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Os efeitos do tempo sobre as relações jurídicas submetidas ao Direito Administrativo

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Agenda 19/11/2009 às 00:00

6. A prescrição das ações contra o Estado: regra geral.

Fixadas estas noções conceituais, vejamos como se operam os efeitos produzidos pelo tempo, sobre as relações jurídicas sujeitas à égide do Direito Público.

Impende remarcar, antes de mais nada, que as pretensões do administrado contra o Poder Público fenecem em 05 (cinco) anos, contados do ato ou fato que lhes deu origem, como se tem do Decreto nº 20.910, de 1932, art. 1º, que sobrevive a despeito do tratamento dispensado pelo vigente Código Civil ao instituto da prescrição.

Frise-se: em que pese a nova disciplina dada a esse importante tema jurídico, desde o início da vigência da Lei nº 10.406, de 2002 (novo Código Civil), que impôs sensível encurtamento aos seus prazos (CC, arts. 205 e 206), a prescrição contra a Fazenda Pública continua sujeita à regência do Decreto nº 20.910, de 1932, que, no particular, tem a feição de lei especial, e, por esse motivo, subsistiu às alterações introduzidas por norma geral superveniente, em obséquio aos critérios sufragados pela hermenêutica, para colmatar os conflitos de leis no tempo (cfr. STJ: AgRg no Resp. nº 969716 – AC, 5ª T., unânime, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU 17.11.2008. Do mesmo relator: AgRg. no Ag nº 899972 – MS, DJU 10.03.2008).

Esse prazo, que se restringia, originariamente, às pessoas jurídicas de direito público dotadas de personalidade política – União, Estados e Municípios -, passou a albergar as autarquias, após a entrada em vigor do Decreto Lei nº 4597, de 1942, art. 2º, afigurando-se aplicável, nos dias que correm, às Fundações de Direito Público, em virtude das suas profundas similitudes com os entes administrativos por último referidos.

Pacificou-se a jurisprudência, no período anterior ao vigente Código Civil, que o quinquênio, estabelecido pela legislação colacionada, dizia respeito, tão só, às denominadas ações pessoais, já que para as ações reais deviam prevalecer os prazos de 10 anos, entre presentes, e de 15 anos, entre ausentes, para evitar que o Poder Público pudesse adquirir uma propriedade em cinco anos, sem que estivesse previsto, para tanto, um usucapião especial (CC de 1916, art. 177).

Para as ações de desapropriação indireta, que embutem autênticas pretensões indenizatórias dedutíveis em face do Poder Público, o Superior Tribunal de Justiça, em obséquio à orientação sufragada pelo Supremo Tribunal Federal, compendiou, no enunciado sumular expedido sob o nº 119, a orientação de que devia ser observado o prazo de 20 anos, em cujo término se aperfeiçoava o usucapião extraordinário, a teor da regra inserta no Código Civil de 1916, art. 550.

Porém, o vigente Código Civil, para efeito de prescrição, não distingue, nem poderia fazê-lo, entre ações pessoais e reais, limitando-se a dizer, no seu art. 205, que a configuração desse fenômeno ocorre ao cabo de dez anos, salvo se a lei lhe fixar prazo inferior.

Assim, penso que se firmará, a propósito desse tema jurídico, a compreensão de que as pretensões do particular contra o Estado, máxime se de viés condenatório, exaurem-se depois de decorridos cinco anos, salvo se tiverem imbricação com direitos reais, eis que, nesse caso, o seu exercício submete-se ao prazo de dez anos.

Não parece razoável que a jurisprudência restaure o critério adotado sob a vigência do Código revogado e submeta as ações reais, em especial a pretensão ressarcitória decorrente da desapropriação indireta, aos prazos da usucapião.

A uma porque o alongamento abstrato do prazo contraria, terminantemente, os fundamentos da prescrição, que não pode ensejar, ao administrado, um poder exercitável contra o Estado durante um lapso de tempo superior a dez anos. A duas, porque o Código Civil, depois de consagrar a aquisição da propriedade pela posse durante quinze anos, sem oposição nem interrupção (art. 1238, caput), reduz esse espaço de tempo para dez anos, se o possuidor (i) tiver o imóvel como moradia habitual ou (ii) realizar, nele, obras ou serviços de caráter produtivo (art. 1238, parágrafo único).

Resulta, daí, que, para estabelecer uma coincidência entre os prazos de prescrição e de usucapião, a jurisprudência terá que distinguir, pelo menos para regular o exercício da pretensão decorrente da desapropriação indireta, entre duas situações: (i) a do expropriado que não realizou, no imóvel, obras ou serviços de caráter produtivo, nem o utilizou como residência habitual, e (ii) a do proprietário que procedeu de modo contrário, procurando atender, mesmo de maneira tênue, a função social do bem.

Contudo, ademais de dificultar, sobremodo e maneira, a aplicação do direito, essa distinção, se adotada, criará um verdadeiro paradoxo, pois assegurará, ao sujeito que se limitou a manter a coisa, sem destiná-la, portanto, a uma finalidade útil, um interregno maior para acionar o Estado.


7. Os atos de improbidade administrativa e o instituto da prescrição.

A Lei nº 8429, de 1992, que comina as sanções incidentes sobre os responsáveis pelas práticas definidas como improbidade administrativa, prejudiciais aos diversos órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações, distingue entre os atos que (i) importam em enriquecimento ilícito (art. 9º, I a XII), (ii) causam prejuízo ao erário (art. 10, I a XV) e (iii) atentam contra os princípios da Administração Pública.

Referida Lei, depois de cominar as penas (art. 12, I a III e parágrafo único), de estabelecer o rito do procedimento administrativo, que deve observar o modelo constante da Lei nº 8112, de 1990, arts. 148 a 182, ou dos regulamentos castrenses, se o acusado for servidor militar (art. 14, § 3º), e da ação judicial (arts. 17, caput, e §§ 1º a 17, e 18), trata dos prazos de prescrição, fazendo-o no seu art. 23, I e II.

No seu art. 23, I, a denominada Lei de Improbidade Administrativa cria um impedimento ao curso da prescrição, desconhecido do ordenamento jurídico até antes do seu advento: o exercício da atividade política ou pública, se o agente titular mandato eletivo, cargo em comissão ou função de confiança.

Assim, para esse universo de agentes políticos e públicos, os cinco anos, assinalados ao exercício da pretensão por qualquer dos sujeitos legitimados, só se iniciam depois que o servidor estiver desvinculado da Administração, em razão (i) do término do mandato ou (ii) do seu afastamento do cargo ou função de confiança.

O impedimento à fluência da prescrição, aqui mencionado, sobre não repousar em nenhum motivo legítimo, pois, hodiernamente, além da ação dos órgãos de controle interno e externo, a Administração Pública se expõe à constante e intensa fiscalização dos movimentos sociais, alguns deles constituídos sob a forma de organizações não governamentais (ONGs), prolonga, de modo injustificado, o estado de litigiosidade, deslocando, para um momento incerto e por vezes longínquo, a obtenção da paz social.

Para demonstrar a procedência desta crítica, basta imaginar a situação de um servidor que, investido em um cargo de provimento em comissão ou função de confiança, por período igual ou superior a dez anos, cometa, no primeiro ano de exercício nesse cargo ou função, uma falta considerada como improbidade administrativa, e se mantenha afastado dessa modalidade de ilícito nos anos subsequentes. Se aplicada, ao pé da letra, a disposição inscrita na Lei nº 8429, de 1992, art. 23, I, esse servidor poderá, quatorze anos após o cometimento da infração, ser investigado e responsabilizado em processo judicial, sem que haja, nas normas de regência da matéria, campo ou espaço que propicie, ao julgador, uma ponderação entre os efeitos do ato e o longo tempo transcorrido desde a sua prática.

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Essa possibilidade, que não é incomum no dia a dia da Administração, atenta, com extrema contundência, contra os objetivos perseguidos pelos institutos da prescrição e da decadência, entre os quais não se inclui, ou pelo menos não se deveria incluir, o reconhecimento de um prazo mais alongado em favor da atuação dos órgãos incumbidos de controlar a atividade da Administração, a menos que se queira ignorar a força do tempo, que exsurge como um fato jurídico objetivo de transcendental importância e de irrecusável reconhecimento, como lembra, com inteira propriedade e procedência, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (cfr. Princípios Gerais de Direito Administrativo, Forense, 1978, vol. I – Introdução, págs. 399/401).

Mas não é só: a Lei nº 8429, de 1992, veicula, no seu art. 3º, uma norma de extensão, que comunica a qualidade de funcionário público a quem, mesmo sem vínculo com a Administração, (i) induza ou concorra, de qualquer modo, para a perpetração do ato ímprobo, ou (ii) dele se beneficie, direta ou indiretamente.

Pois bem: se o particular, alçado à condição de funcionário público, por força da extensão determinada pela Lei nº 8429, de 1992, art. 3º, agir em concurso com ocupante de cargo de provimento em comissão ou de função de confiança, ficará potencialmente sujeito à litigiosidade, nas mesmas circunstâncias de tempo, o que se afigura indesejável e inconveniente, até prova em contrário, ao desenvolvimento em si mesmo da atividade da Administração.

Diante desta constatação, que se acha preordenada a produção de tão graves e nefastas consequências, ao lidador do direito, a quem decerto será difícil valer-se, em caso assim, da interpretação ab-rogante, que só deve ser empregada diante de uma antinomia real (cfr. Norberto Bobbio, in Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª ed., Editora UNB, págs. 97/105), só resta advertir para a necessidade de que fique uniformizado, no ponto, o sistema jurídico, com a correta fixação do termo inicial da prescrição: o dia do cometimento do delito, por comissão, ou da infringência do dever de abstenção, à identidade da previsão substanciada na Lei nº 8429, de 1992, art. 23, II.

Do âmbito de abrangência da disposição focalizada (Lei nº 8429, de 1992, art. 23, I), estão excluídas as autoridades que respondem, por infrações político administrativas, nos moldes estabelecidos pela Lei nº 1079, de 1950, que define infrações materialmente idênticas aos ilícitos capitulados na Lei nº 8429, de 1992, arts. 9º, 10 e 11, pois a Constituição proíbe, de modo terminante, que os agentes políticos sejam responsabilizados segundo um regime próprio e, também, de acordo com o sistema instituído para a generalidade dos agentes públicos.

Posicionamento em causa, que vem sendo sufragado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, com uniformidade e reiteração (STF: Reclamação nº 2138 – 6 – DF, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes – DJE 18.04.2008, e Questão de Ordem na Petição nº 3211, relator para o acórdão o Ministro Menezes Direito – DJE 27.06.2008), ajusta-se, por identidade de motivos, aos Prefeitos Municipais, que têm, no Decreto Lei nº 201, de 1967, cujas normas veiculam sanções mais severas que a Lei nº 8429, de 1992, sistema peculiar e próprio de responsabilização, como proclamou, acertadamente, o acórdão emanado da Primeira Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, à oportunidade do julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial sob nº 769.811 – SP, confiado à relatoria do eminente Ministro e notável jurista Luiz Fux (DJE, 15.12.2008).

De referência aos titulares de cargos de provimento efetivo, a lei em comento distanciou-se, e muito, do seu caráter nacional: subordinou o exercício da ação aos interregnos previstos nos diversos estatutos, que podem variar de Estado a Estado e de Município a Município, para a imposição da pena de demissão, com a cláusula a bem do serviço público, quando o correto teria sido a estipulação do prazo de cinco anos, contados do ilícito, para que ficasse preservada, no particular, a uniformidade do ordenamento jurídico brasileiro.

A observação que acaba de ser feita, ao tempo em que contribui para o completo atendimento das finalidades perseguidas pelo instituto da prescrição, evita que os servidores fiquem sujeitos aos caprichos dos legisladores estaduais e municipais, que se acentuam nas pequenas unidades federadas. Mas esse inconveniente, que beira à irrazoabilidade, poderia ser evitado se o órgão legiferante nacional, mostrando-se (i) respeitoso à regra isonômica e (ii) distante das pressões e condicionamentos locais, eliminasse essas distinções, que não elevam os méritos da lei, e imprimisse unidade ao sistema por ela adotado.


8. A interpretação estrita da norma constitucional (CF, art. 37, § 5º) que torna imprescritível a pretensão indenizatória dos danos causados ao erário.

A Constituição Federal, art. 37, § 5º, delegou, à lei, competência para subordinar, a prazos de prescrição, a apuração e punição dos ilícitos, atribuídos a servidores públicos ou a pessoas transitoriamente vinculadas à Administração, mas tornou imprescritíveis as ações proponíveis pelo Poder Público, com o fito de obter a reparação dos danos causados à União, aos Estados membros, ao Distrito Federal e aos Municípios.

Importa delimitar, agora, a extensão e o alcance dessa ressalva. Para tanto, impende ressaltar, em primeira plana, que a ciência jurídica sufragou, desde tempos imemoriais, o postulado da imprescritibilidade, fazendo-o com uma finalidade certa e indestorcível: harmonizar a defesa dos interesses, públicos e privados, com a paz e a harmonia que devem presidir o relacionamento social.

Como à prescritibilidade estão submetidas todas as pretensões, "As regras jurídicas sobre prescrição hão de ser interpretadas estritamente, repelindo-se a própria interpretação analógica.", porquanto "A imprescritibilidade é excepcional.", consignou Pontes de Miranda no seu Tratado de Direito Privado, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1955, Parte Geral, T. VI, págs. 126/127).

Em lição pronunciada no plenário do Colendo Supremo Tribunal Federal, ao ensejo do julgamento do Mandado de Segurança sob nº 20069 – DF, o Ministro Moreira Alves, relator para o acórdão, proclamou a regra da prescritibilidade, condicionando, à observância do interregno de quatro anos, a legitimidade das demissões por faltas disciplinares não definidas como crimes, nada obstante fosse omisso, no particular, o antigo Estatuto dos Funcionários Públicos.

Ademais, o feixe de leis especiais que, no ordenamento jurídico brasileiro, refere-se a ações tendentes a assegurar, ao lesado, a percepção de indenização pelos danos a ele injustamente causados, não ficaram alheias à prescrição, como se tem das normas e diplomas adiante referenciados:

(i) Decreto nº 20910, de 1932, que regula a prescrição das denominadas dívidas passivas da Fazenda Pública;

(ii) a Lei nº 9494, de 1997, art. 1º - C, segundo o qual "Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização por danos causados por agentes de pessoas jurídicas de Direito Público e por pessoas jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviços públicos."; e

(iii) a Lei nº 8078, de 1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), cujo art. 27 dispõe: "Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria."

Decorre, desta exposição, que, mesmo tendo normatividade superior aos diplomas colacionados, o preceito insculpido na Constituição Federal, art. 37, § 5º, parte final, deve ser visto e analisado como uma exceção, no ordenamento jurídico nacional, e, portanto, capaz de repelir e matar, no nascedouro, qualquer tentativa conducente a estender o seu alcance a situações nele não contempladas.

O que ficou consagrado, pela norma constitucional, foi a imprescritibilidade do exercício, pelos sujeitos legitimados, da pretensão ressarcitória dos danos experimentados pelo erário, a qual, para os fins cogitados neste trabalho, não pode depender do desfazimento de um ato administrativo, eis que ao intérprete é defeso, em situações excepcionais, alargar o âmbito de abrangência da previsão normativa, em especial se existe, na sua dicção, ordem passada ao órgão legislativo, para submeter a prazos de prescrição a apuração e a reparação dos ilícitos prejudiciais à Administração, praticados por servidor público ou por sujeito sem vínculo funcional com o Estado (cfr. Ruy Cirne Lima, in Princípios de Direito Administrativo, Malheiros, 5ª ed., com atualizações de Paulo Alberto Pasqualini, São Paulo, 2007, pág. 2920).

Não se diga que o critério da especialidade, que parece inspirar a interpretação ora proposta, só incide, com procedência, se a antinomia normativa, a ser solucionada, consistir em conflito entre normas de um mesmo nível, pois, se de níveis diferentes, prevalece o critério hierárquico. O princípio da imprescritibilidade, que restou excepcionado pela regra sob enfoque (CF, art. 37, § 5º, última parte), não pode sofrer enfraquecimento maior do que o consentido pela Carta Política, que quis que ele cedesse em uma única hipótese: a da propositura da ação para o ressarcimento dos danos sofridos pelas pessoas jurídicas de Direito Público, que, tendo natureza condenatória, não deve confundir-se com a medida judicial apta a levar ao desfazimento do ato administrativo, que é de viés anulatório.

Assim, urge convir que o princípio hierárquico encontra-se preservado, mesmo nesta interpretação, porque a cláusula inscrita na Constituição Federal, art. 37, § 5º, última parte, enquanto viger, terá força para invalidar lei que venha a submeter, a prazos prescricionais, as ações de cunho condenatório, propostas, com a finalidade aqui assinalada, pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.

O que se acaba de dizer, teve sua procedência reconhecida, em passado não muito recuado, pelo Excelso Pretório, que, ao ensejo do julgamento do Mandado de Segurança sob nº 26.210 – 9 – DF, confiado à relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski (DJU, 10.10.2008), proclamou que a imprescritibilidade assegurada pela Constituição Federal, art. 37, § 5º, não passa da ação intentada para possibilitar a recomposição dos prejuízos experimentados pelo erário.

Conquanto a ementa do acórdão epigrafado não seja expressa, no tangente a esse relevante aspecto da questão, o voto que o conduziu incorporou, como razão de decidir, excerto extraído da obra Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 206, pág. 673, de autoria do professor José Afonso da Silva, que giza: "A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade do direito, pela inércia do seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto as desta em face dos administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providências à apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: ‘A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.’ Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non securrit ius)."

Feita a interpretação do preceito insculpido na Constituição Federal, art. 37, § 5º, com supedâneo na doutrina e na jurisprudência pré existentes, passemos a outra reflexão.

A lacuna trazida pela Lei nº 7347, de 1985, que não prevê prazo de prescrição, relativo à ação civil pública nela disciplinada, tem levado à vindicação do anulamento de atos administrativos, praticados há mais de cinco anos, ao argumento de que o seu desfazimento, uma vez decretado, conduzirá, decorrencialmente, à reparação do prejuízo causado ao erário.

Essa exegese, que tem sido apregoada por destacados agentes do Ministério Público, em trabalhos forenses e doutrinários, peca pela inconsistência, pois parte da premissa de que a solução dos casos emergentes só é possível em um sistema assinalado pela completude, que se assenta em três regras fundamentais: (i) a proposição maior de cada raciocínio jurídico deve ser uma norma jurídica; (ii) essa norma deve ser sempre uma lei do Estado; e (iii) todas essas normas devem formar, no seu conjunto, uma unidade (cfr. Eugen Ehrlich, in a Lógica dos Juristas, Tübigen, 1925).

Mesmo que o juiz não possa decidir, a propósito de determinada matéria, se houver lacuna no ordenamento jurídico, o que se admite a título de mera argumentação, cumpre remarcar que inexiste, na Lei nº 7347, de 1985, vácuo capaz de impedir um pronunciamento judicante, no tema prescrição.

Sim, porque a lei mencionada é parte de um todo, porquanto, no âmbito do direito processual, ela integra um sistema particular, composto por normas regentes de ações voltadas para a defesa do patrimônio público e social. Tanto isso é verdade que, ao lado do diploma por último focalizado (Lei nº 7347, de 1985), põem-se as Leis sob nº(s):

(i) 4717, de 1965, a qual, disciplinando a ação popular, dispõe, no seu art. 21, que "A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos."; e

(ii) 8429, de 1992, que, mesmo um tanto divorciada dos princípios consagrados pelo Direito Público e pelo Direito Privado, submete as pretensões condenatórias dos sujeitos legitimados, aos prazos prescritivos fixados no seu art. 23, I e II.

Ora, se esses dois diplomas legais estão voltados para a defesa do patrimônio público, os que pretendem trazer para o manto da imprescritibilidade a desconstituição do ato administrativo, ao singelo argumento de que daí resultará a reparação dos danos infligidos ao erário, procuram esconder, intencionalmente, uma solução consentida pelo ordenamento jurídico com o qual operam: a supressão da lacuna com a norma ínsita na Lei nº 4717, de 1965, art. 21, concernente à ação popular, que tem os mesmos objetivos e inspirações das ações civil pública e por improbidade administrativa.

Não se alegue, para infirmar o acerto desta proposição, que a demanda popular deve permanecer restrita aos cidadãos, sem que possa desbordar desse universo de sujeitos, para afetar o poder da Administração de rever os seus próprios atos, que compreende e se nivela, para esse efeito, à pretensão reconhecida ao Ministério Público para levar, ao crivo judicial, os comportamentos adotados pelos gestores da coisa pública.

A ação popular aparece, ao invés do que parece aos que se põem de acordo com esse pensamento, é uma das mais eminentes manifestações do princípio democrático, porquanto confere, à sociedade, o controle da atividade do Estado, que se volta para o resguardo dos interesses de todo o povo, e não somente do autor, que age pro populo.

A faculdade que tem qualquer do povo de perseguir, em juízo, a invalidação dos atos administrativos e dos negócios jurídicos em geral, que se mostrarem ofensivos a interesses públicos protegidos por norma constitucional ou mesmo legal, não difere, em substância, do poder de auto tutela conferido aos entes públicos, pois uma e outro levam ao mesmo resultado.

Enquanto não introduzida, entre nós, a ação popular, a cura do interesse público cabia, de modo exclusivo, ao Estado, já que, até então, os particulares só podiam ingressar em juízo, em desfavor da Administração, se da atividade pública resultasse lesão aos seus direitos subjetivos, como se extrai da experiência brasileira, anterior à Lei nº 4717, de 1965.

Com a ação popular, quiseram a Constituição e a Lei munir o cidadão de meios e modos para, diante da inércia do Poder Público, promover a cura do interesse coletivo, com a instauração de um contencioso objetivo, a instâncias de todo o corpo social, representado por um ou alguns dos seus integrantes. Mas não é só: ao invés do que se dá em outros ordenamentos jurídicos, como o francês, que condicionam a legitimidade ativa à lesão a um direito subjetivo do autor popular, por excesso ou por abuso de poder, entre nós qualquer cidadão está habilitado ao manejo da ação sob enfoque, sem dependência desse requisito, de onde se obtém que o nosso controle objetivo é consideravelmente mais amplo do que o de outros países, que o fazem depender da comprovação de tal pressuposto subjetivo.

Estas considerações, que se radicam na melhor doutrina, ensejam a conclusão de que o povo, quando propõe a ação popular, em desfavor de um ato administrativo, é impulsionado por propósitos idênticos àqueles que levariam o Estado a ingressar, no Judiciário, contra o mesmo ato.

Sensível a essa identidade, Almiro do Couto e Silva lançou em excelente trabalho doutrinário: "Ora, a lógica que se predica ao sistema jurídico, como a qualquer sistema, está a exigir que se, na ação popular, a pretensão da Administração Pública prescreve em cinco anos, a mesma solução se deverá dar quanto a toda e qualquer pretensão da Administração Pública no pertinente à anulação de seus atos administrativos. Nenhuma razão justificaria que, nas situações em que não tenha sido proposta a ação popular, a prescrição fosse de vinte anos, encurtando para cinco se eventualmente fosse proposta aquela ação. Não se cuida, aqui, de prescrição de um determinado tipo de ação, como sucede, por exemplo, com a ação executiva, o que não impedirá o credor, entretanto, de fazer valer o seu crédito na ação ordinária de cobrança. Na ação popular, prescrita a pretensão e a ação, não mais será possível exercê-las em outra via processual. Assim, por interpretação extensiva da regra do art. 21 da Lei da Ação Popular, ou por analogia, a fim de que se preserve a harmonia do sistema, mantendo-o como um todo tanto quanto possível coerente, lógico e racional, a conclusão necessária será a de que toda e qualquer pretensão que tenha a Administração Pública em relação à invalidação dos seus atos administrativos deverá ter o prazo de cinco anos." (cfr. Prescrição quinqüenária da pretensão anulatória da Administração Pública com relação a seus Atos Administrativos, in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, 204: 21-31, abril/junho, 1996).

Se ainda não se consolidou, o certo é que esse entendimento tende a consolidar-se, pois, além do conforto doutrinário, ele vem ganhando espaço, dia a dia, no campo da jurisprudência, que estende, por integração analógica, o prazo previsto pela Lei nº 4717, de 1965, às ações civis públicas, sujeitas à regência da Lei n° 7347, de 1965, salvo quando a pretensão tender, exclusivamente, ao ressarcimento de danos suportados pelo erário, como ressuma dos acórdãos a seguir chamados, todos eles originários do Colendo Superior Tribunal de Justiça: Recursos Especiais nº(s) 890522 – MG, rel. Ministro José Delgado, DJU 22.03.2007, 406545, rel. Ministro Luiz Fux, DJU 09.12.2002, 727131, relator Ministro Luiz Fux, DJU 23.04.2008, e 912.612, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJU 15.09.2008.

Sobre o autor
Eduardo Antônio Dantas Nobre

Subprocurador Geral da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOBRE, Eduardo Antônio Dantas. Os efeitos do tempo sobre as relações jurídicas submetidas ao Direito Administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2332, 19 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13878. Acesso em: 25 dez. 2024.

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