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Dano moral contra o meio ambiente no direito brasileiro

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Agenda 16/04/2010 às 00:00

5. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM MATÉRIA AMBIENTAL

Em se tratando de dano moral ou material em seara ambiental, a regra é a da imputação objetiva da responsabilidade ao poluidor. Essa premissa, insculpida nos artigos 14 §1º da lei 6938/81 e 4º da lei 6453/77, é absoluta no sistema legal ecológico brasileiro. O legislador adotou aqui a teoria do risco integral, segundo a qual não se admite qualquer tipo de excludente de responsabilidade, ante a importância vital do meio ambiente. Quem obtém lucros com determinada atividade potencialmente nociva ao meio ambiente deve arcar também com os prejuízos causados à natureza, evitando assim a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos (ubi emolumentum, ibi onus).

O elemento culpa é, portanto, inteiramente dispensável, ao contrário do que sucede na área do direito privado, na qual o elemento subjetivo se mostra de fundamental importância (art. 927/CC).

A absoluta indisponibilidade do bem jurídico meio ambiente resulta no teor intransigente e estrito da norma constante do referido dispositivo, in verbis:

"...é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade."

Alguns estudiosos do Direito Ambiental vêm admitindo relativa mitigação à rigidez daquele preceito. [18] A licitude das atividades desempenhadas e a sua conformidade com os requisitos exigidos pela Administração Pública seriam suficientes para afastar a culpa do poluidor e sua consequente responsabilização. Chega-se até mesmo a defender que a legalidade do ato pode, em alguns casos, excluir o próprio conceito de dano, alegadamente mal definido na legislação pertinente.

Não nos parece apropriada a opinião manifestada acima. Em primeiro lugar, o conceito de dano ambiental encontra-se perfeitamente sedimentado, tanto na doutrina como na própria base legal. O art. 3º, III da lei 6938/81 é claríssimo:

"art. 3º - Para os fins previstos nesta lei, entende-se por:

III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a)prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b)criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c)afetem desfavoravelmente a biota

d)afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente

e)lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos."

Todos esses requisitos são não-cumulativos para efeito de verificação do dano ambiental, seja material, moral, coletivo ou individual. Sendo verificada qualquer das hipóteses acima elencadas, haverá em contrapartida, alteração significativa do equilíbrio ecológico e grave dissabor à comunidade, em caso de dano moral ambiental.

Isto, porque todas, sem exceção, traduzem situações hipotéticas em que o meio ambiente estaria sendo violentamente agredido. A professora Helita Barreira Custódio afirma com muita propriedade que "para fins de reparação, o dano decorrente de atividade poluente tem como pressuposto básico a própria gravidade do acidente, ocasionando prejuízo patrimonial ou não-patrimonial a outrem, independente de se tratar de risco permanente, ocasional ou relativo". [19]

Ora, essa gravidade já está implícita quando se cogita de qualquer daquelas alíneas do referido artigo, assim como estão também subentendidas a anormalidade e a periodicidade, que são também características inerentes a qualquer modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais, ou da normalidade psicológica da coletividade.

Se eventualmente o dano ambiental tem repercussão ínfima, ou seja, não alcança os níveis necessários à condução do meio á anormalidade caótica, não há que se falar sequer em lesão. A alteração do meio ambiente que não gera dano de qualquer espécie não é excludente ou atenuante de responsabilização justamente porque o dano não chegou a se concretizar. Uma única árvore derrubada, por exemplo, não será suficiente para que ocorra qualquer das situações elencadas. Nem bastará para que haja comoção geral a ponto de configurar um dano moral coletivo, salvo se o bem lesado constituir patrimônio relevante para a comunidade, que a ele tem apreço.

Em segundo lugar, a conformidade da atividade poluidora com as normas estabelecidas pela Administração Pública não pode, em hipótese alguma, excluir a responsabilidade do poluidor. A licitude do ato que gera a degradação do meio não exclui o dever de indenizar; esse é um princípio fundamental em matéria de responsabilidade civil e que funciona tanto no direito público como no privado. Aliás, Hely Lopes Meirelles, em magnífico artigo sobre o tema assim se manifesta:

"Se o fato argüido de lesivo ao meio ambiente foi praticado com licença, permissão ou autorização da autoridade competente, deverá o autor da ação – Ministério Público ou pessoa jurídica – provar a ilegalidade de sua expedição, uma vez que todo o ato administrativo traz a presunção de legitimidade, só invalidável por prova em contrário." [20]

Em havendo a ilegalidade do ato administrativo, será o caso de admissão da responsabilidade solidária do poluidor e do Poder Público, seja concedente, autorizatário ou permissionário.

No direito alemão, a Lei de Responsabilidade Civil Ambiental apresenta situações em que se manifesta a presunção de responsabilidade ou de causalidade. Mas, a própria lei admite mitigação a essa regra geral, ao apontar situações em que essa presunção não ocorre. Nesses casos, caberá à vítima estabelecer o nexo de causalidade, quando as instalações do poluidor operem aparentemente de acordo com as normas ambientais fixadas pelo Poder Público, como veremos mais adiante.

No direito pátrio, essa mitigação inexiste, porque o legislador atinou a elevada importância do meio equilibrado; em suma, percebeu que não poderia premiar atividades poluentes, ainda que em conformidade com regras pré-estabelecidas.

Ainda que o dano ambiental seja individual, a teoria do risco-integral também é aplicável. Muitos argumentam que o sistema da responsabilidade objetiva, em não permitindo nenhum tipo de excludente subjetiva de responsabilidade, não levaria em consideração a participação do próprio prejudicado na concretização do dano.

Com a devida vênia aos defensores dessa corrente, lembramos que a própria natureza dos danos ambientais torna praticamente impensável uma situação em que a culpa concorrente ou exclusiva do indivíduo ou da coletividade possa servir de excludente ou atenuante da responsabilidade do poluidor. A culpa exclusiva da vítima, aliás, exclui o próprio nexo de causalidade entre o fato danoso e o resultado. É o que ocorre com o dano nuclear resultante de culpa exclusiva da vítima, no qual há exoneração do operador, apenas em relação a ela e não no que diz respeito aos efeitos do acidente para toda a comunidade (art. 6º da lei 6453/77).

Ademais, a própria natureza do sistema legal de defesa do meio ambiente no Brasil, justifica a teoria do risco integral e a responsabilidade objetiva; aqui a natureza tem o escopo de bem jurídico indisponível e merece tutela legal. Saliente-se o princípio do in dubio pro nature no direito ambiental.

Em se tratando de dano ambiental resultante de caso fortuito ou força maior, parte da doutrina tem se inclinado pela responsabilização absoluta mesmo nesses casos. Paulo Affonso Leme Machado defende o disposto; segundo o mestre de São Paulo, "mesmo na hipótese de o dano resultar de caso fortuito ou força maior, como um acontecimento da natureza, permanece ou sobrevive a responsabilidade do indigitado infrator, pois a simples atividade imporia o dever de indenizar." [21] É a nosso ver, a posição mais acertada, não obstante o seu extremismo. Quantos casos de poluição ambiental ficariam fora do alcance da Lei se admitíssemos mitigação à teoria do risco integral?

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Inúmeros, sem sombra de dúvida...


6. AS FORMAS DE TUTELA PROCESSUAL DO PATRIMÔNIO AMBIENTAL

6.1. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Este é, sem dúvida o instrumento mais utilizado para a defesa do meio ambiente. A sua amplitude e o alcance dos seus efeitos têm sido responsáveis pelo êxito de um sem-número de demandas propostas para a tutela do meio natural.

Pode-se dizer que a ação civil pública, de natureza condenatória, tem por objeto uma pretensão, visando cominar ao infrator uma obrigação de fazer ou de não fazer, que recomponha in specie a lesão ao interesse metaindividual violado, sob pena de execução por terceiro, às suas expensas, ou de cominação de multa diária pelo retardamento no cumprimento do julgado.

Trata-se de ação civil (não penal); muitos consideram o termo "ação civil pública" redundante, vez que toda a ação tem a característica da publicidade, porque proposta perante o Estado-Juiz.

Ao contrário do que ocorre com a ação penal pública (art. 129/CRFB e art. 25, III da Lei 8625/93), o instrumento em tela não conta com a legitimidade exclusiva do Ministério Público. A lei alargou bastante o rol dos legitimados à propositura da ação, pelo que se depreende do seu art. 5º, caput, caracterizando-se aí a legitimação concorrente e disjuntiva. Situação paralela em seara penal, encontramos apenas na lei 1079/50, que no seu art. 14 prevê hipótese de o cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados (ação penal popular).

O Projeto Bierrenbach, embrião da lei em estudo, quebrou a orientação individualista do CPC, esboçada m seu art. 6º, justamente porque a proteção de interesses metaindividuais é o aspecto respeitante ao seu objeto.

É interessante notar que o projeto inicial tinha suprimido o inciso IV do art. 1º da lei, que estabelece a responsabilização por danos materiais e morais "a qualquer outro direito difuso ou coletivo". A lei 8078/90 acrescentou o dispositivo à lei da Ação Civil Pública, dada a relação de complementariedade entre ambas. Se o Código de Defesa do Consumidor não faz distinção ou classificação restrita de direitos coletivos lato sensu, então, em hipótese alguma poder-se-ia admitir restrições de qualquer natureza na lei 7347/85. Daí o caráter extensivo do referido inciso IV.

Outro aspecto interessante é o que concerne ao interesse à propositura da ação. Como qualquer ação, a ação civil pública atende às três condições necessárias ao provimento final: o interesse de agir, a legitimidade e a possibilidade jurídica do pedido (trinômio necessidade-utilidade-adequação), esta última desconsiderada por alguns doutrinadores, em vista de sua imbricação com o interesse de agir, influenciados pela orientação de Liebman.

O interesse do representante do Ministério Público é presumido, já que a lei o considera defensor dos interesses metaindividuais (LOMP, art. 25, IV, a e b). No caso dos demais legitimados, o interesse deve ser demonstrado. Com muita propriedade, Hugo Nigro Mazzili diz que "a defesa de interesse difuso pela União, pelo Estado, ou pelo Município tem de ser compatível com o interesse específico de cada uma dessas pessoas jurídicas." [22]

Em relação ao foro competente para a propositura da ação, excluída a controvérsia do art. 16 da lei, que será aprofundada adiante, a regra geral é o do local onde ocorrer o dano.

Questão que apresenta grande divergência é a da possibilidade de litisconsórcio entre o Ministério Público Federal e o Estadual. Entendemos pela possibilidade plena, tanto de um como de outro intervir na qualidade de assistente litisconsorcial. São órgãos com independência funcional e a nosso ver, não haveria razão para que não fosse admitida a assistência. Trazemos à lume o exemplo da ação civil pública que foi proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público Federal perante a 4ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, visando impedir a importação e comercialização de leite contaminado por radiação oriunda de acidente com reator termonuclear em Chernobyl (Ucrânia), em 1986. Este foi um precedente para várias ações atuais, em que se constata o litisconsórcio ministerial.

O princípio da indisponibilidade é latente em sede de ação civil pública; O representante do Ministério público não pode em hipótese alguma desistir da própria ação que intentou. Mas, em caso de desistência de outro legitimado, poderá, em caráter subsidiário, decidir que a ação proposta pelo autor originário não tem pertinência. Pode ocorrer também a hipótese de disponibilidade de conteúdo processual da lide.

Em termos de inquérito civil, podemos estabelecer uma analogia entre o art. 28 do CPP e o art. 9º da LACP. Caso o juiz não concorde com o pedido de arquivamento dos autos do inquérito civil, remeterá os autos ao Conselho Superior do Ministério Público, que insistirá na desistência ou designará outro órgão do Ministério Público para assumir a titularidade ativa da ação. Observamos aqui uma atividade anômala do magistrado, e também uma mitigação ao princípio da independência funcional do promotor de justiça substituto, já que ele agirá como longa manus, seja do Procurador Geral de Justiça, em caso de ação penal, seja do Representante do Conselho citado, no caso da ação civil pública. Desta maneira, não poderá exercer juízo de conveniência e desistir da propositura da ação, tal como fez o Curador originário.

O sistema recursal, verificado na lei 7347/85, não apresenta peculiaridades de monta. Destacamos apenas o conteúdo do art. 14, que estabelece a possibilidade de o juiz conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte. No sistema do Código de Processo Civil, o juiz não tem discricionariedade para dizer em que efeito recebe o recurso: este será recebido no efeito indicado na lei. Logo, o art. 14 distancia-se do sistema codificado, embora não seja propriamente uma novidade, já que os recursos nas demandas submetidas aos Juizados Especiais Cíveis terão somente efeito devolutivo, podendo o juiz dar-lhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável á parte (art. 43 da lei 9099/95).

Como se vê, a faculdade concedida ao magistrado pelo art. 14 atende a um interesse relevante: a tutela do interesse objetivado, que poderia ficar desprotegido, se a cobertura dada pela sentença não pudesse ser logo realizada.

6.1.1. O Artigo 16 da Lei 7347/85

"A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."

Elogiável a iniciativa do legislador em limitar os efeitos do trânsito em julgado da ação por insuficiência de provas. A formação da coisa julgada secundum eventum litis, apesar de intensamente criticada pela doutrina clássica, afigura-se como instrumento ideal para a efetividade das ações coletivas. O notável processualista Barbosa Moreira, em crítica ao presente sistema alegou que ele poderia levar a coisas julgadas contraditórias.

Mas é justamente na contradição entre as coisas julgadas é que aflora o porquê desta sistemática. Pense-se, por exemplo, em uma ação popular proposta por um demandante em conluio com um governante que tivesse praticado um ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, na qual o demandante, propositadamente, não apresentasse provas suficientes para demonstrar a veracidade de suas alegações. A sentença que rejeitasse o pedido faria coisa julgada erga omnes, impedindo que qualquer outro membro da coletividade, bem intencionado e ainda que de posse de novas e irrefutáveis provas, atacasse aquele ato.

Nesse caso, a contrariedade entre as coisas julgadas é indispensável à busca da verdade real, que se torna necessária em vista do bem jurídico tutelado (a incolumidade do patrimônio público).

Por outro lado, errou gravemente o Executivo ao editar a Medida Provisória nº 1570/97, posteriormente convertida na lei nº 9494/97, que alterou o dispositivo em tela. Inspirado em interesses fazendários, o Chefe do Poder Executivo pretendeu restringir os efeitos da sentença erga omnes aos limites territoriais da competência.

Limitar a abrangência da coisa julgada nas ações coletivas significa multiplicar demandas, o que, sem dúvida, contraria o ideal da justiça rápida e eficaz.

Deve-se salientar o voto do Ministro Relator Ilmar Galvão no conflito de competência nº 971-DF, julgado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em 13/02/1990, reconhecendo a prevenção da competência da 30ª Vara Federal do Rio de Janeiro para conhecer e julgar a ação civil pública visando proibir a mistura e distribuição de metanol adicionado ao álcool para venda ao consumidor, em todo o território nacional, em relação a causa com o mesmo objetivo intentada perante a Justiça Federal do Distrito Federal. Reconhecida a conexão e a prevenção da competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro – que havia inclusive concedido medida liminar – afirmava o ilustre relator:

"Meditei detidamente quanto à possibilidade de admitir-se que uma decisão de juízo monocrático, da natureza da que se busca nas ações em tela, possa estender seus efeitos para além dos limites do território onde exerce ele sua jurisdição, não tendo encontrado nenhum princípio ou norma capaz de levar a uma conclusão negativa.

A regionalização da Justiça Federal não me parece que constitua óbice àquele efeito, sendo certo que igualmente, no plano da Justiça Estadual, nada impede que uma determinada decisão proferida por juiz com jurisdição num Estado, projete seus efeitos sobre pessoas domiciliadas em outro.

Avulta, no presente caso, tratar-se de ações destinadas à tutela de interesses difusos [...], não sendo razoável que, v.g., eventual proibição de emanações tóxicas seja forçosamente restrita a apenas uma região, quando todas as pessoas são livres para nela permanecer ou transitar, ainda que residam em outra parte." [23]

Vale lembrar, também, que a Justiça Federal da Seção do Estado do Mato Grosso, em 1ª instância, beneficiou servidores públicos de todo o país, concedendo liminares em matéria de proventos para reconhecer a inexigibilidade da contribuição social e determinar à União que não procedesse ao lançamento de débitos em contas de poupança ativas, inativas ou não recadastradas. [24]

Esses exemplos apontam a absoluta necessidade da abrangência ilimitada da coisa julgada nas demandas coletivas. Será que um dano ambiental, de largas proporções, irá afetar apenas as pessoas que se encontram nos limites territoriais de competência da autoridade judicial prolatora da sentença? A resposta afirmativa equivaleria a aceitar que um casal que estivesse divorciado por sentença transitada em julgado no Estado do Rio de Janeiro não o estivesse também em São Paulo!...

Mas, felizmente, a limitação territorial da coisa julgada imposta pela lei 9494/97 é inoperante no que toca aos direito difusos, coletivos e individuais homogêneos. Isso por força dos artigos 21 da lei 7347/85 e 90 da lei 8078/90, que preconizam a necessidade da leitura integrada dos dispositivos daquelas duas leis. E também pela inteligência do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor, que delimita a competência da Justiça local no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional.

Assim, quando o dispositivo em estudo afirma que a coisa julgada se restringe aos "limites da competência do órgão prolator", nada mais indica do que a necessidade de buscar a especificação dos limites legais da competência.

Ainda que inserido no capítulo que versa sobre as ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos, o art. 93 do CDC tem plena aplicação aos direitos difusos e coletivos, por engenho da interpretação extensiva de seu conteúdo. Ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio. É a necessária coerência interna do sistema jurídico que exige a formulação de regras idênticas para situações igualmente idênticas. Não faria sentido admitir-se uma regra extensiva de competência para as causas que envolvessem direitos individuais homogêneos e não aplicá-las aos direitos difusos e coletivos, de natureza similar. E com o advento da malfadada alteração do art. 16, a referida interpretação faz-se ainda mais necessária.

Como bem assevera a magnífica Ada P. Grinover:

"Ora, o âmbito da abrangência da coisa julgada é determinado pelo pedido e não pela competência. Esta nada mais é do que a relação de adequação entre o processo e o juiz, nenhuma influência tendo sobre o objeto do processo. Se o pedido é amplo (de âmbito nacional), não será por intermédio de tentativas de restrições de competência que o mesmo poderá ficar limitado." [25]

Desta forma, totalmente ineficaz o dispositivo limitador para qualquer das categorias de direitos transindividuais. Se, por hipótese de uma ação civil pública para reparação de danos morais e materiais ao meio ambiente, causados pela devastação de imensa área de floresta, espalhada por dois Estados da Federação, ao juízo prevento de um deles não será limitado o efeito da coisa julgada. O pedido é amplo, vastíssimo, assim como o objeto do processo. O âmbito regional da devastação será levado em conta para efeitos da interpretação extensiva do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor.

Enquanto bem jurídico de extrema relevância, o patrimônio ambiental, assim como o material, conta com instrumentos jurídicos destinados a sua proteção. O meio mais comum de tutela do meio ambiente é a ação civil pública, disciplinada pela lei 7347/85. Mas não é a única. A ação popular também se apresenta como instrumento de defesa da moralidade ambiental, contra os atos ou omissões do Poder Público, assim como a ação de dano infecto, amparada pelos dispositivos do Novo Código Civil, aplicável em caso de dano moral ambiental individual, além do mandado de segurança coletivo, cabível nas hipóteses de correção de atos que possam ser lesivos à Natureza.

6.2. A AÇÃO POPULAR

Este poderoso instrumento jurídico, juntamente com o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, e ainda a iniciativa popular de lei e o direito de organização e participação de partidos políticos, constituem formas de exercício da soberania popular. Com a ação popular, em particular, permite-se ao povo, diretamente, exercer a função fiscalizatória do Poder Público, com base no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a res publica é patrimônio do povo.

Na ação popular, o pedido imediato é de natureza desconstitutiva e condenatória, ao passo que o pedido mediato será a insubsistência do ato lesivo a estes direitos difusos. Em decorrência da anulação do ato lesivo a tais interesses difusos, se pedirá a condenação dos responsáveis e bem assim dos eventuais beneficiários do ato lesivo ao ressarcimento devido.

O que se pede, pois, imediatamente, na demanda é a sentença constitutiva-negativa, isto é, uma sentença que decrete a invalidade do ato lesivo ao patrimônio daquelas pessoas, entidades ou instituições. Em decorrência dessa decisão, deverá a sentença condenar os responsáveis em perdas e danos. Aliás, o art. 11 da lei 4737/65 é claro ao prever a condenação ao pagamento de perdas e danos pela prática de atos lesivos ao patrimônio público.

Assim, assoma a possibilidade de pedido de indenização por danos morais ambientais em sede de ação popular. É pena que seu uso não seja tão corriqueiro nos meios forenses. Em nossa pesquisa de campo, averiguamos que na Curadoria de Meio Ambiente de Niterói, em meio a tantas ações civis públicas, havia apenas uma ação popular ambiental. Ao que parece, seu conceito está mais ligado aos problemas de improbidade administrativa.

Pode-se supor, por exemplo, que numa ação popular ambiental, se afigure favorável ao interesse público a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), devidamente fiscalizado o ato pelo representante do Ministério Público. Sua incidência, ao contrário do que muitos pensam, não se restringe à ação civil pública.

A jurisprudência e a doutrina majoritária entendem que o cidadão, autor da ação popular, age como substituto processual, pois defende interesse alheio (baseado na lesão a direito difuso) em nome próprio. Essa a nosso ver a posição mais acertada. Pedimos vênia para discordar dos que entendem pela legitimação ordinária ampliada do autor popular, em alusão ao mesmo instituto previsto na Constituição Portuguesa de 1976.

Em nossa modesta opinião, a diretriz que norteia a ação popular é o interesse público atinente à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico, cultural, artístico e turístico. Ou seja, o que se pretende tutelar com o presente instrumento são aqueles bens e valores indispensáveis a toda a coletividade. Será que, em determinada ação popular ambiental, no qual o autor formule pedido de condenação dos poluidores, de desconstituição dos atos lesivos e de reparação de danos materiais e morais ao meio ambiente, estará defendendo direito próprio (o de sua participação na vida política do Estado)? Ou estará pleiteando tutela, ainda que de forma individualizada, para o bem coletivo (o patrimônio ambiental)? Ficamos com a segunda alternativa.

6.3. O MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

O art. 5º, LXX da CRFB criou o mandado de segurança coletivo, tratando-se de grande novidade no âmbito da proteção aos direitos e garantias fundamentais, e que poderá ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional e organização sindical ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

O presente instrumento tem por objeto a defesa dos mesmos direitos que podem ser objeto do mandado de segurança individual, porém direcionado à defesa dos interesses coletivos em sentido amplo, contra ato ou omissão ilegais da Autoridade Pública, desde que presentes os atributos da liquidez e da certeza.

Assoma daí a possibilidade da sua impetração para a defesa de direitos materiais e morais de natureza ambiental. Trazemos a lume o exemplo da ASPAN (Associação Pernambucana dos Amigos e Defensores da Natureza), que impetrou mandado de segurança coletivo contra ato de autoridade da Prefeitura Municipal de Recife, para impedir que esta autorizasse determinada construção que invadia limites estabelecidos pelo Código Florestal. [26] Sobressai neste caso o elemento objetivo do instrumento jurídico, consubstanciado no uso do remédio para a defesa de direitos metaindividuais, em detrimento do elemento institucional, caracterizado pela defesa, na forma de substituição processual, de membros ou associados.

Na defesa do meio ambiente, o mandado de segurança coletivo tem cunho meramente repressivo, na maioria das vezes. Mas, poderá ter natureza preventiva, tal como verificado no exemplo citado, em que um ato concreto da autoridade coatora possa por em risco determinado valor ambiental. Nesse caso, a ameaça deve ser real, e não pode haver mera suposição de ameaça a direito.

Cabe ressaltar que, pela via do mandamus coletivo, o patrimônio moral ambiental é defendido indiretamente; se o ato lesivo emanado da autoridade coatora é corrigido, em caso de decisão repressiva, a execução da sentença concessiva da segurança é imediata e específica, isto é, mediante o cumprimento da providência determinada pelo juízo, sem a possibilidade de ser substituída pela reparação pecuniária.

Em se tratando de decisão preventiva, não há que se falar em dano moral ou material ambiental, já que o cometimento da ilegalidade iminente foi evitado e não houve, por conseguinte, qualquer ato atentatório ao meio natural que pudesse ensejar a sua caracterização.

Assim, se constatados os danos patrimoniais ou extrapatrimoniais de natureza ambiental, sua reivindicação far-se-á por ação direta e autônoma (ação de dano infecto).

6.4. A AÇÃO DE DANO INFECTO

Na definição de De Plácido e Silva, consiste na "proteção ou remédio jurídico intentado por uma pessoa, quando se sente ameaçada por outrem, que lhe quer tomar ou ocupar suas coisas ou ofender seus direitos." [27]

Assim, se alguém, de posse da coisa ameaçada, e acometido por temor justo e fundado, ante a iminência de um perigo real e irreparável, evidenciado por prova material, poderá, nestas circunstâncias, se utilizar deste meio processual.

A ação consiste em pedir ao interessado que, para ser assegurado em seu sossego, ou aos moradores dela, preste o ameaçante caução de damno infecto, ou caução de dano receado, que servirá de garantia a reparação do dano, seja moral ou material quando ocorrente, desde que lhe seja juridicamente imputável e tão logo se liquide o quantum da indenização.

O art. 1277 do Código Civil de 2002 estabelece que a proibição às interferências prejudiciais aos vizinhos deve levar em conta a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Estes critérios já eram utilizados pelos julgadores, quando chamados a decidir as ações de dano infecto, embora a eles não aludisse o art. 554 do Diploma de 1916, tratando-se, assim de mera construção doutrinária, agora positivada.

Assim, o instrumento em tela tem o objetivo de fazer cessar ou reduzir a interferência poluidora, sem prejuízo das indenizações devidas, asseguradas desde o início do trâmite do processo, mediante a caução supracitada.

Sobre o autor
Alexander Gusmão

Advogado formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUSMÃO, Alexander. Dano moral contra o meio ambiente no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2480, 16 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14602. Acesso em: 26 dez. 2024.

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