I A Introdução
A legislação do Município de São Paulo estabelece a cobrança do Imposto sobre Serviços ISS, pela aplicação de alíquotas diferenciadas em razão da atividade dos contribuintes.
Como restará demonstrado, esta legislação é flagrantemente inconstitucional, por determinar um tratamento diferenciado entre os contribuintes do imposto, sem que exista critério de discriminação válido juridicamente.
II.1 A Limitação ao Poder de Tributar
O legislador ordinário municipal não tem o poder ilimitado de instituir o ISS conforme a sua vontade, uma vez que deverá respeitar as determinações prescritas principalmente no texto da Constituição Federal de 1988.
Dentre estas determinações, estão as que negam a possibilidade de tratamento fiscal diferenciado entre os contribuintes do mesmo tributo, quando não existir um critério de discriminação válido juridicamente para fundamentar a desigualdade.
Se isto não for respeitado, será feita tábula rasa de diversos direitos e garantias dos contribuintes consubstanciados nos Princípios Constitucionais Tributários, vez que será dada "carta em branco" para o legislador criar tratamento fiscal desigual sem que haja motivo para tanto.
II.2 - O Princípio da Isonomia Tributária
A inconstitucionalidade da legislação do ISS do Município de São Paulo tem origem na aplicação de alíquotas diferenciadas do imposto apenas em razão da atividade praticada pelos contribuintes alíquotas de 2%, 5% e 10% face o tipo de serviço1.
Este critério de discriminação não pode fundamentar um tratamento desigual, tendo em vista a vedação estabelecida pelo Princípio da Isonomia Tributária previsto no inciso II, do artigo 150 da Constituição Federal de 1988. Sobre esta assertiva, seguem as palavras do jurista Américo Lourenço Masset Lacombe:
"... . A complementação da vedação que proíbe qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função estabelece a igualdade absoluta entre profissões e funções. Trata-se, aqui, da vedação de qualquer desigualação, ainda que a pretexto de igualar desiguais"2.
Para que a atividade seja tomada como único critério de discriminação, necessariamente e sem analisar questões de inconstitucionalidade, deverá existir expressa autorização constitucional, alias, como acontece para as Contribuições Sociais no §9º, do artigo 195 da Lei Maior.
No caso do ISS, o Poder Judiciário já demonstrou que a cobrança de alíquotas diferenciadas, pela adoção do critério de discriminação relacionado a atividade, resulta a inconstitucionalidade da legislação por desrespeito aos Princípios da Isonomia Tributária e Capacidade Contributiva3.
Merecendo ser destacado que, situação assemelhada ocorre no caso das instituições financeiras, que vêm defendendo com êxito judicial e pelos mesmos fundamentos jurídicos, o direito de não sofrerem a cobrança de alíquotas diferenciadas e majoradas da Contribuição Social sobre o Lucro CSLL a aplicada para os demais contribuintes4.
II.2.1 O Respeito a Isonomia deve ser apurado entre todos os contribuintes e não somente entre os que praticam a mesma atividade
A aplicação de idênticas alíquotas para os contribuintes que exercem a mesma atividade, não garante a validade da legislação do ISS do Município de São Paulo.
Primeiramente porque, a atividade (ocupação profissional) não poderá ser um critério de discriminação para garantir a aplicação de alíquotas desiguais entre os diversos tipos de serviços, vez que, evidentemente, dá ensejo a um tratamento fiscal desigual entre contribuintes do ISS critério vedado pelo inciso II, do artigo 150 do CF/88.
Ademais, a Isonomia somente será respeitada quando todos os contribuintes que prestem serviços e estejam na mesma situação sejam tratados de forma equivalente. A situação equivalente não deixará de existir em vista da atividade praticada, pois esta, para fins tributários, é irrelevante para permitir a aplicação de alíquotas diferenciadas, principalmente por não existir, repita-se novamente, expressa autorização constitucional, como ocorre no §9º, do artigo 195 da CF/88, de não ser o ISS um imposto seletivo em razão da essencialidade dos serviços, existir vedação constitucional para sua utilização e etc.
Não existirá respeito a Isonomia Tributária tomando com parâmetro somente contribuintes com a mesma atividade, pois o Princípio será observado quando for analisada a situação de todos os contribuintes do mesmo imposto. Se isto não fosse verdade, seria a mesma coisa de se admitir como válida a cobrança de alíquotas diferenciadas do IPTU em relação aos imóveis situados em regiões diferentes no mesmo Município e do ITBI na ocasião da transferência destes imóveis.
II.3 Os Princípios da Generalidade e da Universalidade
O tratamento fiscal desigual baseado somente na atividade dos contribuintes desrespeita os Princípios da Generalidade e da Universalidade da Tributação, prescritos implicitamente no inciso II, do artigo 150 da Constituição Federal de 1988.
Estes Princípios tem por objetivo garantir a isonomia tributária entre os contribuintes ao vedarem, dentre outras coisas, a discriminação e privilégios de tratamento fiscal fundamentados na atividade. Segue o entendimento da jurista Misabel Abreu Machado Derzi sobre o assunto:
"O princípio da generalidade do art. 150, II, proíbe distinguir entre contribuintes de situação econômica equivalente, coibindo a consideração da ocupação profissional ou da função exercida como critério para a concessão de favores ou privilégios, bem como para o agravamento de seus deveres fiscais.
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. A Constituição de 1988, ao consagrar os princípios como os da generalidade e da universalidade (por força do qual as distintas manifestações de riqueza devem ser tributadas, como dispõe o art. 153, §2º, I), erradica favores e privilégios, conferidos a pessoa em razão do exercício de cargo ou funções, e abole o tratamento desigual mais gravoso para uns do que para outros, ... ."5.
II.4 O Princípio da Razoabilidade
A legislação do Município de São Paulo ainda contraria o Princípio da Razoabilidade, pelo qual o legislador deve elaborar leis razoáveis, no sentido de permitir que as suas determinações tenham uma razão de ser perante os valores estabelecidos pela Constituição Federal.
Ora, existe razão para que certas atividades sejam tributadas às alíquotas diferenciadas do ISS em relação a outras que sofrem carga fiscal reduzida? Existe razão para se tributar contribuintes com carga fiscal elevada sem que tenham, para isto, maior capacidade contributiva ou benefícios fiscais previstos na legislação? Existe razão para se tributar atividades essenciais a população (vigilância, varrição de rua, limpeza etc.) com uma carga fiscal superior a 100% a aplicada para os hospitais veterinários e clínicas veterinárias? Claro que não!
Nestes termos, não há como se negar a inconstitucionalidade da legislação do Município de São Paulo por afronta ao Princípio da Razoabilidade, em decorrência de não estabelecer critério de discriminação razoável para garantir a validade da diferenciação de alíquotas.
II.5 O Princípio da Capacidade Contributiva
A diferenciação de alíquotas estabelecida pela legislação do ISS do Município de São Paulo também desrespeita o Princípio da Capacidade Contributiva, previsto no §1º do artigo 145 da CF/88.
Isto em decorrência da afronta ao Princípio da Isonomia Tributária, uma vez que as pessoas com a igual capacidade contributiva deverão ser tributados na mesma proporção. Sobre esta afirmação, segue o entendimento do jurista italiano Victor Uckmar:
"Ademais, o dimensionamento à capacidade contributiva exclui "graduções de carga tributária que não sejam relacionadas a diferenças na condição econômica dos indivíduos". Único elemento para diferenciar as cargas tributárias entre as várias pessoas é a sua capacidade econômica; portanto, não seria admissível estabelecer que "os loiros devem pagar mais que os morenos", ou que "todas as pessoas calvas ou míopes devam, enquanto tais, pagar um tributo".
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a fórmula da capacidade contributiva tem significado mais elevado e importante, na medida em que reafirma "o princípio ou preceito da igualdade de posição dos cidadãos, diante do dever tributário de prover às necessidades da coletividade"6.
Os contribuintes sujeitos às alíquotas diferenciadas de 5% e 10% para o cálculo do ISS, não têm maior capacidade contributiva das demais prestadoras de serviços que recolhem o imposto a alíquota de 2%. Na legislação não existem qualquer descrição dos motivos que poderiam levar a esta conclusão.
A falta de critérios objetivos de capacidade contributiva pode ser constatada facilmente pela análise da malsinada legislação, pois não existem fundamentos relacionados a qualquer fato econômico para concluir que os hospitais veterinários, academias de esportes, escolas de 1º e 2º graus, pré-escolas, que pagam à alíquota de 2%, têm menor capacidade de contribuir das empresas de varrição de lixo, dos obstetras, ortópticos e fonoaudiólogos que recolhem à alíquota de 5%, e ainda, dos bilhares e boliches sujeitos à alíquota de 10%.
II.6 A Previsão constitucional para a diferenciação de alíquotas
Ainda que os argumentos acima expostos não fossem válidos, ad argumentantum tantum, a cobrança do ISS de forma diferenciada será inconstitucional, uma vez é vedada a aplicação de alíquotas diferenciadas do imposto por falta de previsão constitucional.
Somente nos casos específicos tratados pela Lei Maior é permitida a aplicação de alíquotas diferenciadas entre os contribuintes, como são os relacionados a progressividade de alíquotas, critério da seletividade aplicada no ICMS e IPI, assim como demais previsões constitucionais de alíquotas diferenciadas específicas para certos tributos p.ex. §4º do artigo 239 e §9º do artigo 195 da CF/88.
Em todos os casos que não existirem determinações constitucionais específicas, a isonomia será garantida pela aplicação da proporcionalidade, conforme demonstra a lição do ilustre jurista Aires F. Barreto:
"Dentre os diretrizes que norteiam os sistema constitucional no âmbito tributário, guardam especial relevo os princípios da igualdade e o da capacidade contributiva.
Voga de toada que o exame entrelaçado e harmônico desses vetores implica a conclusão inexorável de que todos os impostos têm que ser progressivos.
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Exame sistemático da Constituição parece apontar, todavia, rumo diverso.
Deveras, visão conjugada do sistema indica que a diretriz decorrente dos princípios da capacidade econômica e da isonomia subordina a criação de tributos à proporcionalidade (e não à progressividade). É dizer: o sistema constitucional tributário é genericamente formado pelo princípio da proporcionalidade (especialmente dos impostos) e só especifidamente pelo princípio da progressividade.
... . Apenas em alguns casos, expressamente contemplados, a Magna Carta previu fossem progressivos.
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A graduação dos impostos decorre de sua proporcionalidade em relação à base tributável (imposto ad valorem). Essa proporcionalidade é, como sabido, obtida pela aplicação de uma alíquota única sobre base tributável variável; da aplicação desse mecanismo (graduação) resulta imposto a pagar em montantes tanto maiores quanto maior for a base tributável. Pela graduação, portanto, é que se realiza o princípio da capacidade contributiva, que, em síntese, postula que o desembolso de cada qual seja proporcional à grandeza da expressão econômica do fato tributado"7.
III - A Conclusão
A nossa conclusão é pela inconstitucionalidade da cobrança do ISS pelo Município de São Paulo, por desrespeitar a legislação diversos Princípios Constitucionais, uma vez que estabelece a aplicação de alíquotas diferenciadas apenas em razão da atividade exercida pelo contribuinte, vício também verificado nas legislações de diversos municípios brasileiros8.
NOTAS
1.Tabela III, anexa à Lei nº 10.822/89, com a redação dada pela Lei nº 11.960/95.
2.LACOMBE, Américo Lourenço Masset. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS. São Paulo: Malheiros, 1996. Pág. 19.
3.1º TAC/SP: AC nº 513.333-6 (2ª Câmara. Rel. Juiz Alberto Tedesco. v.u.), AC nº 0496196-0 (7ª Câmara. Rel. Juiz Carlos Renato. v.u.) e TAC/PR: RN nº 1014.869-5 (3ª Câmara. Rel. Juiz Rogério Coelho. v.u.).
4.TRF 3ª R: AGRMS nº 95.03.43553-6 (2ª Seção. Rel. Juíza Annamaria Pimentel. V.u.), AG nº 96.03.028538-2 (3ª T. Rel. Juiz Américo Lacombe) e AG nº 98.03.048979-8 (2ª T. Juiz Andrade Martins).
5.BALEEIRO, Aliomar. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR. Nota de Misabel Abreu Machado Derzi. 1ª edição. Forense: Rio de Janeiro, 1997. pág. 530, 534 e 535.
6.UCKMAR, Victor. PRINCÍPIOS COMUNS DE DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. tradução de Marco Aurélio Greco. 2ª edição. Malheiros: São Paulo, 1999. pág. 83.
7.BARRETO, Aires Fernandino. JUSTIÇA TRIBUTÁRIA: I CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO TRIBUTÁRIO. Limonad: São Paulo, 1998. pág. 39.
8.Ribeirão Preto SP, Campinas SP e etc.