6. Apoiadores e opositores do financiamento exclusivamente público dos partidos das campanhas eleitorais
Uma das maiores vozes contra o abuso do poder econômico e político nas eleições é o Ministro Sepúlveda Pertence, que já definiu o tema de varias formas, seja como "a erva daninha da democracia" ou como "o desafio maior do aperfeiçoamento do processo político" [17]. Em entrevista no dia 27/07/2004 ao programa Roda Viva transmitido pela TV Cultura em São Paulo, o ministro falou sobre financiamento público das campanhas, prestação de contas e caixa dois. Deixou claro a sua posição quando disse: "o financiamento público me parece uma solução adequada e profundamente econômica", tendo em vista que o financiamento das campanhas se transformou num investimento de dinheiro lícito e de dinheiro ilícito devido aos altos custos da campanha política eleitoral. Observou que a prestação de contas à Justiça Eleitoral vem se aperfeiçoando a cada dia e que hoje não é mais tão fácil quanto antigamente brincar de prestar contas. Apesar disso, ele ressalta que ainda é muito difícil evitar o "caixa dois" e garantir total transparência ao financiamento eleitoral, e que é preciso agravar as punições quando as contas de um candidato são rejeitadas e, sobretudo, investir na seriedade da fiscalização dos gastos eleitorais.
Outro grande defensor da ideias é o professor Mauro Almeida Noleto, que, de maneira peremptória, guarda a defesa do financiamento público das campanhas. Acredita "não haver outra forma de combater essa crônica do escândalo anunciado senão extinguindo por completo o financiamento privado" [18], fazendo isso com a devida fiscalização por meio da Policia Federal, do Ministério Publico, do Tribunal de Contas, do Tribunal Superior Eleitoral, etc. Enfim deve-se pôr todos os olhos em cima dos recursos destinados aos partidos.
O deputado Ronaldo Caiado, lembra que o financiamento exclusivamente público das campanhas tem que ser observado dentro de um conjunto de medidas que devem ser discutidas integradamente e não há falar em financiamento exclusivamente público sem sistema de votação em lista fechada, de modo a fortalecer os partidos ou federações e facilitar a fiscalização das movimentações financeiras das agremiações. Em breves palavras, os defensores argumentam que excluído o financiamento particular: 1º) reduzirão os custos das eleições, aproximando as chances de eletividade dos concorrentes; 2º) elevará o nível das campanhas, evitando-se a guerra de propagandas de nível não compatível com as disputas eleitorais; e 3º) facilitará a fiscalização das contas dos partidos, uma vez que serão em quantidade correspondente ao numero de partidos e os recursos disponibilizados serão sabidos.
Há, no entanto, quem não concorde com a proposta, como é o caso do cientista político David Samuels da Universidade de Minnesota (USA), que em debate no Congresso Nacional em 2003 manifestou-se contrário a adoção da medida no Brasil, segundo ele "as experiências demonstram ser muito difícil eliminar a influência dos interesses econômicos da política. Na Itália, o financiamento da campanha foi instituído em 1974 e, em 1993, entrou em colapso, sendo substituído pelo sistema misto", para o cientista, o financiamento público exclusivo poderá incentivar a corrupção ao invés de combatê-la.
Outro opositor é Mauricio Dias, que verifica que um dos maiores erros da proposta é que ela, sem querer, pode criar uma armadilha para os partidos, "ao apontar o orçamento como fonte de recursos para o financiamento público, deixa o político a mercê dos interesses do Executivo" [19], que nos tempos de crise, ou mesmo do crônico aperto fiscal, o orçamento previsto para financiar as eleições, "ficará mais apetitoso aos olhos de qualquer governante, que terá, na liberação dos recursos, um instrumento a mais de pressão e de corrupção do Legislativo".
Outra crítica que se faz à proposta se refere à distribuição dos recursos entre as agremiações partidárias, considerando que na proposta a repartição deverá ser feita proporcionalmente de acordo com a representação de cada partido no Congresso, o que acabará indubitavelmente privilegiando as grandes agremiações partidárias, situação esta agravada com a adoção da cláusula de barreira. Resumem-se então algumas criticas à proposta de financiamento público: 1) não evitará a prática do caixa dois e poderá até mesmo incentivar a corrupção; 2) submete sobremaneira os partidos políticos ao Executivo, ficando presos à liberação dos recursos; 3) manutenção da desigualdade de recursos entre os partidos com grande representação e os de pequena representatividade popular.
7. Posicionamento pessoal
No quadro político em formação hoje, afere-se a necessidade real de uma reforma na política brasileira. Todos os dias, escândalos envolvendo nossos representantes evidenciam essa realidade. Necessita-se buscar maior rigor nas punições aos políticos que transgridem a lei e na fiscalização de sua aplicação.
Ficou claro e evidente que o financiamento exclusivamente público das campanhas facilitaria o controle das contas dos partidos, todavia não impediria o financiamento privado e o uso do dinheiro não contabilizado.
Os defensores da proposta alegam que uma regra imposta para evitar certo tipo de conduta não impede que ela ocorra. A pergunta é: como proibir radicalmente uma conduta já legitimada pelo costume, pela prática reiterada de séculos? Acreditamos que para a adoção da medida seria necessário um consenso geral dos políticos e da sociedade, sob pena de a medida adotada ser mais uma daquelas "que não pegam", mais uma lei promulgada não observada de fato, seria retrocesso ao período das legislações casuísta, da legislação por conveniência, para acalmar o povo e dar a impressão de moralização do sistema, mas que na verdade não ensejaria nenhuma mudança real.
Em consonância com José Antônio Dias Toffoli, acreditamos no sistema misto para o financiamento das campanhas, com a imposição de limites determinados tanto para o financiamento privado quanto para o público, e principalmente para os gastos dos partidos. Qual o objetivo de impedir o cidadão de contribuir com a campanha do partido com que se identifica, se o financiamento proveniente exclusivamente dos cofres público não vai evitar a prática de caixa dois? O que se deve impedir é o abuso, são as contribuições vultosas, aquelas que podem vir a influenciar no resultado, desequilibrar o pleito. Não é concebível a imposição de limites que diferenciam a pessoa física e a pessoa jurídica. Enquanto a física pode doar até 10% da renda, a jurídica pode doar até 2% do faturamento. A lei não pode discriminar. Quem tem mais rendimentos pode doar mais, quem tem menos tem que doar menos, se esta é uma realidade social, a lei deve buscar o equilíbrio, deve-se impor os limites absolutos e não relativos, de modo a buscar a aplicação do principio da igualdade do voto.
Outro ponto essencial é a transparência das movimentações financeiras, não deve regulá-las de modo extremo, deve-se criar incentivos aos partidos e àqueles que contribuem, como, por exemplo, faz a Alemanha, que prevê um sistema de isenção fiscal, em percentual decrescente em função do valor da doação, com a finalidade de desestimular as doações de quantias vultosas, ao mesmo tempo em que incentiva pequenas doações, como forma de minimizar a influência dos mais abastados nos resultados eleitorais.
Um outro aspecto original de incentivo às doações privadas e à transparência do financiamento consiste no fato de que, para cada doação privada, o governo transfere ao partido um determinado valor, proporcional ao recebido do particular, de modo que o próprio partido tem interesse em declarar todos os valores recebidos. Para ter direito a esse "plus" no financiamento estatal e também para que o particular obtenha a isenção fiscal, a doação deverá constar do livro de contas do partido, com identificação completa do doador.
E por fim, a fonte de êxito de todo sistema: fiscalização e punição. A diferença que há entre fiscalizar a proibição e incentivar impondo limites é que o incentivo inibe a quebra de regras, o partido terá interesse em não quebrá-las porque terá vantagens se não o fizer [20], enquanto que na fiscalização pura e simples das proibições, encontrará a resistência dos partidos que buscarão meios para conseguir executar seus objetivos, ocorrendo aí a quebra das regras.
No dia 01/06/2007 o Deputado Flavio Dino, do PCdoB no Maranhão, apresentou no plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.205/07, que segundo ele, é uma fase de transição até a aprovação do financiamento público exclusivo das campanhas.
No seu projeto, ele destaca o limite de gastos nas campanhas eleitorais de candidatos a Presidente República, Governador de Estado e do Distrito Federal, Senador e Deputados Federal, Estadual e Distrital terá como base o gasto médio das eleições realizadas em 2006. No mesmo sentido, o limite dos gastos de campanha para Prefeito e Vereador será baseado no que foi gasto nas eleições de 2004. A atualização monetária dos valores ficará a cargo da Justiça Eleitoral. Ademais, o projeto também propõe que até 30% do valor das doações de pessoas físicas ou jurídicas, bem como os gastos efetuados pelos candidatos com recursos próprios, sejam reembolsados pelo Tesouro. Ao mesmo tempo, também procura tornar mais baixos os valores das doações de pessoas físicas e jurídicas, vinculando-os às suas faixas de renda ou de faturamento. No caso das pessoas físicas, a doação é limitada a R$ 50 mil e, no das jurídicas, a R$ 500 mil. As pessoas jurídicas ainda terão outra limitação: a cada doação efetuada ao candidato, terão que depositar o mesmo valor para o Fundo Partidário, que não será contabilizado para fins de reembolso. O projeto de Flávio Dino ainda veda a utilização de propaganda de qualquer tipo em muros, fachadas e telhados de bens particulares.
Acreditamos que o caminho mais acertado no momento seja estabelecer um teto para os gastos nas campanhas eleitorais, limitar o valor das doações privadas, criar incentivos para que os partidos e financiadores registrem as doações, fiscalizar e investigar as contas apresentadas pelos partidos por todos os órgãos competentes, Justiça Eleitoral, Tribunal de Contas, Ministério Público, Policia Federal, e por fim, o nosso sistema processual tem que ser alterado para que a haja a efetiva punição dos acusados. Sem um sistema punitivo eficaz, o embate entre os tipos de financiamento de campanha público, privado ou misto, é inóquo, visto que a sanção [21] que teria a função de garantir o cumprimento da regra passa a ser apenas mais um elemento formal da norma. Seja qual for o método utilizado para o financiamento das campanhas eleitorais, é mister a exigência do cumprimento da lei, todavia, visto o nosso falho sistema processual penal, a maneira mais eficaz de se cumprir uma regra é oferecendo benefícios (em semelhança ao sistema Alemão).
Sendo assim, ante o exposto em um primeiro moment,o nos inclinamos ao projeto do Deputado Flavio Dino, que busca transparência, limites de gastos e igualdade no valor das doações, de maneira a incentivar que os partidos sejam os primeiros a praticar o controle e dar publicidade dos seus gastos e arrecadações.
REFERÊNCIAS
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Notas
- Bobbio, Norberto. Dicionário de política. 5. ed. São Paulo: UnB, 2000, pág. 954: "tratada modernamente como a atividade ou o conjunto de atividades que têm como termo o Estado".
- Sartori, Giovanni. Engenharia Constitucional. Brasília: UnB, 1996, pág. 159
- idem p. 159
- Pertence, Sepúlveda. Abertura do II Seminário dos Tribunais e Organismos e Eleitorais do Mercosul. Paraná: 2004.
- Dias, Mauricio. A mentira das urnas: crônica sobre dinheiro e fraude nas eleições. São Paulo: Editora Record 2004, pág.13.
- Pacheco, Cid. Marketing político: Hegemonia e contra-hegemonia. Ed. Fundação Perseu Abramo 2002, pág. 70.
- Palmério, Mario. Vila dos confins. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1981, pág. 248-49.
- Leal, Vitor Nunes, apud Mauricio Dias. A mentira das urnas: crônica sobre dinheiro e fraude nas eleições. São Paulo: Record 2004.
- Nicolau, Jairo. Historia do voto no Brasil. ed. Jorge Zahar 2002, pág.45-46
- idem. pág.71
- Dias, Mauricio. A mentira das urnas: crônica sobre dinheiro e fraude nas eleições. Ed. Record 2004, pág.13.
- Mendes, Antonio Calos. Apontamentos sobre o abuso do poder econômico em matéria eleitoral. Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral, São Paulo, V.1, nº. 3, pág. 24-31, maio 1988.
- Sartori, Giovanni, Engenharia Constitucional. Ed. UnB1996, pág. 161
- Lima, Sídia Maria Porto. O controle jurídico da movimentação de
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- AVRITZER, Leonardo; Anastásia, Fátima (org.). Reforma Política no Brasil: O financiamento de Campanhas eleitorais. Belo Horizonte: UFMG, 2006, pág. 153-158.
- AVRITZER, Leonardo; Anastásia, Fátima (org.). Reforma Política no Brasil: O financiamento de Campanhas eleitorais. Belo Horizonte: UFMG, 2006, pág. 156.
- PERTENCE, Sepúlveda. Entrevista ao programa "Roda Viva" transmitido pela Rede Cultura. Brasília, 2004. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/downloads/eleicoes2004/radio_tse/jul2004/julho_27.html>. Acesso em 20/05/2008.
- Noleto, Mauro de Almeida. Financiamento Privado: quem paga a conta é o contribuinte. Este texto está postado na seção "a propósito" do site www.a-ponte.aponte.blogspot.com.
- Dias, Mauricio. A mentira das urnas: crônica sobre dinheiro e fraude nas eleições. Ed. Record 2004, pág. 160.
- Maquiavel diz na sua obra O Príncipe, que um homem sempre deve buscar o interesse do outro homem para conseguir colaboração. É necessário que os partidos tenham interesses em contabilizar os recursos recebidos, sem que seja necessário cercear o direito do eleitor de participar financeiramente da política, de outro modo, a fiscalização nunca será suficiente para apurar o que a lei dispõe.
- Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito. Saraiva 2004, pág. 72.