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Corrupção política e atividade tributária

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Agenda 08/02/2010 às 00:00

RESUMO. O tema corrupção passou a ocupar assento central no debate acerca do poder público brasileiro. A novidade são os temas que colocam em evidência as condutas sutis qualificadas como corrupção política, bem como a íntima relação de interesses entre agentes políticos, públicos e privados. Encontra-se superada, então, a discussão meramente legal, para alcançar outras condutas não tipificadas em lei. Dentro deste contexto, emerge o tema da corrupção na atividade tributária, que por sua vulnerabilidade instrumental e relevância econômica mostra-se capaz de atrair as mais variadas condutas supressoras de recursos públicos, com severos desdobramentos político-sócio-econômicos. Assim, a presente monografia tem o objetivo de discorrer sobre mecanismos de prevenção da corrupção na atividade tributária. Deve ser ressaltado que a principal limitação encontrada na pesquisa refere-se à ausência de dados oficiais e séries históricas sobre a corrupção e seus desdobramentos. Evidente que a própria atuação estatal, através de políticas públicas de prevenção da corrupção, ressente-se da falta de dados e de série históricas. Os resultados da pesquisa indicam que a lei penal não consegue alcançar a totalidade das condutas danosas à Fazenda Pública (corrupção política). Sendo assim, a principal contribuição da pesquisa resulta na exposição de determinadas condutas de agentes políticos e públicos ainda toleradas socialmente. Cabe, então, à sociedade refletir e decidir se o sistema representativo deve ser utilizado para conduzir a um modelo de tributação que favoreça privilégios econômicos privados, em suma, se o modelo de poder baseado em interesses políticos e econômicos indevidos deve suplantar o interesse coletivo. As conclusões da pesquisa apontam que o problema da corrupção não se situa apenas na mera subtração de recursos públicos, mas atinge principalmente a coletividade que deixa de ser destinatária direta da promoção social através da aplicação de recursos públicos na sua manutenção, no seu desenvolvimento e no seu bem-estar. A participação das esferas mais graduadas do poder passa a ser uma preocupação, já que a corrupção encontra guarida na discricionariedade ou do acúmulo de poder. Neste sentido, é patente que a administração tributária encontra-se, atualmente, vulnerável a interferências políticas e econômicas, posto que se amolda a vontade do chefe do Poder Executivo. A corrupção na seara tributária não se encontra adstrita unicamente aos intestinos da administração tributária. Em outras esferas dos Poderes Judiciário e Legislativo também há comportamentos danosos ao Erário Público. Por exemplo, decisões judiciais sem qualquer fundamento, além de ofenderem o sistema normativo vigente e a sociedade, tutelam interesses privados escusos que resultam em prejuízos às receitas tributárias. Na mesma proporção, merecem a devida atenção os privilégios ilegítimos veiculados através da legislação tributária, que vão desde benefícios fiscais extravagantes até a extinção da punibilidade daqueles que cometem crimes contra a ordem tributária.

Palavras-chave: Estado, atividade tributária, corrupção.


1 INTRODUÇÃO

A corrupção é fenômeno antigo que afeta a todas as sociedades em maior ou menor grau, sendo comum a diversos povos e culturas a prática de atos que possibilitam a obtenção de vantagem financeira individual por meio da utilização de cargo ou função pública. Para Ramina (2002, p. 26):

A corrupção tem existido desde a Antigüidade como uma das piores e, ao mesmo tempo, mais difundidas formas de comportamento conflitantes à boa administração dos interesses públicos, quando praticadas por agentes e servidores públicos.

Klitgaard (apud BRÜNING, 1997, p. 14) afirma que "existe corrupção quando um indivíduo coloca ilicitamente interesses pessoais acima dos das pessoas e ideais que ele está comprometido a servir". Nesta mesma perspectiva, Brüning (1997, p. 15) define corrupção pública como o "ato ilícito que tenha por fim proporcionar um benefício privado à custa do patrimônio público".

Jesus (2003, p. 2) faz distinção entre a "corrupção ordinária" e a "corrupção macroeconômica". De acordo com o autor, a primeira "configura a delinqüência comum"; já a segunda "se expressa por um número indeterminado de escândalos que, por seu volume e por girar sempre ao redor de uma inadequada e fraca fiscalização fiscal e aduaneira estatal, afeta o desenvolvimento do país, com gravíssimos danos à sua economia". Com efeito, tal distinção é pertinente, em especial porque a sociedade se volta, em geral, para aqueles atos de corrupção que fazem parte do folclore estatal: a realização de pequenos favores ou facilidades em troca de uns poucos reais, de carteiras de cigarros ou de garrafas de bebidas alcoólicas. Claro que, apesar do restrito dano à coletividade, tais comportamentos também devem ser banidos da administração pública. Entretanto, o que mais interessa, na verdade, é a prevenção a "corrupção macroeconômica", em especial porque há uma potencialidade ofensiva maior e porque estão envolvidas as esferas mais elevadas do poder.

Diferentemente da previsão legal, que tutela apenas a administração pública, o entendimento atual acerca do fenômeno da corrupção indica, de forma clara, que as conseqüências são mais amplas do se possa imaginar. Para a Assembléia Geral das Nações Unidas (RAMINA, 2002, p. 36):

[...] corrupção traz sérios problemas que podem comprometer a estabilidade e a segurança das sociedades, enfraquecer os valores democráticos e morais e desafiar o desenvolvimento social, econômico e político.

Deve ser ressaltado que a corrupção é problema de Estado, posto que a corrupção não é mera conduta praticada apenas contra a administração pública, mas contra a soberania do Estado, a estabilidade democrática, a sociedade, a segurança pública, os direitos de propriedade, a estabilidade econômica, a concorrência de mercado e, em especial, a segurança social.

2.1 PARA ALÉM DOS ASPECTOS JURÍDICOS DA CORRUPÇÃO

O Estado ao produzir o direito emite comandos ou regras que permitem, impõem ou vedam determinadas condutas. Tais regras são produzidas pelo Estado, como no caso de leis, medidas provisórias, decretos, dentre outras espécies normativas; ou por ente não-estatal autorizado a produzi-las, como no caso de convenções coletivas e contratos. Como fato social, a lei deve ser vista como a vontade geral da sociedade expressa em uma norma positivada, com a finalidade última de possibilitar a convivência do ser humano em sociedade.

Em sentido contrário, a corrupção representa, na verdade, a negação do direito positivado, a partir práticas ofensivas às disposições normativas necessárias à existência humana em sociedade. Para Ramina (2002, p. 42) a "corrupção traz arbitrariedade e resulta na negação da norma legal".

O crime de corrupção encontra-se tipificado no Código Penal, conforme disposições a seguir transcritas:

Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de um a oito anos, e multa.

§ 1°. A pena é aumentada de um terço se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2°. Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

[...]

Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena – reclusão, de um a oito anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o prática infringindo dever funcional.

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No primeiro caso, tem-se a corrupção passiva e, no segundo caso, a corrupção ativa. Contudo, outros tipos legais podem ser encontrados no Código Penal, que também tipificam comportamentos danosos à administração pública, tal como o crime de concussão, tipificado no art. 316, do Código Penal:

Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.

§ 1°. Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:

Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.

§ 2°. Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Verifica-se a proximidade dos tipos penais previstos nos caput dos arts. 316 e 317, ambos do Código Penal. A diferença básica encontra-se especificada no tipo objetivo, cujo núcleo previsto, no primeiro caso, é ação de exigir vantagem indevida e, no segundo caso, as ações de solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida.

Em relação à atividade tributária faz-se necessário um breve parêntese, já que a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, reuniu os dois tipos penais, concussão e corrupção passiva, passando a prever um novo tipo penal específico, denominado de crime contra a ordem tributária praticado por funcionários públicos:

Art. 3º. Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal (Título XI, Capítulo I):

[...]

II – exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente;

Pena – reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

[...]

Deve-se ressaltar que o tipo penal previsto neste artigo restringe-se exclusivamente a comportamentos comissivos ou omissivos que resulte em não lançamento do tributo ou contribuição social [02]; ou em não cobrança, parcial ou total, de tributo.

No caso de outros comportamentos vedados, mesmos aqueles de interesse da administração tributária, que não guardem relação com o lançamento tributário ou a cobrança de tributos, apesar de praticados por autoridades fazendárias, não poderão ser tipificados como crime contra a ordem tributária, mas como crime de concussão ou corrupção passiva, dispostos nos artigos 316 e 317, do Código Penal.

Apesar da existência de tipos legais, o crime de corrupção apresenta uma particularidade: a imensa dificuldade de produção de provas. Na seara tributária esta natureza fica ainda mais evidente. Em adição à dificuldade de produção de provas que comprovem o cometimento dos crimes de concussão, corrupção passiva, corrupção ativa e outros crimes contra a ordem tributária, depara-se com outros problemas que o texto rígido da lei não pode alcançar, tais como a impossibilidade de rastreamento, uma vez que os recursos envolvidos ainda não integram o patrimônio estatal; ou a não vedação em lei de sutis comportamentos danosos à Fazenda Pública, denominados de interesses político-privado-econômicos.

É dentro deste último contexto, com a finalidade de alcançar aquelas condutas não tipificadas como crime, que emerge posicionamento doutrinário que amplia a concepção de corrupção, para atingir todos os atos danosos ao Estado, independentemente de previsão ou não em lei, conforme esclarece Brüning (1997):

Do ponto de vista político consideramos corrupção a conduta que, na concepção da sociedade, seja ilegítima por pretender um benefício privado à custa do interesse público, não importando se sancionada ou não pelo Direito.

Segundo Jordão (2000, p. 10):

Há autores que entendem corrupção como sendo os atos que ferem as normas de funcionamento da administração pública e privilegiam fins privados. Outros acham que corrupção é algo mais amplo: diz respeito aos atos que vão contra o interesse público de uma maneira mais geral [...]

A idéia de ampliar o conceito da corrupção decorre da visão mais pragmática do Direito, uma vez que a norma positivada não consegue alcançar a totalidade dos comportamentos danosos à administração pública. Ressalta-se, então, a impossibilidade de subsunção da ocorrência concreta ao tipo penal de algumas condutas, já que os comportamentos previstos nos núcleos dos tipos objetivos não coincidem com os realizados: exigir, solicitar ou receber vantagem indevida.

O exemplo mais consolidado vem da sempre problemática tênue separação entre "subordinação" decorrente da relação de trabalho e "atendimento" da vontade político-hierárquica, que resulta em atos de fazer, não fazer ou tolerar, tudo para concretizar, no seio da administração pública, interesses político-privado-econômicos escusos.

2.2 AGENTES DA CORRUPÇÃO

A corrupção não é comportamento exclusivo do setor público, mas de toda a sociedade. A separação dos ambientes públicos e privados é uma mera divisão didática. Em qualquer situação, os agentes que dirigem os espaços públicos e privados são seres humanos e, portanto, pertencentes a uma mesma sociedade.

Para Ramina (2002, p. 25) a "corrupção pode ser vista como um fenômeno da sociedade e, nesse sentido, o conceito ‘corrupção sistêmica’ emerge", de modo que não existe corrompido público se não houver corruptor privado. O Banco Mundial também partilha desta visão:

As causas da corrupção são complexas e podem ser traçadas de um colapso nas relações entre os setores público e privado. Corrupção é um sintoma da disfunção institucional, que prospera onde as medidas econômicas são ditadas inadequadamente, os níveis de educação e a responsabilidade das instituições públicas é fraca. (apud RAMINA, 2002, p. 35).

Na corrupção os interesses entre agentes públicos e privados são indissociáveis. Talvez aqui resida o cerne do problema: a prevenção da corrupção não poderá prever medidas que envolvam apenas o setor público. Faz-se necessário que o setor privado, principal agente fomentador da corrupção, seja igualmente tratado por seu comportamento danoso à sociedade. Neste sentido, Ramina (2002, p. 41) diz:

[...] mais recentemente a corrupção veio a cercar os comportamentos no âmbito exclusivamente privado. Por conseguinte, o setor privado tornou-se também um elemento na definição de corrupção. Isto é relevante, já que as distinções entre os setores público e privado foram obscurecidas pela privatização [...]

Embora não haja consenso em se incluir o setor privado na definição de corrupção, conceitualmente, no entanto, é geralmente aceito o fato de que no âmago do problema está alguma forma de abuso de poder ou improbidade no processo de decisão.

A visão publicista da corrupção é demasiadamente pequena, uma vez que restringe a análise detalhada do problema. A visão deturpada do fenômeno da corrupção tem produzido algumas aberrações, como, por exemplo, induzir a idéia de que a corrupção depende exclusivamente das esferas governamentais. Portanto, a premissa que fundamenta a visão pública do fenômeno induz a aceitar a corrupção apenas como sendo um comportamento de governo ou inerentes aos Poderes do Estado. Na verdade, a corrupção reproduz os valores de cada sociedade, sendo que a intolerância à mesma depende, única e exclusivamente, da aceitação social destes comportamentos infracionais.

Dessa forma, a iniciativa privada passa a ser agente prioritário nos programas de prevenção da corrupção: primeiro, porque é a grande fomentadora da corrupção; e segundo, porque é beneficiária direta dos efeitos da corrupção.

2.3 DANOS COLETIVOS CAUSADOS PELA CORRUPÇÃO

Um dos desdobramentos mais perversos do fenômeno da corrupção é aquele que afeta o desenvolvimento humano. Como fator determinante da qualidade de vida do ser humano, a corrupção tem íntima relação, dentre outras situações, com a ausência social do Estado, com a pobreza e com a má distribuição de renda, enfim com todas as formas de vulnerabilidade social. Neste sentido, a corrupção deixa de ser compreendida como mera conduta de subtração de recursos públicos, passando a ser elemento de fomento a injustiças sociais.

A expressão injustiça social se presta a indicar várias situações de privação e vulnerabilidade social. Como fenômeno multidimensional e dinâmico, a injustiça social advém, via de regra, do esgotamento das políticas públicas.

Entende-se como injustiça social todo acontecimento capaz de atingir a dignidade humana, dentre elas a pobreza, a concentração de renda e a exclusão social, o não acesso aos serviços públicos, como educação e saúde, e a impossibilidade de desenvolvimento social.

Dentro deste contexto, a Convenção Interamericana contra a corrupção, em seu preâmbulo, diz que a "corrupção solapa a legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e justiça, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos".

A OEA (RAMINA, 2002, p.72) afirma que "as práticas corruptas distorcem o processo de desenvolvimento integral a partir do desvio de recursos que seriam necessários para o desenvolvimento das condições econômicas e sociais dos povos". Nessa mesma perspectiva, Carnaúba (2000, p. 22-23) assevera que:

O desfalque das verbas do erário reflete-se diretamente na prestação dos serviços estatais destinados à materialização de alguns dos princípios fundamentais, tutelados pela Constituição, como os referidos no art. 3º desse diploma legal. Em função desses princípios, o Estado tem não somente o poder de punir, mas, acima de tudo, o dever de fazê-lo.

Se o Estado não consegue prestar tais serviços conforme deveria, em função dos prejuízos causados às verbas públicas pelos crimes contra o erário, a população destinatária daqueles serviços estará sendo excluída em seu direito à assistência estatal.

Por sua vez, Jesus (2003, p. 2) aponta outros os inconvenientes coletivos produzidos pela corrupção:

1º) incremento da sonegação de impostos: os funcionários públicos, em face da corrupção, não escolhem os melhores contratos para seu país, mas sim os mais lucrativos para eles próprios; em conseqüência, o Governo arrecada menos impostos e gasta mais;

2º) a economia de mercado não funciona: conseguem melhores contratos, não as mais produtivas companhias, mas as que sabem negociar com as autoridades;

3º) o investimento externo é reduzido porque o suborno apresenta o mesmo efeito de um imposto: configura um custo a mais no balanço das companhias.

Enfim, o custo social da corrupção é enorme, em especial para aquelas nações em desenvolvimento, que ostentam ainda uma indesejável quantidade de pessoas à beira da pobreza e da miséria. De acordo com Gialanella (apud JESUS, 2003, p. 3), a "corrupção prejudica o progresso das nações e, a par da impunidade que a acompanha, debilita as instituições e a moral pública, gerando alto custo, responsável pelo empobrecimento do povo".

O fenômeno da pobreza pode ser compreendido dentro de duas acepções: a absoluta, que associa a pobreza "[...] ao não atendimento das necessidades vinculadas ao mínimo vital" (ROCHA, 2005, p. 11); e a relativa, não mais vinculada à sobrevivência do ser humano, mas ao não atendimento das necessidades individuais dentro de um determinado contexto social.

A pobreza também apresenta outros desdobramentos sociais, representando importante mecanismo de incremento da vulnerabilidade social. A face mais evidente da pobreza evidencia-se através da exclusão social.

A exclusão social é definida como "[...] produto do mundo contemporâneo e a baixa renda passa a ser um dentre um conjunto de outros elementos e condições que potencializam situações de risco e vulnerabilidades" (CARNEIRO; COSTA, 2003, p. 10).

Para Subirats (apud CARNEIRO; COSTA, 2003, p. 10), a exclusão social é:

[...] a impossibilidade ou dificuldade intensa de se ter acesso aos mecanismos de desenvolvimento pessoal e à inserção sócio comunitária e a sistemas pré-estabelecidos de proteção.

Segundo Campos et al (2003, p. 54), "[...] ao conjunto dos tradicionais ‘despossuídos’ do passado, agora se junta uma legião de ‘deserdados’, às vezes com níveis médios de instrução relativamente elevados [...]". Esse fenômeno é registrado nas regiões sul e sudeste do Brasil, onde "[...] um grande número de indivíduos, apesar de escolarizados, de terem experiência de assalariamento formal e possuírem famílias pouco numerosas, encontra-se em situação de desemprego e insuficiência de renda" (POCHMANN; AMORIM, 2003, p. 73).

De forma diversa, as regiões norte e nordeste apresentam um modelo de exclusão social mais amplo, que não se encontra vinculado apenas à ausência de renda. Neste caso, "[...] a vulnerabilidade social, de origem antiga, reflete-se hoje, entre outros aspectos, por um acesso muito restrito à educação, à alimentação, ao mercado de trabalho e ou outros mecanismos de geração de emprego e renda" (POCHMANN; AMORIM, 2003, p. 73).

A conceituação de exclusão social se relaciona, primordialmente, com o estado de pobreza e a ausência social do Estado. Neste sentido, Dupas (2001, p. 34) aponta:

[...] a pobreza como a principal dimensão da exclusão. O enfoque mais conveniente é a pobreza vista como dificuldade de acesso real aos bens e serviços mínimos adequados a uma sobrevivência digna. Nas sociedades contemporâneas, esse acesso é balizado por duas vertentes: a renda disponível, normalmente fruto do trabalho, e as oportunidades abertas pelos programas públicos de bem-estar social (welfare state).

Assim, é admitida a possibilidade de que determinado indivíduo, apesar de possuir renda, venha a ser excluído, por exemplo, da prestação de serviços públicos pelo Estado. Esse é, sem dúvida, na atualidade outro importante fator determinante da exclusão social: a presença pífia do Estado como ente indutor de progresso e bem-estar social, especialmente pela ausência de políticas públicas de combate à pobreza e à ausência de renda.

Existe uma manifesta relação (inversa) entre qualidade dos benefícios sociais ofertados pelo Estado e a corrupção. Neste caso, o Estado torna-se agente indutor de desigualdades sociais intransponíveis. Neste sentido, Jordão (2000, p.19) diz:

[...] a opinião pública parece já ter hoje a percepção de que a corrupção não envolve apenas questões morais ou éticas, mas prejuízos reais para a sociedade, que se traduzem em obras não realizadas, ou mal feitas, serviços públicos deficientes, entre outros problemas.

Com efeito, a subtração de recursos tributários tem o condão de fomentar a vulnerabilidade social, decorrente da impossibilidade financeira de o Estado ofertar à sociedade serviços e bens públicos necessários ao desenvolvimento social e ao bem-estar da coletividade.

Outro fator social relevante induzido pela corrupção é o incentivo à concorrência desleal entre as diversas unidades produtivas privadas, tendo em vista que aqueles agentes privados que corrompem conseguem vantagens indevidas que irão determinar sua permanência no mercado, provocando sérios problemas econômicos, tais como o fechamento de empresas e o desemprego.

2.4 CORRUPÇÃO E CRIME ORGANIZADO

É preocupante o vínculo que se estabelece entre corrupção e crime organizado. A corrupção, além de desviar recursos públicos, tem o condão de possibilitar a legalização de recursos advindos da atividade criminosa organizada. Ramina (2002, p.37) é incisiva ao afirma que a "corrupção é condição necessária para que o crime organizado opere".

Aliás, este não é um fenômeno local ou regional, mas mundial. Segundo Castells (2003, p. 305, v. 2):

A importância do fenômeno, seu alcance global, as dimensões de sua riqueza e influência e seus sólidos vínculos com o mercado financeiro internacional tornaram as relações entre o crime e a corrupção política uma característica que pode ser identificada em muitos dos principais países do mundo.

O tema crime organizado já traz preocupação à Organização das Nações Unidas (RAMINA, 2002, p. 37), que alerta:

O risco é que, devido ao imenso poder que alguns grupos dispõem, o crime organizado pode vir a adquirir poder tão amplo que eles comprometeriam completamente e destruiriam instituições, com conseqüências extremas para a democracia e para a norma legal.

Segundo Jordão (2000, p. 8), a Organização das Nações Unidas "decidiu classificar como delituosos os atos de corrupção vinculados ao crime organizado e redobrar os esforços para combater a corrupção no mundo".

Teixeira (2001) afirma que:

[...] a corrupção prejudica a todos, criando obstáculos às relações comerciais entre Estados e suas empresas, facilitando a prática de outros crimes, como o narcotráfico e a ‘lavagem’ de dinheiro.

A associação entre corrupção e crime organizado floresce em campo fértil e com parca legislação específica. Só agora se desperta para a gravidade da situação, posto que apenas medidas acanhadas são tomadas em sentido de coibir o uso indevido da máquina estatal para legalizar recursos escusos.

No Brasil o problema ganha contornos alarmantes, a tal ponto do crime organizado já disputar sua presença em pé de igualdade com o poder legalmente constituído. O braço assistencialista do crime organizado já atinge boa parte da população mais carente das grandes cidades brasileiras, provocando uma relação de aceitação entre população e crime organizado.

De tudo, o mais inusitado ainda é a aceitação social de determinados padrões de conduta de agentes públicos e/ou políticos que possibilitam a promoção de atividades ilegais que ofendam duplamente a sociedade: primeiro, por subtrair recursos públicos; segundo, por possibilitar que o crime organizado legalize os recursos advindos de suas atividades criminosas, que, posteriormente, serão utilizados contra a própria sociedade através do financiamento do tráfico de armas, de drogas, de seqüestros, assaltos e assassinatos, dentre outros.

Sobre o autor
Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. Corrupção política e atividade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2413, 8 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14317. Acesso em: 27 dez. 2024.

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