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Descaso: Defensoria Pública

Agenda 13/01/2010 às 00:00

Para se entender a origem da Defensoria Pública no Brasil, indispensável tomar ciência da história do Ministério Público no Rio de Janeiro e na União.

Inicialmente, a Lei Estadual n. 2.188, de 21 de julho de 1954, criou os cargos de Defensor Público, vinculados à Procuradoria Geral de Justiça. Em seguida, em 1958, a Lei Federal n. 3.434, seguindo a mesma trajetória, fortaleceu o sistema da assistência judiciária no Distrito Federal e Territórios, por meio de Defensores Públicos, pertencentes à carreira do Ministério Público Federal.

No dia 6 de dezembro de 1962, a Lei n. 5.111, denominada de Lei Orgânica do Ministério Público e da Assistência Judiciária, instituiu o quadro do Ministério Público, dividindo-o em duas classes, sendo classificados por letras, pertencendo à letra "A" o Ministério Público propriamente dito e à "B" a Assistência Judiciária, hoje, a Defensoria Pública. Assim, os Defensores Públicos de então formavam a carreira inicial do Ministério Público do Estado da Guanabara, hoje Rio de Janeiro.

A Assistência Judiciária foi erigida à instituição do Estado pela Constituição do Rio de Janeiro de 23 de julho de 1975 com competência para "postulação e defesa, em todas as instâncias dos direitos dos juridicamente necessitados, nos termos da lei". A Lei Complementar Estadual n. 6 de 12 de maio de 1977 organizou a Assistência Judiciária no Estado e as modificações que se seguiram transformaram essa norma na Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

Mato Grosso e Rio Grande do Sul seguiram o mesmo caminho e, só posteriormente, veio a Lei Federal n. 80/94, que regulamentou o art. 134 da atual Constituição Federal.

Finalmente, a Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro, com esta denominação, foi criada pela Emenda n. 37/87, responsável pela alteração da Constituição do Estado; a organização da Defensoria foi definida pela Lei Estadual n. 1.490 de 30 de julho de 1989 e pelo Decreto n. 13.351 de 15 de agosto de 1989; a Constituição Federal de 1988 considerou a Defensoria Pública e o Ministério Público como instituições essenciais à função jurisdicional do Estado, art. 134. A lei maior assegura que o órgão é incumbido de oferecer "orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma do art. 5º, LXXIV, (EC n. 45/2004)".

Com tudo isto, o primeiro Estado a legislar sobre assistência judiciária gratuita foi o de São Paulo que, em 1935 estabeleceu o serviço governamental de Assistência Judiciária do Brasil; todavia, mesmo com a grandeza do Estado, só no ano de 2006 foi criada a Defensoria Pública por meio da Lei Complementar n. 988, apesar dos interesses corporativos contrários. Obedeceu-se assim aos ditames traçados pela Constituição Federal e pela Lei Complementar n. 80/94 de 12 de janeiro, que em 7 de outubro de 2009 foi alterada pela Lei n. 132, modificando também a Lei n. 1.060/50, prescrevendo normas gerais para a organização da Defensoria Pública.

Percebe-se então, na origem, a íntima relação entre a Defensoria Pública e o Ministério Público do Rio de Janeiro, mas não se entende o motivo pelo qual o Ministério Público tornou-se o "primo rico" e a Defensoria o "primo" pobre, tendo as duas instituições o mesmo peso para o sustento da democracia. Enquanto o órgão acusador, o Ministério Público obtém conquistas significativas, ao ponto de ter todas as vantagens dos magistrados, inclusive os vencimentos, a Defensoria Pública sobrevive mercê da boa vontade e do ideal de seus membros. Afinal, a maioria do povo brasileiro é constituída de cidadãos carentes e, mesmo assim, o Poder Público não dispensa a atenção devida a tão importante órgão público. O descaso passa da estrutura, salários incompatíveis com a função e, exatamente por isto, carência de profissionais.

Considere-se ainda o fato de que a Defensoria Pública tem ampliado sua competência, a exemplo da Lei n. 11.448/07, conferindo-lhe legitimidade para propor Ação Civil Pública, mesmo com reação contrária do Ministério Público.

Decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecendo autonomia da Defensoria ainda não obteve a repercussão devida. No julgamento da ADIN n. 3.569/PE, considerou que "o dispositivo impugnado viola o parágrafo 2º do art. 134 da CF, incluído pela EC 45/04, que assegura às Defensorias Públicas Estaduais autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária".

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Muitas unidades da federação continuam tratando a Defensoria Pública como dependente, porque subordinada a outros órgãos do Estado, comprometendo sua autonomia financeira e funcional. É o que ocorre em muitos Estados e, principalmente, com a Defensoria da União, vinculada esta ao Ministério da Justiça.

A primeira Constituição que garantiu o direito de acesso gratuito à Justiça pelos carentes foi a de 1934. Tanto esta quanto as Constituições de 1946 e a de 1988 não conferem aos municípios competência para legislar sobre o assunto.

Esta omissão acontece na sistematização do próprio Judiciário e não se entende por que há Poder Legislativo e Executivo na União, nos Estados e nos Municípios, não se procedendo da mesma forma com o Judiciário.

Porque não há Poder Judiciário Municipal? Convincentemente ninguém explica, mas é nossa realidade.

O Código de Processo Civil de 1939 destinou um capítulo para traçar as regras básicas da Justiça Gratuita, vez que a Constituição de 1937 não manteve o dispositivo constitucional de 1934 que garantia o direito de acesso gratuito dos carentes à Justiça.

A Constituição de 1946 voltou a tratar da garantia da assistência judiciária gratuita aos carentes, art. 141, § XXXV. Não indicou, entretanto, a forma de viabilizar este direito nem especificou a quem competia a responsabilidade, se aos Estados os à União, já que excluídos os Municípios. Esta omissão provocou a criação, pelos Estados, de órgãos com esta função ao nível de toda a unidade federada, enquanto outros credenciavam advogados para a prestação gratuita da assistência judiciária.

A Lei n. 1.060 de 05 de fevereiro de 1950 regulamentou o dispositivo constitucional de 1946, instituindo definitivamente a assistência judiciária gratuita em todo o país.

O instituto foi recepcionado pela Constituição atual.

O Ministério da Justiça, em parceria com a Associação Nacional dos Defensores Públicos, divulgou o III "Estudo Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil", analisando a estrutura, o funcionamento e o perfil dos membros da instituição.

O estudo mostra que há 7.177 postos de defensor público, mas apenas 4.515 eram ocupados até julho/2009. Apontou ainda que dos gastos totais dos Estados, 5,34% fica com o Judiciário, de onde se retira apenas 0,40% para as Defensorias, destinando para o Ministério Público percentual cinco vezes superior, 2,02%.

Os Estados gastam em média R$ 71,67 por habitante com o Judiciário, destinando apenas R$ 3,91 à Defensoria Pública.

Os juízes, os promotores e os defensores são considerados essenciais para a administração da justiça. Apesar disto, os membros da Defensoria Pública, bacharéis como o juiz e como o promotor, encarregados da defesa do cidadão, percebem três vezes menos do que um acusador ou do que um julgador. A média de vencimento do Defensor Público não passa, em média, de R$ 5.000,00.

Na área federal, mostrou-se que em 2008 existiam no país 336 defensores; já no ano passado, constatou-se aproximadamente 150 vagas de defensores públicos não preenchidas. Por tudo isto, apenas 42% das comarcas do Brasil tem cobertura da instituição.

Cappelletti já dizia que sem remuneração adequada, os serviços jurídicos para pobres tendem a ser pobres. Infelizmente, é o que tem acontecido com a Defensoria Pública.

Sobre o autor
Antonio Pessoa Cardoso

Ex-Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Antonio Pessoa. Descaso: Defensoria Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2387, 13 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14174. Acesso em: 5 nov. 2024.

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