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Plurinacionalidade e cosmopolitismo: a diversidade cultural das cidades e diversidade comportamental nas metrópoles

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Agenda 24/03/2010 às 00:00

MÚLTIPLAS IDENTIDADES: A CIDADE COSMOPOLITA PERDIDA EM CONFLITOS DE MICROIDENTIDADES.

A fragmentação da sociedade em pequenos grupos de identidades, em pequenas nomeações pode gerar novos tipos de problemas. A sociedade cosmopolita de Los Angeles, Nova York, São Paulo, Londres ou Paris não está além das nomeações ou dos predicados radicais. Ela está multifragmentada em diversos predicados radicais.

Negros, asiáticos, coreanos, chineses, árabes, turcos, persas, nordestinos, brancos, góticos, cabeças raspadas, nacionalistas, racistas, mexicanos, hispânicos, caucasianos e mais um monte de nomeações convivem no espaço "democrático" da cidade. São obrigados pela lei a se suportarem embora os que aplicam a lei pertençam a um grupo e vejam o mundo limitados pela compreensão do seu grupo. Até mesmo nos nomes próprios carregam a identidade do grupo a que pertencem mesmo sem querer pertencer: Shaniqua é um nome negro; Saddam é um nome iraquiano; Hassan é um nome muçulmano; Ezequiel é um nome evangélico; Pedro é um nome cristão; David é um nome Judeu: o nome próprio é abafado pelo nome do grupo. O nome próprio é condicionado pelo predicado radical. Entretanto é possível se libertar do nome grupal e resgatar algo universal, algo humano, além das nomeações de grupos, etnias, cores, países, religiões. Algo humano universal que resgate o nome próprio.

O filósofo e psicanalista Alain Badiou (6) aposta em um estado contemporâneo indistinto em sua configuração identitária. Isto não significa a superação das nomeações mas a necessária dessacralização de determinados nomes. Este estado contemporâneo democrático plural que tenha um sujeito que não ignora os particularismos, mas que ultrapasse estes; que não tenha privilégios e que não interiorize nenhuma tentativa de sacralizar os nomes comunitários, religiosos ou nacionais talvez ainda não exista. Mas podemos começar a construí-lo.

Estes nomes grupais sacralizados podem gerar novas guerras tribais, pois a construção de uma identidade nacional é ultrapassada por diversas identidades grupais ou mesmo é construída justamente sobre o reforço destas identidades grupais. Isto se ressalta no caso estadunidense onde a identidade nacional é construída em parte, pelo menos nos espaços cosmopolitas das grandes cidades, sobre a ideia de uma democracia étnico-racial multi-identitária que se opõe às identidades nacionais intolerantes e uniformes. Neste nome comprido, faltou a prática democrática. Pior é quando se acredita poder fazer cumprir esta pretensa democracia étnica-racial multi-identitária por meio da lei e logo do controle policial.

A polícia também é um grupo corporativo e logo preconceituoso que anula os sujeitos quando estes estão fardados, quando estão no meio do grupo. Este grupo que acredita simbolizar a própria lei se sente no direito muitas vezes de ignorar o Direito para se autopreservar e preservar a imagem construída no grupo para o próprio grupo.


CONCLUSÃO

A nossa pretensão neste texto é apenas começar a refletir sobre a ideia de levar a convivência que começa a ser construída na esfera estatal, de diversos grupos étnicos distintos, cada um com seu direito de família e de propriedade, para uma esfera territorial menor, mas de gigantesca complexidade: a metrópole. A metrópole precisa buscar soluções distintas para problemas distintos. A construção de formas distintas de propriedade urbana, a consagração de formas de propriedade comunitária ou coletiva, em espaços urbanos específicos pode ser uma forma de viabilizar a moradia e a dignidade, e, ao mesmo tempo, consagrar ou reconhecer uma cultura de comunidade e solidariedade em substituição ao individualismo e a competitividade. Pode ser uma forma de construir novas subjetividades tornando as metrópoles menos agressivas e violentas.

Para viabilizar nossa reflexão, buscamos neste pequeno texto a compreensão da formação do estado nacional, uniformizador (especialmente do direito de família e do direito de propriedade) que impõe uma religião, um idioma, construindo de forma artificial e violenta uma identidade nacional. A partir da compreensão do estado nacional passamos para a análise do novo conceito de estado plurinacional.

Posteriormente mencionamos brevemente as sociedades cosmopolitas, multi-identitárias, plurais, das metrópoles contemporâneas, tão tolerantes que muitas vezes chegam ao desprezo e tão individualistas que chegam ao egoísmo.

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Se de um lado fomos capazes de trilhar um caminho de conquistas de direitos, de afirmação do estado constitucional e mais importante, do discurso constitucional, da efetividade de alguns direitos individuais e políticos e do reconhecimento do poder pela legitimidade democrática e pela extensão das liberdades individuais, muito ainda há por fazer pela superação das brutais diferenças econômicas, pela indiferença à miséria, pela afirmação dos direitos sociais e econômicos desconstruídos nas ultimas duas décadas pelo cruel projeto neoliberal.

A construção de uma sociedade democrática inclusiva e não violenta depende da superação destas diferenças socioeconômicas. Para além da universalização dos direitos socioeconômicos, uma nova cultura humana precisa ser discutida e o reconhecimento de direitos humanos universais depende da nossa capacidade de construir espaços de discussão onde os diversos grupos sociais, sejam quais forem os seus nomes coletivos, compareçam em condições iguais de diálogo.


NOTAS E REFERÊNCIAS

[1] CREVELD, Martin van Creveld. Ascensão e declínio do Estado, Editora Martins Fontes, São Paulo, 2004 e CUEVA, Mario de la. La idea del Estado, Fondo de Cultura Econômica, Universidad Autônoma de México, Quinta Edição, México, D.F., 1996.

[2] Utilizamos neste texto as palavras identidade e identificações quase com sinônimos, ou seja, uma identidade se constrói a partir da identificação de um grupo com determinados valores. Importante lembrar que o sentido destas palavras é múltiplo em autores diferentes. Podemos adotar o sentido de identidade como um conjunto de características que uma pessoa tem e que permitem múltiplas identificações sendo dinâmicas e mutáveis. Já a ideia de identificação se refere ao conjunto de valores, características e práticas culturais com as quais um grupo social se identifica. Nesse sentido não poderíamos falar em uma identidade nacional ou uma identidade constitucional mas sim em identificações que permitem a coesão de um grupo. Identificação com um sistema de valores ou com um sistema de direitos e valores que o sustentam, por exemplo.

[3] ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico e libertad política para los indígenas ecuatorianos. Editora Abya Yala, Quito, Ecuador, 2008, pág.21.

[4] ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico e libertad política para los indígenas ecuatorianos. Ob. Cit., pág.19

[5] ALMEIDA, Ileana. El Estado Plurinacional – valor histórico e libertad política para los indígenas ecuatorianos. Ob. Cit., pág.19

[6] BADIOU, Alain. Portées du mot Juif, Circonstances 3, Editions Lignes et manifestes, Paris, 2005.

Sobre o autor
José Luiz Quadros de Magalhães

Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais<br>Professor da UFMG, PUC-MG e Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros.<br>Professor Visitante no mestrado na Universidad Libre de Colombia; no doutorado daUniversidad de Buenos Aires e mestrado na Universidad de la Habana. Pesquisador do Projeto PAPIIT da Universidade Nacional Autonoma do México

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Plurinacionalidade e cosmopolitismo: a diversidade cultural das cidades e diversidade comportamental nas metrópoles. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2457, 24 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14564. Acesso em: 22 dez. 2024.

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