Inicio este artigo (re)lembrando algumas lições aprendidas ao longo do meu curso de Direito.
Em primeiro lugar, me foi ensinado que o dinheiro figura em primeiro lugar no rol de bens penhoráveis. Inteligência do artigo 655 da atual Lei de Ritos Civil.
A sexagenária CLT, no seu artigo 882, com a redação dada pela Lei nº. 8.432, de 11.06.1992, determina claramente que a nomeação de bens à penhora se submete à ordem preferencial estabelecida no artigo 655 do CPC - a remissão é expressa -, não podendo a penhora ser levada a cabo conforme os caprichos e/ou necessidades pessoais do devedor-executado. (1)
Ressalto, também, que recordo a lição de que a execução se realiza sempre no interesse do credor, o qual, através da penhora, adquire o direito de preferência sobre os bens do executado que eventualmente foram penhorados. Exegese do artigo 613 do CPC.
Meus professores me explicaram a exaustão que o crédito trabalhista tem natureza alimentar, razão pela qual se constitui num crédito superprivilegiado em relação aos demais créditos existentes. (2)
Por fim, nas doutas palavras do ilustre jurista Amauri Mascaro Nascimento, "a penhora é um ato executório material que se traduz na apreensão dos bens do devedor em decorrência do processo. Tem a característica de um ato de imperium do juízo da execução, marcada que está pela coerção, traço que a define." (3)
Nesses termos, incluo-me dentre aqueles que entendem que assiste ao exequente trabalhista o direito inarredável de pleitear, e ver deferida pelo juízo competente, a penhora de dinheiro depositado em conta-corrente do executado no valor total do seu crédito.
Acrescente-se que o colendo Tribunal Superior do Trabalho reconheceu que "a determinação de observância na ordem de preferência prevista no art. 655 do CPC, concernente à nomeação de bens à penhora, não importa em infringência de direito líquido e certo do executado." (4)
Por seu turno, o egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 12ª. Região entendeu que
"é válida a penhora realizada sobre valores efetuados em conta corrente da executada que alega serem destinados à satisfação das obrigações inerentes à atividade empresarial, quando esta não observou a ordem preferencial de que trata o artigo 655 do CPC. A manutenção da penhora resta alicerçada também no caráter privilegiado dos créditos trabalhistas e no fato de que é ônus do empregador o risco da atividade econômica. Não cabe àquele que um dia contribuiu para com ela, através de sua energia laboral e que não obteve a correta contraprestação, que agora está sendo ressarcida, arcar com um encargo que não é seu." (vide o acórdão nº. 9.823/99 do referido Tribunal, cujo relator foi o Excelentíssimo Senhor Juiz Dilnei Ângelo Biléssimo, publicado no DOESC de 27.09.1999, pág. 108).
Por outro lado, entendo que não há como se confundir penhora de dinheiro com penhora de crédito outro que não dinheiro. In casu, o egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 11ª. Região firmou entendimento de que "o eventual bloqueio de créditos em detrimento de bem oferecido à penhora, fere o direito líquido e certo da empresa de ver a execução promovida do modo menos gravoso para si." (5)
Isto posto, julgo que é imperioso formular as seguintes perguntas: 1º) É necessária a estrita observância do rol do artigo 655 do CPC nas execuções trabalhistas?; 2º) É legal a penhora de numerário do executado depositado em conta corrente bancária?
A minha singela resposta para ambas as perguntas é um sonoro e induvidoso sim. Senão vejamos.
Em primeiro lugar, sendo um ato de imperium, como já destacado acima, a penhora de bens do devedor, quando este não paga a sua obrigação reconhecida judicialmente, se constitui num poder-dever do magistrado e não numa mera faculdade a seu bel-prazer.
Em segundo lugar, as normas processuais são normas cogentes, isto é, normas de observância obrigatória não só para as partes litigantes num processo judicial como também e, sobretudo, para o magistrado.
Em terceiro lugar, inexiste no ordenamento jurídico pátrio, em especial na legislação trabalhista, previsão legal que proíba expressamente a penhora de numerário em conta-corrente do executado.
Prossigamos adiante.
Para mim, resta evidente que a penhora de dinheiro depositado em conta-corrente bancária deve ser feita no montante igual ao crédito do exequente mais os acessórios (juros, correção monetária, custas processuais, etc.). Se o valor em espécie penhorado for consideravelmente superior ao crédito do exequente e dos respectivos acessórios, poderá haver redução da penhora ao montante que baste à execução ou, em última análise, a sua transferência para outros bens que satisfaçam o crédito do exequente, desde que obedeça a gradação do artigo 655 do CPC. Inteligência do inc. I do artigo 685 do mencionado Diploma Legal.
Destaco que perfilho a corrente doutrinária e jurisprudencial que postula a tese de que caberá ao executado arguir, em sede de embargos à execução, ou mesmo mediante a interposição da assim denominada exceção de pré-executividade - a qual dispensa ação autônoma -, o fato de o valor almejado de sua conta-corrente bancária se destinar ao pagamento dos salários dos seus empregados, ou mesmo de que o dinheiro corresponderia ao capital de giro indispensável ao funcionamento regular da empresa ou da sua atividade profissional.
Caso seja necessário, deverá ser quebrado o sigilo bancário do executado a fim de ser levada a cabo a penhora de numerário depositado em conta-corrente bancária. A decisão judicial que quebra o sigilo bancário deverá ser fundamentada.
Amparado no disposto no artigo 114 da Constituição da República de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº. 045/2004, entendo que se a penhora de dinheiro em conta-corrente bancária, determinada por juiz trabalhista no decorrer do processo executório trabalhista, vier a acarretar prejuízos materiais e/ou morais para o executado, este deverá ajuizar ação de danos materiais e morais na Justiça Trabalhista.
Ao fecho deste artigo, impende salientar que os nossos magistrados trabalhistas devem, e podem, agir com todo o rigor que a lei lhes facultar quando o devedor-executado obstaculizar, sem motivo justo, a penhora de dinheiro em conta-corrente bancária. Os atos do executado que visam impedir ou dificultar a penhora de dinheiro em conta-corrente bancária constituem, salvo melhor juízo, fraude à execução e crime de desobediência a ordem judicial, devendo ser punidos conforme a legislação penal vigente.
Notas
(1) O artigo 882 celetário reza, in verbis: "Art. 882 - O executado que não pagar a importância reclamada poderá garantir a execução mediante depósito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens à penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no artigo 655 do Código Processual Civil." (Redação dada pela Lei nº. 8.432/1992)
(2) Ainda que a Lei nº. 11.101/2005 (a novel Lei de Falências) tenha, por vias transversas, equiparado o crédito trabalhista à outros créditos (fiscais, reais, etc.), desbancando, assim, a sua condição de ser satisfeito antes dos demais, o referido crédito, se interpretarmos o ordenamento jurídico pátrio em seu todo, continua a gozar de um status privilegiado.
(3) NASCIMENTO, Amauri Mascaro: Curso de Direito Processual do Trabalho. pág. 534. Grifo no original.
(4) O entendimento em epígrafe da nossa mais alta Corte Trabalhista foi firmado no ROMS nº. 62.088/1992.3, de relatoria do eminente Ministro Hylo Gurgel.
(5) Tal posição jurisprudencial foi adotada pelo TRT da 11ª. Região no MS-01006/2004-000-11-00, acórdão nº. 1.242/2005, cujo relator foi o Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal do Trabalho Othílio Francisco Tino.
Referências bibliográficas
Legislação
BRASIL: Lei nº. 5.869, de 11.01.1973. Institui o Código de Processo Civil.
BRASIL: Decreto-Lei nº. 5.452, de 01.05.1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.
II. Obras doutrinárias
NASCIMENTO, Amauri Mascaro: Curso de Direito Processual do Trabalho. 17ª. ed. ampliada e atualizada. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.
SAAD, Eduardo Gabriel: CLT Comentada. 36ª. ed. São Paulo: Ed. LTr., 2003.
III.Sites jurídicos acessados