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Sobre o Projeto de Lei de Imprensa

(Projeto de Lei nº 3.232, de 1992)

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Agenda 19/11/1997 às 00:00
1 - DEVE HAVER LEI ESPECIAL PARA A IMPRENSA

A primeira questão que se coloca é a de saber-se se existe justificativa para haver uma lei regulando a liberdade de imprensa. Há muitos órgãos, muitos veículos de comunicação, muitos jornalistas ilustres e até professores de Direito que entendem que não deve haver uma lei especial para a imprensa.

Partem do princípio de que a maioria das infrações que se cometem através dos veículos de comunicação de massa - jornal, periódico, rádio, televisão, cinema - são as mesmas descritas na lei penal comum, como, por exemplo a calúnia, a difamação e a injúria, para ficar nas três figuras (tidas como principais) dos delitos que se cometem através dos meios de comunicação. E há até mesmo um jornal bastante influente que diz que toda vez que se fala na elaboração de Lei de Imprensa, deve-se temer alguma medida restritiva da parte do legislador, porque em geral as leis de imprensa trazem arrocho e cerceamento para a manifestação do pensamento.

Essa questão é muito antiga. Nos idos de 1954, já o Professor Lydio Machado Bandeira de Melo, que, além de grande filósofo e grande pensador, era uma sumidade em matéria de Direito Penal, com um toque de ironia, dizia que não se justificava a existência de lei especial para a imprensa, porque não é o instrumento utilizado no cometimento do delito que pode ter o condão de criar uma regência legal particular; porque a vingar esta idéia, dizia ele, o homicídio com veneno devia ter uma lei especial; o homicídio mediante o uso de explosivo devia ter outra lei especial; o homicídio mediante facadas - ou, como dizem os maus jornalistas, "a golpe de facas" - também deveria ser regido por uma lei especial.

Nós nos colocamos numa posição diferente, achamos que deve existir uma lei especial cuidando da imprensa no sentido largo do termo. Primeiro, porque o sistema de responsabilidade existente na imprensa, seja ele de responsabilidade sucessiva ou solidária, é especial. E o direito de resposta, por sua vez, é um instituto que, junto com o sistema de responsabilidade típico da imprensa, tem caráter sui generis; não ficariam bem colocados dentro de um Código Penal, ainda que se pensasse na idéia de abrir-se um vastíssimo capítulo no Código, para cuidar da matéria. Além disso, o jornal, do ponto de vista do direito autoral, é uma obra coletiva que merece um tratamento legal especial. E, finalmente, vai aqui o argumento mais forte, que passa despercebido daqueles que pensam de modo contrário: existe uma Lei de Imprensa especial precisamente porque o legislador quer tratar a imprensa com carinho, quer tratar a imprensa de maneira criminalmente mais branda, porque aí ele se guia pelo critério de utilidade, quer dizer, o critério de justiça cede lugar ao critério de utilidade. Basta o interessado comparar as penas para os crimes cometidos por intermédio da imprensa com os mesmos crimes cometidos verbalmente, ou por boletim, ou por qualquer outro meio de comunicação de muito menor repercussão para se ver que essas penas são equivalentes, embora o dano causado numa "Rede Globo de Televisão" ou num jornal como a "Folha de São Paulo", ou numa revista como "Veja", seja absurdamente maior do que quando causado por uma calúnia, por uma difamação, por uma injúria proferidas verbalmente, às vezes perante uma só pessoa. No entanto, a apenação daquele que comete o delito pela imprensa é muito suave, é muito branda quando se faz esta comparação. Então, é uma homenagem que o legislador presta à imprensa, reconhecendo nela seu critério de utilidade. Isso traz à baila aquele pensamento de Tocqueville, quando ele dizia: "amo a imprensa, não pelo bem que ela faz, mas pelos males que ela evita".


2 - A LEI PODE POUCO

O segundo ponto a considerar é a eficácia que possa ter a Lei de Imprensa ou qualquer outra lei produzida pelo Estado. Somos muito céticos a respeito do poder das leis jurídicas, principalmente nos países latino-americanos e notadamente no Brasil. A lei pode muito pouco. Acode-nos ao espírito o pensamento de Henri Capitant: se a lei é contrária ao costume, ela é inútil, e se ela é conforme ao costume, ela é redundante. Também nos vem à mente aquela ideação de Capistrano de Abreu quando dizia que "para melhorar o Brasil seria preciso que se fizesse uma lei com dois artigos. Artigo primeiro: todo brasileiro é obrigado a ter vergonha na cara; artigo segundo: revogam-se as disposições em contrário."

Para os que tiverem maior interesse em examinar a pouca eficiência das normas jurídicas no sentido de mudar o comportamento do homem, basta consultar um livrinho intitulado "A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis", de Jean Cruet, Professor da Sorbonne. Pelo próprio título do trabalho está se vendo o que esse professor pensou a respeito do tema. Agora, o fato de nos declararmos céticos com relação à eficácia das leis jurídicas, principalmente no Brasil, não significa que a lei não deva ser feita, não deva ser produzida. Sim, vamos fazer as leis porque, pelo menos, elas vão funcionar como semáforos, elas serão um sinal vermelho ou um sinal de alerta, um sinal amarelo, para aqueles que estejam transitando pelas largas avenidas da liberdade, a fim de que eles saibam que, de um momento para outro, eles podem cair nas malhas das regras jurídicas do Estado e se verem encarcerados, ou multados, ou castigados de alguma forma. No final da exposição deste trabalho, principalmente quando cuidarmos do "direito de resposta", vai o leitor observar como a lei, e no caso, a Lei de Imprensa, tem pouca valia.

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Ao finalizar este item da dissertação, pretendemos deixar registrado que a verdadeira regulação da liberdade é mais um problema de cultura, um problema de consciência moral, um problema ético. No dia em que os proprietários dos meios de comunicação social no Brasil, que são os verdadeiros destinatários da liberdade constitucional de manifestar o pensamento (de maneira industrial), no dia em que tiverem maior amor ao próximo, maior consciência dos seus deveres, maior respeito pelo semelhante, maior civismo, melhores qualidades de espírito, então nem haverá necessidade de qualquer lei para reger a atividade das empresas jornalísticas, porque elas, de bom grado, farão o bem espontaneamente. O Direito - como dizia Francesco Carnelutti, "o Direito é uma triste necessidade", do latim nec esse, não ser. Somente quando o homem não é aquilo que dele se espera, não faz aquilo que era do dever dele fazer espontaneamente, é que a parte interessada invoca o Direito, que não é nada mais do que a coerção do Estado para compelir o cidadão faltoso, inadimplente, menor, a cumprir seu dever e sua obrigação.


3 - DIREITO DE RESPOSTA, UMA QUIMERA

Entremos agora no exame do direito de resposta. Apenas para refrescar a memória do leitor, vamos lembrar que o direito de resposta ou direito de retificação é a faculdade, que a lei dá ao interessado, de corrigir uma publicação ou transmissão errônea ou ofensiva, que contra ele foi divulgada pelos veículos de comunicação, como jornal, periódico, emissora de rádio e televisão, cinema, agência de notícias. Quer dizer, o direito de resposta - e vamos frisar, direito de retificação - acode ao interessado mesmo quando erroneamente ele seja elogiado, porque o objetivo é restabelecer a verdade que não foi colocada na versão publicada ou transmitida pelo meio de comunicação. O direito de resposta no Brasil pode-se dizer que jamais foi cumprido. Isso levou o jornalista Sérgio Buarque de Gusmão a escrever que direito de resposta, no Brasil, é "um mero enfeite jurídico" ("A lei é para todos", Revista "Imprensa", julho de 1996).

E por que é que os donos de jornal, os jornalistas, não acatam a retificação dos seus leitores, das pessoas que eles ofendem ou das pessoas a respeito das quais eles cometem erro?

A resposta é esta: é porque são onipotentes, arrogantes, eles se supõem acima de todo pobre mortal, são verdadeiros deuses no Olimpo, são infalíveis, são a última palavra em tudo, eles não admitem que erraram, não têm a humildade suficiente, a grandeza de caráter suficiente para reconhecerem que cometeram um erro, coisa tão natural na criatura humana. E, se o leitor está pensando que o direito de resposta, exercido por intermédio do Poder Judiciário, pode ter melhor sorte do que quando exercido em caráter extrajudicial, equivoca-se redondamente. Porque o Poder Judiciário no Brasil tem temor da imprensa. E, se formos pensar bem, é uma apreensão muito justificada, porque da maneira como a imprensa brasileira se comporta, dentro da sua arrogância, falta de cuidado na verificação factual do que vai divulgar, dentro dos sentimentos menores que alimentam os repórteres presunçosos, é muito arriscado um juiz levar um ataque bastante forte por parte de qualquer veículo de comunicação simplesmente porque fez funcionar a lei. Ele pode até ser jogado no ridículo, porque a imprensa costuma muito escarnecer do funcionário que cumpre o seu dever legal.

Os meios de comunicação social no Brasil costumam alegar dificuldade técnica parra cumprirem o dever de publicarem retificação (ou resposta) dos seus leitores ou de pessoas interessadas. De uma certa forma, compreende-se essa dificuldade, porque a Lei 5.250, em vigor, como as outras leis anteriores, regentes da liberdade de imprensa, elas mandam que a retificação seja publicada no mesmo local, com os mesmos caracteres e com o mesmo destaque que foi publicada a erronia ou ofensa, ou então, no mesmo programa de rádio ou de televisão e também com o mesmo destaque. Essa dificuldade técnica, embora desculpa um pouco esfarrapada, poderia servir de arremedo de justificação para que esse direito não funcione no Brasil, como devia funcionar.

Temos tristes exemplos de recusa do direito de publicar retificação. Lembrem-se, dentre outros casos, o do Ministro Roberto Cardoso contra certo periódico. Com efeito, o Ministro havia ganho, em primeira instância, em lapidar sentença, decisão em que o juiz ordenava que o veículo publicasse, não só a resposta dada pelo Ministro, como também a fotografia que ele havia juntado aos autos.

Acontece que o periódico não circulou logo imediatamente após a sentença. Alegou que houve - não me lembra - se greve dos seus trabalhadores gráficos ou um motivo qualquer para que não circulasse. Entrementes, com recurso que apresentou ao E. Tribunal de Justiça de São Paulo, o veículo conseguiu derrotar a decisão de primeiro grau, através de um aresto da Corte que, com todo o respeito, não faz jus à grandeza que sempre aprendemos a admirar nela.

O segundo exemplo de recusa ao direito de retificação foi no caso Lula versus revista "IstoÉ". Lula conseguiu, no Tribunal Superior Eleitoral, o direito de resposta contra a revista "IstoÉ" e a condenação para que a revista publicasse, na capa, a fotografia que Lula havia juntado aos autos. Sabem o que é que a revista fez? Publicou a sua edição com duas capas sobrepostas; a capa de fora tem uma tarja, no alto, à esquerda, com os dizeres "Direito de Resposta" e, no centro, a sigla "PT"; no verso dessa capa, depois de explicar que "não se responsabiliza por fotos, ilustrações e textos publicados na capa (no verso desta nota) e em cinco páginas desta edição", a revista escreve que "se considera ultrajada e violentada com essa intromissão no seu espaço editorial" e que "o fato de estar amparada em decisão judicial não diminui o caráter violento dessa intromissão" (28 de setembro de 1994, edição n 1.304).

A capa de dentro traz uma foto de Lula sendo coroado ou recebendo um penacho, a frase "Lula compara o Brasil a uma república de bananas", e este texto em negativo no rodapé: "o candidato e o PT espalham no exterior que as eleições no Brasil são ilegítimas e lembram as de uma republiqueta".

Na pág. 21, a revista publicou retificação a seu editorial, da lavra do Presidente do Diretório Municipal do PT de São Paulo e matéria retificativa da pág. 22 à pág. 25.

Nas págs. 26 a 28 a revista xinga o autor do texto da resposta, o direito de exercê-la e a decisão judicial.

Na época, escrevemos artigo a respeito, Lula parece que não teve mais fôlego para lutar pelo legítimo direito de resposta, e o mais alto tribunal eleitoral do Brasil, em lugar de fazer prevalecer sua decisão, de ofício, como lhe cabia, quedou silente.

O terceiro exemplo foi o de um governador de Minas Gerais que, para conseguir direito de resposta num jornal da capital, teve de caminhar na via judicial duas vezes. E duas vezes as decisões de primeira instância, que aliás prevaleceram, não foram juridicamente adequadas. O jornal publicou a resposta do governador com cortes em partes que ele havia colocado e, na mesma edição, renovou os ataques que havia feito na publicação que motivara a retificação do governador.

Não estamos entrando no mérito dessas questões do ministro, do candidato Lula, do governador de Minas Gerais. Estamos discutindo a disposição da lei, a desvalia do direito de resposta entre nós, com exemplos que estão aí, patentes e claros.

Vez por outra o direito de resposta (retificação) funciona. Mas funciona precariamente. Por exemplo, a revista "Veja" publica a resposta do leitor em "Cartas dos Leitores", com tipografia tão minúscula que você tem de usar um microscópio para ler.

Ou então, a imprensa publica uma resposta, colocando-a na "cesta" seção. Ou então, publica um resumo da retificação do interessado num box, num rodapé chamado "Erramos" - mas sem o propósito de não errar mais. Ou publicam a retificação mas, logo em seguida, colocam uma "Nota da Redação" (NR), em negrito, e desferem, de novo, o ataque.

A Constituição Federal vigente, no seu art. 5 - V, declara que "é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".

O direito de resposta já vinha constando das leis ordinárias reguladoras da liberdade de pensamento no Brasil. Mas, agora, o legislador considerou essa matéria tão importante que a colocou no seio da própria Carta Magna. E colocou uma palavra que não existia na tradição do Direito Brasileiro, quando diz: "é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo".

Temos sustentado, em conferências e artigos, que essa palavra proporcional, inserida no texto do Estatuto Fundamental, traz novidade que tem passado despercebida para a totalidade dos que têm cuidado do assunto. Com toda humildade, queremos submeter à apreciação do leitor o que é que pensamos a respeito do uso dessa expressão "proporcional ao agravo". Os menos informados ainda acreditam que o tamanho, ou o tempo da retificação continuam sendo aqueles estabelecidos na lei ordinária (Lei 5.250/67).

Nós, no entanto, divergimos. E parece que somos o único a sustentar na doutrina que essa palavra do texto constitucional veio revogar a correlação estabelecida na lei comum; o que o produtor da Lei Maior quis dizer é que a retificação há de ser proporcional à quantidade de sofrimento, prejuízo, lesão, ofensa, danos sofridos pelo interessado. Porque, além da novidade da palavra (e não se pode admitir palavras inúteis na lei), a expressão proporcional quer dizer: "que está proporcionado, que mantém equilíbrio das partes, que está em relação adequada a outro". Pode ter o sentido de correspondência de medidas e de tamanho, mas como expressão nova, seria desnecessária com tal entendimento, porque isto está na lei 5.250/67, em seu artigo 30, parágrafo 1.

E é "proporcional ao agravo".

Agravo é um deverbal de agravar: injúria, prejuízo, dano, motivo de queixa, injustiça. Parece-nos que a Lei Magna quis dizer que a resposta é proporcional à ofensa, ao prejuízo, à dor, à injúria, ao dano, à injustiça, à erronia praticados pelos veículos de comunicação; sem fixação legal farisaica de tamanho e tempo; sem abuso do retificante (corrigível pelo juiz, se for o caso).

Se nossa interpretação tiver acolhida, o espaço e tempo postos no artigo 20 do projeto desaparecerão. Uma hermenêutica teleológica da Magna Carta mostra que o interessado tem relativa liberdade no tamanho/tempo de sua resposta. Com efeito, um jornal/periódico ou emissora de rádio podem, em treze linhas, ou em minuto e meio, arrasar com a dignidade e o decoro de um cidadão. A defesa dele pode necessitar de meia página impressa ou de dez minutos no éter e no vídeo. Não se há de pensar em farisaico matematismo para milimetricamente medir a reação de quem está a merecer, em legítima defesa, território mais largo de contra-ataque. De qualquer modo, submetemos o nosso entendimento ao crivo dos estudiosos.



4 - FORO COMPETENTE

O projeto continua cometendo a mesma injustiça da lei em vigor, porque, em seu artigo 31, estabelece que o foro competente para o ajuizamento de quaisquer ações previstas "nesta Lei é o da sede do meio de comunicação social responsável pela publicação ou de suas sucursais". É bem de ver que esse "ou de suas sucursais" é um enfeite, porque a sucursal vai jogar a responsabilidade para a matriz, então vai continuar vigorando a injustiça da atual lei, que também estabelece que o foro competente para as ações contra as empresas jornalísticas "será aquele em que for impresso o jornal ou periódico e o local do estúdio do permissionário ou concessionário do serviço de rádio, bem como o da administração principal da agência noticiosa" (art. 42).

Do jeito como está a coisa, permanece uma brutal desigualdade. Seja o caso de Joaquim da Silva, classe média alta, domiciliado no sertão do Piauí. Se tiver de exercitar na Justiça o direito de resposta contra a revista "Veja" ou a "Rede Globo de Televisão", terá de constituir advogado no domicílio das empresas jornalísticas. Isso, à custa de muito dinheiro, de muitas custas judiciais e emolumentos. Vai ocorrer uma luta entre um pigmeu e um Leviatã, porque essas empresas jornalísticas, como todas as outras prósperas indústrias de comunicação, dispõem de magnífico corpo de advogados para defender seus direitos. Dever-se-ia ter copiado o Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que o consumidor, em seu próprio domicílio, demandará quem lesar seu direito. Do mesmo modo que a mulher casada, nos processos relativos ao desfazimento do matrimônios: ela aciona o marido ou o ex-marido no foro do seu domicílio. Esse projeto de lei deveria proteger a parte mais fraca, porque o cidadão brasileiro, diante das emissoras de rádio e televisão e dos jornais brasileiros, está tão desarmado, tão desrespeitado, tão aviltado que a concessão dessa faculdade seria uma ajuda muito significativa para o restabelecimento da verdade e o exercício do direito de resposta. Deve registrar-se que o Deputado Carlos Lupi apresentou o projeto de Lei n 1.099/91, que dava ao ofendido a possibilidade de, onde residisse, processar os infratores.


5. VALOR DA INDENIZAÇÃO - DANO MORAL

Desejam uns que a lei fixe, de antemão, o valor da indenização pelo dano moral causado pelo jornalista ou pelo veículo de comunicação social. Dizem que têm receio da Justiça e da mão pesada de algum juiz que possa levar o veículo até a insolvência. Pensamos de maneira inteiramente diversa, pelos seguintes fundamentos:

  • a) será que a imprensa, de caso pensado, pretende continuar ou aumentar a dose de ofensa à honra das pessoas, tal é o cuidado com que ela tem abordado o assunto, tal a reiteração com que jornais e jornalistas têm discorrido a respeito desse tema? Será que desejam pagar baratinho pela ofensa da imagem, da dignidade, do decoro, da honra das pessoas?
  • b) a honra dos outros vale nada?
  • c) no mundo inteiro, qualquer estudioso de Direito sabe que o juiz, a lei consideram é a pessoa do ofendido, em matéria de indenização por dano à honra, à imagem e à vida privada, nunca a pessoa do ofensor.
  • d) só existirá dano quando houver crime, e não existe delito de opinião, daí a sem-razão daqueles que querem o valor prévio da indenização para esse dano.
  • e) melhor seria os veículos pensarem em deixar de ofender a imagem, a vida privada, a honorabilidade das pessoas e agir corretamente com elas.
  • f) se a reparação do dano vier a ser vultosa, é porque o dano foi brutal. Lembremo-nos da Escola Base, em São Paulo.

  • Então, neste caso, para usar latim: imputet sibi. E, se por causa da (justa e) altíssima indenização, a empresa vier a falir, melhor. Menos um.

    Decisões contra jornais e jornalistas são raríssimas no Brasil. Os veículos têm direito de defesa e, em geral, os melhores advogados do País. Além disso, a lei, com os dois anos de prescrição, favorece-os imensamente.

    Pela lei atual, uma calúnia paga 20 salários-mínimos, uma bagatela, o que leva os juízes a ignorar o teto: por exemplo, o jornal "O Estado de São Paulo" foi condenado a pagar 85 mil dólares à Associação dos Magistrados ("Imprensa", julho de 1996).

    Porque inventou uma reportagem sobre Clint Eastwood, a revista "National Inquirer" lhe pagou um milhão de dólares. Ele queria 15 milhões.

    A imprensa deveria ficar inquieta se fosse condenada por divulgar a verdade, como escreveu, maravilhosamente, Sérgio Buarque de Gusmão, na matéria citada "A lei é para todos" ("Imprensa", julho de 1996).

    A mesma revista "Imprensa", no mesmo número, divulgou que "O Estado de São Paulo", em 1995, faturou R$ 456 milhões.

    Sobre o autor
    Anis José Leão

    advogado especialista em Direito Eleitoral e Direito de Imprensa, professor de Legislação e Ética da Comunicação na UFMG, jornalista, escritor

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    LEÃO, Anis José. Sobre o Projeto de Lei de Imprensa: (Projeto de Lei nº 3.232, de 1992). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/147. Acesso em: 24 dez. 2024.

    Mais informações

    Este texto corporifica o pronunciamento do autor, na "Semana da Imprensa", no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, em Belo Horizonte, no dia 11 de setembro de 1997. O autor também escreveu os livros "Repertório de Jurisprudência Eleitoral" (1958), "Limites da Liberdade de Imprensa" (1961), "Tudo Sobre Apuração Eleitoral" (1982), "Eleições 92" (1992) e "Direito Eleitoral" (1994).

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