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O Ministério Público e a busca pela inclusão social.

Atuação no âmbito das políticas públicas

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Agenda 18/04/2010 às 00:00

Considerações finais

A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo nova esperança de que, enfim, as promessas da modernidade, marcadamente aquela voltada para a implementação do necessário para que a dignidade humana fosse algo real e extensível a todos, seriam alcançadas.

Mais de vinte anos depois da promulgação da "Carta Cidadã", referida esperança mostra-se arranhada em decorrência da incapacidade dos Poderes Públicos em tornar realidade o que, com amplitude ímpar, os legisladores constituintes asseguraram a cada um e a todos os membros de nossa sociedade.

As dificuldades financeiras, sempre alegadas pelos administradores como justificativa para a baixa amplitude e qualidade dos serviços públicos essenciais, não devem ser encaradas como argumento definitivo. A escassez orçamentária caracteriza-se como algo diferente da inexistência total e completa de recursos, sendo que as dificuldades devem ser enfrentadas por meio de uma consciente escolha de prioridades, com alocação adequada de recursos, priorizando, por óbvio, o que a Constituição Federal já sinaliza como objetivos e metas fundamentais.

A participação do Ministério Público na elaboração das políticas públicas passa, em primeiro plano, pelo conhecimento da realidade de cada um dos Municípios, Estados e da União no que concerne ao atendimento dos direitos sociais, buscando, em conjunto com os Poderes Executivo e Legislativo, Conselhos de Gestão e sociedade civil organizada definir prioridades a fim de que eventuais falhas nesse atendimento sejam devidamente corrigidas, indicando a melhor forma de fazer com que os orçamentos públicos contemplem recursos suficientes para tanto. Vale observar, entretanto, que o Ministério Público não deve se sujeitar a discussões intermináveis sobre determinada política pública a ser implementada e cumprida. Para que tais discussões estéreis não se verifiquem, é preciso que o Administrador Público tenha sempre presente a possibilidade de que, caso não cumpra o dever constitucional a que está obrigado, o Poder Judiciário poderá ser acionado a fim de que sejam tutelados os direitos sociais de forma efetiva.

Como se percebe, o caminho a ser percorrido em busca da efetiva implementação das políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos fundamentais é longo e repleto de dificuldades. Entretanto, o fim almejado é justo e recompensador, sendo que somente poderá ser alcançado por intermédio da mobilização da sociedade e do comprometimento dos Poderes do Estado, tendo no Ministério Público o ponto de apoio e de fomento, encontrando no Poder Judiciário a certeza da justiça social, exatamente aquela proclamada por Jesus Cristo, cujo símbolo indelével é a partilha do pão.


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Notas

  1. Ainda com Eros Roberto Grau: "A expressão ‘políticas públicas’ designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do Poder Público na vida social. E de tal forma isso se institucionaliza que o próprio Direito, neste quadro, passa a manifestar-se como uma política pública – o Direito é também, ele próprio, uma política pública". (GRAU, 2008, p. 26)
  2. Com a observação de Celso Fernandes Campilongo: "Longa tradição sociológica dos países centrais apresenta o quadro evolutivo dos direitos nos últimos séculos da seguinte forma: no séc. XVIII, a afirmação dos direitos civis (liberdade individual, garantias pessoais, propriedade etc.); no séc. XIX, a expansão dos direitos políticos (sufrágio universal, democracia representativa, partidos etc.); por fim, no séc. XX, a consolidação dos direitos sociais e coletivos (saúde, educação, trabalho, acesso à justiça etc.). Marshall, o mais conhecido formulador dessa hipótese, descreveu o processo de forma cumulativa: o respeito aos direitos civis possibilitou a conquista dos direitos políticos; a combinação do reconhecimento dos direitos civis e políticos garantiu a eficácia dos direitos sociais e econômicos, dentre os quais a saúde do trabalhador". (CAMPILONGO, 1995, p. 132-134)
  3. Em complementação, apresentamos o conceito lançado por Nilson do Rosário Costa: "Considera-se como política pública o espaço de tomada de decisão autorizada ou sancionada por intermédio de atores governamentais, compreendendo atos que viabilizam agendas de inovação em políticas ou que respondem a demandas de grupos de interesses". (COSTA, 1998. p. 07)
  4. A expressão é de Ferdinand Lassale, que sobre ela escreve da seguinte maneira: Será que existe em algum país – e fazendo esta pergunta os horizontes clareiam – alguma força ativa que possa influir de tal forma em todas as leis do mesmo, que as obrigue a ser necessariamente, até certo ponto, o que são e como são, sem poderem ser de outro modo? Esta incógnita que estamos investigando apóia-se, simplesmente, nos fatores reais de poder que regem uma determinada sociedade. Os fatores reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser como elas são". (LASSALLE, 2000, p. 10-11)
  5. Na esteira desse entendimento, a posição de Rogério Gesta Leal: "[...] qualquer política pública no Brasil tem como função nuclear a de servir como esfera de intermediação entre o sistema jurídico constitucional (e infraconstitucional) e o modo de vida republicano, democrático e social que se pretende instituir no País. Em outras palavras, é através de ações estatais absolutamente vinculadas/comprometidas com os indicadores parametrizantes de mínimo existencial previamente delimitados, que vai se tentar diminuir a tensão entre validade e faticidade que envolve o Estado e a Sociedade Constitucional e o Estado e a Sociedade Real no Brasil". (LEAL, 2005, p. 167)
  6. Sobre o relevante papel das ONG’s no âmbito das políticas públicas, vale conferir o posicionamento de Inajara Tainá Lessa Gomes: "Graças à Constituição de 1988 foi possível nortear os rumos da democracia no Brasil nos anos seguintes, com uma clara tentativa de impedir que novos governos autoritários ganhassem o poder. O período pós-Constituição de 1988 foi marcado por uma ampliação dos direitos civis e políticos da sociedade brasileira. Todos passaram a ser cidadãos, porém a questão dos direitos sociais ainda permanece controversa, pois a Constituição os garante, mas isso não ocorre de fato. [...] Portanto, é de fundamental importância continuar discutindo a construção de uma cidadania e, ao mesmo tempo, de uma identidade brasileira, para que todos os cidadãos tenham a consciência de seus direitos e possam realmente exercê-los. Assim, a discussão sobre ONG’s deve passar pela discussão sobre cidadania, pois essas organizações desenvolvem, muitas vezes, atividades que a priori deveriam ser exercidas pelo Estado. As ONG’s, muitas vezes, diagnosticam o problema que não foi resolvido pelo Estado e tentam, com ajuda da sociedade civil, resolvê-lo. Portanto, são atores da sociedade que exercem os seus direitos e, simultaneamente, tentam levar a consciência desses direitos às pessoas que deles não usufruem. É notável o desenvolvimento e a difusão das ONG’s nesse início de século XXI, muitas vezes encaradas sob uma perspectiva pessimista, como organizações sem legitimidade ou poder para desenvolver políticas públicas eficazes. Outras vezes elas são vistas de forma extremamente idealista ou, até mesmo, ingênua, como se fossem capazes de resolver os problemas que os Estados não conseguiram solucionar. [...] essas organizações vêm para questionar as ações do Estado, mas precisam também se associar a ele para ganhar legitimidade ou poder, a fim de implementar os projetos". (GOMES, 2008, p. 52-53)
  7. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
  8. Destacando-se a advertência de Eros Roberto Grau: "A análise do tema do poder discricionário reclama, preliminarmente, a determinação de uma precisão. A referência a um poder discricionário porta em si a pressuposição de que o Estado, através de seus agentes, exerça o poder discricionário de decisão (seja decisão administrativa, seja decisão judicial). A noção de poder, contudo, na esfera estatal, compõe-se no conceito de função pública. E toda função pública – não apenas a função administrativa – é expressão de um poder-dever (ou dever-poder, como enfatiza Celso Antônio Bandeira de Mello)". (GRAU, 1990, p. 41)
  9. Com base no entendimento de Bartolomé A. Fiorini. La discrecionalidad en la Administración Pública. Buenos Aires: Alfa, 1952, p. 31-41.
  10. Explicitando esse entendimento, a observação de Denise Tarin: "O Promotor de Justiça não nasce pronto, o fato de ter sido aprovado em concurso público não o transforma naquele momento em um profissional dotado de todos os recursos para a solução dos conflitos. Característica fundamental a ser observada pelo Promotor que pretende mobilizar a sua Comarca é a humildade, humildade entendida não como subserviência, mas como equilíbrio emocional que o inspira para o desempenho de suas funções e o envolve com o sentimento de responsabilidade social". (TARIN, 2009, p. 60-61)
  11. A citação é de Paulo Bonavides. Os dois Ministérios Públicos do Brasil: o da Constituição e o do Governo. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais nº 1. Belo Horizonte: Del Rey, janeiro/junho de 2003, p. 57.
  12. Sobre as "três ondas" relacionadas ao direito ao acesso à justiça, a lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth: "A primeira onda: assistência judiciária para os pobres. Os primeiros esforços importantes para incrementar o acesso à justiça nos países ocidentais concentraram-se, muito adequadamente, em proporcionar serviços jurídicos aos pobres. [...] A segunda onda: representação dos interesses difusos. O segundo grande movimento no esforço de melhorar o acesso à justiça enfrentou o problema da representação dos interesses difusos, assim chamados os interesses coletivos ou grupais, diversos daqueles dos pobres. [...] A terceira onda: do acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla de acesso à justiça. Um novo enfoque de acesso à justiça. [...] Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos ‘o enfoque do acesso à justiça’ por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso". (CAPPELLETTI et al, 2002, p. 31-32, 49 e 67-68)
  13. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; [...] IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

14.A esse respeito, explicitando a necessidade de que os promotores e procuradores sejam vocacionados, as preciosas palavras de Paulo Bonavides, fazendo a distinção entre os dois Ministérios Públicos do Brasil – o da Constituição e o do Governo: "Com efeito, há dois Ministérios Públicos no Brasil; um é o da Constituição; o outro o do Governo. Um protege os interesses da Sociedade e o povo o aplaude; o outro serve aos fins de quem governa e o povo o reprova. O primeiro é a efígie da independência e da isenção; advoga a causa social, tutela o bem comum, por isso, recebe os louvores da opinião e do corpo de cidadãos. O segundo, ao revés, se mostra o órgão do status quo, é instrumento submisso do Estado, máquina do governo que o mantém debaixo de seu influxo preponderante. O MP da Constituição é a maioria, a legitimidade, o colegiado da cidadania. O do Governo é a minoria, a omissão, o engavetamento, a absência, a deserção nos graves momentos constitucionais de crise do regime. Um é enaltecido, o outro menosprezado. Aquele zela pela moralidade pública em todos os distritos da governança política; este se rebaixa ao grau de servilismo, instrumento inferior do Poder Executivo, o qual lhe nomeia o Chefe, em ordem a configurar, pelos laços da sujeição estabelecida, o vício institucional gerador de toda essa ruptura, que é a guerra civil interna nos quadros do Ministério Público, responsável do divórcio entre a cúpula e as bases. Um guarda a liberdade, a Constituição, a moral administrativa; o outro faz-se serventuário dos desígnios executivos e se acolhe à sombra do paço presidencial onde cultiva a intimidade do poder". (BONAVIDES, 2003, p. 383-385)

Sobre o autor
Leonardo Augusto Gonçalves

Graduado e Pós-Graduado (Mestrado em Ciência Jurídica) pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (Jacarezinho-PR), instituição onde também atua como Professor Voluntário, participando da orientação e co-orientação de monografias produzidas pelos alunos da Graduação (Trabalhos de Conclusão de Curso). Promotor de Justiça no Estado de São Paulo desde 2000, sendo títular do cargo da Promotoria de Maracaí (entrância inicial) desde 2003. Tem experiência acadêmica e profissional na área da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, com ênfase nos direitos fundamentais sociais e no controle jurisdicional das políticas públicas. Dedica-se à pesquisa na linha da Função Política do Direito, abrangendo temas relacionados ao Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro e Sociologia do Direito. Autor de artigos apresentados em Congressos de âmbito nacional, com publicações nos respectivos anais, bem como de artigos publicados em revistas e periódicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Leonardo Augusto. O Ministério Público e a busca pela inclusão social.: Atuação no âmbito das políticas públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2482, 18 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14579. Acesso em: 26 nov. 2024.

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