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A limitação dos efeitos temporais da decisão declaratória de inconstitucionalidade no controle difuso

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Agenda 07/12/2009 às 00:00

CONCLUSÃO

Durante muito tempo, prevaleceu a idéia de que a lei inconstitucional não produzia nenhum efeito, uma vez que acarretava a nulidade do ato contrário à Constituição.

Por força da doutrina norte-americana, surgida no célebre caso "Marbury v. Madison" (1803), a inconstitucionalidade era tida como um vício que atacava a lei em sua origem, tornando inválidas todas as relações jurídicas constituídas desde o seu nascimento (efeito "ex tunc").

Em tempos não tão recentes, percebeu-se a existência de situações que não permitiam a aplicação pura e simples da teoria nulidade da norma inconstitucional, sob pena de ferimento de algum princípio constitucional relevante.

Diante desse quadro, foi criada uma nova técnica de julgamento, que permite ao Tribunal Constitucional, em cada caso, ponderar entre o Princípio da Supremacia Constitucional e o da Segurança Jurídica, com o fim de preservar situações sociais já consolidadas sob a égide da lei inconstitucional.

Mesmo os atos praticados com base em normas inconstitucionais geram conseqüências jurídicas, as quais podem merecer proteção. Assim, possível a modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade, para que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou em outro momento que venha a ser fixado.

Entre nós, a Lei n. 9.868/99, pelo seu art. 27, previu expressamente a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal, nas decisões proferidas em processos objetivos (controle abstrato), modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, pelo voto de 2/3 (dois terços) de seus membros, desde que presentes razões de segurança jurídica e excepcional interesse social.

Embora o referido artigo 27 tenha sido criado para os processos objetivos, os motivos que justificam a modulação dos efeitos no controle abstrato também estão presentes no controle incidental, uma vez que a retroatividade da decisão declaratória de inconstitucionalidade também pode conduzir a resultados graves e indesejados.

Observando essas situações, o Supremo Tribunal Federal, após lento amadurecimento jurisprudencial, finalmente se posicionou no sentido de admitir esta técnica de manipulação dos efeitos temporais também no modelo difuso-incidental de controle.

Assim, atualmente, resta consolidada a idéia de que a limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade pode ser aplicada tanto no controle difuso quanto no controle incidental.


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REFERÊNCIAS

  1. A finalidade precípua do controle de constitucionalidade é a de resguardar a integridade e a supremacia da constituição, impedindo que atos incompatíveis com a lei maior permaneçam no sistema jurídico. Para realização dessa tarefa, a doutrina aponta alguns pressupostos que devem estar presentes para possibilitar a realização desse controle, quais sejam: a existência de uma constituição formal e escrita; rigidez constitucional e a existência de um órgão competente para o controle. As constituições rígidas são aquelas que exigem um processo especial de revisão, que lhes confere estabilidade bem superior àquela que as leis ordinárias desfrutam (BONAVIDES, 2008, p. 267). A constituição formal compõe-se de um conjunto de normas escritas, elaboradas de forma especial e solene, não importando o seu conteúdo. Exige-se, ainda, que a constituição outorgue competência para o controle a um órgão diverso daquele encarregado da produção normativa.
  2. Os atos praticados pelos particulares (privados) que contrariem as disposições constitucionais também devem ser declarados nulos, mas com a utilização de outros mecanismos de impugnação. Como observa MENDES (2008, p. 1004), "a violação da ordem constitucional por entes privados, embora relevantes sob o prisma do direito constitucional, não se enquadraria, segundo esse entendimento, à ofensa perpetrada pelos órgãos públicos, destinatários primeiros de seus comandos normativos".
  3. Segundo Mendes (2008, p. 1002) "a sanção decorrente da violação do texto da Constituição integra o próprio conceito de inconstitucionalidade. A ausência de sanção à contrariedade da norma com a constituição transforma o conceito de inconstitucionalidade em mera censura ou crítica"
  4. "O caso Marbury v. Madison, de 1803, favoreceu, finalmente os desígnios de Marshall. Trata-se de assunto de pequena importância, com origem na recusa dos republicanos de Jeferson de empossar modestos juízes de paz nomeados pelos federalistas de Adams. É conhecido o episódio histórico. Adams, nos últimos instantes de seu mandato presidencial, nomeou algumas dezenas de juízes de paz. No açodamento das providências finais, que antecederam à transmissão do cargo a Jefferson, eleito por partido adverso, o Secretário competente, na época o próprio Marshall, esqueceu-se, ou não teve tempo de providenciar o expediente necessário, deixando na mesa de trabalho os atos de nomeação. Ali os foi encontrar o Secretário Madison, sucessor de Marshall. Inteirado dos fatos, Jeferson ordenou que fossem expedidos apenas 25 atos, inutilizando os demais. Entre os prejudicados, figuravam Marbury e os três companheiros que recorreram à Suprema Corte, em 1801, (William Marbury, Denis Ramsay, Robert Townsend Hooe e William Harper), pleiteando um Writ of mandamus contra o Secretário Madison, para empossá-los nos cargos. Marshall admitiu a justiça da pretensão. Preocupava-o, entretanto, a resistência do executivo à decisão favorável da Suprema Corte. O caso, que não envolvia interesse material de monta, colocou mais à vontade o Chief Justice para firmar decisão de profundas conseqüências políticas. Entrando no exame do caso, Marshall invoca a inconstitucionalidade do art. 13, da Lei 1.789, no qual se basearam os recorrentes; artigo esse que deferia à Suprema Corte a faculdade de expedir, diretamente, writ of mandamus, em desacordo com o artigo III, seção II, do texto constitucional, que lhe conferiu, em princípio, jurisdição de apelação, contemplando expressa e excepcionalmente os casos de jurisdição ordinária. Inicialmente, os interessados deveriam postular seu direito .perante uma das Cortes de Distrito, para, em grau de recurso, se cabível, submeter o caso à apreciação da Suprema Corte. Lançado o princípio, Marshall realiza uma retirada estratégica, no bom sentido militar, invocando a incompetência da Suprema Corte para decidir o caso concreto. Obra de arte política, a sentença reconhecia o princípio do controle judiciário da inconstitucionalidade das leis, sem conferir efeitos práticos imediatos à declaração de inconstitucionalidade. O que interessava fundamentalmente a Marshall era aquele reconhecimento, que servia a dois objetivos de longo alcance: o de neutralizar possível reação desfavorável do Governo Federa e firmar valoroso precedente jurisprudencial para impedir, se necessário, as transformações esperadas em virtude do pleito de 1801. A eleição de Jeferson e da maioria republicana no Congresso equivaliam, no entender dos federalistas, a uma ampla delegação popular aos eleitos, para substituir o postulado federalista da supremacia do governo federal pelo postulado republicano da soberania dos Estados, agitado na campanha presidencial com os acenos aos Sates rights" (HORTA apud CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 267).
  5. Para corroborar tais afirmações, transcreve-se breve trecho da decisão de Marshall: "Se o ato legislativo, inconciliável com a constituição, é nulo, ligará ele, não obstante a sua invalidade, os tribunais, obrigando-os a executarem-no? Ou, por outras palavras, dado que não seja lei, substituirá como preceito operativo, tal qual se o fosse? Seria subverter de fato o que em teoria se estabeleceu; e o absurdo é tal, logo à primeira vista, que poderíamos abster-nos de insistir.
  6. Examinemo-lo, todavia, mais a fito. Consistem especificamente a alçada e a missão do Poder Judiciário em declarar a lei. Mas os que lhe adaptam as prescrições aos casos particulares, hão de, forçosamente, explaná-la e interpretá-la. Se duas leis se contrariam, aos tribunais incumbe definir-lhes o alcance respectivo. Estando uma lei em antagonismo com a constituição e aplicando-se à espécie a constituição e a lei, de modo que o tribunal tenha que resolver a lide em conformidade com a lei, desatendendo a constituição, ou de acordo com a constituição, rejeitando a lei, inevitável será eleger, dentre os dois preceitos opostos, o que dominará o assunto. Isto é da essência do dever judicial.

    Se, pois, os tribunais não devem perder de vista a constituição, e se a constituição é superior a qualquer ato ordinário do Poder Legislativo, a constituição e não a lei ordinária há de reger o caso, a que ambas dizem respeito. Destarte, os que impugnaram o princípio de que a constituição deve considerar, em juízo, como lei predominante, hão de ser reconduzidos à necessidade de sustentar que os tribunais devem cerrar os olhos à constituições, e enxergar a lei só. Tal doutrina aluiria os fundamentos de todas as constituições escritas. E equivaleria a estabelecer que um ato, de todo em todo inválido segundo os princípios e teorias do nosso governo, é, contudo, inteiramente obrigatório na realidade. Equivaleria estabelecer que, se a legislatura praticar o ato que lhe está explicitamente vedado, o ato, não obstante a proibição expressa, será praticamente eficaz" (BARBOSA, 1934, apud CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 264)

  7. As maiores inovações da Constituição de 1988 foram direcionadas ao modelo de fiscalização abstrata (ampliação dos legitimados; introdução de instrumentos para reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão; criação da ADPF, etc), fazendo com que essa forma de controle ganhasse mais ênfase e significado, diminuindo a importância do modelo concreto-incidental (MENDES, 2004, p. 209).
  8. Desde o julgamento do precedente Marbury vs Madison, concluiu-se que cabe ao Poder Judiciário, dentro de sua atividade de aplicação e interpretação das leis, o poder-dever de solucionar a lide, verificando, se o caso, a compatibilidade da legislação ordinária com a Constituição, toda vez que necessário para o julgamento de uma determinada controvérsia jurisdicional. Nesse sentido: "Controle incidente de constitucionalidade: suscitada, no voto de um dos juízes do colegiado, a questão de inconstitucionalidade da lei a aplicar, deve o tribunal decidir a respeito; omitindo-se e persistindo na omissão, não obstante provocado por embargos de declaração, viola as garantias constitucionais da jurisdição e do devido processo legal (CF, art. 5, XXXV e LIV), sobretudo quando, com isso, obstruir o acesso da parte ao recurso extraordinário" (STF, RE 198.346-9/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 5-12-1997, p. 63919).
  9. "O ato inconstitucional, ensina tradicionalmente a doutrina, é nulo e írrito. Desde a decisão do juiz Marshall, no caso Marbury v. Madison, passando pela lição de Rui Barbosa, assentou-se que, nulo, o ato inconstitucional não obriga, não sendo de se aplicar o que, se aplicado, nula é esta aplicação. Tanto assim, que o efeito da declaração de nulidade retroage ex tunc, não sendo válidos os atos praticados sob o seu império" (Repr. 980/SP, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 96.508, p. 1981). O mesmo posicionamento pode ser extraído do RE 103.619, Rel. Maurício Corrêa, RDA n. 60, p. 80.
  10. Essa discussão foi travada no julgamento do pedido de concessão de medida liminar na ADIn 526, em que se discutiu a omissão parcial de norma que concedeu aumento a uma parcela expressiva do funcionalismo público. A mesma questão foi novamente tratada no HC 70.514em que se admitiu que a lei que concedia prazo em dobro para a defensoria pública era constitucional enquanto esses órgãos não estivessem devidamente estruturados.
  11. "O direito, como tecnologia voltada para a decidibilidade dos conflitos, encara o tempo de um modo diferente. A ocorrência dos fatos jurídicos carrega a nota da irreversibilidade, porém, o sistema jurídico pode criar mecanismos para apagar os efeitos gerados por tais fatos. Assim, se por um lado os fatos, como eventos físicos, ocorrem em um determinado tempo irreversível, os seus efeitos poderão ser modificados, alterados, ou até mesmo expurgados do mundo do Direito. Em outras palavras, o tempo não é irreversível para o Direito (PIMENTA, 2008, p. 418).
  12. No Brasil, diferentemente da Constituição Portuguesa, não há previsão constitucional expressa para a utilização dessa técnica de limitação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade.
  13. Como observa MENDES (2007, p. 333), "antes do advento da lei 9.968/1999, talvez fosse o STF, muito provavelmente, o único órgão importante de jurisdição constitucional a não fazer uso, de modo expresso, da limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Não só a Suprema Corte americana (caso Linkletter e alker), mas também uma série expressiva de Cortes Constitucionais e Cortes Supremas adotam a técnica da limitação de efeitos (cf., v.g., a Corte Constitucional austríaca (constituição, art. 140), a Corte Constitucional alemã (Lei Orgânica, §§ 31, 2, e 79, I), a Corte Constitucional espanhola (embora não expressa na constituição, adotou, desde 1989, a técnica de declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade), a Corte Constitucional Portuguesa (constituição, art. 282, n. 4), o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia (art. 174, 2, do Tratado de Roma), o Tribunal Europeu de direitos Humanos (caso Markx, de 13.6.1979)".
  14. "2/3 de 11 ministros equivale a (2 x 11)/3 = 7,33333333... Como o art. 27 da Lei n. 9.868/99 falou em quorum de 2/3, deve ser entendido no mínimo 2/3. Arredondando-se o resultado para baixo, teríamos o número inferior a 2/3. Logo, devemos arredonda-lo para cima e o quorum será de pelo menos 8 ministros, lembrando-se o quorum de instalação da sessão de julgamento, também de 8 ministros (art. 22 da Lei n. 9.868/99 (LENZA, 2007, p. 230).
  15. Vale lembrar que a constitucionalidade do art. 27 da Lei n. 9.868/99 está sendo questionada nas ADIns 2154 e 2258. Não obstante, a questão parece ter perdido a sua importância, uma vez que o Supremo Tribunal Federal tem utilizado a disposição contida no art. 27 em diversos julgados, tanto no controle concentrado quanto no difuso.
  16. STF, Pleno, Rcl n. 4335/AC, rel. Min Gilmar Mendes.
  17. STF, Segunda Turma, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 513.234-0, Rel. Min. Joaquim Barbosa.
  18. STF, Segunda Turma, Embargos de declaração no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 490.875-8, Rel. Min. Celso de Mello.
  19. STF, Ag reg no AI n. 421.354, rel Min. Celso de Mello
  20. STF, RE n. 78.209, 1 turma, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, publicado em 09/10/1974
  21. STF, RE n. 78.594, 2 turma, Rel. Min. Bilac Pinto, publicado em 30/10/1974
  22. STF, RE n. 78.628, 1 turma, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, publicado em 11/12/1974
  23. STF, RE n. 79.343, 2 turma, Rel. Min. Carlos Madeira, publicado em 02/09/1987
  24. STF, ADI n. 1.102, Rel. Min. Maurício Corrêa, publicado em 17/11/1995
  25. STF, RE n. 197.917, rel. Min. Maurício Corrêa, publicado em 07/05/2004.
  26. STF, Ag. Reg. No RE nº 328.232, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 14/06/2005.
  27. STF, RE nº 442.683, 2ª Turma, Rel. Min Carlos Velloso, DJ 24/03/2006.
  28. STF, HC 82.959, Rel. Min Marco Aurélio, DJ 01/09/2006
  29. STF, RE n. 560.626, 556.664, 559.882, Rel. Min. Gilmar Mendes, informativo do STF n. 510.
Sobre o autor
Daniel Ruiz Cabello

Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABELLO, Daniel Ruiz. A limitação dos efeitos temporais da decisão declaratória de inconstitucionalidade no controle difuso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2350, 7 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13973. Acesso em: 24 dez. 2024.

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