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O problema da modulação "pro futuro" dos efeitos da decisão no controle de constitucionalidade brasileiro

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Agenda 03/04/2010 às 00:00

2 Modulação dos efeitos da decisão e ponderação de valores.

Como visto no capítulo anterior, o cerne da modulação dos efeitos da decisão em controle de constitucionalidade está na "ponderação de valores" cultuada por grande parte da doutrina nacional. Ademais, com o advento da Lei 9.868/99 (art. 27), tornou-se possível o balanceamento da supremacia constitucional em face de razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, por meio da fixação pro futuro dos efeitos da declaração da inconstitucionalidade da norma.

O que seria, então, "ponderar valores"?

Para Canotilho, "as idéias de ponderação (Abwägung) ou de balanceamento (balancing) surgem em todo o lado onde haja necessidade de ‘encontrar o direito’ para resolver ‘casos de tensão’ (Ossenbühl) entre bens juridicamente protegidos" (CANOTILHO, 2003, p.1236-1237).

Segundo o autor lusitano, várias razões existem para o relevo da ponderação no direito constitucional:

(1) inexistência de uma ordenação abstracta de bens constitucionais o que torna indispensável uma operação de balanceamento desses bens de modo a obter uma norma de decisão situativa, isto é, uma norma de decisão adoptada às circunstâncias do caso; (2) formatação principal de muitas das normas do direito constitucional (sobretudo das normas consagradoras do direito constitucional) o que implica, em caso de colisão, tarefas de "concordância", "balanceamento", pesagem", "ponderação" típicas dos modos de solução de conflitos entre princípios (que não se reconduzem, como já se frisou, a alternativas radicais de "tudo" ou "nada"); (3) fractura da unidade de valores de uma comunidade que obriga a leituras várias dos conflitos de bens, impondo uma cuidadosa análise dos bens em presença e uma fundamentação rigorosa do balanceamento efectuado para a solução dos conflitos (CANOTILHO, 2003, p.1237).

Já na concepção de Barroso e Barcellos, as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo de uma interpretação puramente exegética. Afirmam que, em muitos casos, não será possível encontrar no sistema, em tese, a solução adequada, pois esta somente poderá ser formulada à vista dos elementos do caso concreto, que permitam afirmar a solução que corresponde à vontade constitucional. Também se leva em consideração o resultado do processo interpretativo, seu impacto, a saber se o produto da incidência da norma sobre o fato realiza "finalisticamente" o mandamento constitucional (BARROSO; BARCELLOS, 2005).

No mais, impende trazer à colação as ideias de Konrad Hesse. Segundo este teórico, a Constituição não propõe a pretensão de uma ausência de lacunas ou de unidade sistemática. Afirma que, para que ela possibilite o vencimento da multiplicidade de situações problemáticas que se transformam historicamente, seu conteúdo deve ficar necessariamente "aberto para dentro do tempo". Entretanto, tal abertura não pode significar dissolução em uma dinâmica total, na qual a Constituição não estaria em condições de dar à vida da coletividade apoio dirigente. Por conseguinte, a Constituição determina não só o que deve ficar aberto, mas também determina com obrigatoriedade o conteúdo que não deve ficar aberto (HESSE, 1998).

Voltando à descrição do método de balancing, Canotilho afirma que este, de modo a não servir de abertura a uma justiça "casuística", exige uma cuidadosa topografia do conflito e uma justificação da solução através da ponderação. Necessário se faz esclarecerem-se dois pontos: (1) se e em que medida a área ou esfera de um direito se sobrepõe à esfera de um outro direito; (2) qual o espaço remanescente aos dois bens conflitantes além da zona de sobreposição (CANOTILHO, 2003).

Identificando-se o âmbito normativo dos bens em tensão, as questões poderão resolver-se nesta primeira abordagem. O teste de razoabilidade poderá permitir que se descubra o desvalor constitucional de alguns interesses que teriam sido invocados como dignos de proteção e em conflito com outros. Por outro lado, o teste de razoabilidade permite excluir a existência de um verdadeiro conflito, pelo fato de um dos direitos invocados não se "enquadrar" na esfera de proteção constitucional (CANOTILHO, 2003).

Este teste de razoabilidade não é um modelo de ponderação, em muitos casos não se distinguindo do procedimento interpretativo em sentido estrito. Apenas delimita o âmbito de proteção de uma norma constitucional, estabelecendo o que entra nesse âmbito e o que fica fora. É o que a doutrina americana designa por definitional balancing (CANOTILHO, 2003).

Segundo Barroso e Barcellos, a técnica da ponderação envolve normas de mesma hierarquia, que, todavia, tutelam valores distintos e apontam soluções diversas e contraditórias (BARROSO; BARCELLOS, 2005).

Daí que, em um primeiro "teste de razoabilidade" visualiza-se a impossibilidade de se ponderar o chamado "princípio da supremacia constitucional" com outros valores constitucionalmente assegurados. Isto porque, a supremacia da Constituição "é elemento essencial à constituição do código de funcionamento do Direito. Um código binário que separa o lícito/constitucional do ilícito/inconstitucional" (CRUZ, 2004, p. 242).

2.1 A impossibilidade de flexibilização da supremacia constitucional.

Para Hans Kelsen, a noção de Constituição, através das múltiplas transformações por que passou, conservou um núcleo permanente:

A idéia de um princípio supremo determinando a ordem estatal inteira e a essência da comunidade constituída por essa ordem. Como quer que se defina a Constituição, ela é sempre o fundamento do Estado, a base da ordem jurídica que se quer apreender. O que se entende antes de mais nada e desde sempre por constituição – e, sob esse aspecto, tal noção coincide com a de forma do Estado – é um princípio em que se exprime juridicamente o equilíbrio das forças políticas no momento considerado, é a norma que rege a elaboração das leis, das normas gerais para cuja execução se exerce a atividade dos organismos estatais, dos tribunais e das autoridades administrativas" (KELSEN, 2003, p. 130-131).

Irrazoável, portanto, proceder à ponderação da supremacia constitucional com os mencionados "interesse social" e "segurança jurídica", pois, como explanado anteriormente, não está em posição hierárquica equiparada aos demais. Além do que, não seria possível formular um exemplo hipotético no qual "supremacia constitucional", "segurança jurídica" e "interesse social" tutelem valores distintos e apontem soluções diversas e contraditórias.

A supremacia constitucional é a grande tutora de todos os bens constitucionalmente previstos (expressa ou implicitamente). É fundamental pensar na "segurança jurídica" e no "interesse social" a partir da garantia de constitucionalidade.

Essencial para este estudo é a diferenciação que faz Jorge Miranda entre "garantia da Constituição" e "garantia da constitucionalidade". Para o autor, a garantia da Constituição é a da Constituição no seu todo. Já a garantia da constitucionalidade seria a garantia de que cada relação jurídica é regida por uma norma conforme ao dispositivo constitucional e de que o ato praticado é permitido pela Constituição. Portanto, a primeira implicaria na segunda, pois a Constituição existe para ser interpretada e aplicada. Por outro lado, a garantia da constitucionalidade volta-se para a garantia de Constituição, pois a validade de cada norma e de cada ato jurídico-público encontra-se na validade da própria Constituição (MIRANDA, 1996).

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Em vista da mencionada distinção, conclui que uma norma ou um ato inconstitucionais afetam toda a Constituição, representando uma quebra na integridade do seu sistema. No entanto, pela inconstitucionalidade transgride-se uma norma constitucional, uma a uma, não se transgridem todas ao mesmo tempo e de igual modo. A importância dessa observação está no fato de que, quando se dá ou deixa de se dar a inconstitucionalidade, a Constituição permanece. Por isso, tem-se como garantia juridicamente relevante a garantia da constitucionalidade, e não a garantia da Constituição (MIRANDA, 1996).

Com efeito, ainda que a Constituição subsista em face da inconstitucionalidade de determinado ato normativo, é imperativo que essa inconstitucionalidade seja declarada e a norma seja expurgada do ordenamento jurídico, do contrário a garantia de constitucionalidade torna-se débil e, por conseguinte, anulada a ideia de supremacia constitucional.

Conforme tese oposta, Cristina Queiroz afirma que no campo de operatividade do Estado Social tende-se a conceder um amplo espaço de liberdade de conformação ao legislador, declarando-se unicamente como inconstitucionais os atos que não possam ser justificados de um ponto de vista de direito constitucional, e não quando confrontam com uma específica concepção constitucional. Assim, somente é declarada a inconstitucionalidade da norma quando esta não servir a nenhum interesse ou fim público relevante (QUEIROZ, 2000).

Para Jorge Miranda, um sistema de garantia da Constituição como totalidade é inconciliável com o Estado Constitucional. Em um sistema de garantia da Constituição, relega-se para segundo plano saber se a norma ou o ato jurídico-público estão em harmonia com uma norma constitucional, porque o que sobressai é o sentido constitucional geral. Daí a condução a duas consequências contrárias ao Estado Constitucional: o esvaziamento da garantia nas relações jurídicas (e relações jurídico-públicas), e o arbítrio (ou a paralisação) dos órgãos de garantia. O autor esmiúça: o esvaziamento da garantia provém de se tornar indefinida ou à mercê de inúmeras interpretações e opções, inclusive de caráter político. Visa-se a garantia do sistema de governo e do regime, e não a da Constituição. O arbítrio ou paralisia do órgão de garantia redundaria na sua transformação em órgão político, por ausência de norma em que se amparar (MIRANDA, 1996).

Os cultores da modulação de efeitos pro futuro defendem-na sob a argumentação de que a retirada imediata da norma inválida do ordenamento jurídico acarretaria uma situação de inconstitucionalidade maior do que o diferimento da eficácia da decisão que a declara inconstitucional. Parece-me, data venia, que esse é um argumento de "garantia da Constituição" (segundo o qual se busca preservar o sentido constitucional geral, e entende que a eficácia de uma norma inconstitucional não levaria, por si só, à derrocada da Constituição). Argumento este que é falho, pois relega ao segundo plano a observação da garantia de constitucionalidade.

Para Jorge Miranda, determinada a norma constitucional e declarada a inconstitucionalidade, esgota-se o poder do tribunal, não lhe competindo estabelecer graus de inconstitucionalidade em face da importância da norma constitucional ou da subversão do sistema (MIRANDA, 1996).

Este autor diferencia "garantia objetiva" e "garantia subjetiva". Para o primeiro tipo, a intervenção jurisdicional realiza-se sem que haja um interesse pessoal direto na arguição de inconstitucionalidade. O que se sobressai é a conformidade das normas com os preceitos constitucionais. Já no sistema de garantia subjetiva, há fiscalização quando a ofensa à Constituição se repercute na esfera dos direitos e deveres dos indivíduos. Em qualquer caso, Jorge Miranda entende que nunca têm os cidadãos um direito material à Constituição, pois o direito à constitucionalidade sendo um desdobramento de todos os direitos constitucionais, é um direito que ultrapassa a esfera pessoal, sendo indisponível (MIRANDA, 1996).

A partir dessas premissas, entende-se que a "supremacia constitucional" encontra-se dentre aqueles conteúdos que, conforme Hesse, não devem ficar "abertos" ao intérprete. Segundo este autor, não devem ficar abertas as bases da ordem da coletividade, os princípios diretivos, conforme os quais se forma a unidade política e as tarefas estatais são exercidas (HESSE, 1998).

A supremacia constitucional e a garantia de constitucionalidade que dela advém – através da certeza de um controle de constitucionalidade efetivo – são "pilares" que sustentam e dão base ao Estado Constitucional. Conforme Ivo Dantas, o controle de constitucionalidade não é mera opção doutrinária, estando assentada em dois pressupostos teóricos: a) o caráter rígido da Constituição, que, oriunda do Poder constituinte, somente poderá ser modificada por procedimentos especiais constitucionalmente previstos; b) a característica de supralegalidade da norma constitucional, que a distingue das demais normas jurídicas do ordenamento jurídico, e que obriga estas últimas a lhe serem conforme (DANTAS, 1996).

Daí que a possibilidade de modulação pro futuro pode vir a estabelecer situações em que preceitos constitucionais, inclusive aqueles abrangidos pelas denominadas cláusulas pétreas, terão sua eficácia suspensa momentaneamente. Desta forma, dispositivos constitucionais que não poderiam ser suprimidos nem mesmo pelo quorum qualificado de três quintos dos membros da câmara dos deputados e do senado federal, em dois turnos de discussão e votação (procedimento para votação de emendas), poderão ser suprimidos, por um espaço de tempo ainda indeterminado, por uma maioria "qualificada" de oito ministros do Supremo. Se isso não significa insegurança jurídica, não se pode divisar o que significaria. Diz-se mais, é insegurança jurídica no mais alto nível hierárquico normativo. Também não há interesse social em assim proceder.

Segundo Hesse, a Constituição, por suas fixações materiais, como também pela determinação da construção estatal e regulação do processo de formação da unidade política e da atividade estatal, dá forma à vida da coletividade, assegura continuidade suprapessoal e produz, por causa disso, efeito estabilizador; ao mesmo tempo, possibilita a participação consciente, o controle dos poderes estatais, e preserva de um abuso desses poderes, produzindo, em decorrência disso, efeito racionalizador (HESSE, 1998).

Para o autor, os efeitos estabilizador e racionalizador da Constituição são reforçados quando esta é escrita. Todavia, adverte, esse sentido perde-se quando não mais se considera a Constituição escrita como taxativamente vinculativa. E, em decorrência disso, a ideia fundamental da Constituição escrita "é abandonada em favor da insegurança por uma luta permanente dos poderes e opiniões que, em sua argumentação, não mais podem referir-se a uma base comum" (HESSE, 1998, p. 44).

Esta é a preocupação explicitada por José Alfredo de Oliveira Baracho em relação à ascensão de um "direito constitucional jurisprudencial", e o decrescente papel do "direito constitucional formal":

A Suprema Corte convenceu-se em ser uma importante instituição. O Direito Constitucional é praticamente o produto do exercício do poder de revisão judicial das leis. A opinião compartilhada pelos membros da Suprema Corte e numerosos estudiosos da essência e relevância da Constituição, para o Direito Constitucional. É difícil ou impossível justificar as controvertidas decisões da Suprema Corte, como resultado de uma interpretação constitucional, recebendo sempre o produto delas, sem embargo do nome Constitucional Law, derivando-se de todo esse paradoxo um Direito Constitucional sem Constituição. Por surpreendente que possa parecer, em uma época cientificada e secularizada, o poder dos juízes descansa inteiramente em um mito, com suas extraordinárias decisões que não fazem outra coisa, senão executar a Constituição, e que não criam nada, só aplicam o direito e estão limitados por ele, por meio de regras pré-estabelecidas, postas e legitimadas pela Constituição[...] (BARACHO, 2003, p. 98-99).

O que leva a perquirir sobre esse novo comportamento do judiciário que – no momento em que o teor de suas decisões engloba motivações finalísticas – assume uma função essencialmente política. Função esta, muitas vezes assumida em detrimento da opção, política também, do constituinte.

Hesse observa que não é possível, com apoio no direito não-escrito, passar por cima do direito constitucional escrito. Assim, a questão sobre a rigidez ou sobre a mobilidade da Constituição não é uma alternativa, mas uma coordenação exata desses elementos (HESSE, 1998). Daí que

o persistente não deve converter-se em impedimento onde movimento e progresso estão dados; senão o desenvolvimento passa por cima da normalização jurídica. O movente não deve abolir o efeito estabilizador das fixações obrigatórias; senão a tarefa da ordem fundamental jurídica da coletividade permanece invencível (HESSE, 1998, p. 45).

Nesta esteira, a ampliação da discricionariedade do julgador quanto aos efeitos da decisão no controle de constitucionalidade, para que tal decisão tenha eficácia pro futuro, conduz a uma flexibilização nociva da supremacia constitucional, fragilizando a sua força normativa.

2.2 A fragilidade do método de ponderação e o arbítrio dos tribunais.

Conforme desenvolvido, conclui-se pela impossibilidade de utilização do método de ponderação na forma em que foi previsto pelo art. 27 da Lei nº 9.868/99, ou seja, na modulação pro futuro das decisões em controle de constitucionalidade. Mormente pela impossibilidade de flexibilização do conceito de supremacia constitucional. Por outro lado, também resta inapropriada a utilização de tal método em vista das incoerências que apresenta.

Barroso e Barcellos fazem uma crítica ao método de balancing que, no estágio atual, ainda não atingiu o padrão desejável de objetividade, dando lugar a ampla discricionariedade judicial. Embora preveja a atribuição de pesos diversos aos fatores relevantes de uma determinada situação, não fornece referências materiais ou axiológicas para a valoração a ser feita. Corre, portanto, o risco de prestar-se "ao papel de oferecer um rótulo para voluntarismos e soluções ad hoc, tanto as bem-inspiradas como as nem tanto" (BARROSO; BARCELLOS, 2005, p. 290-291).

De outra banda, Virgílio Afonso da Silva, de forma perspicaz, critica a doutrina nacional pelo modo que tem desenvolvido a interpretação constitucional.

Afirma o referido autor, que os teóricos nacionais, em termos de interpretação constitucional, têm procedido a uma divisão do que seria o "arcaico" e o "moderno". Ser arcaico é crer que a interpretação da constituição deve ser feita segundo os cânones sistematizados por Savigny (interpretação gramatical, lógica, histórica e sistemática). Ser moderno é aplicar métodos e princípios de interpretação exclusivamente constitucionais, sob a perspectiva de que os métodos tradicionais, por terem caráter exclusivamente privatista, não são as ferramentas adequadas para a interpretação da constituição (SILVA, 2005).

Pela forma praticamente uniforme com que a doutrina nacional tem feito referência a tais métodos, é possível supor tenham sido estes extensamente desenvolvidos pela doutrina alemã e aplicados sistematicamente pelo Tribunal de Karlsruhe. Todavia, Virgílio adverte, não o são. Tais princípios de interpretação constitucional são referidos por um único autor, Konrad Hesse, em seu manual de direito constitucional alemão. No caso dos métodos, a referência baseia-se no artigo de Ernst-Wolfgang Böckenförde sobre métodos de interpretação constitucional (SILVA, 2005).

Hesse elenca os seguintes princípios de interpretação: (1) unidade da Constituição; (2) concordância prática; (3) conformidade funcional; (4) efeito integrador; (5) força normativa da Constituição. Na literatura brasileira listas quase idênticas podem ser encontradas, com a adição de dois outros princípios: (6) o da máxima efetividade e o da (7) interpretação conforme a Constituição (SILVA, 2005).

Contudo, Virgílio Afonso da Silva entende problemática a aplicação reiterada pela doutrina nacional desse elenco de princípios. Além da pouca difusão que esse rol de princípios de interpretação alcançou na Alemanha, afirma o autor que tais princípios têm pouca importância prática para a interpretação constitucional (SILVA, 2005).

Alguns deles em nada se diferenciam dos cânones tradicionais da interpretação jurídica, alguns se assemelham entre si de tal maneira que não há como descobrir a especificidade de cada um para justificar sua existência autônoma e, por fim, um dos princípios (princípio da interpretação conforme a constituição) nem ao menos se refere à interpretação da Constituição (SILVA, 2005).

Por outro lado, Virgílio Afonso da Silva afirma que as listas de métodos de interpretação da Constituição, também amplamente divulgadas na literatura jurídica nacional, têm como principal problema o "sincretismo metodológico". Afirma o autor que tais métodos são quase sempre apresentados como complementares, não se fazendo opção entre eles (SILVA, 2005).

Böckenförde analisou os seguintes métodos de interpretação constitucional: (1) método hermenêutico clássico, (2) método tópico-problemático, (3) método científico-realista, (4) método hermenêutico-concretizador. No Brasil fala-se em método hermenêutico clássico, método tópico-problemático, método hermenêutico-concretizador, método científico-espiritual e método normativo-estruturante. A esses se costumam acrescer as teses de Häberle sobre a chamada "sociedade aberta dos intérpretes da constituição" e a teoria dos direitos fundamentais de Alexy, baseada na distinção entre princípios e regras (SILVA, 2005).

A título de exemplo, o autor toma as teorias de Friedrich Müller e Robert Alexy, que, no Brasil, vêm sendo aplicadas conjuntamente, como se fossem compatíveis entre si. Entretanto, Virgílio entende que não o são.

Enquanto para Müller, a interpretação e aplicação do direito só são possíveis após árdua tarefa de delimitação do âmbito de cada norma, não havendo espaço para colisões e, portanto, para sopesamento; segundo Alexy, os direitos fundamentais teriam um suporte fático amplo, significando que "toda situação que possui alguma característica que, isoladamente considerada, poderia ser subsumida à hipótese de incidência de um determinado direito fundamental deve ser considerada como abrangida por seu suporte fático", o que se dá independentemente de outras variáveis (SILVA, 2005, p. 137).

Diante desse "sincretismo metodológico", Virgílio Afonso conclui:

[...] não vejo como não afirmar que – pelo menos no caso em discussão – o apego a uma lista de métodos e princípios de interpretação constitucional, de caráter meramente formal, impossível de ser colocada em prática conjuntamente, já que pretende misturar o imisturável, apenas emperra qualquer possibilidade de discussão real sobre o assunto e a elaboração de métodos ou critérios que sejam adequados e, mais importante, realmente aplicáveis à interpretação constitucional em geral, e da constituição brasileira em particular (SILVA, 2005, p. 139).

Ainda no que tange à fragilidade do método da ponderação, Álvaro Ricardo de Souza Cruz, tomando por base a "Teoria do Discurso" de Habermas procede a uma crítica aos três subprincípios que constituem o "princípio da proporcionalidade" do método interpretativo desenvolvido por Alexy.

Em relação ao primeiro subprincípio, da "adequação" – pelo qual o judiciário deve examinar se a norma é apta a fazer face aos fins que almeja – este faz com que a norma jurídica seja considerada um bem teleológico, confundindo o discurso de fundamentação com o de aplicação, já que identifica a função jurisdicional com a função legislativa. Do contrário, para Habermas, os meios e os fins seriam definidos de forma originária pelo legislador político. Ao judiciário caberia apenas verificar se a medida tem caráter discriminatório, se ela viola o "princípio da moralidade", ou "direitos fundamentais" (CRUZ, 2004).

Com o segundo subprincípio da "necessidade" – por meio do qual o judiciário deve examinar a "menor gravosidade possível" da medida – mais uma vez se confere poderes discricionários ao Judiciário, que definirá diretrizes políticas e argumentos pragmáticos. A partir deste subprincípio, a decisão judicial pauta-se num "cálculo utilitarista de custo-benefício" (CRUZ, 2004):

No momento em que o judiciário assume esse papel, de início desaparece o discurso de aplicação, restando unicamente o discurso de fundamentação no qual as particularidades/especificidades dos casos concretos desaparecem. A partir de então, a decisão judicial pauta-se, quase sempre, num cálculo utilitarista de custo-benefício. E, quando se ponderam os interesses estatais/coletivos em face dos direitos privados, os primeiros tendem a prevalecer. A partir daí, o "princípio da moralidade e do discurso" cede espaço a argumentos políticos, tais como os de "lacunas perigosas", prejuízo financeiro", "dano econômico irreversível" e a "reserva do possível". Em vez de examinar se os argumentos pragmáticos violam os direitos fundamentais, o raciocínio se inverte e a prioridade se torna a viabilização da política econômico-financeira do Estado (CRUZ, 2004, p. 239-241).

Conforme assegura Álvaro Ricardo, "o ‘subprincípio da necessidade’ serve para justificar o que o juiz ‘quiser’ que seja justificado". E, assumindo-se papel estritamente político, os direitos fundamentais são ignorados em favor dos interesses estatais, especialmente, a planificação econômica (CRUZ, 2004, p. 243).

Por último, tem-se o "subprincípio da proporcionalidade propriamente dita", ou ponderação, segundo o qual o juiz poderá indicar "racionalmente" os bens/valores que se demonstrarem mais atrativos, segundo uma escala de apreciação destes. Segundo Alexy, os princípios, assim como os valores, concorrem para prevalecer na aplicação (CRUZ, 2004).

Por outro lado, Habermas questiona esse tratamento axiológico dado aos princípios, por conferir um papel hermenêutico essencialmente teleológico aos juízes. Entende este teórico que os princípios têm caráter deontológico, aplicando-se a eles o código binário do "sim/não", "lícito/ilícito", pelo que não se submetem a uma escala de valores. Para serem aplicados, os princípios não concorrem entre si, deve-se buscar aquele que se adequa à questão (CRUZ, 2004).

Finalmente, a aplicação do método de "balanceamento" na forma em que foi previsto no art. 27 da Lei nº. 9.868/99 apenas agravou o problema da interpretação constitucional no Brasil, uma vez que, admitindo-se ao Supremo o uso de uma fundamentação finalista/utilitarista no controle abstrato de constitucionalidade, de modo a permitir que a norma declarada inconstitucional continue a produzir efeitos (como se constitucional fosse), este assume um discurso essencialmente político, fazendo-se, portanto, "tábula rasa" dos preceitos constitucionais.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Patrícia Alpes. O problema da modulação "pro futuro" dos efeitos da decisão no controle de constitucionalidade brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2467, 3 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14554. Acesso em: 19 mai. 2024.

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