvide que o médico é prestador de serviço pelo que não obstante subjetiva a sua responsabilidade, está sujeito à disciplina do CDC. Pode o juiz, em face da complexidade técnica de prova da culpa, inverter o ônus da prova em favor do consumidor, conforme autoriza o artigo 6 º, VIII,CDC." [40]

Ademais, o artigo 30 do CDC trata da informação e do caráter vinculante da informação ou publicidade. O Art. 30 dispõe que toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação, com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. Já o artigo 31 do CDC destaca que as informações contidas na oferta devem ser corretas, claras e precisas. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, prazos de validade e origem, entre outros dados; bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. O artigo 34 também trata do direito à informação, ao afirmar que o fornecedor ou prestador de serviços que viole o dever de informar responde pelos danos que causar ao consumidor, sendo solidariamente responsáveis os demais intervenientes na cadeia da produção à distribuição que hajam igualmente violado o dever de informação. [41]

Pode-se afirmar que o direito à informação ganhou um peso tão significativo que a publicidade vincula o fornecedor de serviços na área de saúde. Se o fornecedor se recusar a cumprir a oferta, o consumidor poderá exigir, conforme o disposto no artigo 35 do CDC: "I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; ou III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos". [43]

O CDC, em seu artigo 36, dispõe que: "toda informação ou publicidade suficientemente precisa obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dele se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado". Isto é também válido na relação médico-paciente, uma vez que, se o profissional assegurar ao paciente que vai obter determinado resultado, por exemplo, o cirurgião plástico diz que os seios da paciente ficarão iguais ao de uma modelo internacional. Se o profissional afirma isso, ele passa a ser obrigado a conseguir determinado resultado, pois, conforme a legislação, a oferta tem que ser cumprida e tem caráter vinculante. [44]

O artigo 66 do CDC prevê, ainda, o crime de se fazer afirmação falsa ou enganosa e da omissão de informação relevante sobre o serviço a ser realizado. Veja aqui que o médico que omitir do paciente, por exemplo, que em decorrência de uma cirurgia, a paciente poderá apresentar uma determinada reação adversa, pode cometer crime cuja pena está prevista no artigo a seguir. "Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços". A pena varia de três meses a um ano e multa, fora outras sanções que poderão ser cabíveis. A omissão de publicidade está tipificada no art. 63 do Código de Defesa do Consumidor com pena prevista de até dois anos de detenção e multa. Também constitui crime, as falsas informações a respeito de um serviço. [45]

Sendo assim, o dever de informar é cumprido quando a informação recebida pelo consumidor típico preencha os requisitos de adequação, suficiência e veracidade. Os requisitos têm que estar reunidos e a ausência deles importa em descumprimento do dever de informar. A adequação tem relação com os meios de informação utilizados. Os meios devem ser compatíveis com o serviço, ou seja, as informações transmitidas devem ser claras e de fácil compreensão. A suficiência relaciona-se com a transmissão completa e integral da informação. Antes do advento do Direito do Consumidor era comum a omissão, a precariedade, a lacuna, quase sempre intencionais, relativamente a dados ou referências não vantajosas ao produto ou serviço. Por fim, a veracidade é quando a informação correspondente às reais características do produto e do serviço, além dos dados corretos acerca de composição, conteúdo, preço, prazos, garantias e riscos. [46]

Nunca é demais lembrar que o art. 422 do Código Civil associou ao princípio da boa-fé o chamado princípio da probidade. A probidade nada mais é do que agir com boa-fé. Pode dizer-se, sem medo de errar, que não há de se falar em boa-fé sem probidade. [47]

O dever de informação é uma das regras primordiais da atividade médica. O médico está proibido de deixar de informar o paciente sobre como vai ser realizado o tratamento. Afirma-se que o consentimento do paciente é fundamental para a realização de qualquer intervenção. O consentimento informado na relação médico-paciente é indispensável. [48]

Carlos Alberto Ghersi confirma a importância da informação, ao afirma que o profissional deverá obter todas as informações possíveis sobre a história médica do paciente, assim como as suas expectativas sobre o tratamento com a finalidade de se ter um ponto de partida confiável sobre a situação. Além disso, o paciente deve ter pleno conhecimento de todas as suas possibilidades, para que possa tomar uma decisão mais consciente. [49]

Isso não quer dizer que o médico é obrigado a ser o detentor de todo o conhecimento a respeito de sua profissão. A este respeito, o profissional pode reconhecer suas próprias limitações e consultar um especialista quando isso possa redundar em um benefício de uma melhor informação e um resultado com êxito para o cliente. [50]

Inclusive há um entendimento de que a contínua evolução da ciência biológica gera uma necessidade de que os profissionais da área de saúde busquem a contínua especialização. [51]

Ademais, Migliorini diz que a informação tem um papel muito importante na relação profissional-paciente. O paciente tem que ser informado das condutas que serão realizadas, o custo de tratamento, as opções de tratamento, o valor do serviço proposto, etc. O uso de termos técnicos dificulta a compreensão do paciente. O paciente tem que ser visto como um homem comum, inferiorizado na relação profissional-paciente, pois o médico é quem domina o conhecimento e a informação. [52]

Além do profissional da área de saúde ter todo o cuidado na transmissão da informação ao paciente, também é de suma importância o destino que o profissional dará para essas informações. Não raro o profissional tem um enorme trabalho para coletar todos os dados e o consentimento informado do paciente e poucos meses após o término do tratamento, a documentação obtida do paciente é prontamente descartada. [53]

O profissional da área de saúde deve conscientizar o seu paciente de todo o procedimento e as atitudes a serem adotadas, bem como os efeitos benéficos e maléficos provenientes dos tratamentos indicados. [54]

Não se pode deixar de mencionar que o consentimento informado basicamente é composto por três elementos básicos: competência ou capacidade, informação e consentimento. [55]

Portanto, na relação médico-paciente é necessário que o consentimento informado seja feito por pessoa capaz, ou pelo seu representante legal. O médico deve informar o paciente sobre os riscos e benefícios do tratamento. [56] A fidelidade é o dever de lealdade e compromisso do terapeuta para com o paciente, que serve de base para o relacionamento entre ambos. [57]

O paciente também tem o direito de "não saber", isto é, o direito de não ser informado, caso manifeste expressamente tal vontade. O paciente deve ser consultado formalmente se esta é realmente a sua decisão. Após isto, a sua vontade deve ser respeitada. [58]

 Outros importantes aspectos da relação profisional-paciente são a privacidade e a confidencialidade. A privacidade é a limitação do acesso às informações de uma dada pessoa, ao acesso à própria pessoa, à sua intimidade, anonimato, sigilo, afastamento ou solidão. Já a confidencialidade é a garantia do resguardo das informações prestadas. [59]

Deve ficar claro que a fidelidade do médico é com o seu paciente. A este cabe a decisão de quais dados devem ou não ser revelados. [60] Deve-se lembrar sempre que a autonomia de vontade do paciente deve ser respeitada. [61] O consentimento informado deve permitir que o paciente tenha acesso à melhor informação para que se torne apto a fazer a melhor escolha. [62]

A falta de consentimento informado caracteriza a negligência do médico, pois o consentimento esclarecido é uma ferramenta de garantia do direito à informação. A informação deve ser suficiente para que o paciente tenha um entendimento satisfatório das diversas opções que se apresentam, podendo, assim, decidir com autonomia. [63] Não se pode esquecer, ainda, que o médico deve adequar a sua linguagem de acordo com o tipo e o nível intelectual de seu paciente. [64] Dessa forma, busca-se que toda intervenção no paciente conte com a adesão consciente e informada daquele que se submete à intervenção. [65] 

Há situações também que o direito à informação pode ser postergado. São os casos de emergência e de urgência. Trata-se de hipóteses em que há a impossibilidade temporal para o consentimento informado. Somente nesses casos pode ser admitida a ausência de consentimento do paciente, pois o profissional da área de saúde não teria escolha. [66]

Por fim, é interessante observar que o consentimento informado não livra os profissionais da área de saúde de processos éticos e legais e serve apenas como um meio de defesa do profissional. [67]

Passa-se agora à análise do direito à informação do paciente nos Estados Unidos. No que concerne ao direito norte-americano, curiosamente, o direito à informação dos pacientes foi enfrentado pela Suprema Corte dos Estados Unidos nos casos em que se discutiam o direito ao aborto. Entendeu-se, na ocasião, que as gestantes, antes de optarem pela prática do aborto, deveriam ser informadas como pacientes sobre todos os riscos do procedimento abortivo para que pudessem tomar a melhor decisão possível, sempre com respeito a sua liberdade individual e a sua privacidade.

Cita-se, como exemplo, o caso Planned Parenthood of Central Missouri v. Danforth (1976), em que foi questionada a necessidade estabelecida pela lei estadual de Missouri de que, antes de se submeter a um aborto, a gestante assinasse um consentimento informado, em que afirmasse ter consentido de forma livre para o procedimento cirúrgico e que não havia sido forçada ou coagida para praticar o aborto.O caso, então, foi apreciado pela Suprema Corte dos Estados Unidos que firmou o entendimento de que o consentimento informado da gestante não era inconstitucional, pois a decisão de abortar precisava ser bem feita e que o consentimento informado por escrito da gestante poderia se fazer necessário, para que ela pudesse entender todos os riscos e consequências de sua decisão. [68]

Por outro lado, a Corte entendeu que a necessidade de consentimento informado pelo marido da gestante era inconstitucional, uma vez que o Estado não poderia delegar para o marido da gestante o poder de vetar o aborto, uma vez que nem mesmo o próprio Estado teria o poder de vetar o aborto no 1º trimestre de gravidez. Ademais, a Corte asseverou que o Estado não poderia impor um consentimento informado dos pais como condição para que mulheres menores de idade pudessem realizar o aborto, pois a decisão de abortar deveria ficar apenas a cargo do médico e do paciente, no caso, a gestante. [69]

Sem ter a pretensão de esgotar o tema, o presente trabalho buscou fazer uma revisão da literatura acerca do direito à informação do paciente e mostrar a forma com que esse direito fundamental está disposto na legislação pátria, no direito norte-americano e nas convenções internacionais que abordam o tema. Foi objeto do presente artigo a análise das convenções internacionais que tratam o tema, além de contextualizar o tema historicamente na própria evolução do Direito. Para isso, se fez necessário estudar as principais declarações sobre os direitos dos pacientes para situar o tema no contexto global.

Na análise dos fundamentos legais do direito à informação, buscou-se traçar algumas conclusões, entre elas, que o direito à informação do paciente, após o advento do CDC e da Constituição Federal de 1988, tornou-se uma obrigação de resultado dos prestadores de serviço da área de saúde. Além disso, o trabalho procurou fazer uma análise da legislação que aborda o direito à informação do paciente, com destaque para os artigos e leis mais importantes que tratam sobre o tema.

Em relação ao consentimento informado e esclarecido do paciente, chegou-se a conclusão de que ele deve ser tornar uma constante nas relações entre os profissionais da área de saúde e os pacientes, pois é um meio de prevenção da responsabilidade civil, penal e ética desses profissionais e também é benéfico aos pacientes. Trata-se, na realidade, de uma verdadeira ferramenta garantidora do direito à informação dos pacientes.

Por fim, no direito norte-americano, observou-se que a questão do consentimento informado foi enfrentada pela Suprema Corte nos casos em que envolviam a prática do aborto. O Excelso Tribunal norte-americano estabeleceu que: o direito à informação é condição fundamental para que a paciente gestante escolha ou não a realização do aborto. Dessa forma, chega-se a conclusão inevitável de que não há de se falar em uma escolha livre sem informação.

Sobre o autor
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões sobre o direito à informação dos pacientes no Brasil e nos Estados Unidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2329, 16 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13851. Acesso em: 23 dez. 2024.

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