Este artigo tem como objetivo analisar brevemente o investimento do capital estrangeiro no mercado de capitais brasileiro, tendo em vista sua crescente presença na economia nacional.
Com a abertura do capital da empresa de cosméticos Natura, em 26 de maio de 2004, a economia nacional presenciou uma retomada do mercado de capitais, com uma série de operações de Ofertas Públicas de Ação colocando em circulação valores vultosos. Em reportagem do jornal Valor Econômico, publicada em 24/04/2007, levantou-se que desde a abertura de capital da Natura até a data da publicação da matéria, haviam sido concluídas ou estavam em estágio de conclusão 100 operações de ofertas públicas, movimentando cerca de R$ 70 bilhões, sendo que cerca de R$ 320 milhões destes recursos foram destinados a honorários advocatícios.1
O mercado de capitais se tornou a principal fonte de financiamento das empresas brasileiras. Este ano [2007], já é responsável por dois terços dos recursos captados. Considerando só as operações de dívida (como debêntures e notas promissórias), a participação no financiamento das empresas saltou de 9,5% em 2000 para 29,3% em 2006, segundo levantamento de Carlos Rocca, consultor técnico do Ibmec.2
A participação do investidor estrangeiro nesses números é predominante: considerando apenas as ofertas públicas de 2007, com Anúncios de Encerramento publicados de 2 de janeiro a 30 de abril de 2007, a participação do capital estrangeiro foi de R$ 8.454.137.783,95, correspondendo a 74,5% do valor total das ofertas públicas, que alcançou R$ 11.346.497.038,40.3
Considerando-se o volume total de movimentações financeiras da Bovespa em abril de 2007, o investidor estrangeiro também está liderando com participação de 33,05% do volume total. Os investidores institucionais ficaram com 30,19%; as pessoas físicas, com 21,45%; as instituições financeiras, com 13,75%; as empresas, com 1,46%; e outros com 0,10%.4
O aumento no número de empresas que abrem seu capital no Brasil nos últimos anos tem sido positivo no sentido de profissionalização de nossas empresas, que se veem obrigadas a investir em práticas que aumentam a transparência da administração e a comunicação com o investidor, a fim de ter sua investida ao mercado gerar o retorno esperado. Para ver seu projeto de abertura de capital aprovado pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a empresa tem de seguir estritamente o disposto nas leis brasileiras, o que significa regularização de seus tributos, a necessidade de atendimento a normas mais específicas e rigorosas, no que tange aos procedimentos e princípios contábeis, de auditoria, e divulgação de demonstrações financeiras, criação da figura do Diretor de Relações com o Investidor, entre outras exigências. Mas apenas isto não basta. A fim de agregar maior valor à sua empresa, a maioria dos empresários tem aderido a melhores práticas de governança corporativa, além das exigências legais, o que é positivo tanto para a empresa (que aumenta o valor de suas ações no mercado, sua liquidez, a confiança do investidor, sua imagem institucional e prestígio no mercado) como à comunidade da qual faz parte. Essa é a opinião de Márcio Tadeu Guimarães Nunes, quando afirma que:
Para o desenvolvimento das sociedades, e conseqüentemente do país, é imprescindível aplicar adequadamente regras jurídicas modernas que tornem o mercado brasileiro mais atrativo para os investidores. Só assim as empresas poderão exercer a sua verdadeira função social: gerar empregos e promover a circulação de riquezas num sistema capitalista.5
Uma das práticas mais recorrentes é a de conceder maiores direitos aos acionistas minoritários, a fim de evitar dúvidas quanto à lisura da administração da empresa. Assim, José Marcelo Martins Proença destaca a iniciativa das empresas em se autorregular neste sentido, instituindo cláusulas em seus estatutos muito mais rigorosas do que o texto legal, em que muitas vezes falta clareza quanto a procedimentos além de ter mecanismos de defesa dos investidores lesados inócuos ou ainda de difícil acesso, abrindo espaço para dúvida dos investidores quanto à lisura da administração da empresa e gerando uma sensação de falta de proteção legal, além de ser desinteressante aos negócios da empresa ver suas deliberações anuladas por decisões judiciais:
A administração empresarial onde se consolidam situações conflituosas, quer pela falta de clareza legal ou em decorrência de interpretação favorável aos controladores, tem conseqüências deletérias que transcendem aos prejuízos causados aos acionistas minoritários ou à empresa, alcançando também o relevantíssimo (em termos econômicos e sociais) mercado de capitais e a coletividade.6
Percebendo esse movimento autorregulatório nas empresas e seus bons resultados, a Bovespa lançou, em dezembro de 2000, os segmentos especiais de listagem "com o objetivo de proporcionar um ambiente de negociação que estimulasse, ao mesmo tempo, o interesse dos investidores e a valorização das companhias".7
Estes segmentos foram chamados Níveis Diferenciados de Governança Corporativa (Nível 1 e 2) e o Novo Mercado. Cada um desses níveis corresponde a uma série de regras de boa governança que as empresas devem adotar de forma espontânea (independente de lei), fazendo constá-las em seus estatutos sociais e em contrato firmado com a Bovespa, que, em contrapartida, se responsabiliza pela fiscalização do efetivo cumprimento dessas regras pela empresa e divulgação da opção da companhia (que tem suas ações negociadas na Bovespa com um "selo de qualidade"), além de auxiliar na divulgação de suas informações aos seus acionistas e a ampla divulgação no mercado nacional e estrangeiro das empresas que aderiram a essas regras. Dentre as regras estabelecidas ao Novo Mercado (o nível mais alto de governança da listagem da Bovespa) estão:
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Regras Societárias: a empresa se obriga a instituir uma série de regras a fim de aumentar os direitos do acionista minoritário, e, em caso de descumprimento ou desistência da participação no Novo Mercado, de comprar as ações dos minoritários por meio de oferta pública;
Divulgação de informações: além das informações que todas as empresas listadas na Bolsa são obrigadas a divulgar, as empresas no Novo Mercado se obrigam a enviar uma série de outras informações econômicas e financeiras;
Maior foco ao investidor estrangeiro: as empresas se obrigam também a emitir sua divulgação de informações financeiras no padrão contábil internacional, sendo aceitos os padrões US GAAP ou IFRS, além de divulgações na língua inglesa;
Regras de distribuição pública e dispersão: a companhia tem que manter em circulação no mercado secundário ao menos 25% de suas ações ordinárias;
Adesão à Câmara de Arbitragem do Mercado: Câmara instituída pela Bovespa, conta com árbitros especializados em direito societário. Resolverá todas as questões que surjam entre a Bovespa, acionistas e empresa.
A legislação nacional acerca do mercado de capitais, valores mobiliários e sociedades anônimas é antiga (remonta das décadas de 60 e 70), mas, no geral, são consideradas suficientes para regular nosso mercado.
O que leva à necessidade de adoção de novas formas de controle por iniciativa privada são as vicissitudes do próprio mercado. Na maioria dos países do mundo, não se espera que o Estado vá intervir no mercado de forma mais rígida do que já se faz na legislação brasileira (que criou órgãos de controle e fiscalização, a fim de manter a idoneidade do mercado), sempre se esperou que as próprias empresas se autorregulassem. Mas, após os grandes prejuízos causados a toda sociedade por fraudes em empresas (como o famoso caso da norte-americana Enron e sua auditora, a Arthur Andersen) levou à criação de leis mais rígidas para regular o mercado, em especial, o Sarbanes-Oxley act nos EUA em 2002. Esta lei foi bastante criticada, especialmente por empresas estrangeiras que tinham suas ações listadas em bolsas de valores americanas, tendo em vista o alto custo operacional que o cumprimento a essas regras acarretaria (o que levou às empresas, antes de alterar suas práticas de governança, calculassem o que lhes traria menos prejuízos: aderir às práticas impostas pela lei ou deixar o mercado americano). A lei Sarbanes-Oxley instituiu a agencia controladora de auditorias PCAOB (Public Company Accouting Oversight Board) e também tratou de problemas como auditoria independente, melhores práticas de governança corporativa, controle interno e abertura de informações.
Outra crítica bastante relevante a Sarbanes-Oxley foi o fato de a lei ser extremamente detalhista em certos pontos, tentando coibir práticas especificas do caso Enron, não conseguindo a abstração esperada de uma lei.
A legislação brasileira não parece cometer o mesmo erro, pois indica de forma genérica os deveres dos acionistas, controladores, administradores e membros de conselhos, deixando para os órgãos reguladores instituírem em maiores detalhes a forma como se espera que as empresas apresentem as informações necessárias à fiscalização, mantendo uma estrutura mais ágil no que concerne à regulação de questões de ordem prática.
A lei das Sociedades Anônimas brasileira foi reformada em 2001 a fim de modernizá-la e tipificar criminalmente certos comportamentos e assim tornar-se mais eficiente no combate a fraudes.
Outra recente ação de jurídica no mercado brasileiro foi a criação de um grupo de trabalho do Ministério Público Federal, em 2007, voltado ao mercado de capitais que atua em conjunto com os órgãos reguladores (em especial a CVM) e teve como sua primeira grande ação o bloqueio das contas de dois investidores em ações do grupo Ipiranga por suspeita de ganhos obtidos com o uso de informações privilegiadas sobre a venda do grupo.
A saúde das empresas brasileiras e a sólida legislação nacional: além da atuação ativa dos órgãos reguladores, podem ser considerados como os principais atrativos ao capital estrangeiro, que vem marcando presença na bolsa nacional.
A possibilidade de captar este capital dentro de nosso território, dispensando o uso de DR’s e eventuais (e custosas) adaptações das sociedades a legislações estrangeiras (como a rígida Sarbanes-Oxley) para alcança-lo em seu país de origem, tornou o mercado de capitais uma forma economicamente viável de capitalização das empresas de grande e médio porte, apresentando-se como uma alternativa aos empréstimos bancários.
Tal panorama causou o que foi chamado de "a febre das IPO’s", inundando a bolsa brasileira de novos papéis e atraindo assim mais investidores pessoas físicas e estrangeiros ávidos por oportunidades de novos investimentos em nosso país. Este movimento pode ter sido um tanto exagerado, causando desvalorização de alguns papéis a curto prazo, mas, certamente, deixando um legado para o longo prazo pois, superada a correção na precificação dos papéis e as eventuais crises, encontraremos um mercado de capitais crescido e desenvolvido no Brasil, em nada similar ao que encontrávamos a 10 anos atrás.
Bibliografia consultada
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Notas
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