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Estado de exceção como paradigma para o direito internacional

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Conclusão

A prevalência dos Direitos Humanos – consolidados em importantes tratados e convenções –, assim como o desenvolvimento de mecanismos de promoção e defesa destes direitos no plano internacional – por meio de agências internacionais vinculadas à ONU, organizações não-governamentais e sistemas regionais de proteção – apontam para uma responsabilidade da sociedade internacional em casos de graves violações dos referidos direitos.

Os atuais mecanismos de promoção da paz e segurança internacionais foram formulados sobre uma concepção de Direito Internacional na qual os Estados são, em última análise, os principais protagonistas no cenário global. As violações em massa de direitos humanos por parte de governos refletem a consolidação de um Estado de Exceção que suprime direitos e liberdades individuais e que se propõe a legitimar as mais variadas práticas totalitárias.

A emergência deste paradigma de governo muitas vezes se dá ao custo de profundas violações aos Direitos Humanos. A proteção destes direitos, nestas hipóteses extremas, não pode ficar a cabo exclusivamente do juízo de alguns Estados, seus interesses nacionais e ideologias justificadoras da barbárie. O caminho parece ser a superação de dogmas seculares em prol de uma consciência coletiva e emancipadora.

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Referências Bibliográficas

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Notas

  1. De acordo com H. Hart (1961), o Direito seria composto por normas primárias e secundárias. As regras primárias são aquelas que normatizam as ações dos indivíduos, ao passo que as normas secundárias tratam da criação, alteração e eliminação das regras primárias do sistema jurídico. Cumpre destacarmos, dentre as espécies de regras secundárias, a chamada "regra de reconhecimento", que deve ser entendida como a regra basilar do sistema normativo e que lhe confere sustentação. A ordem jurídica, conforme propõe a clássica obra de Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, conta como característica fundamental o fato de ser uma ordem coercitiva. Nesse sentido, se há coação, há Direito; o Direito Internacional seria, seguindo este entendimento, uma ordem jurídica dotada de coação e que se encontra em estágio de evolução inicial, uma vez que se encontram presentes os elementos normativos mínimos e essenciais.
  2. A este respeito – e tendo em vista que este instigante tema não é objeto deste trabalho – remetemos a estudo nosso: "A fragmentação do Direito Internacional se desenvolve em três níveis. No primeiro nível observa-se que a hermenêutica do Direito Internacional passa a ser realizada por diferentes sujeitos, de forma a ampliar as possibilidades interpretativas e contribuindo para o desfazimento de sua unidade. Ao lado dos Estados, podemos vislumbrar as organizações internacionais e indivíduos usufruindo de direitos e incorporando certos deveres para com a ordem jurídica transnacional. Já em um segundo nível constata-se a criação de novos regimes "às margens" das normas de Direito Internacional geral, isto é, regimes que repudiam a estrita obediência ao texto legal, preconizando a realização dos objetivos mais específicos." (AFONSO, 2009, p. 9) Remetemos aos seguintes estudos para aprofundamento no tema: KOSKENNIEMI, Martti. Global legal pluralism: multiple regimes and multiple modes of thought. Harvard, 05 de março de 2005 – Palestra. Disponível em <http://www.helsinki.fi/eci/Publications/Talks_Papers_MK.htm>. Acesso: 05 maio 2008; BURKE-WHITE, William W. International Legal Pluralism. Michigan Journal of International Law, Vol. 25, pp. 963-979, 2004; PAUWELYN, Joost. Bridging Fragmentation and Unity: International Law as a universe of inter-connected islands. Michigan Journal of International Law, Vol. 25, pp. 903-916, 2004.
  3. A construção do Estado-nação como ente abstrato deu-se de forma desigual ao redor do mundo, tendo sua consolidação ocorrida primeiramente na Europa – Portugal, Espanha, França e Inglaterra em especial – a partir do domínio do poder do Rei sobre os senhores feudais, para em seguida afirmar-se perante o poder do Império e da Igreja do século XVII. A partir do seu estabelecimento no Velho Continente, os movimentos colonialistas levados a cabo pelas principais potências se encarregaram de propagar o Estado em nível internacional. A unificação do exército, da moeda, do Direito, da cultura e a criação de uma nacionalidade única em seu interior foram essenciais à afirmação do Estado como ente abstrato, separado das figuras dos governantes (CREVELD, 2004).
  4. A busca por uma uniformização de modos de vida é a essência do Estado: "Portanto, a tarefa de construção do Estado nacional (do Estado moderno) dependia da construção de uma identidade nacional ou, em outras palavras, da imposição de valores comuns que deveriam ser compartilhados pelos diversos grupos étnicos, pelos diversos grupos sociais para que assim todos reconhecessem o poder do Estado. [...] A formação do Estado moderno está, portanto, intimamente relacionada com a intolerância religiosa, cultural, a negação da diversidade fora de determinados padrões e limites." (MAGALHÃES, 2008, p. 47)
  5. Este conceito se desenvolve a partir da ideia de communitas orbis (comunidade mundial) vislumbrada pelo internacionalista Francisco de Vitoria (séc. XVI), para em um momento posterior vir a se consolidar nas obras de Hugo Grotius, Jean Bodin, Thomas Hobbes e John Locke (FERRAJOLI, 2007; MORRISON, 2006).
  6. O Artigo 2 (1) da Carta da ONU codifica o princípio: "A Organização é baseada na igualdade de todos os seus membros."
  7. "Um anão é tão homem quanto um gigante; uma pequena república é tão soberana quanto o mais poderoso reino. De uma necessária conseqüência desta igualdade, o que é permitido para uma nação é permitido para todas [,] e o que é proibido para um é também proibido para todas as nações." Tradução livre (VATTEL apud LEE, 2004, p. 150)
  8. O Realismo Político das relações internacionais é entendido como uma teoria explicativa dos eventos do cenário global. Por fundar suas bases teóricas na filosofia política de Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel, o Realismo Político procura descrever os acontecimentos do ambiente global através de uma análise do equilíbrio de poderes de seus vários atores, que por sua vez encontrar-se-iam imersos em um sistema anárquico – uma vez que não haveria um soberano acima dos Estados capaz de subjugá-los – e onde a busca por sobrevivência e segurança torna-se uma constante. O fim da Guerra Fria é tido como um marco para o Realismo, haja vista que teria havido uma quebra nas relações de poder em nível global. Tal fato explicaria as atuais tendências de reequilíbrio em tais relações: o fortalecimento da União Europeia e o crescimento econômico e militar da China seriam indícios da gênese de uma Nova Ordem Internacional (BURCHILL e LINKLATER, 2005). Para um aprofundamento nas teorias políticas das relações internacionais ver BAYLIS, John & Steve Smith (eds). The Globalization of World Politics. Oxford: OUP, 2007; BURCHILL, Scott e Linklater, Andrew et al. Theories of International Relations. Palgrave: Macmillian, 2005; HERZ, John H. Political Realism Revisited. In: International Studies Quarterly, Vol. 25, No. 2, Symposium in honor of Hans J. Morgenthau, Jun., 1981.
  9. Os motivos para este fracasso foram os mais diversos, porém um destes merece destaque: o fato do Senado dos Estados Unidos da América ter declinado de ratificar o Pacto das Ligas das Nações, em 1920. A falta de respaldo de um dos mais importantes Estados da época culminou no desmantelamento da organização. O Pacto Kellogg-Briand de 1928, que proibia o recurso à guerra como meio de solução de controvérsias também fracassou, pois dependia dos mecanismos de aplicação previstos no Pacto da Liga das Nações. (BYERS, 2007).
  10. Assim dispõe o Artigo 2 (4) da Carta da ONU: "Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas."
  11. Dispõe o Artigo 41 da Carta da ONU: "O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas."
  12. O denominado ius ad bellum refere-se às hipóteses nas quais o recurso à força militar para resolução de controvérsias é autorizado pelo Direito Internacional. Por sua vez, o ius in bello refere-se às normas contidas em tratados internacionais destinadas à forma como os conflitos são tratados, com destaque para a proteção das populações civis (Convenção de Genebra de 1949) e à proibição de uso de determinados tipos de armamentos (WALZER, 2004 e 2006).
  13. Conforme Michael Byers (2007, p. 113) explica, "De duas maneiras o governo americano invocou a democracia para tentar justificar a invasão do Panamá: como exercício do direito de agir em caráter unilateral para promover a democracia em outros países e a título de ajuda a um chefe de Estado democraticamente eleito, Guilhermo Endara, que concordava ostensivamente com a iniciativa." O autor esclarece ainda que o convite de um governo para que outro interfira militarmente como forma de ajudar a restabelecer a ordem interna é um costume plenamente aceito no Direito Internacional.
  14. A Estratégia de Defesa Nacional de setembro de 2002 – conjunto de objetivos e orientações adotados pelos Estados Unidos após os ataques de 11 de Setembro de 2001 no tocante à política externa – comprova a disposição de Washington de contrair qualquer norma de Direito Internacional que possa representar uma ameaça à segurança nacional. No entanto, o documento vai mais além, contemplando agressivas políticas de imposição de valores liberal-democráticos e fortalecimento do sistema capitalista mundial: "O Propósito da nossa nação sempre foi mais amplo que nossa defesa nacional. Nós lutamos, como sempre lutamos, por uma paz justa – uma paz que favoreça a liberdade. Nós defenderemos a paz contra as ameaças de terroristas e tiranos. Nós preservaremos a paz através da construção de boas relações entre as grandes nações. E nós estenderemos a paz pelo encorajamento de sociedades livres e abertas em todos os continentes." Tradução livre (THE NATIONAL SECURITY STRATEGY OF THE UNITED STATES OF AMERICA, 2002. Disponível em: <http://www.au.af.mil/au/awc/awcgate/nss/nss_sep2002.pdf> Acesso em 5 de abril de 2007).
  15. Os EUA firmaram diversos acordos de combate ao terrorismo com o governo sudanês, e atualmente estão engajados nas negociações do processo de paz para a guerra civil entre as regiões norte e sul do país. A desastrosa campanha na Somália (1993) e as ações militares no Afeganistão e Iraque reforçam o desinteresse para com as violações de Direitos Humanos em curso em Darfur.
  16. Michael Byers (2007) explica que a China vem fazendo uso de seu poder de veto para frear iniciativas sérias para por fim à crise humanitária em Darfur, uma vez que uma intervenção humanitária ampla prejudicaria contratos firmados com o governo sudanês para a exploração de petróleo e outros recursos naturais.
  17. Agamben (2004) indica a França revolucionária do fim do século XVIII na origem deste fenômeno. Espalhou-se por outros Estados europeus, como a Alemanha, a Suíça e a Itália, para consolidar-se como paradigma de governo no eclodir da Primeira Guerra Mundial. Na obra O Estado de Exceção, o autor apresenta o importante debate travado entre dois estudiosos do Estado de Exceção contemporâneo: Carl Schmitt e Walter Benjamin.
  18. Remetemos a importante trabalho sobre o tema, na qual o autor propõe que Estados da comunidade internacional elaborem um tratado para fins de intervenção humanitária independente do Conselho de Segurança ou da ONU. Nesse sentido, ver: CRITCHLOW, George A. Stopping genocide through international agreement when the Security Council fails to act. In Georgetown Journal of International Law, volume 40, número 1, pp. 311-343, 2009.
Sobre os autores
José Luiz Quadros de Magalhães

Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais<br>Professor da UFMG, PUC-MG e Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros.<br>Professor Visitante no mestrado na Universidad Libre de Colombia; no doutorado daUniversidad de Buenos Aires e mestrado na Universidad de la Habana. Pesquisador do Projeto PAPIIT da Universidade Nacional Autonoma do México

Henrique Weil Afonso

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora.Estudante visitante do Colorado College (EUA, 2005) e da University of Westminster (Inglaterra, 2007). Mestrando em Direito Público Internacional na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, José Luiz Quadros; AFONSO, Henrique Weil. Estado de exceção como paradigma para o direito internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2383, 9 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14163. Acesso em: 22 dez. 2024.

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