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Do direito processual constitucional e da necessidade brasileira de adoção do modelo europeu-continental dos tribunais constitucionais

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Agenda 23/04/2010 às 00:00

4 MODELO BRASILEIRO

O Brasil adotou o modelo americano de controle da Constituição pelo Judiciário, o que pressupõe a supremacia do juiz sobre a lei. Com efeito, ao examinar o modelo americano verificamos que uma de suas principais características, é a histórica supremacia do juiz sobre o legislador, traço básico para distingui-lo do modelo da Europa continental.

Os dois modelos de justiça constitucional desenvolvidos em ambos os lados do Atlântico, conforme se extraiu da salutar explicação de José de Albuquerque Rocha (1995), resultam em dois diversos tipos de sistemas jurídicos e dos dois modos de conduta dos juízes.

O americano, ligado ao sistema do direito comum (commom law), que é separado do direito estatal e a ele superior, o que determina o surgimento de um juiz "desvinculado da burocracia governamental, convertido desde logo, em protetor dos direitos fundamentais e não um simples "aplicador" das normas estatais". ( ROCHA, 1995, p. 101).

O modelo da Europa continental, ligado ao sistema romano-canônico, em que o direito emana do Estado, produzindo uma "arquitetura de organização judiciária, em que o juiz aparece imerso na burocracia governamental e transformado em simples aplicador das normas elaboradas pelo legislador, logo, a ele submetido". (ROCHA, 1995, p. 101).

Examinando a formação do direito e Judiciário brasileiro, percebemos que estamos vinculados ao modelo europeu, vínculos que se manifestam, de um lado, nas fontes formais do direito, onde a lei continua sendo a fonte do direito por excelência, e, de outro lado, no tradicional papel do juiz de subordinação à lei, ou seja, historicamente, mero aplicador de normas editadas pelo Estado através do Legislativo, de onde resulta o papel secundário do juiz em face do legislador.

Ora, o modelo americano de justiça constitucional que adotamos é, como demonstrado, a consequência lógica de uma tradição histórica em que o juiz ocupa uma posição de supremacia em relação à lei estatal, já que ele próprio é fonte do direito comum, que é independente e superior ao direito do Estado.

Em comentário a essa questão, José de Albuquerque Rocha (1995, p. 102) assevera,

Se, como vimos, nossas instituições jurídicas e judiciárias, em sua formação histórica, apresentam uma íntima semelhança com as do continente europeu, então, a escolha do modelo americano de controle judicial da Constituição, que é, repetimos, o resultado de um processo histórico típico, peculiar, completamente diferente do nosso, logo, intransferível, é injustificável, por estar em contradição com nossa história, portanto, fruto de erro clamoroso de avaliação, de uma opção política imatura, reveladora do completo desconhecimento de nossa realidade, de nossa formação jurídico-constitucional e também da realidade americana, cujas vicissitudes históricas, como dissemos, tornam suas experiências jurídicas insusceptíveis de exportação para países como o Brasil de tradição inteiramente diversa. grifo nosso

Isso nos leva a conclusão de que a escolha do modelo americano decorreu, como costuma acontecer, de uma mera transposição, de instituições de outro contexto cultural, e não por seu ajustamento a nossa realidade, mostrando que nossa dependência institucional é tão maior quanto a nossa dependência econômica.

Efeito dessa decisão pelo modelo americano de controle judicial da Constituição em contradição com a história, conforme coaduna Willis Santiago Filho (1999), é a consequente inadequação do juiz brasileiro para o exercício da função de defensor da Norma Fundamental, subvertendo assim o "cânone da supremacia constitucional e anulando sua principal eficácia normativa, que é servir de guia para a interpretação de todo o ordenamento jurídico, eliminando sua força expansiva e renovadora". (GUERRA FILHO, 1999, p. 147)

4.1 Proposta de um Novo Sistema de Garantias dos Direitos Fundamentais: O Tribunal Constitucional

As decisões judiciais são eminentemente políticas, no sentido de que o juiz é um partícipe do processo do direito, aplicador de suas normas, então, coloca-se a respeito do Judiciário a mesma questão que se coloca a respeito dos outros Poderes, qual seja, a necessidade de controlar seus atos lesivos dos direitos fundamentais, o que, significa pensar na criação de um controle da constitucionalidade dos atos judiciais, ideia ostensivamente defendida por Canotilho (1993).

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Sendo o Judiciário o controlador terminal da constitucionalidade dos atos de natureza legislativa, a criação de um controle sobre a constitucionalidade de seus próprios atos significa retirar-lhe esta função, ou seja, a função que tem atualmente de guardião da Constituição, o que traz a tela o problema da construção técnica adequada a tal finalidade, qual seja, um sistema alternativo ao controle judicial, que é o controle por um tribunal constitucional, de composição democrática e independente dos demais Poderes Constitucionais, o qual, além de servir de controle dos atos do Judiciário, não apresentaria os inconvenientes deste, conforme defende Rocha (1995).

Com efeito, há várias razões para a criação de um tribunal constitucional. Além de atender a necessidade de controlar os atos do Judiciário, trata-se de um órgão que tem a seu favor o fato de ter sido adotado em inúmeros países de nosso contexto jurídico-cultural, como os países da Europa continental, com resultados satisfatórios, o que demonstrou, empiricamente, "ser a forma histórica mais desenvolvida que se conhece em matéria de controle da política e do direito e a expressão mais vigorosa da evolução do processo de concretização dos direitos fundamentais". (CANOTILHO, 1993, p. 963). [03]

Outra vantagem do tribunal constitucional é resolver, o problema de um controle da constitucionalidade dos atos de natureza legislativa. O órgão que tem a competência para controlar a constitucionalidade dos atos legislativos assume, por sua própria natureza, a posição de máxima importância no sistema jurídico-político porque, embora esteja institucionalmente no mesmo nível dos demais poderes, do ponto de vista funcional lhes é superior ao se transformar em intérprete máximo da vontade do constituinte, que é a mais alta manifestação da soberania popular, e por assumir a função de censor do Legislativo, sem dúvida o mais democrático dos Poderes.

Parece evidente que o Judiciário, justamente por sua origem não representativa, é o órgão menos indicado para o papel de intérprete da vontade do povo, consubstanciada na Constituição, e por conseqüência, de censor do Legislativo. Efetivamente, é inadmissível que um órgão sem ligações com a vontade popular seja encarregado de traduzir, exprimir, compreender e dar significação a essa vontade. Certamente, aqui, temos uma das explicações para a não aplicação das regras consagradoras dos valores democráticos e sociais da Constituição: a origem não democrática do Judiciário a transformá-lo em uma instituição distante do povo e próxima das elites. (ROCHA, 1995, p. 80)

Daí ser imprescindível e urgente a criação de um tribunal constitucional independente dos outros Poderes, o que significa vinculado, direta ou indiretamente, à soberania popular, para interpretar e aplicar a vontade do povo, cristalizada na Constituição.

Outro inconveniente que uma corte constitucional solveria, é o relacionado à forte influência exercida pelo Executivo sobre o Judiciário, especialmente a do Executivo Federal sobre o Supremo Tribunal Federal, cujos ministros são escolhidos, livremente, pelo Presidente da República, que os nomeia, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal.

Esta prerrogativa do Presidente da República enfraquece, sensivelmente, a autoridade do Supremo para atuar na qualidade de censor dos atos do Executivo, sobretudo em se tratando de atos do primeiro mandatário, o que é inconveniente para a intangibilidade dos Direitos Fundamentais, certo ser o Executivo, hoje, um centro de poderes legislativos equiparável ao Congresso, se não superior, conforme dispõe José de Albuquerque Rocha (1995).

Na medida, porém, em que o ordenamento jurídico moderno não é formado apenas de regras, mas também de princípios, que são normas de estrutura jurídica incompleta, conforme denota Silva (2003), sem hipótese de incidência nem consequência jurídica, constituídas apenas de proclamações genéricas, apontando para fins que devem ser alcançados sem indicação de meios para tal, como são as constituições modernas, de que a brasileira é exemplo, o juiz aplicador mecânico de regras a casos concretos, entra em crise, quer por carência de formação intelectual específica para operar normas principiológicas, quer por sua formação inadequada, advinda do positivismo, que o leva, por um lado, a considerar o legislador e a lei como a fonte soberana do direito e, por outro lado, a assumir os princípios constitucionais como simples programas políticos destituídos de valor jurídico no sentido de sua obrigatória aplicação.

Daí, pois, a necessidade de um juiz especial, com formação não só técnico-jurídica, mas, igualmente, política e sociológica, recrutado por critérios democráticos, com mandato por tempo certo, situado fora e acima do Judiciário, para defender e aplicar a Constituição que, sendo, como dito, um conjunto de princípios expressivos de critérios político-axiológicos para tomada de posições em face da realidade, exige um tipo de julgamento diverso daquele em que consiste a mera aplicação de regras a casos concretos a que está habituado o juiz de formação legalista. Evidentemente, isto não significa nenhum desmerecimento ao Judiciário, mas a verificação de um fato histórico. (ROCHA, 1995, p. 104)

Outras justificativas para a criação de um Tribunal Constitucional, como aponta José de Albuquerque Rocha (1995), seriam: a) a necessidade premente de adequar à legislação infraconstitucional aos valores, princípios e regras da Constituição, observando assim, o postulado Kelseniano do "princípio da hierarquia normativa", segundo a qual, a Constituição prevaleceria sobre as demais normas, em caso de incompatibilidade, b) o problema da formação conservadora da magistratura, adequando-o à nova concepção do direito e da justiça consagrada na Constituição, justamente por esta representar uma ruptura com o "espírito" do sistema tradicional, c) a composição democrática do tribunal constitucional, que reuniria mais condições para interpretar uma Constituição progressista e programática, tais como na Itália, Alemanha, Espanha e Portugal, d) solucionar os conflitos entre os Poderes do Estado, onde a Corte Constitucional funcionaria como um "terceiro" imparcial na decisão das disputas entre os Poderes, e por último, e) Estar vinculado ao titular da soberania popular, que contribuiria para dar um novo perfil à prática democrática.

O tribunal constitucional, na prática dos países de contexto institucional e jurídico idêntico ao nosso, demonstrou ser o instrumento adequado à realização desse esforço de aperfeiçoamento da democracia e garantia de tutela dos direitos fundamentais.

Embora a ideia de um tribunal constitucional provoque, no Brasil, fortes reações, no entanto, hoje, é tranquila a convicção de que se trata de um dos princípios básicos do novo direito constitucional, centrado, como se sabe, na preocupação de limitar o poder, defender os direitos e liberdades fundamentais e assegurar a supremacia e permanência da Constituição.


5 CONCLUSÃO

Faz-se necessário chamar atenção para o papel central que está reservado, em um Estado Democrático de Direito, à chamada Tribunal Constitucional, enquanto órgão diferenciado da estrutura do judiciário e plenamente independente também frente aos demais poderes estatais, integrado por membros com as melhores qualificações para exercer a atribuição, ao mesmo tempo, política e jurídica, de velar pela realização do texto constitucional.

A falta de semelhante órgão judicante pode ser apontado como o maior defeito de nosso sistema jurídico-político, pois o Supremo Tribunal Federal não corresponde exatamente a esse perfil, defeito esse que, mais do que qualquer outro, se deveria sanar através de uma reforma constitucional. Perdemos, com isso, aquela que se revela, em outros países, como uma das principais arenas de debate político, responsável maior pela promoção quotidiana do avanço da democracia, nos quadros do Estado de Direito


REFERÊNCIAS

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ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros Editores, 1995.

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VERDÚ, Pablo Lucas. Teoria da Constituição como Ciência Cultural. San Martin de Porres: Fondo Editorial de La Facultad de Derecho de La USMP, 1997.


Notas

  1. No ordenamento jurídico brasileiro, o controle incidental pode ter seus efeitos modulados, pelo dispositivo do Artigo 52, inciso X, da CF/88, no qual a corte suprema, STF, remete ao Senado Federal, que aprovará ou não a resolução, concedendo os efeitos erga omnes.
  2. Essa imagem persistiu na Europa continental até a metade do século XX, e na América Latina, até os dias correntes.
  3. A qual vai da mera declaração formal, em uma primeira fase, até alcançar a garantia de efetiva concretização material, com a criação dos tribunais constitucionais europeus, sobretudo na Itália, Alemanha, Espanha e Portugal. (GUERRA FILHO, 1995, p. 79)
Sobre o autor
Ramom Possidônio de Carvalho Lacerda

Estudante de Graduação do curso de Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal de Campina Grande, Membro do Corpo Editorial da revista Academia ISSN (1981-4763), Secretário de Cultura do Movimento Estudantil, Pesquisador Voluntário em Projeto PIVIC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LACERDA, Ramom Possidônio Carvalho. Do direito processual constitucional e da necessidade brasileira de adoção do modelo europeu-continental dos tribunais constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2487, 23 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14733. Acesso em: 23 dez. 2024.

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