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A responsabilidade dos agentes financiadores na sociedade do risco e o Direito dos desastres

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Agenda 26/01/2010 às 00:00

6. Análise dos Parâmetros Legais em Vigor

É necessário que façamos uma análise do que a legislação hoje em vigor determina para que uma instituição financeira possa disponibilizar crédito para determinado empreendimento. Conforme o art. 12, da Lei 6.938/81 preceitua, "as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais condicionarão a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma da Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA".

Aqui devemos inicialmente destacar que as entidades e órgãos condicionarão a aprovação de projetos ao licenciamento, na forma da Lei, sendo ato ilícito a concessão de financiamento sem o devido licenciamento ambiental, na forma da Lei, sendo passível de responsabilização tanto da empresa interessada, quanto do agente financeiro.

O licenciamento ambiental é um importante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, IV, da Lei 6.938/81), porém não é o único. Outra característica que não pode ser desprezada é o fato do licenciamento ser um procedimento administrativo 3 e não apenas a emissão de um mero documento para atender a uma exigência legal. Há todo um trâmite a ser respeitado, onde vários aspectos técnicos devem ser cuidadosamente analisados, e que ao final terá como resultado a emissão de licenças ambientais, que serão divididas, via de regra, em licenças prévia, de instalação e de operação, conforme se caminha com o procedimento administrativo.

E devemos destacar ainda o fato de que a licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas 4, quando couber, de acordo com a regulamentação 5.

Devemos notar que não basta a concessão do licenciamento. Este deve ainda estar de acordo com o preceituado pela Lei. E aqui não se trata de mera força da expressão e sim de um mandamento legal que deve ser necessariamente observado. Muitos órgãos ambientais, infelizmente, ainda contam com uma estrutura deficiente de recursos humanos e tecnológicos e o processo de licenciamento por eles conduzido acaba por refletir esta realidade. E a possibilidade do empreendimento financiado causar danos ao meio ambiente cresce consideravelmente, já que não estarão seguindo a forma determinada em Lei, podendo, inclusive, desconsiderar o atual estado da arte no que se refere aos métodos e tecnologias disponíveis.

Sem adentrar no mérito da questão quanto aos limites de atuação do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, é importante frisar que não basta o licenciamento, concedido na forma da Lei, para a regularidade do empreendimento, mas que este (o empreendimento) também esteja cumprindo as normas, critérios e padrões expedidos pelo Conselho.

Aqui não parece restar dúvida quanto à conclusão de que mesmo com o licenciamento expedido por órgão competente na forma da Lei, caso a respectiva Licença tenha fixado limites em desacordo com padrões determinados pelo CONAMA, é passível a responsabilização da instituição financeira. Todavia, não podemos negar a possibilidade de se questionar esta responsabilização, ainda mais se nos detivermos ao aparato legislativo que hoje temos, abrindo brechas para infinitas discussões sobre o tema, que ainda não é pacífico.

Como já mencionado, a Lei de Crimes Ambientais tipificou uma série de condutas lesivas ao meio ambiente como passíveis de punição, tanto na esfera administrativa, quanto na criminal, admitindo a responsabilização tanto da pessoa física que atua no mundo fático, como preposto ou mandatário da pessoa jurídica, quanto o próprio ente estatal. Por um longo tempo se debateu na doutrina e jurisprudência acerca da possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica na esfera penal, por uma série de argumentos que aqui escapam ao tema do trabalho, e o próprio STJ já alternou sua orientação, nos parecendo que hoje a matéria se encontra pacificada no sentido da sua permissão 6.

Mas no que se refere à sistematização da responsabilidade civil para os ilícitos ambientais a disciplina é ainda deficiente, podendo ser aprimorada. Nosso ordenamento jurídico carece de um dispositivo explícito (já é possível se extrair esta conclusão do sistema normativo brasileiro e de alguns julgamentos, inclusive de Tribunais Superiores, como o STJ) que delimite a responsabilização dos agentes financiadores, contribuindo assim para dar segurança jurídica ao sistema, bem como permitindo um melhor dimensionamento do risco envolvido na concessão do financiamento.

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A sociedade do risco inevitavelmente nos remete à necessidade de responsabilização dos atores sociais envolvidos, e não podemos nos furtar de abordar a análise dos riscos envolvidos no financiamento de grandes projetos de infraestrutura. Esta análise é um dos "novos quadros de referência" que devemos tentar estabelecer, na tentativa de tentar evitar a ocorrência de grandes desastres ambientais por falhas na concepção de um projeto.


7. A Limitação Temporal da Responsabilidade Ambiental

Aqui reside um ponto fundamental no debate, uma vez que não temos hoje um marco temporal para delimitar o período em que a instituição financeira permanece vinculada ao empreendimento apoiado, devendo por ele responder juntamente com a empresa causadora do dano. Os grandes projetos de infraestrutura, por exemplo, demandam um período considerável de tempo para sua implantação total, e em muitos casos, os problemas de concepção do projeto, acidentes ambientais relevantes e outras ocorrências se dão exatamente após o fim das liberações dos recursos e sem nenhum mecanismo de controle a posteriori por parte do agente financiador, já que do ponto de vista do retorno financeiro ele estará coberto pelas garantias constituídas.

Neste caso acima, pode ser que um acidente ambiental grave, que gere verdadeiro desastre, só ocorra após a própria amortização do financiamento pela empresa. Mas será que quando da concepção do projeto a instituição financeira atentou para o que determina o parágrafo único do art. 12, que determina que as entidades e órgãos de financiamento e incentivos governamentais deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente?

É importante frisar que esta obrigação não decorre apenas do licenciamento do empreendimento e sim de um imperativo legal, que impõe à instituição financiadora a adoção de mecanismos de mitigação dos impactos nos projetos. O legislador entendeu que não bastava a expedição de licenças para o empreendimento e também a observância das normas e padrões expedidos pelo CONAMA, imputando ainda a necessidade de adoção de mecanismos de mitigação por parte do agente financiador do projeto.

Não podemos aqui trabalhar com a possibilidade de se vincular o agente financiador eternamente ao projeto, sob pena de inviabilizar a concessão de crédito, que é fundamental para a geração e circulação de riquezas. Não somos partidários, até por uma impossibilidade jurídica plausível de justificação, da tese da vinculação por tempo indeterminado do agente financiador ao projeto, pois seria transferir o ônus da atividade econômica indevidamente para este, mas algum marco temporal para demarcar essa responsabilidade após o término da implantação do projeto financiado é de fundamental importância.

Este momento de vinculação não pode, certamente, ser inferior ao momento de concessão da licença de operação do empreendimento, da mesma forma que não podemos considerar período inferior ao término da liberação dos recursos. Que prazo seria o razoável? Entendemos que a conjugação da expedição da Licença de Operação do projeto, aliada ao cumprimento de todas as condicionantes fixadas nela pelo órgão ambiental competente seria um prazo razoável, até porque durante a fase de execução do empreendimento a instituição financeira deveria atentar para a correta aplicação dos recursos nos seus acompanhamentos periódicos, inclusive com a observância das normas e padrões expedidos pelo CONAMA, e a necessidade de adoção de mecanismos de mitigação por parte do agente financiador do projeto.

O processo de responsabilização solidária 7 é uma realidade e, com o avanço do que Ulrich Beck chamou de "segunda modernidade", teremos que adequar a forma de atuação destas instituições à realidade dos fatos.


8. Considerações Finais

O licenciamento ambiental é um importante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, todavia, a sua adoção pura e simplesmente não é suficiente para disciplinar de forma isolada um processo eficiente de mitigação de riscos ambientais de grandes proporções, devendo ser utilizado em complementação aos demais instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente.

A concessão de crédito é fundamental para o desenvolvimento de grandes projetos e para financiá-los as instituições financeiras devem passar por uma reavaliação de suas premissas e metodologia, incorporando definitivamente a preocupação com os riscos, não só de crédito, mas também os ambientais.

Caso o projeto eleito para apoio financeiro venha a causar danos ambientais, a instituição financeira deve ser responsabilizada solidariamente pelo fato da concessão de crédito envolver uma relação de confiança, o que significa dizer que acreditava no êxito e méritos do empreendimento.

A contratação de seguro ambiental é um mecanismo secundário, e ainda incipiente no Brasil, mas que não deve ser desprezado como alternativa para os empreendedores e instituições financeiras, pois a questão "tempo de atuação" é fundamental nos grandes acidentes ambientais.

A instituição financeira financiadora deve ter sua responsabilidade limitada no tempo, parecendo-nos razoável que este lapso temporal conjugue o momento da expedição da Licença de Operação do projeto e o cumprimento de todas as condicionantes fixadas neste documento, inclusive com a observância das normas e padrões expedidos pelo CONAMA, e a necessidade de adoção de mecanismos de mitigação por parte do agente financiador do projeto.


9. Referências Bibliográficas

BECK, Ulrich. Risk Society: towards a new modernity. London: Sage, 1993.

GUIVANT, Júlia S. "A Teoria da Sociedade de Risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia". Disponível na Internet: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/dezesseis/julia16.htm. Acesso em: 25 de março de 2009.


Notas

1 O resumo das ideias de Ulrich Beck apresentadas neste trabalho teve como base o seu livro "A Sociedade do Risco", uma entrevista muito interessante concedida pelo próprio Beck e disponível no site do SWIF – Sito Web Italiano per la Filosofia (http://lgxserver.uniba.it), também disponível no site http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/ulrich.htm, acessado em 24.03.2009, onde conta com tradução provisória do professor Selvino José Assmann, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e, por fim, em interessante artigo de Julia S. Guivant, professora da UFSC, intitulado "A Teoria da Sociedade de Risco de Ulrich Beck: entre o diagnóstico e a profecia", disponível no site http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/dezesseis/julia16.htm, acesso em 25.03.2009.

2 O art. 14, § 1º, da Lei Federal nº 6.938/81 está vazado nos seguintes termos:

"§ 1° - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por sua atividade".

3 O art. 1º, da Resolução CONAMA 237/97, está vazado nos seguintes termos: "Art. 1º - Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições: I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais , consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso".

4 A Resolução CONAMA nº 09, de 03.12.1987, cuida da sistemática que deve ser adotada para a realização de audiências públicas em matéria ambiental.

5 A exigência de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), com a posterior feitura de um Relatório de Impactos Ambientais (RIMA), encontra-se hoje expressamente no texto do art. 225, IV, da CF/88, embora já estivesse previsto em outros normativos infraconstitucionais, como o art. 3º, da Resolução CONAMA 237/97, e a Resolução CONAMA nº 01, de 23.01.1986, que dispõe sobre os critérios básicos e diretrizes gerais para a elaboração do EIA e do RIMA.

6 No sentido do texto, podemos citar o elucidativo REsp 610114/RN, j. 17.11.2005, tendo como Relator o ilustre Ministro Gilson Dipp e decisão unânime da 5ª Turma do STJ, que embora longo, é extremamente pedagógico na matéria. Segue a transcrição, com a renumeração dos itens, já que a publicação no DJ de 19.12.2005, pág. 463, saiu sem o item II, com a numeração passando do I direto para o III:

Crime ambiental praticado por pessoa jurídica. Responsabilização penal do ente coletivo. Possibilidade. Previsão constitucional regulamentada por lei federal. Opção política do legislador. Forma de prevenção de danos ao meio-ambiente. Capacidade de ação. Existência jurídica. Atuação dos administradores em nome e proveito da pessoa jurídica. Culpabilidade como responsabilidade social. Co-responsabilidade. Penas adaptadas à natureza jurídica do ente coletivo. Acusação isolada do ente coletivo. Impossibilidade. Atuação dos administradores em nome e proveito da pessoa jurídica. Demonstração necessária. Denúncia inepta. I. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. II. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. III. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. IV. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. V. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VI. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VII. "De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado." VIII. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. IX. Não há ofensa ao princípio constitucional de que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado...", pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física - que de qualquer forma contribui para a prática do delito - e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. X. Há legitimidade da pessoa jurídica para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XI. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado foi denunciada isoladamente por crime ambiental porque, em decorrência de lançamento de elementos residuais nos mananciais dos Rios do Carmo e Mossoró, foram constatadas, em extensão aproximada de 5 quilômetros, a salinização de suas águas, bem como a degradação das respectivas faunas e floras aquáticas e silvestres. XII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. XIII. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. XIV. A ausência de identificação das pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória. (Fonte: DVD Magister, versão 25, ementa 11292416, Editora Magister, Porto Alegre, RS e Revista Magister de Direito Ambiental , vol. 3, ementa 80, Editora Magister, Porto Alegre, RS).

7 O STJ, em acórdão da lavra da ilustre Ministra Relatora Eliana Calmon, decidiu a Colenda Segunda Turma, de forma unânime, no REsp 295.797/SP, julgado em 18.09.2001 e publicado no DJ de 12.11.2001, pág. 140, (Fonte: DVD Magister, versão 25, ementa 11051047, Editora Magister, Porto Alegre, RS). pela responsabilização solidária de vários agentes envolvidos, ainda que de forma indireta na ocorrência do dano ambiental, posicionamento que foi recentemente reiterado no REsp 1071741/SP, de março de 2009, tendo como Relator o ilustre Ministro Herman Benjamin, uma das maiores autoridades em Direito Ambiental no país.

Sobre o autor
Franderlan Ferreira de Souza

Gerente Jurídico da Área de Inclusão Social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Especialista em Direito Civil Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Franderlan Ferreira. A responsabilidade dos agentes financiadores na sociedade do risco e o Direito dos desastres. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2400, 26 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14246. Acesso em: 2 nov. 2024.

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