Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Uma visão crítica da substituição tributária

Exibindo página 1 de 4
Agenda 01/02/2001 às 00:00

INTRODUÇÃO

Ao delimitarmos nosso tema a uma visão crítica da substituição tributária no ICMS, nos propusemos a pesquisar e analisar, sob um ponto de vista efetivamente crítico e verticalizado, a compatibilidade constitucional da substituição tributária aplicada a este tributo, seus principais aspectos legais e doutrinários, em função de questões práticas ligadas à sua aplicação cotidiana, notadamente em função da enorme voracidade de sua utilização nos dias de hoje por parte do agente arrecadador e que tem gerado constantemente, discordância do contribuinte, ora em função do enorme desconhecimento desta figura (que tanto pode funcionar como mera substituição como também antecipação), ora por sentir faltar-lhe a devida segurança jurídica que o verdadeiro estado de direito deve resguardar ao cidadão. (1)

A escolha deste tema se deu em função da sua importância no contexto jurídico nacional atual, tendo em vista a busca frenética, e cada vez mais intensa, do Fisco, de instrumentos assecuratórios de uma arrecadação mais eficiente e de meios que facilitem a fiscalização do cumprimento das demais obrigações tributárias, pois os níveis de arrecadação não tem se mostrado eficientes e o Poder Tributante vem buscando, cada vez mais, lançar mão de meios alternativos como forma de recolher mais imposto com menor esforço e, dado ao crescente comprometimento das receitas, de forma antecipada, adotando-se a figura do responsável por substituição, para que este apure e recolha o ICMS devido por outros contribuintes.

A opção por uma proposta tão abrangente, como se sugere, tornaria o trabalho bastante extenso se não tivéssemos optado por uma verticalização. Desta forma, ao delimitá-la, pretendemos explorar não toda a substituição tributária (o que significaria uma horizontalização que não produziria os resultados esperados), mas apenas aqueles tópicos que julgamos mais conflitantes: a sujeição passiva, a base de cálculo e o fato imponível, que vistos exclusivamente no universo do instituto substituição já se bastam para a demonstração da enorme divergência existente entre os doutrinadores até mesmo em aspectos conceituais.

Muito se tem dito acerca do assunto, inclusive com inúmeros posicionamentos jurisprudenciais (que por certo serão apresentados ao seu tempo), bem como se constata a existência de dicotomias de interpretação tão grandes que, ainda hoje, não produziram um denominador comum, e, que, conseqüentemente, abrem a possibilidade de se produzir entendimento novo, por meio de pesquisas, análises e conclusões.

A pretensão e o anseio por fazê-lo são grandes, tanto quanto a elasticidade temática sugere, o que, por si só, cria um portentoso motivo justificador de nossa empreitada: a busca dos limites constitucionais, doutrinários e legais da substituição tributária.

Porém, o que mais justifica nossa investida em tal instituto, como dissemos alhures, é o grande desconhecimento da sua técnica, dos seus aspectos conceituais e doutrinários, tornando-se um mito que precisa ser desfeito, discutido, e, principalmente, aprendido.

Portanto, a maior razão deste nosso estudo é justamente trazer elementos técnicos que sirvam para a compreensão da substituição tributária, sem perder a visão crítica dos aspectos que o cercam, quer seja no contexto da constitucionalidade, da legalidade ou da doutrina.

Esta responsabilidade, considerando-se o aspecto temporal, pode acontecer tanto em relação a fatos geradores(2) presumidos (futuros portanto), bem como a fatos anteriores e momentâneos, e representa a transferência de responsabilidade de recolhimento do tributo para outrem e que gera um universo imenso de questões a serem abordadas.

O questionamento do tema guardava, até o advento da Emenda Constitucional nº 03/93, a mancha da inconstitucionalidade absoluta por falta de previsão no texto maior, e, ainda hoje, reserva dúvidas quanto ao modelo constitucional adotado, tendo-se como ponto de partida a alteração decorrente do Poder Constituinte Derivado.

Há que se ressaltar ainda, à guisa de problematização do tema, nos casos de substituição tributária subseqüente, a antecipação do fato imponível para um instante anterior à sua ocorrência efetiva de forma presumida (inclusive no momento das aquisições de determinadas mercadorias). Presunção esta que alcança a base de cálculo do imposto e a margem de lucro arbitrada, estabelecidas em Convênios, e, exageradas às vezes, tendo em vista, que em muitos casos, representam uma época diferente da atual, onde os custos eram totalmente diferentes.

Desta forma, cria-se outro problema: a restituição do excesso tributado antecipadamente, que nem sempre ocorre de forma imediata e preferencial como pretende a norma constitucional, causando excesso de exação fiscal que beira ao confisco.

Tendo-se como linha mestra de indagação do que até aqui se disse, teríamos então, alguns outros questionamentos a resolver:

1. Quais seriam os limites da responsabilidade tributária?

2. Qual enfim a competência da Lei Complementar? Poderia ela ser delegada para os Estados fixarem percentuais de margem de lucro? A figura dos Convênios seria adequada para tal desiderato tendo-se em vista os aspectos econômicos?

3. A restituição do excesso tributado tem sido morosa e atendido aos interesses arrecadatórios em detrimento da imediata e preferencial restituição. Procede tal postura? Quais medidas poderiam ser intentadas no afã de se preservar o direito do contribuinte?

4. Nos casos de imunidades, como no caso dos combustíveis e derivados de petróleo em operações interestaduais, ante a necessidade de retenção antecipada, não se estaria anulando a pretensão constitucional da não-incidência tendo em vista o fenômeno da repercussão?

Considerando os problemas anteriormente apresentados, após a constatação das evidências existentes e a devida análise dos mesmos, tendo em vista os objetivos previamente impostos, pretendemos, com nossa pesquisa, sintetizar as seguintes hipóteses:

1. Os limites da competência legal da substituição tributária.

2. A antecipação do fato gerador não representaria uma ofensa à hipótese de incidência no seu aspecto temporal.

3. A Emenda Constitucional 03/93 não estaria contrariando as ditas cláusulas pétreas, pois não seria aceita entre nós a teoria da norma constitucional inconstitucional defendida por Otto Bachof. (3)

4. Não estariam sendo feridos os princípios da segurança jurídica e o da não-surpresa. (4)

5. Seria enfim constitucional a substituição tributária no ICMS.

6. Vencido o questionamento da compatibilidade constitucional da substituição tributária, bem como as demais indagações, se restariam contradições de ordem técnica neste instituto.


I - HISTÓRICO

A introdução do instituto da substituição tributária no nosso direito positivo ocorreu por meio do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25.10.66), conforme é possível se depreender do já revogado art. 58, § 2º, II (na sua redação originária naturalmente), segundo a qual "a lei pode atribuir a condição de responsável":

"II - ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a ele remetida, de percentagem não excedente de 30% (trinta por cento) que a lei estadual fixar."

O Ato Complementar nº 34, de 30.01.67, substituiu o referido inciso II do parágrafo 2º pelo seguinte:

"II - ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido por comerciante varejista, mediante acréscimo:

a) da margem de lucro atribuída ao revendedor, no caso de mercadoria com preço máximo de venda no varejo marcado pelo fabricante ou fixado pela autoridade competente.

b) de percentagem de 30% (trinta por cento) calculada sobre o preço total cobrado pelo vendedor, neste incluído, se incidente na operação, o art. 46, nos demais casos."

Posteriormente, o Decreto-lei nº 406, de 31.12.68, revogou expressamente os referidos dispositivos em seu art. 13.

Após isto, ainda, por intermédio da Lei Complementar nº 44, de 07.12.83, acrescentaram-se parágrafos aos arts. 2º, 3º e 6º do Decreto-lei no 406, de 31.12.68, dispondo, novamente, sobre a denominada "substituição tributária para frente".

Eis os textos novos:

"Art. 2º

§ 9º Quando for atribuída a condição de responsável ao industrial, ao comerciante atacadista ou ao produtor, relativamente ao imposto devido pelo comerciante varejista, a base de cálculo do imposto será:

a) o valor da operação promovida pelo responsável, acrescido da margem estimada de lucro do comerciante varejista obtida mediante aplicação de percentual fixado em lei sobre aquele valor;

b) o valor da operação promovida pelo responsável, acrescido da margem de lucro atribuída ao revendedor, no caso de mercadorias com preço de venda, máximo ou único, marcado pelo fabricante ou fixado pela autoridade competente.

§ 10 Caso a margem de lucro efetiva seja normalmente superior à estimada na forma da alínea "a" do parágrafo anterior, o percentual ali estabelecido será substituído pelo que for determinado em convênio celebrado na forma do disposto no parágrafo 6º do artigo 23 da Constituição Federal.

Art. 3º

§ 7º A lei estadual poderá estabelecer que o montante devido pelo contribuinte, em determinado período, seja calculado com base em valor fixado por estimativa, garantida, ao final do período, a complementação ou a restituição em moeda ou sob a forma de utilização como crédito fiscal, em relação, respectivamente, às quantias pagas com insuficiência ou em excesso.

Art. 6º

§ 3º A lei estadual poderá atribuir a condição de responsável:

a) ao industrial, comerciante ou outra categoria de contribuinte, quanto ao imposto devido na operação ou operações anteriores promovidas com a mercadoria ou seus insumos;

b) ao produtor, industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista;

c) ao produtor ou industrial, quanto ao imposto devido pelo comerciante atacadista e pelo comerciante varejista;

d) aos transportadores, depositários e demais encarregados da guarda ou comercialização de mercadorias.

§ 4º Caso o responsável e o contribuinte substituído estejam estabelecidos em Estados diversos, a substituição dependerá de convênio entre os Estados interessados."

Na esteira deste histórico (em parte coletado de palestra proferida no Conselho de Justiça Federal, em 21.06.96 pelo Ministro do STJ Antônio de Pádua Ribeiro), a Constituição em vigor encampou o instituto (art. 155, § 2º, XII, "b"), tendo o Convênio no 66/88 (com força de lei complementar, à vista do disposto no art. 34, § 8º, do ADCT) incluído no seu texto, praticamente, as normas da Lei Complementar nº 44, de 1983. (5)

Sobreveio, após isto, a Emenda Constitucional nº 3, de 17.03.93 que acrescentou o parágrafo 7º ao art. 150 da Lei Maior, a cujo teor, nos referimos in verbis:

"§ 7º - A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido."

Por fim, em substituição ao Convênio ICM 66/88 (publicado no DOU de 16.12.88), após absurda provisoriedade legisferante de quase nove anos, editou-se a Lei Complementar nº 87, de 13.09.96 (publicada no DOU de 16.09.96), que embora possua alterações posteriores em outros dispositivos, não teve alterado os dispositivos que tratam da substituição tributária e que vão, de forma específica, do artigo 5º ao 10.

Por conta desta rememoração legislativa, para mostrar que o instituto não constitui novidade, tendo, a partir da vigência da atual Constituição, assumido conotação constitucional, começamos a efetivamente produzir considerações úteis para nossa pretensão de vislumbrar a substituição tributária do ICMS sob o prisma desejado, pois até o presente momento, embora conheçamos alguns posicionamentos do Supremo Tribunal Federal, o assunto ainda não se encontra pacificado, mais, foi enfrentado sob a devida ótica, daí talvez a grande ênfase que se dá ao tema, alertando-se que a referida Corte já discutiu alguns aspectos envolvendo a substituição, mas não efetivamente chegando, em nosso entendimento, ao ponto nodal do tema, qual seja, a validade eficacial da norma defendida por Kelsen (6) e, que, por seu turno, ao tratarmos dos limites da legalidade teremos oportunidade de melhor apreciação.


CAPÍTULO I - ASPECTOS CONCEITUAIS, CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

1. Considerações Doutrinárias

Para a devida compreensão do fenômeno da substituição tributária, notadamente em que contexto ela se situa no direito tributário, mister se faz o conhecimento doutrinário existente acerca do tema, que é muito amplo e que consiste na existência de um substituto legal tributário. No entendimento de Becker, (7) (8) toda a vez em que o legislador escolher para sujeito passivo da relação jurídica tributária um terceiro indivíduo, em substituição daquele determinado como sujeito à hipótese de incidência, já nos valendo da linguagem adotada por Geraldo Ataliba, (9) ou ao fato imponível conforme preceitua Dino Jarach (10) ou ainda, na linguagem de Paulo de Barros Carvalho, a "Hipótese Tributária e o Fato Jurídico Tributário". (11)

A responsabilidade tributária se constitui na transferência, total ou parcial, por meio de lei, da obrigação de pagar o tributo para outrem que não o contribuinte (sujeito passivo direto). Ela decorre da necessidade do fisco de garantir o recolhimento do tributo que pode se tornar mais difícil quando apenas uma pessoa é considerada sujeito passivo.

Embora propugnemos pela aplicação do texto constitucional, a despeito das demais legislações que lhe ferem os preceitos, tendo em vista o histórico da substituição tributária, somos forçados, para a devida apreciação do tema, a tomar como ponto de partida conceitual, a questionável expressão fato gerador (até porque a legislação tanto constitucional como a inferior utilizam-se de tal construção), bem como os artigos 121 e 128 do CTN, que, à seu tempo, estabelecem, respectivamente, o contribuinte e o responsável, reportando-se a dois tipos de responsabilidade, aceitos por parte da doutrina conforme assevera Sacha Calmon Navarro Coelho: (12)

"a) A responsabilidade superveniente de terceira pessoa por fato gerador alheio (a chamada responsabilidade por transferência noticiada por Rubens Gomes de Souza).

b) A responsabilidade por substituição, quando o dever de contribuir é imputado diretamente pela lei a uma pessoa não envolvida com o fato gerador, mas que mantém como o "substituído" relações que lhe permitem ressarcir-se da substituição."

O art. 128 do CTN, ao tratar da substituição tributária, partindo do pressuposto da sujeição passiva (que trataremos adiante com mais vagar), estabelece:

"Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação."

Para Rubens Gomes de Souza, (13) tal responsabilidade pode ser distinguida em direta ou indireta, enquadrando no primeiro caso a situação descrita no artigo 121 do CTN e, na última hipótese, a responsabilidade. Esta, por seu turno, segundo o autor, como já vimos anteriormente, admitia, duas hipóteses: a transferência (que englobaria aspectos como a solidariedade, a sucessão e responsabilidade) e a substituição (que pode ser simplesmente mera substituição ou também, considerando-se a substituição para frente, antecipação).

Para o Mestre, a transferência "ocorre quando a obrigação tributária depois de ter surgido contra uma pessoa determinada (que seria o sujeito passivo direto), entretanto, em virtude de um fato posterior, transfere-se para outro pessoa diferente ...". Quanto à substituição, ainda sob a ótica do festejado autor, esta "ocorre quando em virtude de uma disposição expressa de lei a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, o fato ou negócio tributado. Neste caso é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto por outro indireto". (14)

A substituição tributária, considerando-se o princípio constitucional da capacidade contributiva descrito no artigo 145 do texto maior atual, quando antecipa carga tributária para momento anterior ao da ocorrência do fato gerador, considera, em nosso entendimento, o fenômeno da repercussão, pois reforce-se a idéia que o instituto aqui tratado, ao determinar responsabilidade antecipada de recolhimento a terceiros, não impede que estes, possuindo relação com o substituído, repassem tal encargo de forma embutida no custo do produto vendido.

Acerca desta discussão sobre a influência econômica no direito, encontramos o entendimento de Alfredo Augusto Becker, (15) contrário ao de Rubens Gomes de Souza (16) e Hugo de Brito Machado, (17) dentre outros, para quem "O estudo do fenômeno econômico da repercussão dos tributos é da competência dos especialistas da Ciência das Finanças Públicas e da Política Fiscal, os quais servem-se, na investigação e análise deste fenômeno, de conceitos e conclusões fundamentais do fenômeno econômico da repercussão do tributo." Para Becker, (18) os conceitos econômicos e terminologia econômica são válidos exclusivamente no plano econômico da ciência das Finanças Públicas e da Política Fiscal, enquanto que a terminologia jurídico e conceitos jurídicos são válidos exclusivamente no plano jurídico do Direito Positivo. Este rigor com a terminologia jurídica, citado pelo autor em referência a Norberto Bobbio (19) "para se construir qualquer ciência, é, antes de tudo uma exigência fundamental".

Este posicionamento era aliás o mesmo do saudoso Mestre Geraldo Ataliba (20), para quem a classificação de tributos, no seu fundamento, há de ser exclusivamente jurídica, e que, embora coincida com a classificação financeira, com ela não se identifica. Segundo Ataliba, (21) "uma é qualificada por elementos (econômicos) diversos dos (formais) que caracterizam a outra: assim como a análise dos atos da vida econômica não se compenetra com a dos correspondentes negócios jurídicos".

No entender de José Eduardo Soares de Melo, (22) "Trata-se a substituição de imputação de responsabilidade por obrigação tributária de terceiro que não praticou o fato gerador, mas que tem vinculação indireta com o real contribuinte. O substituto tem decorrer naturalmente do fato imponível, da materialidade descrita (hipoteticamente) na norma jurídica, não podendo ser configurado por mera ficção do legislador." O mesmo José Eduardo sustenta que na substituição, num plano pré-jurídico, o legislador afasta por completo o verdadeiro contribuinte que realiza o fato gerador, prevendo a lei, desde logo, o encargo da obrigação a uma outra pessoa (substituto) que fica compelida a pagar a dívida própria, eis que a norma não contempla a dívida de terceiro (substituto). (23)

Segundo Eduardo Marcial Ferreira Jardim, in "Dicionário Jurídico Tributário", a substituição tributária é instituto empregado na legislação do ICMS, dentre outras, na qual o legislador estabelece a antecipação da incidência do imposto com relação a operações sucessivas, cada qual objeto de tributação em tese, e, para tanto, elege como sujeito passivo o substituto tributário. Exemplo frisante ocorre com os fabricantes de cervejas e refrigerantes, que, por força de lei, assumem a condição de contribuintes não só com referência às operações por eles promovidas, mas também com relação às operações a serem efetivadas ulteriormente. (24)

No entendimento do dicionarista supra, "trata-se de mais um desapreço pelos primados cardeais que informam o Sistema Constitucional Tributário, a teor da estrita legalidade, da tipicidade da tributação, da vinculabilidade da tributação e outros, porquanto a incompatibilidade entre os aludidos postulados e a denominada substituição afigura-se de clareza solar, e a absurdez se depara inadmissível num Estado de Direito Democrático. Como se vê, no caso em tela, os governantes optaram pela comodidade do atalho, em detrimento da ordem jurídica."

De qualquer sorte, com o advento da Lei Complementar nº 87, de 1996, perde razão a argumentação de Becker de que o substituído não tem qualquer relação com o Estado, tornando-se inclusive, anacrônico tal entendimento ante ao fato de que, em eventuais diferenças entre a base de cálculo do imposto estimada e o preço de venda efetivo, se menor, o beneficiário seria o substituído. Neste sentido aliás o julgado da 2ª Turma do STJ, cujo relator, Ministro Ari Pargendler (25) assim se pronunciou:

"Até a Lei Complementar nº 87, de 1996, o ‘substituído’ não tinha qualquer relação jurídica com o sujeito ativo da obrigação tributária; depois dela, sem embargo de que não participe da relação tributária; o ‘substituído’ está legitimado a requerer a repetição do indébito do ICMS pago a maior na chamada ‘substituição tributária para frente’ (art. 150, § 7º c/c o art. 10, § 1º da Lei Complementar nº 87, de 1996) ..."

Desta forma, temos a considerar que eventuais discordâncias acerca da sistemática de substituição tributária devem ser feitas, sempre, à luz do disposto no texto constitucional atual, na Lei Complementar nº 87/96 e nas demais normas infraconstitucionais recepcionadas ou editadas após 1988, desde que naturalmente válidas e eficazes.

A pretexto da constitucionalização da substituição tributária, Geraldo Ataliba e Aires Barreto(26) produziram interessante comentário que serve aos propósitos deste trabalho, uma vez que trouxeram à lume, belo estudo acerca dos requisitos constitucionais de validade de lei que estabelece substituição e responsabilidade tributária:

"A própria Constituição designa os destinatários dos encargos tributários. A lei só pode substitui-los ou atribuir responsabilidade a outrem, se assegurar que o encargo, finalmente, seja da pessoa constitucionalmente pressuposta. Só lei pode criar substitutos e responsáveis. Tal lei deve obedecer a tipicidade e irretroatividade. Não pode infringir a capacidade contributiva."

Dito o que foi dito até aqui, como constata Marco Aurélio Greco, (27) "Na realidade, embora a denominação normalmente utilizada para designar a figura seja ‘substituição tributária’, o cerne das preocupações não é gerado por esta categoria especial da sujeição tributária, mas sim pela figura da ‘antecipação do fato gerador do tributo’, pela qual a exigência é feita antes que ocorra o fato legalmente qualificado para fins de nascimento da denominada obrigação tributária." Data vênia, discordando do brilhante Mestre, entendemos que o busilis da questão não se restringe a tal questionamento, uma vez que, embora o Pleno do STF já se tenha pronunciado favoravelmente à "substituição tributária para frente" ante o Convênio ICM 66/88, no período anterior à Emenda Constitucional nº 03/93 (que introduziu o § 7º ao artigo 150 da Constituição Federal), em julgamento de 29.04.98, (28) outros aspectos constitucionais e legais merecem mais questionamento.

Estes aspectos constitucionais e as considerações acerca da Lei Complementar nº 87/96, uma vez estabelecido o universo jurídico da substituição tributária, bem como, respeitando-se os créodos, (29) passaremos, em nossos próximos itens, a considerações mais específicas e detalhadas dos institutos que se agregam à substituição.

1.1. Sujeição Passiva

Em nosso ordenamento jurídico pátrio, será considerado sujeito passivo a pessoa que provoca a materialidade da hipótese de incidência de um determinado tributo conforme deflui-se do nosso texto constitucional, ou "quem tenha relação pessoal e direta" com esta materialidade como se pode depreender do disposto no art. 121, parágrafo único do CTN, verbis:

"Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei."

Para Aliomar Baleeiro (30) "Vários doutrinadores exprimem a idéia contida no art. 121, § único, II, ora como a ‘responsabilidade colateral’ (Hensel, Diritto Trib., cit., p. 98), pelo conceito de substituição, isto é, substituição do contribuinte por um terceiro, estranho à relação jurídica do imposto. Alguns desses escritores se reportam à distinção alemã entre o devedor do tributo (Steuerpflichtiger). Aliás, ambos são genericamente obrigados."

Hugo de Brito Machado, (31) por sua vez, entendendo ser o sujeito passivo da obrigação tributária a pessoa, natural ou jurídica, obrigada ao seu cumprimento, classificando-o, como muitos, como direto e indireto, assevera que o "sujeito passivo direto (ou contribuinte) é aquele que tem relação de fato com no fato tributável, que é na verdade uma forma de manifestação de sua capacidade contributiva"; complementa dizendo que o "sujeito passivo indireto é aquele que, sem ter relação direta, de fato com o fato tributável, está, por força da lei, obrigado ao pagamento do tributo."

No entendimento de Héctor Villegas, citado por Marçal Justen Filho, (32) tomando-se um conceito lógico-jurídico, denominou-se de destinatário legal tributário a pessoa que, revestida na condição de contribuinte, possui relação com a riqueza evidenciada pela situação contida na materialidade da hipótese de incidência. Esta pessoa seria destinatária da condição de sujeito passivo tributário; e, nesses termos, o destinatário legal tributário. Marçal, (33) embora concorde com a posição de Villegas, entende que o autor deixou de observar uma peculiaridade do sistema tributário brasileiro, tendo em vista as características de nosso ordenamento, admitindo-se não só o destinatário legal tributário, mas também o destinatário constitucional tributário, pois a nossa Constituição não apenas outorga e define o poder tributário, mas também institui competências para as pessoas políticas criarem normas tributárias. Mais, estabelece como deve ser o núcleo da hipótese de incidência a ser editada pela via legislativa ordinária.

Luciano Amaro, (34) no estudo deste conceito produziu entendimento no sentido de que o sujeito passivo da obrigação principal (gênero), possuindo relacionamento com o fato gerador desta obrigação, de natureza pessoal e direta, chamar-se-á contribuinte. Todavia, sendo esta relação (ou vínculo) de natureza diversa (a contrario sensu, "não pessoal e direta"), o sujeito passivo será qualificado como responsável.

Amaro vai mais longe, alertando para que não se confunda o sujeito passivo indireto com o sujeito passivo de tributo indireto. (35) Para ele, o dito tributo indireto é o que, onerando embora o contribuinte ("de direito"), atinge, reflexamente, um terceiro (o chamado contribuinte "de fato"); por oposição, o tributo direto atinge o próprio contribuinte "de direito" (que acumularia também a condição de contribuinte "de fato"). Em síntese, para o autor, Sujeito passivo indireto é um terceiro que é eleito como devedor da obrigação tributária.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Segundo o autor, fazendo menção a Henry Tilbery, (36) o CTN (art. 121, parágrafo único, II) aparentemente autoriza que qualquer indivíduo (que não tenha relação pessoal e direta com o fato gerador) possa ser posto na condição de responsável, desde que isso se dê por lei expressa.

Partindo do comparativo com o art. 128 diz que a lei pode eleger terceiro como responsável, se ele estiver vinculado ao fato gerador fazendo a ressalva de não se tratar de qualquer terceiro. Mais que isso, deve-se observar que não se trata de qualquer tipo de vínculo com o fato gerador que ensejaria tal responsabilidade de terceiro, sendo mister que tal vínculo seja suficientemente passível de permitir a esse terceiro, erigido à condição de responsável, que o tributo seja recolhido sem onerar seu próprio bolso. (37)

Para José Cassiano Borges e Maria Lúcia Américo dos Reis, (38) a sujeição passiva indireta admite 2 (duas) figuras: a) a do responsável, que não tem nexo pessoal e direto com a ocorrência do fato gerador do tributo, porém se torna obrigatório ao pagamento deste em função de disposição legal expressa; b) o substituto legal tributário, que, em virtude de disposição legal expressa, passa a ocupar o lugar do contribuinte do tributo na relação jurídica tributária.

Arnaldo Borges, já tratando do responsável tributário, traz interessante colocação no sentido de entender que o pressuposto da obrigação atribuída a este está na impossibilidade de o sujeito ativo exigir o cumprimento da obrigação principal do contribuinte. (39)

Para o Paraguaio Mersan, (40) sujeito passivo por excelência é o "devedor" em termos gerais. Repetindo o mesmo conceito econômico adotado por outros autores (contribuintes de fato e de direito), sustenta que a criação legislativa do "responsável" presume que a pessoa se acha vinculada ao contribuinte de alguma forma, com ocasião ou em oportunidade da existência do ato, fato ou negócio gravado do contribuinte.

Segundo o italiano Berliri, (41) substituto tributário é aquele que, por disposição legal, é obrigado ao pagamento do tributo em lugar do contribuinte, assinalando que "a diferença fundamental entre o responsável tributário e o substituto está em que, no primeiro caso, o legislador acrescenta à relação jurídica tributária preexistente uma terceira pessoa, que assume, solidária e subsidiariamente a responsabilidade pelo pagamento do tributo, enquanto que, na substituição, o legislador substitui a pessoa do contribuinte originário pela do substituto, que assume, desta forma, a posição do contribuinte."

Já Geraldo Ataliba e Aires Barreto, (42) por sua vez, entendem que:

"A figura da substituição implica uma pessoa substituta e outra pessoa substituída. O encargo tributário é o do substituído, porém quem comparece na relação jurídica formal (obrigação tributária) é o substituto.

O substituto paga tributo que não é próprio: paga em substituição a alguém. Paga tributo alheio, paga tributo do substituído."

Por sua vez, Fábio Fanucchi, que admite as duas modalidades (substituição e transferência), nos acrescentou importante consideração, tendo em vista o art. 123 do CTN, observando que, salvo o reconhecimento expresso da lei, as convenções entre particulares não poderão ser opostas à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo(43). Isto equivale a dizer que a simples absorção do tributo pelo substituído para eventual recolhimento, quando deveria sê-lo efetuado pelo substituto não terá validade perante o Fisco, salvo previsão legal expressa. Ressalte-se que para estas ocasiões há o instituto dos regimes especiais em que o Poder discricionário do Poder Público admite a transferência da responsabilidade para outro em caráter de excepcionalidade. Exemplo desta situação, no Estado do Paraná são os regimes especiais envolvendo medicamentos e produtos farmacêuticos aplicáveis aos contribuintes de outros Estados que não adotam a substituição para tais mercadorias.

Resumindo-se este item, temos portanto, acompanhando a maioria da doutrina citada, dois tipos de responsáveis, aquele que atua como mero substituto, como é o caso da substituição tributária nos serviços de transporte ou a chamada substituição tributária para trás, também conhecida como diferimento. Já para os casos de transferência, decorrente da antecipação do recolhimento, fica evidente a repercussão do encargo tributário para a figura do substituído, tendo em vista a relação pessoal e direta existente entre as partes, que, frise-se, entre eles, é de natureza estritamente privada. (44) Neste sentido, aliás, Adilson Rodrigues Pires, (45) ao sugerir uma ação regressiva, na área cível no caso de descumprimento de acordo entre as partes (sujeitos passivos de obrigação no sentido lato) alegando-se a responsabilidade civil e a necessidade de reparação dos danos causados em virtude do inadimplemento de obrigação (caráter privado), não havendo, neste instante, que se falar em obrigação tributária, pois a relação jurídica acertada entre as partes, transferindo a responsabilidade de recolhimento do tributo de "A" para "B", tendo a lei definido que a mesma é de "A", não opõe efeitos contra o Fisco, salvo acordo de que faça parte ou lei específica. Frise-se que não havendo o recolhimento deste "B", a Fazenda acionará "A", pouco se lhe interessando a pretensa negociação havida entre as partes.

Não se diga, portanto, a despeito de não afetar a Fazenda, que tais contratos são inúteis, pois, inobstante ineficazes contra o Fisco, como assevera Hugo de Brito Machado, (46) são de grande utilidade na regulação das relações entre as pessoas que os celebram.

1.2. Espécies de Substituição

Uma vez estabelecidas as possibilidades de responsabilidade, seja por substituição ou por transferência, (ditas espécies de sujeição passiva derivada - o mesmo que indireta - no entender de Walter Gaspar Filho (47)), ao orbitar sobre o momento da ocorrência do fato gerador sempre fez crescer o entendimento de dois tipos antagônicos em sua conceituação: a "substituição tributária para frente" e a "substituição tributária para trás".

A primeira significa uma antecipação do fato gerador, numa espécie de fato gerador presumido e que tem sido questionada pela falta de materialidade, por ferir a capacidade contributiva, etc. (veremos este assunto mais amiúde posteriormente).

Já a segunda, diz respeito ao diferimento, que é, na realidade, uma postergação do momento do recolhimento do tributo (o oposto portanto da forma tradicional), que pode vir a se concretizar em longínqua etapa de comercialização e aplicável com grande ênfase a produtos agropecuários, resíduos e sucatas, facilitando com isto, na essência do ICMS, a agregação de valores para uma futura tributação.

Alguns autores como Zelmo Denari (48), entendem que o diferimento é, na realidade a substituição regressiva, ficando por conta da antecipação do tributo, a sinonímia de substituição tributária progressiva.

Nesta mesma linha de raciocínio, Walter Gaspar, (49) ao entender que a substituição e o diferimento são institutos análogos. (50) A diferença está em que o diferimento ou suspensão é "para trás", refere-se a operações anteriores, e a chamada substituição é "para a frente", ou seja, diz respeito a operações que, se presume, ainda irão se realizar. Gaspar, na seqüência de sua exposição, justifica que, "Na substituição, o legislador determina que se antecipe uma incidência, tomando-se por ocorrido o que iria ocorrer, isto é, cobrando-se o ICMS antes da eclosão do fato gerador. No diferimento ou suspensão, o fato gerador ocorre, mas o ICMS não é cobrado, deixando que se acumule o valor a ser cobrado até o momento que o legislador entende ser mais conveniente."

O Professor Roque Antonio Carrazza é outro grande doutrinador que adota esta classificação chegando a ser categórico ao arrematar que a substituição tributária subdivide-se em substituição tributária "para frente" e substituição tributária "para trás", muito embora não se convença da constitucionalidade da primeira. (51) Sustenta que o sentido do termo "diferimento" na legislação do ICMS é o do adiamento. Esclarece que, na prática, tendo em vista as dificuldades de fiscalização, notadamente dos pequenos produtores (onde mais se concentra esta forma jurídica), o diferimento permite que o pagamento do imposto devido sobre tais operações (acrescentamos ainda os serviços a exemplo do que dispõe o artigo 88 do regulamento do ICMS paranaense) seja postergado e recolhido por outrem. (52)

Para José Eduardo Soares de Melo, (53) juntamente com Luiz Francisco Lippo, (54) a exemplo de Betina Grupenmacher, (55) os institutos da substituição (seja regressiva ou progressiva) e do diferimento não se tocam. Tampouco é possível confundir-se a substituição tributária regressiva com o diferimento, citando como exemplo diferenciador a retenção do imposto de renda e da previdência social, (56) que sempre foram aplicados sem maiores questionamentos, até porque na atribuição da responsabilidade pela retenção e pagamento do tributo a terceira
pessoa vinculada à hipótese nenhum prejuízo ou ilegalidade se passa, pois que se reporta a um fato imponível efetivamente ocorrido. Para os autores, a Constituição Federal não cogita do instituto, tampouco a Lei Complementar 87/96, ficando tal consideração por conta das legislações estaduais, estabelecendo um questionamento justificável, qual seja, "qual o conteúdo jurídico dessa criação regulamentar denominada ‘diferimento’, que, autorizada ou não pelo texto constitucional, produz efeitos práticos?"(57) Para os autores, referenciado-se nos ensinamentos de Geraldo Ataliba e Aires Barreto, (58) tal hipótese não se enquadra no conceito de substituição tributária uma vez que, respeitados os pressupostos de validade apresentados por Ataliba e Barreto, o substituto tributário paga tributo alheio, paga tributo do substituído. Pelo diferimento, concluímos, tem-se a não incidência do ICMS sobre as operações e prestações. A operação mercantil ocorre, porém, com a exclusão da caga tributária sobre a mesma, transferindo-se este encargo para etapas futuras. Neste diapasão, é forçoso, sob os olhos dos autores citados, a despeito do posicionamento de Walter Gaspar (59) anteriormente referenciado, depreender-se que o diferimento é um instituto autônomo que se parece com a da substituição, mas não pode ser confundido com ela. No dizer de Soares de Melo e Lippo, possui conteúdo manifestamente sócio-econômico; não é caso de substituição tributária, é caso de extrafiscalidade que se opera no início do ciclo da circulação de mercadoria.

Alguns autores, buscando respaldo em Salvatore La Rosa, (60) abordam o diferimento (como aliás a suspensão também) como sendo uma forma de expressão do critério temporal, especificando, conforme assevera Aurélio Pitanga Seixas Filho, (61) em discordância a Paulo de Barros Carvalho, segundo o qual "o momento da ocorrência fica deslocado no tempo, ou seja, difere-se ou suspende-se o pagamento." Para Pitanga tal posicionamento é equívoco, pois "... o diferimento ou suspensão do pagamento pode ser a conseqüência jurídica de uma norma concedendo moratória após a ocorrência do fato gerador, fenômeno distinto do produzido por uma norma isencional que impede a ocorrência da fato gerador ...".

Quanto ao diferimento ainda, buscando guarida nos doutrinadores de estirpe, Maria Lúcia Levy Malta Santana (62) colecionou as seguintes e interessantes definições acerca do instituto na área do ICMS:

"O diferimento é a técnica de tributação estribada no feitio polifásico do ICMS. Não se confunde com nenhum tipo de Benefício fiscal. (Sacha Calmon Navarro Coelho)

"Diferimento é a designação de um complexo de normas que fixa um dado regime tributário. (...) é instituto que se refere à obrigação tributária." (Geraldo Ataliba e Cleber Giardino)

"O diferimento é o não recolhimento do ICMS em determinada operação ficando adiado para etapa posterior. Por esta técnica, o pagamento do imposto incidente sobre a saída de determinada mercadoria (no caso do ICMS) é transferido para as etapas posteriores de sua circulação." (Celso Ribeiro Bastos)

"Diferimento não é benefício fiscal; não retira as operações do campo da incidência do imposto; apenas transfere para etapa futura da circulação o momento do lançamento tributário." (Consultoria Tributária – SP)

A mesma autora assim definiu o diferimento: (63)

"Diferir vem do latim differe, significando adiar (transferir para outro dia), demorar (fazer parar, fazer esperar)."

Os posicionamentos anteriores acerca do diferimento poderiam conduzir a um entendimento falacioso de que tal concepção é pacífica entre os doutrinadores, o que não é verdade, pois sem embargo de nossa convicção, há razoável divergência da doutrina que ora concebe o diferimento como um benefício, uma espécie de isenção, dita também de isenção intercalar, que ocorre em dados instantes e que não ocasiona a exação fiscal momentaneamente, não se confundindo, sob esta ótica, com a figura de substituição tributária; e que ora a entende como uma forma de substituição regressiva.

Em que pese a precariedade de argumentos na sustentação de tal posicionamento, reconhecidamente decorrentes da escassez de nossa pesquisa neste sentido, acerca do diferimento, temos convicção de tratar-se de uma postergação de pagamento (que poderia sugerir similitude com a dispensa legal) que transfere a responsabilidade de pagamento do tributo para outrem, em dado instante descrito pela lei.

Ressalte-se ainda que, em nosso convencimento ainda, na isenção tradicional há a dispensa do recolhimento, enquanto que no diferimento há um deslocamento do momento do recolhimento, numa situação tributária que tem a ver com a própria característica do ICMS, que, na sua essência, é plurifásico (64) e regido pelo princípio constitucional da não-cumulatividade (art. 155, § 2º, I). Sob o ponto de vista material, equivale a dizer que o imposto cobrado ao final do ciclo é corolário da aplicação da alíquota interna sobre o valor da última operação, destinada na consumidor final.(65)

A propósito da não-cumulatividade, sob a ótica do diferimento, Ives Gandra (66) entende pela análise que o mesmo "deve ser examinado a partir da última operação":

"O princípio da não-cumulatividade para os dois tributos a que se aplica, visa, portanto e exclusivamente, à tributação final do produto (industrial ou em circulação) entregue ao consumo derradeiro, nos termos que a lei complementar determina, evitando seja, pelo acúmulo da carga tributária incidente nas operações anteriores, suspenda a alíquota real que recai sobre a última base de cálculo, a partir de uma alíquota nominal."

De nossa parte chegamos a um conceito ainda pouco explorado pelos doutrinadores pátrios, que, s.m.j., aproxima as eventuais divergências acerca do tema, muito embora não encerrem o questionamento, pois os autores, dada a observação exclusivista sob a ótica constitucional, não contemplam uma análise mais detida da Lei Complementar nº 87/96, a partir da qual, concebemos três espécies distintas de substituição, que levam em consideração o momento a que se refere a retenção vista sob o prisma do fato gerador e que estão plasmados no parágrafo 1º do artigo 6º da referida lei, verbis:

"Art. 6º - Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que o contribuinte assumirá a condição de substituto tributário.

§ 1º - a responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.

§ 2º - A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias ou serviços previstos em lei de cada Estado." (grifos nossos)

Entendemos, como Hamilton Dias de Souza, (67) que apesar de haver ressalvas de ordem conceitual, constitucional e legal, quanto ao instituto, os mecanismos criados pela Lei Complementar nº 87/96 representam um avanço considerável, estabelecendo regime compatível com aquele previsto nos artigos 146 e 150, § 7º da Constituição Federal.

Argumento que merece ser considerado para efeitos de entendimento do diferimento, que encerra nosso entendimento quanto ao tema, e que reflete nossa crítica aos autores citados até aqui, nos espelhando no posicionamento menos radical descrito por Vittorio Cassone (68), de que o instituto merece ser aperfeiçoado, a começar pela visão do próprio autor, que como os demais, não avaliou em sua obra, o real alcance das expressões grifadas anteriormente. Entendemos que ao valer-se da expressão "antecedente" o legislador complementar, tendo por parâmetro o momento de ocorrência do fato gerador, e, principalmente, respeitando o texto constitucional como frisa Roque Carrazza(69) estabeleceu a hipótese de recolhimento de etapas anteriores, regredindo a fatos passados e, inexoravelmente (em nossa concepção), estabelecendo a responsabilidade a terceiros do recolhimento do tributo devido por outrem, com a característica (nisto entendemos o instituto do diferimento sui generis) de recolhimento cumulativo da parcela do seu imposto, respeitando, como já vimos, o princípio da não-cumulatividade, pois que o mesmo se dá ao final do ciclo econômico.

Desta forma, pode-se afirmar que talvez o diferimento não se confunda com a substituição regressiva (o que não é nosso entendimento, pois não vemos prejuízo em tal interpretação), mas com toda certeza, não concordamos com o entendimento de que o instituto se confunda com uma espécie de isenção ou não-incidência, uma vez que, considerando-se a repercussão tributária e a característica de valor agregado do ICMS, o tributo será exigido em dado momento definido em lei estadual. No mínimo, como já dissemos anteriormente, o diferimento é instituto peculiar.

Ao se referir à escassez de comentários acerca dos vocábulos, antecedente, concomitante e subseqüente, fazemos restrição aos comentaristas que se limitaram ao imbróglio anterior envolvendo a substituição "para trás" (que representa postergação) e à substituição "para a frente" (que representa antecipação), esquecendo-se que na substituição, o substituto, antes de tudo, substitui alguém na tarefa de recolher o tributo e que isto não se aplica apenas às mercadorias no tocante ao ICMS, uma vez que há histórico de diferimento (sic) no regulamento do ICMS paranaense (art. 88) para algumas situações envolvendo o serviço de transporte e que se faz menção, em outro dispositivo, a um terceiro tipo de substituição, dita concomitante, aplicado aos serviços de transporte intermunicipal e interestadual iniciados no Paraná (70) (que encontra paradigma em outras Unidades da Federação) quando contratados por contribuinte paranaense junto a autônomos e transportadores não inscritos. Neste caso, contratado um transportador, nas condições acima, por contribuinte paranaense (a legislação estadual exclui o produtor rural e a microempresa), far-se-á a retenção do ICMS devido pelo serviço, sendo legítimo o desconto do imposto do prestador, nos mesmos moldes do imposto de renda ou da contribuição previdenciária. Tal retenção se dá, no momento do início da prestação, daí chamar-se concomitante, estabelecendo a lei momento de recolhimento conforme as conveniências administrativas, mas ficando patente que alguém substituiu um outro alguém na tarefa de fazê-lo, até porque nos parece mais sensato analisar o fenômeno sob a ótica do lançamento (fato jurídico) e não necessariamente do recolhimento (ato administrativo).

1.3. O Fato Gerador e o Fato Gerador Presumido

O fato gerador do ICMS é definido pelo próprio texto constitucional e compreende não só as operações de circulação de mercadorias como também as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Para Alcides Jorge Costa a circulação é a "saída de operações que levam as mercadorias da fonte de produção até o consumo final de acordo com a sua natureza e finalidade." (71)

Edvaldo Brito, por sua vez, entende que a "hipótese do fato gerador é a descrição da figura do fato jurídico gerador de uma obrigação, ou seja de um vínculo jurídico que une pessoas em pólos distintos: o da pretensão e o da prestação. Essa descrição, entre nós, somente pode ser feita por norma jurídica a nível de lei, a partir da maior das leis do sistema jurídico, a Constituição, quando debuxa a regra de competência tributária." (72)

Já Ives Gandra (73) assim definira: "A hipótese de incidência do ICM tem como aspecto material fato decorrente da iniciativa do contribuinte, que implique movimentação ficta, física ou econômica, de bens identificados como mercadorias, da fonte de produção até o consumo."

Para Ives Gandra, em outro parecer acerca do tema, (74) "... o princípio da legalidade, que vincula a incidência do fato gerador à imposição tributária, é direito individual do contribuinte, motivo porque não poderia um dispositivo ainda que constitucional considerar que possa haver imposição sem fato gerador." (75) O mesmo autor, sustenta ainda: "A própria denominação utilizada no § 7º de ‘fato gerador presumido’ – isto é, ‘fato gerador fictício’, ‘pretendido’, mas não ‘ocorrido’, - demonstra que o legislador supremo criou autêntico empréstimo compulsório, a ser devolvido sempre que o fato gerador ‘spielberguiano’ de ‘efeitos especiais’, inexistente, a não ser na imaginação das autoridades fiscais, não venha a ocorrer." Em oportunidade anterior (76) o autor, tecendo comentários acerca da constitucionalidade da substituição tributária, entende:

"Ainda que não-cumulativo, nenhum tributo poderá ser exigido antes da ocorrência do fato gerador. Nesta conformidade, a EC nº 3/93 é inconstitucional quando permite que a lei exija o pagamento do imposto antes da ocorrência do fato gerador".

Também de sua lavra o seguinte pensamento:

"... criou-se a teoria do "wishfull thinking" em direito, vale dizer, o que se deseja ver realizado no futuro é tido como realizado no presente, mesmo que nunca venha a realizar-se o desejado." (77)

A questão do exato momento em que nasce a obrigação tributária não é das mais difíceis, sendo ela criada abstratamente pela lei (art. 114 do CTN) e se concretiza com o fato gerador. Neste instante, segundo Carlos Roberto de Miranda Gomes e Adilson Gurgel de Castro (78) nasce a obrigação tributária. Até então, segundo Geraldo Ataliba, temos a hipótese de incidência tributária. Ou seja, o fato gerador seria a materialização desta hipótese; "tais fatos serão ‘fatos imponíveis’, aptos, portanto, a darem nascimento a obrigações tributárias." (79)

A despeito desta nomenclatura, inúmeras são as posturas de doutrinadores, nascendo com isto a Teoria da Norma Tributária de Incidência, que congrega entendimento díspares de renomados mestres que, a grosso modo, entendem que a terminologia "fato gerador" confunde a materialidade com a abstração da norma. Neste contexto, temos Alfredo Augusto Becker, (80) que buscou inspiração em Pontes de Miranda (que por sua vez se inspirou no Direito Alemão), a sustentar tratar-se de um fato signo presuntivo de riqueza do contribuinte, mas antes de tudo uma "hipótese de incidência realizada"; Paulo de Barros Carvalho chega a tratar o assunto com mais profundidade, (81) entendendo como mais adequada a expressão Fato Jurídico Tributário como sendo o marco temporal do nascimento das relações jurídicas tributárias. (82)

Luiz Cesar Souza de Queiroz (83) alerta para a impropriedade do § 7º do art. 150 da CF conter a expressão "fato gerador presumido", entendendo, em rigor, que tal dispositivo alude à figura do "fato jurídico tributário fictício" e não a do "fato gerador (rectius: fato jurídico tributário) presumido". (84) Sustenta o autor que "a presunção está relacionada à prova da efetiva ocorrência, no tempo e no espaço, de um determinado fato, por meio de sinais, indicações, disponíveis. É uma operação mental (juízo) pela qual, mediante a verificação de sinais (indícios), decide-se sobre a ocorrência de um fato, em certo tempo e espaço. (85)

Feitas estas considerações e digressões acerca do questionamento envolvendo a adequada nomenclatura quanto a expressão "fato gerador", que aliás já havíamos feito em momento anterior, temos a considerar sua conexão com o fenômeno substituição tributária, tendo em vista que a operação de circulação de mercadorias encerra na realidade um ato mercantil e a antecipação do recolhimento do imposto devido numa etapa futura e incerta estaria criando um fato gerador presumido, e que está longe de ser considerado pacífico por boa parte dos doutrinadores.

Segundo Roque Carrazza, (86) "ao eleger o sujeito passivo da obrigação tributária o legislador deve obedecer a uma regra básica: só poderá onerar quem participou da ocorrência do fato típico. Não pode recair a carga tributária sobre pessoa estranha ao fato gravado pela incidência fiscal."

No fenômeno da substituição, o substituto - embora não tenha realizado o que Roque Carrazza chama de fato imponível (e a lei de fato gerador) - assume, por conta da lei como o verdadeiro sujeito passivo de obrigação tributária, vindo a responder tanto pelo adimplemento da principal, como pelo cumprimento das acessórias que lhe são decorrentes.

Com o advento da Emenda Constitucional 03/93, a despeito do entendimento dos tribunais, parece-nos haver ferimento ao princípio da tipicidade pois se cria, segundo Ives Gandra, (87)a "possibilidade, de o contribuinte ter de pagar sobre algo que não aconteceu sobre fato econômico inexistente. Isto não havia no sistema tributário, que pelo princípio da legalidade, determina que o fato gerador é que já dá início à obrigação tributária."

A citada Emenda Constitucional, ao prever a possibilidade de fato gerador presumido (futuro portanto), deu suporte aparente para que a Lei Complementar nº 87/96 pudesse regulamentar a antecipação do tributo, mas isto não nos impede de acentuar reservas quanto ao regime, (88) cabendo o comentário de Pontes de Miranda a propósito da incidência da regra jurídica de tributação: (89)

"A regra jurídica de tributação incide sobre suporte fático, como todas as regras jurídicas. Se ainda não existe o suporte fático, a regra jurídica de tributação não incide; se não pode compor tal suporte fático, nunca incidirá. O crédito do tributo (imposto ou taxa) nasce do fato jurídico, que se produz com a entrada do suporte fático no mundo jurídico. Assim, nascem o débito, a pretensão e a obrigação de pagar o tributo, a ação e as exceções. O Direito Tributário é apenas ramo do direito público; integra-se, como outros, na Teoria Geral do Direito."

Desta forma, valendo-nos de nosso entendimento anteriormente sustentado, temos a considerar na substituição tributária antecedente a ocorrência de um fato gerador definido em lei, que carrega no seu custo agregado, o valor referente a várias etapas, lembrando-se que a lei estadual ao definir o diferimento (frisamos ser nosso entendimento), o fez levando em consideração quatro indagações nem sempre respeitadas:

a) O que está diferido? (a lei estadual relaciona os produtos e serviços sujeitos ao tratamento).

b) Até quando está diferido? (a lei estadual define o chamado momento de encerramento do diferimento).

c) Em que circunstâncias ocorre? (a lei estabelece condições para o diferimento).

d) Quem é o responsável pelo recolhimento? (Quem deve recolher o tributo no momento do encerramento do diferimento).

Esta substituição é, de acordo com parte da doutrina, chamada de substituição para trás; por outra parte, é dita de regressiva, adicionando-se ainda, para estabelecer-se o verdadeiro carnaval tributário a que se referia Becker, (90) a celeuma conceitual do diferimento.

Quanto a substituição concomitante, tendo-se por parâmetro a legislação paranaense, o momento de retenção do ICMS se dá no início da prestação do serviço de transporte, elegendo-se o tomador do serviço iniciado no Paraná como responsável pelo recolhimento do tributo devido por autônomo e por transportador não inscrito.

Note-se que, neste último caso, o fato gerador se dá de forma simultânea e, assim como na hipótese antecedente, não parece oferecer maiores dificuldades uma vez não representam situações irregulares sob a ótica de um eventual fato gerador presumido, pois na primeira confere com o conceito multifásico do imposto, bem como com a sua característica de valor adicionado a que se refere Edvaldo Brito; (91) na segunda hipótese há que se observar tratar-se de dois fatos jurídicos distintos (ambos efetivamente existentes no instante) a que o sujeito passivo por responsabilidade se obriga: o da circulação da mercadoria por sua conta agindo como contribuinte normal, e o imposto retido de terceiro (transportador), que, na condição de responsável deverá recolher.

Por fim, a que diz respeito à substituição subseqüente (que parte da doutrina chama de substituição "para frente" e parte a denomina de progressiva), que se vincula a fato futuro e incerto, e que por estar longe de se efetivar é chamado de fato gerador presumido e que encontra respaldo no adicionado § 7º do art. 150 da Constituição Federal e que tem gerado inúmeras discussões quanto à sua validade, mas que vem sendo mantido pelo judiciário, como é o caso do E. Superior Tribunal de Justiça, (92) afirmando que "... é admissível a exigência do recolhimento antecipado do ICMS pelo regime de substituição tributária. Inteligência do art. 155, § 2º, XII, "b", da CF/88, do art. 34, §§ 3º e 8º, do ADCT, dois arts. 121 e 128 do CTN, do Decreto-lei nº 406/68, da Lei Complementar nº 44/83, dos Convênios nºs 66/88 ...".

1.4. A Base de Cálculo e a Base de Cálculo Arbitrada

Aliado ao questionamento do fato gerador, anteriormente comentado, temos também a considerar a base de cálculo do imposto, (93) que importa em dois cálculos, um referente ao imposto da própria operação e outro referente ao imposto retido, que por se tratar de uma etapa a ser vencida, é calculado de forma arbitrada, considerando-se uma base de cálculo, ou seja, uma presunção legal, que também gera conflitos.

Aires Barreto (94) registra que a base de cálculo "é a definição legal da unidade de medida, constitutiva do padrão de referência a ser observado na quantificação financeira dos fatos tributários. Consiste em critério abstrato para medir os fatos tributários que, conjugado à alíquota, permite obter a dívida tributária."

A Lei Complementar nº 87/96 estabeleceu em seu artigo 8º, acerca da base de cálculo:

"Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:

I – em relação às operações ou prestações antecedentes ou concomitantes, o valor da operação ou prestação praticado pelo contribuinte substituído;

II – em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:

o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;

o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço;

a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes.

§ 1º Na hipótese de responsabilidade tributária em relação às operações ou prestações antecedentes, o imposto devido pelas referidas operações será pago pelo responsável, quando:

I - da entrada ou recebimento da mercadoria ou do serviço;

II - da saída subsequente por ele promovida, ainda que isenta ou não tributada;

III - ocorrer qualquer saída ou evento que impossibilite a ocorrência do fato determinante do pagamento do imposto.

§ 2º Tratando-se de mercadoria ou serviço cujo preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, é o referido preço por ele estabelecido.

§ 3º Existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estabelecer como base de cálculo este preço.

§ 4º A margem a que se refere a alínea c do inciso II do caput será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.

§ 5º O imposto a ser pago por substituição tributária, na hipótese do inciso II do caput, corresponderá a diferença entre o valor resultante da aplicação da alíquota prevista para as operações ou prestações internas do Estado de destino sobre a respectiva base de cálculo e o valor do imposto devido pela operação ou prestação própria do substituto."

O § 1º do citado art. 8º trata da hipótese envolvendo a substituição antecedente e a concomitante e não oferece maiores dificuldades tendo em vista a possibilidade de verificação do valor a ser utilizado para efeitos de base de cálculo como sendo um valor real, não havendo portanto qualquer tipo de presunção. Levou-se em consideração o aspecto temporal de incidência e isto não suscita qualquer discussão, salvo os questionamentos já apresentados quando da apresentação da problemática conceitual.

Por outro lado, quanto a regra descrita no inciso II encontramos as maiores dificuldades, pois estar-se-ia trabalhando com uma base de cálculo fictícia, aparente e imaginária, calcada em valores decorrentes do imaginário oficial, que nem sempre correspondem a margens de lucro usualmente aceitas.

Desta forma, considerando-se um produto cujo preço normal de venda fosse o equivalente a R$ 100,00, com uma alíquota de 17% para a própria operação (aquela realizada pelo industrial normalmente), em que se adicionasse R$ 10,00 de custos adicionais (frete, despesas acessórias, etc) e uma margem de lucro presumida de 50%, teríamos a seguinte equação para obtenção da base de cálculo do ICMS retido:

a) preço normal de venda: R$ 100,00

b) despesas acessórias R$ 10,00

c) base de cálculo da própria operação R$ 110,00

d) ICMS da própria operação calculada a 17% sobre "c" R$ 18,70

e) base de cálculo do imposto retido ("c" + 3o%) R$ 143,00

f) ICMS retido ("e" x 17% - "d") R$ 5,61

g) Valor total da nota fiscal R$ 115,61

Admitindo-se uma operação interestadual, quando o imposto retido seria devido ao Estado de destino, teríamos como variantes a se considerar no exemplo acima:

a) o ICMS da própria operação, que seria calculado a 12% ou 7% conforme a região resultaria em menos imposto a ser recolhido a favor do Estado de origem do produto substituído;

b) a alíquota a ser considerada para efeitos da retenção, bem como a margem de lucro a ser observada, seriam a do Estado de destino;

c) o imposto retido seria recolhido antes da saída da mercadoria para a Unidade Federada, ou, caso o remetente substituto possuísse inscrição cadastral no mesmo, atenderia o disposto na sua legislação, tanto quanto a obrigação principal quanto em relação às demais acessórias.

Observe-se que o ICMS retido, obtido a partir de uma base de cálculo presumida, respeitando o princípio da não-cumulatividade, admite a dedução prévia do ICMS devido pela operação normal. Outro aspecto a ser ressaltado diz respeito a adição do valor do imposto ao preço total da mercadoria, quando a técnica utilizada, que é questionada por muitos, é a da exclusão do ICMS do preço, considerando-se que o imposto é parte integrante deste preço, sendo seu destaque mera indicação.

No entender de Heron Arzua, (95) a Lei Complementar 87/96 trouxe elementos para que a base de cálculo estimada na fonte, sobre o qual o substituto recolhe o ICMS, possa ser dimensionada de molde a torná-la aproximada do preço efetivo da operação realizada no varejo e, com a experiência de quem foi Secretário da Fazenda do Estado do Paraná, afirmou, em palestra realizada no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT), em 07.11.96, que "sempre que se quis aumentar a arrecadação do ICMS, usou-se do artifício de aumentar exageradamente a base de cálculo para indiretamente aumentar imposto." Em síntese, reconheceu publicamente nosso paranaense ilustre, com coragem que lhe é peculiar, que a substituição tributária é utilizada como instrumento de aumento de arrecadação, na medida em que as bases de cálculo arbitradas, o são, muitas vezes, superiores às praticadas no mercado, o que nos faz crer na iminente violação do princípio da segurança jurídica que teremos oportunidade de observar com mais cuidado quando tratarmos dos princípios aplicáveis ao caso.

Para Aroldo Gomes de Mattos, (96) a eleição da base de cálculo no regime de substituição só apresentaria problemas na chamada substituição "para frente", que resulta em antecipação, e que nos habituamos (e ousamos também) a chamar de subseqüente, pois "o valor estimado provisoriamente há de ser a final confrontando com o da última operação; sendo o primeiro maior do que o segundo, incidirá inexoravelmente a cláusula constitucional da ‘imediata e preferencial restituição’ do ICMS pago sobre o excesso." O autor ainda ressalta que o potencial de margem de lucro presumida/estimada efetivamente praticada, devido à forte concorrência hoje existente no mercado, é muito inferior ao fixado em convênios, daí resultando inexoráveis excessos na cobrança do ICMS antecipado, também reconhecendo (a exemplo de Heron Arzua em comentário anterior) que tais excessos sejam cometidos propositadamente como "técnica" para aumento de arrecadação tributária, observando que muitos contribuintes substituídos não buscam o devido ressarcimento.

Entende ainda Aroldo de Mattos que tais excessos podem advir de outros fatores aleatórios, como, v.g., a inocorrência parcial do fato gerador imaginado (fretes, carretos, seguros, exagero na estimação de seus valores, etc), ou ainda na total inocorrência do fato gerador, como nas hipóteses de quebras, perdas ou perecimento de mercadorias adquiridas com a retenção (aliem-se a tais hipóteses aquelas como o furto ou roubo, o extravio, o desfazimento do negócio, etc), concluindo, parcialmente, que, sendo o valor presumido maior que o efetivamente realizado, há que se fazer a devolução, sob pena de desobediência do princípio da não-cumulatividade e, simultaneamente, da cláusula da imediata e preferencial restituição.

O autor tece ainda, no caso de hipótese contrária, o entendimento de que a base de cálculo arbitrada não é definitiva, comportando acertos posteriores, pois se assim fosse acabaria por transformar o regime de substituição tributária em verdadeira "pauta de valores", (97) que vem sendo considerada ilegal ao longo dos anos. (98)

Para Marco Aurélio Greco, (99) a noção pura de "margem" como algo que se acrescenta em cada etapa do ciclo, embora esteja em sintonia com o conceito econômico do tributo (a tributação do valor agregado a que nos referimos anteriormente) resulta de difícil aplicação. Mais, chega a afirmar que o interesse fiscal é receber o ICMS que resultaria da aplicação da alíquota sobre o preço a consumidor final; daí o crescimento da importância da apuração do preço na ponta do ciclo econômico e o surgimento de mecanismos e critérios a serem utilizados. (100)

José Eduardo Soares de Melo, por sua vez, ao analisar tal base de cálculo, questiona a inclusão do "seguro" a que alude o art. 8º, I, "b" da LC 87/96, entendendo que possui natureza jurídica diversa da operação (valor exclusivo da mercadoria) ou dos serviços (corporificado no seu preço). Da mesma forma se pronuncia acerca dos encargos inominados que, por si só, não possuem condições de integrar a base imponível dos negócios.

No entanto, a maior contribuição que o estimado professor nos lega é afirmar que "todos os critérios, ou elementos consignados na lei complementar ...", estão longe de oferecer segurança e certeza aos reais e verdadeiros valores que podem ser objeto de tributação. (101)

2. Fundamentos Constitucionais e Legais

O ICMS é um tributo composto constitucionalmente por meio de normas expressas e princípios implícitos, que limitam a ação legislativa ordinária, como no entender de Geraldo Ataliba em frase clássica dita à época do antigo ICM e que ainda hoje se aplica, pois segundo o saudoso jurista "Impõe-se assim uma primeira certeza: a de que, à margem da constituição não se conhece o ICM." (102)

Com o advento da Lei Complementar nº 87, de 13.09.96 (DOU de 16.09.96), com entrada em vigor efetivamente em 1º de novembro de 1996 (embora algumas poucas regras, definidas no seu artigo 32, tenham efeito imediato), substituiu-se a provisoriedade do Convênio ICMS 66/88, e com ele uma série de vícios existentes que maculavam o instituto da substituição tributária, dando-se com isto o aparente verniz de legalidade previsto em nosso texto constitucional (arts. 146 e 155, § 2º, XII).

A citada lei veio entre algumas virtudes e um punhado de vicissitudes, inviabilizar o maior argumento utilizado até então acerca da validade jurídica da substituição tributária, ou seja, a ausência de Lei Complementar combinada com a previsão do § 7º do art. 150.

Inobstante a Emenda Constitucional nº 03/93 tenha, com o acréscimo do § 7º ao artigo 150, trazido ao mundo jurídico fático a possibilidade (até então também contestada) de Lei poder atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, ainda assim o assunto continuou objeto de polêmica, pois inúmeros contribuintes insurgiram-se sobre o referido procedimento alegando que o Convênio ICMS 66/88 havia extrapolado os limites legais estabelecidos pelos artigos 146 e 155, II da Constituição Federal, pois a autorização concedida pelo artigo 34, § 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, referia-se às regras gerais, havendo previsão constitucional expressa no mesmo artigo 155, em seu inciso XII, "b", que haveria necessidade de Lei Complementar que dispusesse sobre a substituição tributária; ou seja, é matéria de reserva legal e o referido Convênio 66/88 não poderia tê-lo feito, uma vez que se prestava única e exclusivamente a definir regras gerais, enquanto que, em relação à substituição tínhamos uma regra específica.

O assunto permaneceu ao abrigo da divergência, e mesmo se alegando a aplicabilidade suplementar do Decreto-lei nº 406/68, com a redação da Lei Complementar nº 44/83 e, segundo alguns, ignorando-se a aplicabilidade do artigo 121 do CTN e discutindo-se a materialidade do fato gerador descrita no art. 114 do mesmo CTN, tínhamos farto material para ambos os lados, incluindo julgados de várias instâncias.

A chegada da Lei Complementar nº 87/96, vem, a nosso ver, corroborar a tese da reserva legal prevista no artigo 155, XII, "b", pondo um fim pelo menos neste aspecto, o que não significa que outras questões não possam ser levantadas, notadamente a validade eficacial objetiva da norma jurídica sustentada por Kelsen (103) no tocante aos artigos 5º e 6º da referida lei.

No Estado do Paraná, considerando-se a regra constitucional descrita nos artigos 146, 150, § 7 e 155, § 2º, XII da Constituição Federal, bem como a já citada Lei Complementar nº 87/96, temos a seguinte estrutura legislativa:

I. A nossa Lei Orgânica atual (Lei nº 11.580/96), em seu artigo 18, inciso IV, ao tratar do responsável, estabeleceu as condições legais para este tratamento no contexto da legislação paranaense, repetindo-a no Regulamento atual (Decreto nº 2736/96).

II. A substituição tributária de mercadorias foi tratada em diversos dispositivos legais do Decreto 2.736, de 05.12.96, dentre outros mais específicos, citamos os seguintes:

a) artºs 492 a 515-M - Disposições específicas, conforme os produtos relacionados, aplicáveis caso a caso, tais como:

a.1) definição do substituto;

a.2) hipóteses em que ocorre a substituição;

a.3) margem de lucro presumida aplicada;

a.4) exceções; e

a.5) peculiaridades, etc.

b) art. 480 a 491 - Disposições comuns aplicáveis a todas as espécies de substituição, tais como:

b.1) procedimentos do substituto;

b.2) procedimentos do substituído;

b.3) escrituração fiscal;

b.4) emissão dos documentos fiscais

b.5) outras obrigações acessórias;

b.6) regras para o desfazimento da operação;

b.7) regras para devolução de mercadorias;

b.8) novas operações com débito do imposto; e

b.9) outras informações.

c) Convênio ICMS 81/93, que estabelece as normas gerais acerca da substituição tributária de mercadoria, aplicáveis a todas as espécies.

d) art. 57, inciso XIII, trata do recolhimento, prazos e formas;

e) artºs 11; 24, § 3º; 26, § 4º; 484 e 490 tratam da previsão para recolhimento complementar no caso de insuficiência ou, regulamentando o § 7º do artigo 150 da Constituição Federal, a possibilidade de restituição;

f) art. 72 trata da restituição do imposto nos casos de excesso de tributação;

g) artºs. 224, § 3º, "g", 2 e § 7º; 225, § 3º, "e" 2 e § 7º; bem como os artigos 481 e 482 acerca dos lançamentos nos livros fiscais e demais obrigações acessórias;

h) art. 243 que trata acerca da Guia de Informações das Operações Interestaduais (anual);

i) Norma de Procedimento Fiscal nº 11/99 - acerca do preenchimento da GIA;

j) artº 315 acerca da departamentalização da máquina registradora, bem como o art. 484 acerca da recuperação do excesso de tributação nos casos de máquina registradora e PDV.

l) artºs. 19, IV e 20 que tratam da responsabilidade do substituto;

m) art. 19, § 4º acerca do recolhimento antecipado nos casos em que o contribuinte não disponha de inscrição específica;

n) art. 103, § 10 acerca da inscrição especial para os substitutos.

o) art. 13, para os casos envolvendo a venda ambulante de tais produtos.

III - Entre as hipóteses já regulamentadas pela legislação paranaense, tendo por base o Decreto 2.736/96, temos:

a) água mineral, gelo, cerveja e refrigerante:

- art. 492 e 493 - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "b" - recolhimento;

b) cigarro, fumo, charuto, cigarrilha e papel mortalha:

- art. 494 e 495 - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "i" - recolhimento;

c) cimento:

- art. 496 e 497 - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "a" - recolhimento;

d) veículos e motocicletas novos:

- art. 498 a 501 - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 68, XIII, "f" - recolhimento;

e) combustíveis, lubrificantes, aditivos e outros:

- art. 502 a 503 - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "c" e "d" - recolhimento;

f) sorvetes e acessórios:

- art. 504 e 505 - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "e" - recolhimento;

g) energia elétrica:

- art. 514 e 515 - regras específicas

h) medicamentos e produtos farmacêuticos:

- art. 506 e 507 - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "g" - recolhimento;

- Regime Especial de Caráter Geral nº 01/98 - Eleição de Substituto.

i) pneumáticos, câmaras de ar e protetores:

- art. 508 e 509 - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "h" - recolhimento;

j) tintas, vernizes e outros produtos químicos:

- art. 510 e 511 - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "j" - recolhimento;

l) cachaça e caninha:

- art. 515-A e 515-B - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "l" - recolhimento;

- Regime Especial de Caráter Geral nºs 02/98 e 03/98, que dispõem, respectivamente, sobre base de calculo, e, eleição de substituto.

m) filme fotográfico e cinematográfico e "slide"

- art. 515-C e 515-D - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "m" - recolhimento;

n) lâmina de barbear, aparelho de barbear descartável e isqueiro

- art. 515-E e 515-F - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "m" - recolhimento;

o) lâmpada elétrica

- art. 515-G e 515-H - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "m" - recolhimento;

p) pilha e bateria elétricas

- art. 515-I e 515-J - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

- art. 57, XIII, "m" - recolhimento;

q) disco fonográfico, fita virgem ou gravada

- art. 515-L e 515-M - regras específicas

- art. 480 a 491 - regras gerais

O citado artigo 18 da Lei nº 11.580/96 admite ainda outras hipóteses de substituição, que, a gosto da fiscalização, poderão também sofrer a retenção do imposto. (104)

2.1. Os Princípios Constitucionais Aplicáveis à Espécie

O ponto de partida do intérprete constitucional há que ser sempre os princípios constitucionais conforme nos ensina Luís Roberto Barroso, (105) eis que "são o conjunto de normas que espelham a ideologia da constituição, seus postulados básicos e seus fins."

Genericamente, segundo Paulo Napoleão Nogueira da Silva, (106) os princípios constitucionais comportam duas grandes divisões: os expressos e os implícitos, sendo os primeiros aqueles positivados em letra de forma, enquanto que os implícitos estão nas entrelinhas e não positivados, são corolário lógico do que está expresso.

Acerca da distinção existente entre norma e princípio, a dogmática moderna tem avalizado o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípio e as normas-disposição. (107)

No entender de Marco Aurélio Greco, (108) o § 7º do art. 150 do texto constitucional, que lhe dá a validade necessária pode ser segmentado em três grandes cláusulas: (109)

a) uma cláusula de vinculação a um fato gerador que deve ocorrer posteriormente ao momento a que está atrelado o recolhimento; (110)

b) uma cláusula de atribuição, a sujeito passivo, de responsabilidade pelo pagamento de imposto ou contribuição;

c) uma cláusula de restituição do excesso.

O ICMS é o imposto que encontra na Constituição de 1988 o maior número de disposições regulando aspectos de sua instituição segundo Marco Aurélio Greco e Anna Paola Zonari, (111) que elencam mais de vinte e cinco regras constitucionais aplicáveis ao tributo.

Destes princípios destacamos:

a) Princípio da legalidade – enunciado nos artigos 5º, II e 150, I da Constituição Federal constitui fundamento maior do estado de direito por meio do qual é assegurada aos administrados a proteção de direitos e garantias fundamentais. Mizabel Derzi, à propósito, em atualização à clássica obra de Aliomar Baleeiro, (112) ensino que os artigos 5º, II e 150, I da Constituição vigente, referem-se à legalidade "tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do Poder Legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipóteses material, espacial e temporal, conseqüências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributário. Também chamado de princípio da tipicidade.

b) Princípio da Seletividade – corresponde a uma característica do imposto pela qual a carga tributária respectiva é distribuída diversamente conforme o produto ou serviço e está indiretamente ligada à substituição eis que os produtos e serviços sujeitar-se-ão às alíquotas que tal princípio, uma vez adotado (é facultativo), venha a determinar (art. 155, § 2º, III).

c) Princípio da Não-Cumulatividade – Este princípio (art. 155, § 2º, I) leva em conta o ciclo econômico de produção e circulação como um todo, e visa distribuir equanimemente a carga tributária de modo que cada contribuinte suporte apenas a fração que lhe cabe no conjunto. Esta fração é identificada pelo mecanismo de dedução, cabendo sublinhar que a existência de cumulação deve ser vista não apenas numa etapa, mas sim à luz das etapas interiores e subseqüentes que estiveram ou estarão sujeitas ao imposto. A própria noção de não-cumulatividade, segundo Marco Aurélio Greco e Anna Paola Zonari, (113) tal como prevista na Constituição de 1988, "ao fazer menção a operações e prestações ‘anteriores’ sugere a existência de uma pluralidade de incidências o que é forte argumento que pode ser levantado para questionar mecanismos de ‘substituição’ e ‘diferimento’ que impliquem tornar o ICMS monofásico."

d) Princípio da Segurança Jurídica – Direito fundamental descrito no art. 5º, caput e está ligado à certeza do direito – delimitação das esferas jurídicas dos cidadãos entre si e perante o Estado – abrangendo, ainda a idéia de previsibilidade da ação estatal, afastando, então surpresas que repugnam ao nosso sistema jurídico. Para José Eduardo Soares de Melo, a substituição tributária deve inserir-se em uma realidade do sistema jurídico, permeada pelos princípios da segurança, certeza e do direito de propriedade, uma vez que o patrimônio das pessoas só pode ser desfalcado por fatos efetivamente realizados, e que contenham ínsita a capacidade contributiva. (114)

e) Princípio do Não-Confisco – Estabelecido no art. 150, IV do texto constitucional se revela numa proibição de absorção de parte (considerável) ou de um todo do valor de propriedade do contribuinte. Assentado no princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º), é amplo e absoluto, não sendo comparável, resguardando o direito de propriedade, em sentido lato, mas não significando igualdade.

f) Princípio da Igualdade – Também chamada de isonomia, inserido no artigo 5º do texto constitucional e encontrado em outros dispositivos, também assentado na capacidade econômica do contribuinte, pressupõe a comparabilidade, mandando tratar igualmente os seres de idêntica capacidade contributiva, encaixando-se à perfeição no conceito de igualdade formal. Impõe que, comparativamente, a lei faça justiça tributária, criando deveres tributários iguais para todos, mais leves para os mais fracos e mais pesados para os de maior capacidade econômica, sendo mais relativo portanto que o anterior.

g) Princípio da Capacidade Contributiva – Descrito no art. 145, § 1º da CF/88, fundado na justiça, igualdade e eqüidade, conforme professa José Maurício Conti, (115) e está assentado no princípio de que cada contribuinte é tributado de acordo com a sua capacidade econômica, ou seja, segundo a sua capacidade de realizar a contribuição. Desta forma, quanto maior a sua capacidade, maior o ônus tributário a ser suportado e, na medida do possível, deve respeitar a progressividade.

Há outros inúmeros princípios que poderiam ser considerados, mas que o são, de uma maneira ou de outra, expostas no decorrer do nosso trabalho, sendo importante a observação de que tais princípios da "lex superior" (116) são vinculantes ao legislador, razão pela qual podemos associá-los, uns aos outros, mas, principalmente, às normas ditas inferiores, sob pena de nos depararmos com leis inconstitucionais, ora quanto à forma, ora quanto à matéria.

Segundo Cretella Júnior (117) "Lei Inconstitucional é a que contraria, no todo, ou em parte, a Constituição vigente", cabendo ao Senado Federal suspender-lhe a execução, mas antes de tudo, cabendo ao STF o processamento e o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade. Até lá temos que nos preocupa com o controle de constitucionalidade de tais normas e provar os argumentos de sua ineficácia. (118)

Para Sacha Calmon (119) os princípios abrangentes "alguma validez haverão de ter sob pena de faltar efetividade à Lei Maior" anotando importante lição que reproduzimos pela sua essência:

"a) os destinatários são os legisladores das três ordens de governo. Nesse sentido os princípios atuam informando a discrição do legislador;

b) depois disso os princípios atuam para, condicionando o legislador, adequar a tributação obstando incidências excessivas (princípio da razoabilidade) ou baseados em presunções e ficções (não-confisco), preservando o mínimo vital e obrigando, nas minúcias, o sistema de impostos a respeitar as pessoas (deduções necessárias no imposto de renda, créditos fiscais legítimos no ICMS e assim por diante). Servem ainda para graduar a progressividade em nome da justiça e da igualdade."

Em síntese, do exposto até aqui acerca de tais princípios o ensinamento a ser tirado é a obrigatoriedade de sua aplicação, devendo o legislador acatá-los quando da elaboração de normas.

2.2. A Função Constitucional da Lei Complementar

Segundo Edvaldo Brito, (120) "... a Constituição não permite que a definição do sujeito passivo da obrigação tributária do ICMS, em qualquer das suas modalidades (sujeito passivo direto: o contribuinte; ou o sujeito passivo indireto: o responsável), seja feita por norma estranha à de Lei Complementar que é o único documento jurídico integrativo da Constituição, a qual determina, por isso, que a norma seja emitida por quorum qualificado de colegiado legislativo (cf. art. 69 da Constituição) e norma de sua competência privativa."

Para tal afirmação, o autor parte da análise do § 1º do art. 68 do texto constitucional, in verbis:

"Art. 68

§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:"

O autor sustenta que convênios, protocolos, decretos, ou mesmo leis ordinárias, delegadas ou medidas provisórias não podem veicular regras sobre sujeição passiva do ICMS. Nestes termos, os artigos 5º e 6º da Lei Complementar nº 87/96 não encontram fundamento de validez nas alíneas "a" e "b"

Nestes sentido inclusive a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIN 789/DF, cujo relator foi o Ministro Celso de Mello, julgada em 26.05.94 no Tribunal Pleno do STF, publicada no Diário da Justiça de 19.12.94 pp 35180, com votação unânime:

"Só cabe lei complementar, no sistema de direito positivo brasileiro, quando formalmente reclamada a sua edição por norma constitucional explícita." (121)

Para Souto Maior Borges, (122) as leis complementares fundamentam a validez de outros atos normativos (leis ordinárias, decretos, legislativos, convênios); ou não fundamentam outros atos atuando diretamente.

Ao se falar em âmbito de validade das leis lembramos Hans Kelsen (teorizado no Brasil por Pontes de Miranda, Miguel Reale, Lourival Vilanova, José Souto Maior Borges dentre outros), (123) ao nos referirmos à validade sob o ponto de vista material, pessoal, temporal, formal e espacial: (124)

a) material: seu conteúdo diz respeito à norma que o encerra. A lei é continente, a norma é conteúdo, que é precisa, limitada;

b) pessoal: destinatário da norma, a classe de pessoas destinadas com exclusão das demais;

c) temporal: liga-se ao tempo de aplicação da lei, daí a questão do Direito intertemporal;

d) espacial : espaço político onde a lei tem vigência e eficácia, onde produz efeitos, daí as noções de temporariedade e extraterritorialidade das leis;

e) formal: diz respeito às forma de sua elaboração e ao seu conteúdo.

A lei complementar, segundo ainda Sacha Calmon, (125) é utilizada em matéria tributária para fins de complementação e atuação constitucional servindo para:

a) complementar dispositivos constitucionais de eficácia limitada, na terminologia de José Afonso da Silva;

b) conter dispositivos constitucionais de eficácia contida (ou contível);

c) fazer ativar determinações consideradas importantes e de interesse de toda nação, por isso requisita quorum qualificado.

A lei complementar é, por excelência, instrumento constitucional utilizado para integrar e faz utilizado para integrar e fazer atuar a própria constituição. Diferencia-se da lei ordinária por esta última tratar de matéria de interesse ordinário da União, cuja ordem jurídica é parcial, tanto quanto aos Estados-Membros e Municípios.

Diz ainda o autor:

"... a lei complementar na forma e no conteúdo só é contrastável com a Constituição (o teste de constitucionalidade se faz em relação à Superlei) e, por isso, pode apenas adentrar área material que lhe esteja expressamente reservada. Se porventura cuidar de matéria reservada às pessoas políticas periféricas (Estado e Município), não terá valência. Se penetrar, noutro giro, competência estadual ou municipal provocará inconstitucionalidade, por invasão de competência. ...

Por ora, aprofundando a teoria dos âmbitos de validade, basta dizer que as leis são como fios por onde correm as energias normativas, isto é, as normas. No caso da lei complementar, há requisitos de forma quanto à sua edição e requisitos de fundo quanto ao seu conteúdo, isto é, quanto ao que pode conter em termos normativos. Os conteúdos são predeterminados na Constituição. Tais requisitos formam a técnica de reconhecimento das leis complementares tributárias no sistema jurídico brasileiro.

As leis complementares tem objetos materiais definidos no art. 146 do texto constitucional: (a) editar normas gerais; (b) dirimir conflitos de competência; (c) regular as limitações ao poder de tributar; e (d) fazer atuar ditames constitucionais.

Como já comentado, as leis complementares atuam diretamente ou complementam dispositivos constitucionais de eficácia contida, ou, ainda, integram dispositivos constitucionais de eficácia limitada (conferindo-lhes normatividade plena).

Para Sacha a "Lei Complementar jamais pode delegar matéria que lhe pertine".(126) A utilização de lei complementar não é decidida pelo Poder Legislativo. Ao contrário, sua utilização é predeterminada constitucionalmente. As matérias sob reserva de lei complementar são expressamente definidas pelo constituinte (âmbito de validade material), daí porque inferirmos que a substituição tributária deve levar em consideração o disposto no artigo 146, III (127) e artigo 155, § 2º, XII, "b" (128) da Constituição Federal., observando-se a superveniência, não só da já comentada Emenda 3/93, como da Lei Complementar nº 87/96, que entendemos conter vícios justamente quanto à sua validade eficacial formal, podendo viger, mas não tendo validade. Uma lei complementar pode compor matéria adstrita a lei ordinária, perdendo apenas o status, mas o contrário não é verdadeiro, pois estaríamos diante de invasão de competência de matéria disposta de forma expressa no texto constitucional (âmbito de validade material).

Tal afirmação é decorrente dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar estarem delegando competência para legislação estadual, obrigação sua (numerus clausus) previamente estabelecida no texto constitucional para definição de sujeição passiva. Ao dispor de matéria reservada à lei complementar as legislações estaduais estariam invadindo competência que não lhes pertence, vigendo no tempo, no espaço, mas pecando sob o ponto de vista formal. Daí porque poder-se afirmar que a Lei Complementar nº 87/96 peca por omissão ao delegar tais competências. Alie-se a isto o fato de termos margens de lucro definidas por intermédio de convênios e protocolos sem a devida ratificação dos legislativos estaduais.

A alegação de falta de fundamento de validez dos artigos 5º e 6º da citada Lei Complementar não condiz com o disposto nas alíneas "a" e "b" do Inciso XII do artigo 155 da Constituição Federal, que reclama, textualmente, a existência de uma lei complementar para tal definição. Trata-se de norma cogente, impositiva e que não admite delegação para legislação estadual.

Entendemos ser defeso tal transferência de atribuição para qualquer outra norma que, assim, flexibiliza uma constituição sabidamente rígida por não obedecer ao processo legislativo específico, pois é a lei estadual que acaba por veicular a substituição em decorrência desta malfadada autorização.

Neste diapasão, exatamente porque a constituição não permite essa veiculação, senão por intermédio de lei complementar, é que se pode afirmar que, naquilo em que for com ela compatível, há de prevalecer, nessa matéria, o Decreto-lei 406, de 31.12.68, que nas circunstâncias em que for emitido, tem a materialidade reclamada por uma lei complementar, prevalecendo sobre a 87/96. (129)

A não revogação expressa do Decreto-lei 406/68 pela LC 87/96 não é acidental, pois esta não regula aspectos integrais da matéria, não dispondo de aspectos específicos da substituição tributária.

Portanto, são ineficazes as regras sobre sujeito passivo da obrigação tributária no ICMS contidas na referida LC, inclusive as de substituição, estabelecidas nos seus artigos 5º e 6º e alcançando o disposto artigo 8º (base de cálculo e margem de lucro definidas em convênios e protocolos), eis que encontram-se em desacordo com a determinação constitucional.

Antes, a doutrina já se tinha pacificado, quando, em relação ao Convênio nº 66/88 e em relação toda a legislação inferior, entendeu que essa matéria é da atribuição exclusiva da lei complementar.(130)

Para reforçar este entendimento o STJ concluiu da seguinte forma:

"A competência arbitrada aos Estados e ao Distrito Federal, para, na ausência da lei complementar necessária à instituição do ICMS, celebrarem convênio para regular provisoriamente o mencionado imposto, restringe-se às lacunas existentes e às matérias legais não recepcionadas pela Constituição vigente (art. 34, § 5º ADCT)". (131)

Por fim, definir contribuinte é indicar qual a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária, por estar, essa pessoa, vinculada diretamente coma situação que constitua o respectivo fato gerador.

Ao contrário disto, a Lei Complementar nº 87/96 adota um conceito no art. 4º, bastante genérico e remete, nos arts. 5º e 6º a definição para "lei" de qualquer espécie e para "lei estadual". Essa delegação fere a rigidez constitucional.

2.3. A Restituição Imediata e Preferencial

A imediata e preferencial restituição é decorrente do preceito descrito na parte final do § 7º do artigo 150 da Constituição Federal ao admitir a possibilidade de substituição tributária para as etapas futuras, admitindo a Lei Complementar 87/96 tal possibilidade no seu artigo 10 na forma a seguir exposta:

"Art. 10 – É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.

§ 1º - Formulado o pedido de restituição, e não havendo deliberação no prazo de noventa dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicáveis ao tributo.

§ 2º - Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo de quinze dias da respectiva notificação, procederá ao estorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis."

A matéria objeto deste dispositivo é a restituição de um imposto pago a maior, a favor de um determinado Estado. Sublinhe-se que, como tal, corresponde a matéria consistente na devolução de indébito que resultou na aplicação do mecanismo da antecipação. Trata-se pois de uma conseqüência da operacionalização da sistemática que representa uma eventual divergência entre a previsibilidade e o real.

Tratando-se pois de forma de restituição de indébito, não é matéria que enseja conflito de competência entre Estados, por dizer respeito a dívida de um único e determinado Estado, que recebeu mais imposto do que seria adequado, entendendo Marco Aurélio Greco (132) que os Estados têm competência para deliberar acerca do assunto, nada impedindo que sejam adotados modelos mais ágeis, elencando três aspectos acerca do assunto:

a) o se tratar de norma geral sobre legislação tributária (art. 146, III), é da essência das matérias em que tem cabimento a norma geral que o Estado possa dispor suplementarmente (art. 24, § 2º), atendendo às suas peculiaridades e interesses. O que não pode é contrariar a norma geral, dispondo de forma incompatível (oposta). Norma geral não exclui a autonomia do Estado; convive com ela. A finalidade do art. 10 é assegurar a restituição, com certa feição. Sendo esta a finalidade a ser atingida, mecanismos mais ágeis e eficazes não contradizem a norma geral, suplementam-na. Contradição haverá se o Estado pretender criar mecanismos mais onerosos do que os contemplados na lei complementar.

b) Se se tratar de norma que regule limitação constitucional ao poder de tributar, isto não inibe a competência estadual para dispor de modo mais favorável ao contribuinte. A uma, porque se trata de limitação constitucional, e a legislação de cada entidade política pode definir maiores restrições à sua própria ação. A duas, porque a limitação constitucional é proteção do sujeito passivo e não impedimento a que a legislação de cada entidade preveja outros direitos.

c) Ainda que se tratasse de lei complementar que verse sobre "substituição tributária" (art. 155, § 2º, XII, "b"), a lei complementar não poderia ir além do que o próprio dispositivo autoriza. No âmbito do inciso XII, é preciso distinguir as respectivas amplitudes. Assim, a competência outorgada pela letra "b" não tem a mesma amplitude da prevista, por exemplo, na letra "a" ("definir seus contribuintes"). Com efeito, "definir" é dizer "quais são" e, uma vez estando eles identificados, não há espaço para a "definição" de outros que não aqueles. Diversa é a situação no caso da letra "b": ela autoriza a lei complementar a "dispor" sobre substituição. Ou seja, veicular as regras básicas regulando as situações e relações jurídicas dos diversos integrantes do fenômeno. Claro está que, ao dizer "quais" pessoas podem ser sujeitos passivos por substituição, isto inibe as normas estaduais, pois não poderão ser previstos "outros". Mas, ao dispor sobre "como" restituir, a lei complementar está prevendo uma forma necessariamente assegurada ao contribuinte, o que não exclui outros mecanismos.

Segundo o entendimento de Vittorio Cassone, (133) evidentemente que o Estado poderá devolver o excesso em menor prazo (mas não maior) que os noventa dias, sendo que a atualização monetária é diretamente realizada pelo contribuinte, devendo a legislação estadual regular a forma pela qual se fará a imediata e preferencial restituição da quantia paga, inclusive nas hipóteses em que o contribuinte não terá condições de aproveitamento imediato da restituição.

Para René Bergmann Ávila (134) "é pelo menos injusto permitir-se o crédito após noventa dias, em caso de mora da Secretaria da Fazenda em decidir sobre o pedido, e prever a sanção (acréscimos legais além da correção monetária) no caso de seu posterior indeferimento".

Acerca da irrecorribilidade da decisão o autor assim se pronuncia:

"Não se cometa o equívoco de entender que a decisão proferida será irrecorrível. Nos termos da lei, somente quando não houver mais possibilidade de recurso na esfera administrativa, em virtude de interposição de todos os remédios disponíveis, é que se terá a decisão irrecorrível prevista no parágrafo segundo do art. 10."

Em conclusão, o citado art. 10 veicula regras de proteção dos sujeitos passivos e, como tal, tem a natureza de parâmetro mínimo a ser atendido pelos Estados ao disciplinarem a restituição, o que não afasta a possibilidade de previsão mais favorável por parte destes.

Sobre o autor
José Julberto Meira Junior

Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: julberto@consult.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRA JUNIOR, José Julberto. Uma visão crítica da substituição tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1404. Acesso em: 22 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!