A Associação Nacional de Jornais está alardeando que é preciso investir nos recursos humanos porque, no fundo, é o homem que é importante no processo da comunicação. Deseja reciclar, atualizar os jornalistas na informática e nas novas ferramentas da tecnologia de comunicação, embora não mostre qualquer preocupação com o vernáculo. Mas acontece que a imprensa brasileira paga muito mal a seus servidores. O salário médio de um repórter no Brasil é de R$ 650,00 (FENAJ).
As emissoras de televisão e os grandes jornais
têm lucro fabuloso. Existem jornais e emissoras que teimam
em pagar pouco, porque seus jornalistas arranjam "boca"
no Governo (Executivo e Legislativo) e melhoram demasiado a renda.
E essas empresas dizem descaradamente a seus empregados que o
sistema é esse realmente, "você vai ganhar pouco
aqui na nossa redação, mas, em compensação,
você vai arranjar uma assessoria na Secretaria disso, ou
no gabinete do deputado fulano, ou no Serviço de Imprensa
do Palácio do Governador etc". Aliás, parece
que esse caminho é o começo de uma picada que leva
o jornalista a galgar postos elevadíssimos, à custa
do trampolim da própria imprensa. Vem-nos à memória
a frase muito irônica do jornalista francês Maurice
de Guérin: "Le journalisme mêne à tout,
à condition d´en sortir" (o jornalismo leva a tudo,
desde que você saia dele).
7 - PROPRIEDADE DOS VEÍCULOS TRAZ
MONOPÓLIO
Cabe agora perguntar quando é que o Congresso
Nacional vai tentar combater o monopólio da comunicação
no Brasil. Achamos que a matéria é muito delicada
porque qualquer alteração temporal na concessão
de canais para rádio e televisão no Brasil tem de
ser feita por voto descoberto (nominal) e aprovada por dois quintos
do Congresso (Constituição Federal, art. 223, §
2º). Será muito difícil encontrar bravura e
coragem nos nossos ilustres parlamentares para cuidarem deste
assunto com a seriedade e com a justeza que ele desafia. Fazemos
essa assertiva porque estrangeiros que têm conversado conosco
a respeito das regras constitucionais atinentes à comunicação
social no Brasil (art. 220 e seguintes) não acreditam que
o Estatuto Básico disponha, como o faz, em favor dos donos
de empresas jornalísticas no país.
8 - CONSELHO DE COMUNICAÇÃO
Refere-se a Constituição Federal, no seu art. 224, ao Conselho de Comunicação como órgão auxiliar do Poder Legislativo.
Existem muitas idéias excelentes a respeito de atribuições que se poderão entregar a este Conselho, visando a um trabalho de fiscalização e acompanhamento, principalmente das emissoras de televisão e, de modo geral, de todos os veículos, com vistas à defesa da moralidade pública e dos bons costumes. Seria alguma coisa à maneira das juntas de decência que funcionam nos Estados Unidos, país mais democrata do mundo (o que tira qualquer conotação de repressão ou de censura a propósito desse tema). O que ocorre, no entanto, é que o projeto em discussão não diz coisa alguma a respeito desse Conselho, nem o legislador, passados quase dez anos da estipulação constitucional a respeito dele, procurou dar a esse ente a função desejada pela sociedade. Não faz mal repetir que essa conversa de o legislador dizer que determinado assunto vai ser tratado noutra lei, num futuro Código de Telecomunicações ou coisa que o valha, é forma de procrastinar a solução do problema, jogá-la para as calendas gregas.
Cabe lembrar, a propósito, que o projeto deveria permitir a apreensão, mediante ordem judicial, de tudo o que ofende a moral pública e os bons costumes. Há uma avacalhação da ética, da moral pública, um acanalhamento geral contra a dignidade da pessoa humana e no que concerne também ao mau exercício da liberdade de imprensa, através da televisão, do rádio, do jornal e dos periódicos. Essas ofensas à moral pública e aos bons costumes têm de ser coarctadas, porque não adianta colocar grade na janela depois que o ladrão já entrou.
Observa-se que há muitos preceitos que ficariam
melhor num Código de Ética, para
não
serem cumpridos.
9 - OBSERVAÇÕES ESPECÍFICAS
AO PROJETO
Daqui para a frente, vamos fazer observações específicas às diferentes disposições do projeto.
Reza o Art. 9, § 4 do que "a retratação, acompanhada da publicação da resposta, se aceita pela vítima e julgada suficiente pelo juiz, extingue a punibilidade, mas não será considerado qualquer acordo entre autor e réu após haver transitado em julgado a sentença condenatória".
Cabe-nos formular a seguinte pergunta: e se o juiz não julgar suficiente a retratação? Vê-se que o projeto abre oportunidade a uma dificuldade intransponível porque se a vítima, que é a mais interessada na matéria, aceita a retratação e a dá como boa, como cabal, como demonstrando a boa fé do autor da matéria incriminada, por que é que também se vai exigir que o juiz a julgue suficiente? Se ele não a julgar suficiente e o ofendido, a vítima não tomar qualquer providência, o juiz vai operar no vazio, vai fazer papel de idiota.
É o mesmo erro existente na atual Lei de Imprensa
que, relativamente ao pedido de explicações, dá
ao juiz a atribuição de julgar as explicações
dadas pelo autor da matéria incriminada. Diz a lei que,
se as explicações dadas forem consideradas satisfatórias
pelo juiz, a questão estará resolvida. Ao invés
de deixar a critério do interessado dizer se as
explicações foram ou não foram satisfatórias.
E aí então, que acontece? Se o juiz declara que
as explicações foram satisfatórias, ele terá
prejulgado o mérito da questão, como que a dizer
ao ofendido, ou interessado, que não cuide de ingressar
com ação penal porque essa ação não
vai prosperar, o juiz considera que não existe a ofensa
ou o erro pretendido pelo interessado. Agora, se o juiz considerar
que a explicação não foi satisfatória
mas o interessado considerar que foi satisfatória, o juiz
terá feito papel de idiota.
Um exame do art. 10, cuja transcrição deixamos de fazer por ser muito longo, mostra três aspectos:
a) não prevê o legislador pena para a agência de notícias nem para o cinema (exceto no caso de documentários);
b) no rádio e na televisão, o autor da ofensa é substituído sempre pelo diretor-geral do programa porque, nesses veículos, não existe "autor do escrito incriminado" (V);
c) o sistema legal do projeto acabou com a responsabilidade
sucessiva.
Neste item I, a lei diz que "a responsabilidade
penal fixada nesta lei caberá ao editor-chefe ou àquele
que for efetivamente responsável quando a publicação
ou transmissão for editorial, notícia ou opinião
não assinada".
Nem todo jornal tem o "editor-chefe" -
trata-se de um nomen juris tirado da influência do
jornalismo norte-americano, porque, pela influência do direito
francês, nossas leis até agora empregavam a expressão
"redator-chefe". Se não existir a figura do "editor-chefe",
então vai se recorrer "àquele que for efetivamente
responsável".
Trata-se do sigilo da fonte. Esta regra dispõe que (§ 4º) "nenhum autor de escrito ou notícia, ou veículo de comunicação social poderá será compelido a indicar o nome de seu informante, ou a fonte de suas informações, não podendo seu silêncio na ação penal ser usado contra ele como presunção de culpa ou como agravante". Este artigo está muito mal redigido porque na ação penal que surgir, haverá autor responsável pela ofensa, logo é descabido o texto "não podendo seu silêncio na ação penal ser usado contra ele como presunção de culpa ou como agravante".
É a própria lei que atribui responsabilidade ao "autor do escrito assinado" (art. 10 - V).
Mais: o correto seria "contra eles".
Do contrário, haveria anonimato, que é vedado pela Constituição Federal (art. 5º - X) e pelo art. 2º, § 1º do Projeto.
Aliás, o § 5º do art. 10 do projeto
não exclui as responsabilidades nem o ônus da prova.
O artigo 11 do projeto estipula que "não haverá responsabilidade do profissional ou do meio de comunicação quando a ofensa à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas decorrer de informação que tenha como fonte comprovada autoridade pública que possa ser identificada ou quando o fato conste de processo administrativo ou judicial em que o sigilo não constitua explícita exigência legal."
Essa redação dá licitude à ofensa da intimidade, da honra, da vida privada se a informação vier de autoridade pública ou de processo judicial público.
Haverá casos em que essa faculdade irá aumentar a dor nas personagens de dramas geralmente particulares e fora do campo da res publica.
Mesmo sabendo que a lei é um mínimo
ético (Jellineck), aqui o mínimo virou nada.
Dispõe o artigo 12 que "não constituirá violação à intimidade, à vida privada e à imagem das pessoas a divulgação de foto, de imagens, de sons, quando fixados ou gravados diretamente em local público gratuito ou pago".
A amplitude desse artigo pode lesar a imagem ou outro bem jurídico das pessoas. Além disso, é inconstitucional porque viola o direito à própria imagem (CF, art. 5º - X).
Imaginemos um incidente que dilacere a roupa de uma beldade que assiste a uma peça de teatro e que um fotógrafo carniceiro registre o lindo busto dessa celebridade artística. Será lícito divulgar a foto?
Os artigos 11 e 12 carecem de restrição, à maneira do art. 13, que invoca a possibilidade de delito contra a honra.
Não é nenhum primor de linguagem a
expressão "local público gratuito ou pago".
O artigo 14 cuida das pessoas que podem mover ação
penal e, no seu item I, diz que essa ação poderá
ser movida pelo cônjuge supérstite. Propomos
a eliminação do adjetivo porque é um pleonasmo,
já que cônjuge morto não terá
jamais capacidade para ingressar em juízo.
Sugerimos eliminação da palavra "injúria". Esse artigo 15 reza que "nos casos de injúria e difamação, será admitida a prova da verdade contra autoridade e servidor público, entidade ou órgão público, vedado ao juiz recusá-la sob qualquer fundamento". Ora, por definição, na injúria não há fato, logo não há fato cuja veracidade se possa demonstrar. O que existe na injúria é a imputação de vícios, de defeitos, de más qualidades, de juízos de valor negativos. Por isso, é uma heresia jurídica pretender-se admitir prova da verdade nesse delito contra a honra. Conhecemos versões do projeto que não contêm esse erro.
A parte final desse art. 15 deve ser suprimida porque
demonstra receio, falta de fé, desconfiança e suspeita
do Poder Judiciário.
O art. 20 trata do direito de resposta ou de retificação. Primeiro pecado do artigo é não se referir ao fato gerador desse direito de resposta ou de retificação. O segundo problema tem a ver com a expressão proporcional ao agravo (CF, art. 5º - V). Essa expressão não existe na vigente lei.
Sob pena de estarmos nos repetindo, voltamos a dizer que agravo significa ofensa, injúria, prejuízo, dano, injustiça. Não há fixação de tamanho/tempo para a resposta, a prevalecer nosso raciocínio. De maneira que, se estivermos certos, o espaço e tempo colocados no art. 20 do projeto deverão desaparecer.
O modo de publicar a resposta consagrado no § 1 desse artigo 20 continua suscetível de oposição por parte dos jornais e periódicos, porque essa disposição manda que a resposta seja dada "na mesma página do veículo impresso, com destaque, dimensões e caracteres tipográficos e no título e no texto idênticos ao escrito ofensivo "
O projeto não estabelece prazo para o pedido amigável (extrajudicial) de resposta (na lei atual e no projeto Pinheiro Landim ele é de 30 dias).
No art. 23 do projeto, o legislador não fixa o valor da multa diária pelo atraso da resposta.
Ao dar efeito suspensivo ao recurso do veículo contra decisão de primeira instância, que ordena a publicação da resposta, o legislador tira a velocidade que pretendeu imprimir ao exercício desse direito; do mesmo modo que tira a própria eficácia dele, porque, até que o recurso seja decidido em instância superior - no caso que ela venha a manter a decisão de primeiro grau - a publicação ou transmissão da resposta terá perdido inteiramente a eficácia desejada.
Esse recurso com efeito suspensivo está previsto
no art. 23, parágrafo único, da lei.
O art. 24 - IV estabelece que a resposta ou retificação
dos fatos será negada quando violar a lei. É uma
nova hipótese de recusa da publicação da
resposta; embora se saiba o que é que o legislador pretendeu
com essa disposição, ela poderá funcionar
como uma panacéia, ensejando possibilidade de recusações
chicanistas dos donos de jornal e periódicos ao dever de
divulgar ou transmitir resposta ou retificação.
Estabelece o artigo 25 do projeto que "quando a ofensa se der através de matéria paga será permitido, em espaço igual, às expensas do ofensor, o direito de resposta e a contestação às ofensas, servindo a ordem judicial de título executivo para a cobrança do valor de seu custo, de acordo com a tabela de preço da publicidade comercial regular". Essa disposição está errada, porque o veículo tem responsabilidade objetiva ou, no mínimo, culpa in vigilando.
O art. 3º - X do projeto ressalva a recusa de
publicação de matéria paga que afronte os
direitos essenciais da pessoa humana.
O projeto de lei estabelece no art. 26 que os conflitos entre a liberdade de informação e os direitos de personalidade, entre eles os relativos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, serão resolvidos em favor do interesse público visado pela informação.
Trata-se de delicada opção, porque ela pode permitir bisbilhotice e xeretismo de certa imprensa, bem como licitude para que se realize invasão do mundo privado de gente importante e dos homens públicos, como professores, deputados, senadores, chefes do Executivo, atores e outras pessoas.
Mais: o verbo está mal empregado.
O projeto Pinheiro Landim fez o elenco das informações
que julgou de interesse público (art. 5º), assim:
I - concernentes a crimes, contravenções penais e outras condutas anti-sociais;
II - destinadas à proteção da saúde pública e à segurança dos cidadãos;
III - destinadas à prevenção dos cidadãos relativamente a fraudes;
IV - obtidas em espaço público, nelas compreendidas a divulgação de imagem e som;
V - fornecidas pelo poder público;
VI - obtidas em procedimentos administrativos ou judiciais não submetidos a reserva legal;
VII - obtidas em casas legislativas.
O Poder Judiciário terá de definir
a expressão "interesse público" e, sob
a luz dessa definição, julgar cada caso. Não
me encorajaria, por ora, a pôr na lei essa prioridade.
Na Inglaterra, no particular, estão em palpos
de aranha com essa expressão.
O art. 28, p.ú., diz que "equiparam-se
à publicidade, para os fins desta lei, os textos de terceiros
levados à publicação mediante remuneração,
devendo, nesse caso, ser necessariamente indicada a pessoa física
ou jurídica responsável por seu pagamento."
Essa norma está redigida para ser violada.
A publicidade oficial ilícita (CF, art. 37,
§ 1º) é toda feita nos moldes que o projeto descreve
e jamais nela porão a etiqueta de identificação.
Trata-se daquela publicidade promocional em favor dos administradores
públicos e vedada pela Lei Maior.
O art. 33 diz que "revogam-se a Lei n 5.250, de 9/2/1967, o parágrafo único do artigo 26 da Lei n 7.170, de 14/12/1983, o parágrafo único do artigo 337 da Lei n 4.737 de 15/7/1965 e demais disposições em contrário".
Falta razão para revogar o parágrafo único do art. 337 da Lei 4.737/65 (detenção para responsável por emissora de radiodifusão que transmite a fala de estrangeiro ou brasileiro sem direitos políticos).
Podia ter passado a pena para multa, simplesmente.