4. O DANO
A palavra dano tem origem latina, do vocábulo damnu, que significa prejuízo, perda no vernáculo.
Logo, o dano pode ser definido como o prejuízo sofrido pelo patrimônio econômico ou moral de alguém, como resultado de conduta ilícita culpável ou não de outrem. Isto, porque pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Assim, pode-se tirar desde logo uma conclusão lógica: sem dano não haverá o que reparar, do que se depreende a necessidade de sua materialidade em sede de responsabilidade civil.
4.1. AS ORIGENS DO DANO MORAL
Em vários registros históricos de culturas diferentes deparamo-nos com idealizações primitivas do dano lato sensu. Reportamo-nos, porém, mais especificamente ao sistema romano, por entendermos ser mais completo, técnico e assemelhado a estrutura atual, sem o qual seria impossível entender a evolução do presente instituto.
A iniura, constante do grupo dos delicta, gerava uma obligatione legis para quem a cometia, fruto da evolução do direito pós-clássico. Em acepção ampla, a iniura significa ato que é praticado sem que se tenha o direito (norma permissiva) para tanto, sendo, portanto, elemento essencial de qualquer delito. Em acepção mais restrita, designa figura particular de delito, que se apresenta quando há ofensa à integridade física ou moral de alguém. A Lei das Doze Tábuas já estabelecia contraprestação para esse delito, seja pelo pagamento de somas em dinheiro (de 24 a 300 asses) ou pela pena de talião, na qual valia a regra do olho por olho, dente por dente. [12]
Essas penas impostas por lei eram exigíveis por meio da actio iniuriarum legitima ex lege duodecim tabularum (precursora da nossa ação de indenização por danos). Vislumbrava-se aí, apenas o dano material, primitivamente agasalhado pela Lei das Doze Tábuas.
Com a evolução do direito clássico, o pretor, com o auxílio da jurisprudência, amplia o conceito da iniura, fazendo-a abranger não só as lesões corporais, mas também as ofensas contra a honra alheia, inclusive o insulto e a atuação de alguém para imputar a outrem a qualidade de infamis. Começou-se aí a tutelar a integridade moral das pessoas.
Outra inovação do pretor foi a criação das actio iniuriarum aestimatoria, que visavam fazer condenar o autor da iniura em quantia a ser avaliada pelo juiz popular, conforme a maior ou menor gravidade do delito. Temos aí que os magistrados da Cidade Antiga já tinham em mente a noção de proporcionalidade, a ser usada como elemento de ponderação na cominação indenizatória.
Estas a nosso ver, as principais características do Direito Romano, que, mutatis mutandis, ainda permanecem cristalizadas em nossa legislação pertinente.
4.2. O DANO MORAL NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
O dano pode ser de ordem patrimonial ou moral
Na primeira modalidade, o bem jurídico atingido resulta em montante apreciável em dinheiro, ou seja, é suscetível de valoração econômica. Pode atingir não somente o patrimônio atual da vítima, mas também o futuro (dano emergente); pode não somente provocar a sua diminuição, mas também impedir o seu crescimento (lucro cessante).
Já o dano moral importa lesão a bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, etc. A construção doutrinária e pretoriana estendeu a sua incidência a todos os bens personalíssimos ligados aos direitos fundamentais do homem e insuscetíveis, portanto, de qualquer valoração.
Mero dissabor seria suficiente para sua configuração?
Para a correta aferição do dano moral, deve o magistrado usar a lógica do razoável. As circunstâncias alegadas pela vítima devem possuir um teor de plausibilidade que leve o julgador a concluir que aquela situação descrita realmente fugiu dos padrões da normalidade da vida cotidiana. Ou seja, um simples aborrecimento experimentado por uma pessoa não será suficiente para que se proceda a indenização. O dano deve atingir o estado psicológico do ofendido, causando-lhe desequilíbrio considerável.
O meio de comprovação da efetiva incidência do dano moral reside na própria ofensa. Nas palavras do mestre Sérgio Cavalieri Filho, "o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum." [13]
Sem a observância destes preceitos, estaríamos certamente enveredando para um caminho que levaria ao caos jurídico, consumado pela banalização de ações ajuizadas pelos motivos mais fúteis.
4.3. AS NOVAS PERSPECTIVAS DO DANO MORAL
Quando se fala em dano moral, logo nos vem à cabeça a situação de um sujeito inconformado com o péssimo tratamento recebido em uma loja de departamentos, ou profundamente aborrecido com os efeitos de uma inclusão equivocada de seu nome nos registros do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).
A honra ou o equilíbrio psicológico são bens jurídicos que por sua natureza, ínsita a pessoa, nos levam a crer que o dano moral seja um instrumento essencialmente de ordem privada. Raríssimas vezes, mesmo em obras conceituadas acerca do tema, nos deparamos com estudos consistentes sobre o dano moral observado no plano coletivo.
Parece que existe certa resistência à sua apreciação devido à falsa ideia de que eles correspondem ao campo individual nas relações jurídicas. Tem-se assim, uma concepção equivocada do múnus público, resquício de uma orientação individualista que deve ser abandonada.
Como fruto da evolução do pensamento jurídico acerca dos danos infligidos a coletividade, as recentes legislações que lhes tutelam os direitos dedicam dispositivos que colocam a salvo não apenas as lesões à moralidade coletiva, mas também as perpetradas contra o patrimônio material comum.
Desta forma, o dano infligido contra o sentimento coletivo e que cause dor, angústia, ou grave dissabor à comunidade atingida, será perfeitamente passível de apreciação pelo Poder Judiciário.
4.4. O DANO COLETIVO LATO SENSU
Da mesma forma que o dano verificado no plano individual, o dano coletivo lato sensu é perfeitamente passível de indenização, como visto anteriormente.
Essa espécie de dano compreende qualquer espécie de lesão a direito difuso ou coletivo, ou seja, naqueles em que é possível aferir que a coletividade não-determinável ou mesmo um grupo determinado de pessoas foi lesionada em seus direitos.
Nesse caso, o termo "coletivo" é utilizado em sentido amplo, não se confundindo de maneira alguma com a denominação técnico-jurídica dos direitos difusos ou coletivos. O termo aqui colocado alcança também os direitos difusos.
O dano coletivo é fruto da extensão da tutela jurisdicional antes verificada apenas em nível individual. A exemplo do que se opera com o individual, divide-se, quanto à espécie, em material e moral.
4.4.1. O Dano Material Coletivo
O dano material coletivo representa prejuízo patrimonial a bem integrante ao domínio coletivo, seja determinável ou não. O meio ambiente representa um bem dessa espécie.
Quando a coletividade se vê privada de uma floresta, exterminada pela ação de um desmatamento, está consumado o dano material, uma lesão ao patrimônio ambiental, por exemplo.
4.4.2. O Dano Moral Coletivo
Abandonando a concepção privatista que orientava o estudo do dano moral, as leis 7347/85, 8078/90 e 10257/01, inovaram grandemente ao alargarem as perspectivas deste instituto.
O bem coletivo é um componente de natureza grupal; uma vez violado, pode gerar lesões que importem a toda a coletividade não-determinável ou a um grupo de pessoas determinado.
É perfeitamente concebível o dano extrapatrimonial de toda uma coletividade afetada; o que se tutela é um direito geral, de incidência difusa ou coletiva, decorrente da lesão a determinado bem coletivo, que pode ser definido como um componente de funcionamento grupal e indivisível.
Se falamos em dano moral afeto a esse bem jurídico, admitimos lesão a ele em si mesmo, independente das repercussões materiais que tenha. Devemos ter em mente que, nesse caso, o prejuízo imaterial surge da lesão ao interesse sobre o bem, de natureza extrapatrimonial e coletiva. Ou seja, o dano moral coletivo aí verificado é desdobramento das lesões patrimoniais ao bem merecedor da tutela jurídica, que refletem em imediato dissabor à coletividade que o cerca.
O patrimônio moral coletivo consiste na universalidade de bens, direitos e obrigações pertencentes à coletividade e é representado pelo acervo de interesses difusos e coletivos, em especial os bens materiais, culturais, artísticos, paisagísticos e urbanísticos.
Esse patrimônio essencial não é passível de transação; é um direito indisponível por excelência. Está, portanto, fora da esfera econômica, não admitindo qualquer espécie de valoração.
Ainda que não designe, pelo menos de forma direta, direito personalíssimo, o patrimônio moral coletivo merece ser tratado como tal. Tenha-se em vista que ele não é detentor de honra subjetiva, ínsita a pessoa individualmente considerada, e que se caracteriza pela dignidade, decoro e auto-estima. O que se cogita aqui é a honra objetiva, que se resume a reputação, ou seja, a impressão que os outros têm de um determinado bem jurídico (o meio ambiente). A honra objetiva é, assim, o sentimento alheio que incide sobre os atributos do patrimônio em questão.
É interessante notar que sobre o ser humano incidem ambos os aspectos: o subjetivo e o objetivo. Nos crimes de calúnia e difamação, por exemplo, a honra objetiva do indivíduo é objeto de tutela; é a sua reputação pessoal que está em jogo.
Mas, em se tratando do patrimônio coletivo, não há que se falar em honra subjetiva; a objetiva é que sempre será objeto de tutela legal.
Sob o nosso ponto de vista, não procede a posição do grande jurista Rui Stoco, que entende que "o dano moral é personalíssimo e somente visualiza a pessoa, enquanto detentora de características e atributos próprios indivisíveis." [14] Esse entendimento, com a devida vênia, encontra-se totalmente superado pelo processo de publicização por que passa o direito. Como assinalamos anteriormente, a acepção privatista não pode ser a única a orientar o estudo do dano moral coletivo.
Tanto é assim, que, por fruto de evolução jurisprudencial, o STJ, sumulou a regra segundo a qual a pessoa jurídica pode sofrer dano moral [15], ainda que totalmente desprovida de honra subjetiva. Logo, um protesto judicial levado a efeito sem embasamento ou uma notícia caluniosa a respeito de uma empresa ou mesmo sociedades irregulares, certamente darão ensejo à responsabilização por dano moral coletivo.
Por este motivo, não é sem razão que muitos doutrinadores optam pelo termo "dano extrapatrimonial coletivo", ao invés de "dano moral coletivo". Se inexiste a honra subjetiva a ser protegida, não cabe obviamente a expressão "moral", já que ela denota o estado psíquico do homem, ínsito ao seu direito personalíssimo. Desta forma, a expressão "extrapatrimonial" seria mais adequada, por significar também afastamento da ideia de patrimonialidade aferível economicamente de plano e por denotar sentido mais amplo e menos subjetivo ao próprio conceito em tela.
Mas, em virtude de nomenclatura já consagrada tanto na legislação como na doutrina, optamos pela manutenção do termo "moral" no presente estudo.
É necessário ainda dizer que, se aceitamos a existência do dano moral coletivo, devemos também tecer estrita observância aos seus elementos caracterizadores. A lesão ao bem tutelado deverá ter conteúdo significativo, isto é, de tão aviltante, deverá causar imensa repulsa social, a ponto de interferir mesmo nos direitos das gerações futuras, tal como preconiza o art. 225/CRFB. E deverá ainda ser de difícil ou mesmo impossível reparação.
Não preenchidas essas condições, não haverá escopo para que se pleiteie indenização por danos morais a título coletivo, já que o princípio da insignificância, indiretamente apresentado no art. 3º, II e III da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, afastará qualquer identificação nesse sentido.
4.4. O DANO MORAL AMBIENTAL
Como espécie dos danos morais coletivos lato sensu, figura o dano moral ambiental. Podemos defini-lo como a lesão ao sentimento coletivo, ocorrida em função de agressão a determinado bem jurídico ambiental que seja afeto à comunidade.
É interessante notar que na seara do dano moral ambiental, como também dos danos morais coletivos, o dano patrimonial é sempre pressuposto lógico para a ocorrência daquele. Não se quer dizer com isso que as indenizações a título coletivo, sejam decorrentes de dano patrimonial ou moral, não sejam independentes entre si. A reparação por danos morais ambientais é sempre autônoma; ainda que o dano patrimonial seja reparado por indenização, outra indenização será devida pelo dano moral ambiental.
Mas, este não poderá subsistir sem aquele, ou seja, se falamos em danos morais em face do meio ambiente, temos de admitir que houve prévia degradação material ao patrimônio ambiental. Isso não ocorre na sistemática do dano moral individual, já que ele pode ser perfeitamente caracterizado sem que tenha havido a configuração do dano material. Como já foi salientado, no plano individual, a honra subjetiva e o equilíbrio psíquico do agente é que são objetos de proteção legal. A ofensa que enseja o dano moral atinge alto nível de interiorização e subjetivismo, a ponto de independer da evidência de qualquer dano material concorrente.
Assim sendo, podemos afirmar que o dano moral ambiental consiste em desdobramento direto do dano ao patrimônio ambiental materializado. Será caracterizado pela dor, sofrimento ou desgosto da coletividade, decorrente de um determinado dano a bem integrante do patrimônio ambiental.
Alguma dificuldade na dissociação entre as duas formas de dano ao meio ambiente – a material e a moral – aparece frequentemente. Por isso faz-se necessário ressaltar que fenômenos tais como desequilíbrios no ecossistema, lesões ao patrimônio paisagístico ou à saúde da população caracterizam o dano ao patrimônio físico ambiental.
O dano moral ambiental vai aparecer quando, além dessa repercussão materializada no patrimônio ambiental, houver ofensa ao sentimento coletivo ou difuso.
O brilhante doutrinador Luís Paccagnella, em sentido contrário, entende que o reconhecimento do dano moral ambiental não está ligado diretamente à repercussão física no meio ambiente. [16]
Ousamos humildemente discordar. A materialização do dano moral ambiental não só depende da ocorrência do dano material como também lhe é diretamente proporcional. Quanto maior a gravidade da violação ao patrimônio ambiental, tanto maior será a intensidade do dano moral ambiental sofrido.
Vale lembrar que o caráter transitório de um eventual prejuízo ao meio ambiente não livrará o poluidor da responsabilização por danos morais. O prejuízo temporário é indenizável, já que, mesmo que haja plena recomposição (bastante difícil na maioria dos casos), a demora dos seus resultados implica em prejuízo ao patrimônio ambiental.
Não assiste, portanto, ao poluidor a escusa da perpetuidade do dano, pois a coletividade, mesmo que privada do desfrute do ambiente equilibrado por um espaço de tempo relativamente curto, sofrerá desgosto e dissabor. A transitoriedade do dano importará para o magistrado, quando da ponderação de seus efeitos para a fixação do montante pecuniário a ser pago pelo poluidor.
Essa demora na reconstituição do patrimônio ambiental ao status quo ante, inflige sofrimento adicional à coletividade. Com muita propriedade o aclamado mestre Antônio Herman V. Benjamin denomina esse plus lesivo como dano moral ambiental interino, que é aquele que excede o desgosto comunitário pela degradação em si, a que o referido mestre chama de dano moral ambiental originário. [17]
Para todos os efeitos, essa classificação é apenas didática. No plano concreto, o dano moral ambiental deve ser encarado como um todo, justamente porque é de natureza incindível, assim como o é também o dano moral no plano individual. Não seria admissível, desta forma, pedido cumulativo por danos morais interinos e originários.
O dano moral ambiental pode ser verificado sob duas óticas: a individual e a coletiva. Não há que se pensar que o dano moral ambiental seja caracterizado exclusivamente na órbita da coletividade; cada indivíduo pode pleitear indenização a título pessoal, em condições especiais. Saliente-se que a lei 6938/81, em seu art. 14 §1º, incumbe ao poluidor reparar os danos causados a terceiros por sua atividade.
4.4.1. O Dano Moral Ambiental Individual
Existem determinadas situações em que apenas ou principalmente determinadas pessoas são prejudicadas individualmente, a exemplo do que ocorre com problemas de saúde pessoal por emissão de gases poluentes e partículas em suspensão. Não há dúvida de que se trata de um dano ambiental, com duas facetas: os aspectos material e moral.
Mas, mesmo em se tratando de um dano ambiental, ainda que em última análise a seara ecológica seja sempre coletiva lato sensu, aspectos particulares podem atingir especialmente determinados indivíduos. No exemplo citado, a emissão de gases poluentes é, inegavelmente, atividade que importa prejuízo a todos. Mas os seus efeitos são constatáveis ut singuli (problemas respiratórios, câncer de pulmão, etc).
Não estamos aqui tentando particularizar o dano moral ambiental; voltamos a firmar a sua inegável natureza coletiva lato sensu. O que queremos esclarecer é o duplo desdobramento do dano moral ambiental; se no plano individual a atividade poluidora por emissão de gases poluentes importa em lesividade moral direta ao indivíduo singularmente identificado, não poderá ser descaracterizado também o dano moral infligido ao meio ambiente, decorrente do sentimento de exclusão e padecimento coletivos.
Que motivação teria uma pessoa em viver em uma cidade extremamente poluída? Que turista se aventuraria a conhecer um lugar desses? Vale a pena lembrar do exemplo de Cubatão (SP), mundialmente conhecida pelo altíssimo nível de poluentes lançados à atmosfera. Essa reputação negativa é indício claríssimo da coexistência do dano moral ambiental coletivo com o dano moral ambiental de percepção individual, decorrente dos danos materiais específicos sofridos por uma determinada pessoa. No caso da Cidade de Cubatão, o dano moral ambiental coletivo corresponde à má reputação de que goza e ao sofrimento enfrentado por sua população. Os dissabores individuais decorridos dos efeitos da poluição irão caracterizar o dano moral ambiental individual.
Essa concorrência de danos encontra-se explicitada em nosso ordenamento jurídico, no já citado artigo 14 §1º da Lei 6938/81, in verbis:
"Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros. [...]"
Note-se que a conjunção aditiva e, constante da redação da redação do dispositivo permite a cumulação dos pedidos. Não podemos aceitar de forma alguma o argumento do poluidor de que isto demandaria um bis in idem. São espécies de dano perfeitamente dissociáveis, como bem observamos.
4.4.2. O Dano Moral Ambiental Coletivo
O dano moral ambiental é coletivo lato sensu por natureza; o meio ambiente é bem de fruição comum e por esta razão, a lesão a qualquer elemento seu acarreta o dano à moralidade coletiva.
Em contrapartida, vimos que, mesmo sendo de natureza erga omnes, os danos ao meio ambiente podem ser também pleiteados por uma pessoa, se eles revertem dano individual para ela, encontrando-se, inclusive, base na própria lei.
O dano moral ambiental coletivo, por sua vez, significa lesão ao sentimento comunitário. Esse desgosto coletivo não pode ser mensurado em bairros, distritos ou mesmo regiões; ele importa à honra de todos, sem exceção. Como todos têm o direito público subjetivo ao meio ambiente sadio e equilibrado, a sociedade também sentirá em seu íntimo a dor pela perda de determinado valor ambiental.
Cabe aqui frisar uma distinção: o dano moral ambiental coletivo não admite cisões. Se cogitamos desta espécie, devemos ter em mente que todos sofrem pela dor oriunda do dano. Um desastre ecológico que tenha repercussões mais diretas em determinado grupo de lesionados, implicará na caracterização de danos morais individuais reunidos em função do fato danoso.
Por exemplo, em uma situação de escapamento de gás altamente nocivo que contamine inúmeras pessoas em um determinado bairro, esse grupo de indivíduos sofre danos materiais (problemas pulmonares) que refletem invariavelmente em danos morais, ambos de natureza ambiental. Mas, apenas esses envolvidos é que estarão legitimados a pleitear em juízo a indenização por aqueles danos, a título individual e por meio de ação ordinária (ação de dano infecto), ação cautelar ou ainda mandado de segurança, desde que preenchidos os seus requisitos.
No exemplo citado, inegável a natureza de direitos individuais homogêneos daqueles relacionados aos lesionados em função da emissão de gases tóxicos. Sim, porque o quantum de sofrimento experimentado por cada um encontra-se individualizado no plano concreto; além disso, o fato jurídico (o acidente ecológico), foi responsável pela constituição da situação que abrigaria todos os lesionados em função do mesmo dano. Não havia uma situação pré-constituída, o que teria caracterizado aqueles direitos como coletivos.
Vamos trazer à lume uma polêmica: poderia o Ministério Público ajuizar ação civil pública para tutelar esses direitos individuais homogêneos? Temos para nós que sim, pois sua função precípua é a defesa da sociedade; o interesse público presente legitimaria sua atuação. Não concordamos com o argumento do ilustre jurista Miguel Reale, já apontado neste trabalho, de que a tutela do Parquet afastaria o direito de opção do lesionado em ver ou não o seu direito pessoal reconhecido em juízo. Em nosso humilde entendimento, deve-se levar em conta a preponderância do interesse social para a intervenção do Parquet. E ela estará sempre presente em matéria ambiental.
Chegamos, então, a uma conclusão: não se pode vislumbrar direitos coletivos em se tratando de dano moral ambiental coletivo. Essa espécie comporta cisão de uma parcela da coletividade não-identificável que esteja agrupada em situação pré-existente ao fato que tenha gerado o dever de indenizar. Como visto, o caráter incindível do dano moral coletivo não permite essa caracterização; ele terá sempre natureza difusa.
A natureza homogênea do dano moral ambiental coletivo evidencia-se ainda no que diz respeito à própria destinação da indenização percebida em sua decorrência. Ela deve ser revertida ao Fundo Estadual de Direitos Difusos, no caso das ações propostas em face das Justiças dos Estados, ou ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, regulado pelo decreto 1306/94, nos casos de competência da Justiça Federal.
O dinheiro repassado aos fundos tem como prioridade a reconstituição dos bens lesados; isso porque só a reparação dos bens ambientais degradados revigorará o sentimento coletivo. Assim, não é de causar estranheza que o montante proveniente de indenização por danos morais ambientais seja revertido ao fundo previsto no art. 13 da lei 7347/85, e não à coletividade atingida, até porque seria humanamente impossível dividir a verba entre milhares de pessoas. Somada ao valor da eventual condenação em dinheiro e das mulatas processuais, constituirá verba vultosa para a rápida reconstituição dos bens agredidos e consequente minoração do dissabor comunitário.
4.4.3. O Arbitramento do Dano Moral Ambiental
A composição do dano moral coletivo tem por escopo não apenas ressarcir a coletividade, mas também servir de instrumento de desestímulo aos agressores do patrimônio coletivo.
A dificuldade que se pode vislumbrar na fixação da indenização moral por ato praticado contra a honra de uma pessoa é igual à dificuldade que existe na quantificação da ofensa moral contra a coletividade. Uma das objeções que se fazia à reparabilidade do dano moral era a dificuldade para se apurar o seu valor. Essa dificuldade na verdade, era menor do que se dizia, porquanto em inúmeros casos o antigo Código Civil mandava que se recorresse ao arbitramento (art. 1536 §1º do CC de 1916).
Embora não repetido pela Lei Civil de 2002 o citado dispositivo, não há, realmente, outro meio mais eficiente para se fixar o dano moral. Cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, e tendo em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro (para os casos atinentes aos danos morais individuais), estimar uma quantia razoável e proporcional à intensidade da conduta ilícita. Essa intensidade atende ao grau de reprovabilidade do ato lesivo ao meio ambiente e às consequências sociais do mesmo para toda a sociedade, bem como às condições econômicas do poluidor. Todavia, não poderá a quantia indenizatória ser pouco significativa quando houver danos irreparáveis à vida e à saúde, que são os mais preciosos bens do homem.
Assim, o arbitramento dos danos morais coletivos, dentre eles os danos morais ambientais, sejam individuais ou coletivos, guardam grande analogia com o procedimento aplicado aos danos morais pessoais. Tanto em uma como em outra categoria o princípio da razoabilidade deve ser a bússola do magistrado.
No caso concreto que apresentamos neste estudo, houve condenação ao pagamento de danos morais ambientais no valor de duzentos salários-mínimos. Em regra, como o quantum debeatur é fixado pelo juiz, admissível se torna o pedido genérico constante da petição inicial; é pacífico o entendimento segundo o qual a ausência de pedido certo e determinado não impede a condenação, como veremos mais à frente.