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Do direito processual constitucional e da necessidade brasileira de adoção do modelo europeu-continental dos tribunais constitucionais

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RESUMO

Esse artigo é essencialmente uma reflexão a respeito o Poder Judiciário, sobretudo quanto à necessidade de criação de um tribunal constitucional no modelo europeu. A chamada "crise" do Judiciário não coloca em discussão apenas os interesses dos membros da magistratura, mas a todos e qualquer um que se veja sob a proteção do Estado Brasileiro. Mais que isso, o que está em causa é o efetivo exercício do Direito na sociedade e a salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana e dos grupos sociais em que se integra. Por isso, o problema interessa a todos, devendo ser objeto de debate generalizado. Faz-se condição indispensável que se realize uma reforma no Judiciário capaz de transformá-lo em efetivo guardião dos valores da democracia social consagrada na Constituição, consubstanciando assim um modelo de Justiça Constitucional mais capacitado para realização de suas funções.

Palavras chave: Justiça Constitucional. Tribunal Constitucional. Reforma Judicial

Sumário: 1 INTRODUÇÃO - 2 JUSTIÇA CONSTITUCIONAL: MODELO AMERICANO (JUDICIAL) E MODELO EUROPEU-CONTINENTAL (TRIBUNAL CONSTITUCIONAL). - 2.1 Modelo Americano - 2.2 Modelo Europeu-Continental - 3 O DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL - 3.1 Ação, Jurisdição e Processo na Dimensão Constitucional - 3.2 A Fórmula Política do Estado Democrático de Direito - 4 MODELO BRASILEIRO - 4.1 Proposta de um Novo Sistema de Garantias dos Direitos Fundamentais: O Tribunal Constitucional - 5 CONCLUSÃO - REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

O Direito deve ser estudado de forma sistêmica. Quer dizer: os diversos ramos do conhecimento jurídico não são concebidos de forma isolada, mas, ao contrário, inseridos em um todo, em um conjunto, cujo delineamento lógico e político faz-se necessário para seu estudo e conseguinte compreensão.

A justiça constitucional, elemento imprescindível do Estado de Direito, no Brasil é exercido de forma problemática, daí a necessidade de analisar suas raízes históricas para verificar se o modelo adotado pelo nosso ordenamento jurídico se ajusta as funções e as necessidades que lhe são colocados.

A metodologia utilizada na confecção deste artigo quanto ao método de abordagem foi a dedutiva, ou seja, a análise do caso geral como reflexo para casos específicos. Quanto aos métodos de procedimento a pesquisa, guiou-se por métodos histórico e comparativo. A técnica de pesquisa empregada fora a pesquisa bibliográfica.

A ação, jurisdição e processo na dimensão constitucional analisados sob a óptica do Estado Democrático de Direito, mais especificamente o Estado brasileiro, nos permitem perceber as evidentes complicações que a adoção de um modelo de justiça nos moldes da América do Norte acaba por gerar, revelando nossa dependência não apenas econômica, mas também institucional.


2 JUSTIÇA CONSTITUCIONAL: MODELO AMERICANO (JUDICIAL) E MODELO EUROPEU-CONTINENTAL (TRIBUNAL CONSTITUCIONAL).

Tendo-se em vista a importância decisiva da história jurídica na formação dos sistemas de justiça constitucional que se desenvolveram na Europa Continental e nos Estados Unidos da América, José de Albuquerque Rocha (1995) desenvolve singular trabalho, que nos permitirá julgar a congruência ou não do modelo adotado no Brasil com suas raízes históricas.

A justiça constitucional, que é hoje um elemento imprescindível do Estado de Direito, pode, a título classificatório, ser dividida em duas grandes classes: o modelo americano do norte e o modelo da Europa continental.

O modelo americano atribui ao próprio Poder Judiciário, em toda sua dimensão, ou seja, todos os seus juízes, a vigilância do cumprimento e observância do texto constitucional, enquanto que O modelo da Europa Continental, segundo a tradição de Kelsen, caracteriza-se por atribuir a um único órgão especial, o chamado Tribunal Constitucional, aparte e acima do Judiciário, a função de velar pela constitucionalidade das leis e subsequente respeito à constituição.

2.1 Modelo Americano

A influência mais remota do modelo americano talvez seja a de Montesquieu na elaboração da Constituição dos Estados Unidos, e ao seu lado, outro fator que contribuiu para sua estruturação, a doutrina inglesa do "judicial review".

Quanto à influência de Montesquieu, cabe assinalar que nos Estados Unidos produziu efeitos opostos aos produzidos na Europa. Enquanto nesta, como veremos, o esquema de Montesquieu da separação dos "poderes" elevou o Legislativo à condição de poder soberano, na América do Norte o mesmo esquema resultou no fortalecimento do judiciário. (ROCHA, 1995, p. 88)

Essa diferença de efeitos, de um e de outro lados do Atlântico, deve-se às diferenças nas interpretações, em função das condições políticas de cada qual.

A respeito, aduz José Rocha (1995) que os revolucionários franceses, desconfiados dos tribunais, dos parlements, pelo seu papel servil e conservador, eliminaram um aspecto importante do Judiciário idealizado por Montesquieu no Espírito das Leis, a competência de exercer o controle de coerência entre a legislação e as "leis fundamentais", ou seja, de exercitar o que se chama hoje de controle de constitucionalidade das leis, que, conforme sustenta José Afonso da Silva (2003), é apenas um dos aspectos relevantes da jurisdição constitucional.

Nos Estados Unidos, os revolucionários americanos, hostis às leis da Assembleia inglesa para as colônias americanas, que consideravam arbitrárias, trataram de controlar o nascente legislativo estadunidense, através de forte fiscalização exercida pelo Judiciário, temendo que se repetisse no novo mundo a ditadura legislativa que imaginavam existir na Inglaterra.

Quanto à doutrina do judicial review, trata-se de uma tradição jurídica inglesa, segundo a qual há um direito fundamental, de origem judicial (commom law), superior ao direito parlamentar. Tal ideia da superioridade normativa do direito de origem judicial faz aparição na Inglaterra, no século XVII, sob forma de reação dos juristas, entre os quais o juiz Edward Coke, contra os abusos da Coroa, antecipando assim o futuro instituto do controle da constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário.

Cumpre verificar os esclarecimentos de Gomes Canotilho (1993, p. 959),

O reconhecimento do acesso directo dos juizes à constituição a fim de controlarem a constitucionalidade das leis é um outro momento relevantíssimo para a génese da justiça constitucional. Considerando--se que a interpretação das leis era uma tarefa específica dos juizes e que dentre essas leis se incluía a lei constitucional como «lei superior» (CORWIN), estava aberto o caminho para a idéia de judicial review. Em caso de conflito entre duas leis a aplicar a um caso concreto, o juiz deve preferir a lei superior (= lei constitucional) e rejeitar, desaplicando-a, a lei inferior.

Como efeito das ideias do judicial review, consubstancia-se, na estruturação do modelo americano, o princípio de supremacia da constituição, o que equivale à submissão do legislador à norma fundamental.

A razão principal da ascendência da Constituição sobre as leis deriva do projeto dos constituintes de dar forma federativa ao futuro Estado americano. De acordo com José Afonso (2003), a forma federativa de Estado distribui horizontalmente o poder entre diversas entidades políticas que não se relacionam entre si com laços de subordinação, mas de distribuição de competências, o que acarreta a necessidade lógica da existência de uma norma superior capaz de regular as relações entre a federação e os demais entes políticos estatais e servir de parâmetro de validade das normas de seus respectivos ordenamentos.

A existência de uma Constituição que funcione de parâmetro de validade das demais normas do sistema produz duas formas hierárquicas de normas: as normas constitucionais superiores às leis e, de outro lado, as normas emanadas do legislador ordinário, submetidas à Constituição que, pela mesma razão, deve limitar-se a desenvolvê-la, nos limites por ela indicados. Conforme dispõe Hamilton (1981), a Constituição é a intenção do povo e a lei a intenção de seus mandatários.

A fisionomia técnico-jurídica do modelo americano, conforme leciona José Rocha (1995), caracteriza-se: a) todos os órgãos do Poder Judiciário podem pronunciar-se sobre a constitucionalidade das leis, incidentalmente, ou seja, de forma difusa; b) ao lado do controle difuso e incidental existe um controle concentrado, prévio à aplicação concreta da lei, exercido pelo mais alto tribunal, a Suprema Corte; c) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade incidental, isto é, quando do julgamento de uma lide concreta, são restritos ao caso concreto, isto é, entre as partes; d) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade prévia à aplicação concreta da lei valem erga omnes, ou seja, produz efeitos contra todos. [01]

Roborando o assunto, tem-se a formação filosófico-jurídica dos constituintes americanos, que concebiam a Constituição como expressão direta da vontade popular, como afirmação do povo americano, como consta do seu próprio preâmbulo. E como dispositivo dessa mesma constituição, têm-se o artigo 6º, que afirma ser a Constituição a norma fundamental do ordenamento jurídico.

2.2 Modelo Europeu-Continental

Montesquieu, como já visto, foi interpretado diferenciadamente em ambos os lados do Atlântico, o que resultou no aparecimento de dois modelos opostos de controle de constitucionalidade das leis: nos Estados Unidos, o judicial; na Europa continental, o modelo dos tribunais constitucionais.

A doutrina de Montesquieu, conforme sustenta ROCHA (1995), sofreu substancial transformação ao ser interpretada pelos revolucionários de 1789, o que se justifica pela diferença de contextos históricos entre Montesquieu e os revolucionários.

A transformação incidiu, principalmente, sobre as funções do Judiciário, se consubstanciando na subtração a este Poder da competência de controlar a compatibilidade entre a legislação e as "leis fundamentais" da monarquia, que, conforme já afirmado, era prerrogativa dos parlements, qual seja, tribunais do antigo regime.

A razão dessa interpretação restritiva de Montesquieu pelos revolucionários franceses, sobre as funções do Judiciário, se verifica pela inspiração reacionária de suas decisões e corporativismo acentuado de seus membros, manifestado na defesa intransigente de seus privilégios, que provocou uma profunda desconfiança em relação ao emergente Poder Judiciário, resultando na supressão de uma de suas atribuições mais importantes, no antigo regime, qual seja, a de controlar a conformidade da legislação com a Constituição vigente.

Ademais disso, cabe ressaltar que o Legislativo dos revolucionários é representante do povo, melhor ainda, burguesia. Diversamente, o poder Legislativo de Montesquieu era "representante" de uma casta, que lhe confere ascendência sobre os demais poderes.

Cabe, por oportuno, destacar a lição de José de Albuquerque Rocha (1995, p.94), sobre a problemática resultante desse pensamento,

Conseqüência dessa condição do Legislativo de representante do povo, na Revolução de 1789, e de sua primazia sobre os demais Poderes do Estado, é que o grande problema, na construção do novo Estado, não consiste mais em manter o equilíbrio entre os Poderes, mas adequar os Poderes não representativos (Judiciário e Executivo) ao Poder representativo (Legislativo). Por outras palavras, desaparece qualquer motivo para o controle do Judiciário sobre o Legislativo. Ao contrário, o de que se trata, agora, é de controlar o Judiciário para verificar se suas decisões se ajustam ao Poder Legislativo, que, como representante da sociedade, é o Poder soberano.

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Por conseguinte, o modelo mais remoto, do que, na segunda metade do século XX, vai ser o modelo de justiça constitucional da Europa continental residi no sentido atribuído ao pensamento de Montesquieu pelos revolucionários de 1789, sentido este relacionado à desconfiança do Judiciário, e no fato de a Assembleia ser um Poder representativo do povo, daí seu caráter soberano.

Outro fator influente na formação do modelo da Europa continental é a inexistência de uma ideia de Constituição como norma jurídica rígida e superior, o que KELSEN (1998a), chama de constituição no sentido formal, ou seja, documento solene, conjunto de normas jurídicas que podem ser modificadas apenas na observância de prescrições especiais cujo propósito é tornar mais difícil a modificação dessas normas.

Como, na Europa continental, só havia a ideia de Constituição flexível, o que se perpetuou até a segunda metade do século XX, não se colocava o problema de seu controle, já que o parlamento é seu controlador automático e necessário.

Conforme sustenta Gomes Canotilho (1993), Os Estados onde as chamadas "leis constitucionais" só diferem das outras leis pela matéria, mas não pela hierarquia, podendo ser modificadas em qualquer momento pela autoridade legislativa ordinária, como qualquer outra lei, diz-se que são estados de constituição flexível e, consequentemente, com direito constitucional caracterizado pela flexibilidade.

Assim, contrariamente ao que ocorreu nos Estados Unidos, onde a Constituição, desde o primeiro momento, é considerada como uma norma jurídica rígida, na Europa continental, como dispõe ROCHA (1995), as declarações de direitos, que formavam a parte dogmática das constituições, as quais só disciplinavam o mecanismo da separação das funções, não passam de uma formulação programática, desprovida de força normativa.

A Lei, no caso, era soberana porque expressão de uma sociedade constituída por uma só classe. De onde se extraía a ideia supérflua de uma Constituição limitando o legislador pela inexistência de conflito entre vontade popular e vontade assemblear. Sendo a Lei a expressão da realidade político-social unitária, isto é, sendo determinada por interesses unívocos de uma só classe, assegurava, ela mesma, a homogeneidade do sistema.

Dessa forma, na Europa continental, não se teve a submissão da lei à Constituição, mas, pelo contrário, o controle da Constituição pelo legislador, ou seja, pela lei. "Desse modo, a ideia força da Revolução de 1789, do culto da lei, gera a imagem do juiz servidor da lei, do juiz tributário da lei, enfim, do "juiz boca da lei"" (ROCHA, 1995, p. 96) [02]

A fisionomia técnico-jurídica do modelo Europeu continental, conforme leciona José Rocha (1995), caracteriza-se assim: a) Submissão do juiz à lei; b) Nos casos de inconstitucionalidade suscitada pelos órgãos judiciários, a decisão do tribunal constitucional é remetida ao órgão do judiciário que suscitou a questão de inconstitucionalidade para ser aplicada ao caso concreto; c) O procedimento ante o tribunal constitucional não se esgota com a questão incidental suscitada pelos órgãos judiciários. Há também a impugnação direta da norma supostamente inconstitucional, a ser exercida por certos sujeitos especialmente legitimados a tal fim; d) A declaração de inconstitucionalidade do tribunal constitucional produz sempre efeitos erga omnes, seja no controle incidental, seja na ação direta, segundo a concepção kelseniana, o tribunal constitucional é um legislador negativo.

A questão do controle da constitucionalidade das leis se coloca, na Europa continental, com o advento das constituições rígidas, surgidas, inicialmente, na Primeira Guerra Mundial, e generalizada após a Segunda Grande Guerra.

O advento das constituições rígidas, conforme ressalta Silva (2003), é o resultado de uma causalidade complexa em que se interrelacionam fatores econômicos (necessidade do intervencionismo estatal no capitalismo monopolista) e fatores sociais (luta de classes a exigir direitos sociais) de que deriva a necessidade de uma nova estruturação do Estado e da Constituição.

A existência de um mecanismo de controle de uma Constituição rígida, por sua vez, postula, necessariamente, um órgão para exercê-lo, um Tribunal Constitucional.

A recepção, na Europa, do sistema de jurisdição constitucional criado nos Estados Unidos não se deu senão após o primeiro pós-guerra, já neste século. Obra pessoal de Hans Kelsen, ele foi introduzido na Constituição austríaca de 1920 e aperfeiçoado em sua reforma de 1929. O mecanismo adotado na Áustria e, posteriormente, na maior parte dos países da Europa continental foi o do controle concentrado, atribuído a um único órgão (o Tribunal Constitucional), em oposição ao método difuso norte-americano, em que qualquer juiz pode recusar aplicação de lei inconstitucional. (BARROSO, 1999, p. 144)

Historicamente, vê-se uma dependência do Judiciário ao Legislativo, que inviabiliza o primeiro a exercer controle sobre o segundo. Daí a opção do continente europeu de não atribuir a aplicação e defesa da constituição ao Judiciário, mas a um órgão acima e fora dele.

As criações dos Tribunais Constitucionais são fruto de uma opção consciente, justificada por sua perfeita coerência com as peculiaridades históricas, políticas, jurídicas, sociais e econômicas que marcam a formação de suas instituições constitucionais da Europa continental, como afirmam ROCHA (1995), contrariamente ao modelo americano que resultou da evolução natural, espontânea de sua história.

Melhor definição do termo dá CANOTILHO,

Apesar de a sua existência, status e competências serem definidos pela constituição de uma forma independente em relação aos outros tribunais, o Tribunal Constitucional só é, apesar disso, um órgão de soberania enquanto integrado nos «tribunais» considerados no seu conjunto, a não ser que se considere cada um dos tribunais como órgão de soberania. Não obstante a ausência de um poder organizatório interno constitucionalmente reconhecido (que lhe pode, contudo, vir a ser atribuído por lei ordinária), o Tribunal Constitucional não pertence ao âmbito de competência de qualquer ministério, nem está sujeito a quaisquer directivas, ordens ou instruções dos outros órgãos de soberania. (CANOTILHO, 1993, p. 762)


3 O DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL

Conforme os estudos de Willis Santiago (1999), o Direito Processual Constitucional trata dos institutos jurídicos tais como o mandado de segurança, individual e coletivo, e o mandado de injunção, bem como as ações coletivas que, enquanto ações civis públicas, têm o objetivo de tutelar situações subjetivas derivadas de direitos fundamentais, e geralmente envolvem, como parte do processo, ao Poder Público, o Estado.

Prestam-se, em princípio, para tutelar os jurisdicionados frente à conduta de quem age em nome do Poder Público ou quem ao agir interfere numa esfera demarcada pelos direitos consagrados constitucionalmente como fundamentais.

São instrumentos principalmente voltados para o controle de constitucionalidade de atos normativos inseridos no âmbito da chamada "jurisdição constitucional das liberdades", por serem remédios constitucional-processuais para a proteção de liberdades públicas e direitos fundamentais, sejam de caráter individual, coletivo ou "difusos", como se depreende de Gomes Canotilho (1993).

Como criador da teoria tem-se Hans Kelsen (1998b), por seu pioneirismo na defesa da necessidade de se fornecer às constituições as garantias processuais e jurisdicionais de uma instância julgadora diferenciada, incumbida do controle de constitucionalidade dos atos normativos.

No dizer sempre expressivo de Norberto Bobbio (2004, p.45 e 46),

O problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los [...] Entende-se que a exigência do "respeito" aos direitos humanos e as liberdade fundamentais nasce da convicção, partilhada universalmente, de que eles possuem fundamento: o problema do fundamento é ineludível. Mas, quando digo que o problema do fundamento não como inexistente, mas como – em certo sentido – resolvido.

O Direito Processual Constitucional, ainda não teria se firmado como ramo da ciência jurídica, com matéria específica sua, autonomia didática e independência científica. Tratar-se-ia, no sentir de Ricardo Fiúza (1982), de uma posição científica, "pela qual se procura extrair da Constituição (sua única fonte), normas de processo".

Temas típicos de seu estudo, como anota Santiago (1999), são: a organização da estrutura judicial com a distribuição de competência entre diversos órgãos da jurisdição; os princípios gerais do processo consagrados na Constituição, tais como o do contraditório, do devido processo legal; e as ações previstas na Lei Maior com o fim de resguardar a integridade e implementar o próprio ordenamento constitucional.

3.1 Ação, Jurisdição e Processo na Dimensão Constitucional

As ações que provocam o exercício da jurisdição constitucional para tutela da ordem jurídica subjetiva, em que pese o alto grau de interesse público envolvido, pela própria presença de um órgão estatal em um dos pólos da relação jurídico-processual, e apesar de eventuais repercussões no plano penal que venham a ter, como aponta Santiago (1999), são, de um modo geral, ações civis, e reguladas pelo Código de Processo Civil.

O processo das ações é sui generis, possuindo aspectos não só do processo de conhecimento, mas também do processo cautelar e do processo de execução. De natureza cautelar é o mandado liminar para evitar dano irreparável, que em geral comportam essas ações.

As provas, normalmente documentais, devem ser pré-constituídas e apresentadas já com a inicial, e a necessidade de produzi-las posteriormente, como aduz Gilmar Mendes (2005, p. 354), faz com que se remeta a ação para o processamento pelo rito comum ordinário.

Essa compreensão do procedimento faz com que a doutrina considere se estar diante, nesses casos, de processo sumário, enquanto a predominância do documento como meio de prova lembra o "processo de prova documental" do direito processual civil alemão.

Conforme sustenta Gilmar Mendes (2005), O processo de tutela dos direitos fundamentais, ou da ordem jurídica subjetiva por eles delineada, deve começar a ser desenvolvido conscientemente como um processo de natureza constitucional, da mesma forma que as ações, previstas em nosso ordenamento jurídico para garantir esses direitos fundamentais são ações constitucionais, sendo elas próprias, igualmente, direitos, ou melhor, garantias fundamentais, constantes do elenco do art. 5º da Constituição da República.

Em comentário a essa questão, Willis Santiago (1999), cuja toga não lhe pesa aos ombros, assevera,

Note-se, porém, que entre nós, além de insuficiência de teorizações nesse sentido, há também uma grande lacuna institucional, a inibir semelhante desenvolvimento, que é a ausência de uma Justiça Constitucional propriamente dita, nos moldes daquelas que, como nos países da Europa – e de outros continentes também, desincumbem-se a contento da tarefa, absolutamente indispensável que lhes é reservada, uma vez investidas da jurisdição constitucional – no caso, de forma concentrada-, tarefa que vem sendo insatisfatoriamente exercida pelo Supremo Tribunal Federal. Este Tribunal, como é sabido, integra a cúpula do Poder Judiciário, sendo seus membros escolhidos a partir dos desígnios do Chefe do Executivo. grifo nosso (GUERRA FILHO, 1999, p. 20)

Uma verdadeira Corte Constitucional, nos moldes europeus, é um poder com atribuições não só jurídicas, mas também assumidamente políticas, como dispõe KELSEN (1998a). Um órgão constitucional independente dos demais poderes, inclusive do Poder Judiciário "ordinário", ocupando-se exclusivamente da tarefa de fazer cumprir a Constituição, e formado democraticamente com juristas de reconhecida excelência teórica, que cumprem um mandato.

A consciência desse caráter político da função jurisdicional no exercício da jurisdição constitucional é imprescindível, sendo ponto comum tanto no modelo Europeu continental como no modelo americano.

No Direito Processual Constitucional Alemão, distingue-se o Tribunal Constitucional Federal enquanto órgão judicial de tutela da Constituição, dos demais órgãos "especializados" do poder jurisdicional, mesmo os de instância superior, com a atribuição ordinária de revisão das decisões judiciais. Já na França, a doutrina é propensa a atribuir ao Conselho constitucional, órgão político, caráter jurisdicional, sem que a negação disto impeça que se lhe considere investido da autoridade máxima para pronunciar-se sobre a constitucionalidade, e, logo, a natureza de órgão constitucional, investido da jurisdição constitucional, conforme assevera Santiago (1999).

Note-se que propugnar a adoção de um modelo mais próximo àquele europeu, que remonta à concepção pioneira de Kelsen, não significa defender um sistema "puro" de controle de concentrado de constitucionalidade, renegando completamente nossa tradição de controle difuso por influência norte-americana, a qual nem mesmo na Europa deixa de se fazer sentir.

Esse aperfeiçoamento da jurisdição constitucional, tese defendida por José de Albuquerque Rocha e Nelson Nery JR. "é um imperativo do chamado Estado Democrático de Direito, enquanto este é uma condição política para o desenvolvimento autônomo do Direito Processual Constitucional." (NERY JR, 1995, p. 21).

3.2 A Fórmula Política do Estado Democrático de Direito

A leitura do "Preâmbulo" da atual Constituição da República Federativa do Brasil pode nos mostrar um desvio de uma das ideias fundantes do moderno constitucionalismo ocidental. O modo como se formulou nossa Constituição dá margem a que se pense num afastamento da teoria clássica do poder constituinte.

Cabe, por oportuno, destacar a lição de Sieyés, de acordo com a qual o poder constituinte originário seria absolutamente incondicionado, não se submetendo a nenhuma regra previamente estabelecida ao produzir o texto constitucional, conforme dispõe Santiago (1999).

Em nosso "Preâmbulo", contudo, os constituintes de 1988 escreveram que se reuniram com a determinação de "instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais".

Canotilho (1993, p. 95), em seu dizer sempre esclarecedor, define,

O poder constituinte, na teoria de SIEYÉS, seria um poder inicial, autónomo e omnipotente. É inicial porque não existe, antes dele, nem de facto nem de direito, qualquer outro poder. É nele que se situa, por excelência, a vontade do soberano (instância jurídico-política dotada de autoridade suprema). É um poder autónomo: a ele e só a ele compete decidir se, como e quando, deve "dar-se" uma constituição à Nação. É um poder omnipotente, incondicionado: o poder constituinte não está subordinado a qualquer regra de forma ou de fundo.

O primeiro artigo da Constituição de 1988 aduz, assim, a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito, e elenca os princípios sob os quais ela se fundamenta. Com isso, houve manifestação inequívoca do "titular da soberania", o povo brasileiro, a quem os constituintes representavam, no sentido de que se abandonasse completamente o Estado ditatorial a que se viu submetido por quase três décadas, e se integrasse, então, numa ordem política diametralmente oposta, plenamente democrática.

Registre-se, ainda, que Pablo Lucas Verdú (1997, p. 36) afirma: "a fórmula política de uma Constituição é a expressão ideológica, fundada em valores, normativa e institucionalmente organizada, que descansa em uma estrutura sócio-econômica". Trata-se, portanto, do elemento caracterizador da Constituição, principal vetor de orientação para interpretação de suas normas e, através dela, de todo o ordenamento jurídico.

As funções exercidas pela fórmula política em relação à constituição, como ensina Verdú (1997), seriam basicamente quatro: a) servir de fator de identificação interna e externa do regime adotado no país e, com isso, b) assegurar a sua permanência, servindo c) como guia para interpretação da Constituição, bem como d) de limite de para sua reforma.

A Fórmula Política se apresenta como um programa de ação a ser partilhado por todo integrante da comunidade política, como dispõe Santiago (1999), e por isso, responsável a um só tempo pela sua mobilidade e estabilidade.

A realização efetiva da organização política idealizada na Constituição depende de um engajamento maciço dos que dela fazem parte nesse processo, e um Estado Democrático de Direito seria, em primeiro lugar, aquele em que abre canais para essa participação, o que de per si, já justifica que se veja a Constituição como um processo.

Habermas foi quem atribuiu papel central aos procedimentos de realização do Direito, ao examinar como é possível se obter legitimação através da legalidade. Para ele, foi uma mudança na consciência moral que trouxe a exigência da diferenciação entre normas, princípios justificadores e procedimentos para examinar a adequação dessas normas.

Em consonância aos ensinamentos de Habermas, Santiago (1999) ressalta,

A fundamentação moral e política dos princípios jurídicos, isto é, a legitimidade do Direito, e a sua "procedimentalização", acham-se intimamente relacionados, já que os valores legitimadores do mesmo não se encontram propriamente no conteúdo de suas normas, mas sim nos procedimentos, que fundamentam algum de seus possíveis conteúdos. (GUERRA FILHO, 1999, p. 26)

Essa visão do texto constitucional como uma "obra aberta", conforme sustenta José Afonso da Silva (2003), cujo sentido é permanentemente construído e reconstruído por seus destinatários, seria ela própria um reclamo do Estado Democrático de Direito, visto que ele representa um intento de conciliar valores que só abstratamente podem se chocar, por exemplo, a segurança jurídica e igualdade perante a lei. Tal choque, só pode ser satisfatoriamente solucionado, com o uso dos procedimentos constitucionais.

É precisamente no Estado Democrático de Direito que se ressalva a relevância da lei, pois ele não pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito Clássico. Pois ele tem que estar em condições de realizar, mediante lei, intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não se pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social, como assevera Bonavides (1988).

A fórmula do Estado Democrático de Direito se firma a partir de uma revalorização dos clássicos direitos individuais de liberdade, que se entende, segundo discriminado por Silva (2003), não poderem jamais ser demasiadamente sacrificados, em nome da realização de direitos sociais.

Compreende-se, então, como o centro de decisões políticas relevantes, no Estado Democrático de contemporâneo, sofre sensível deslocamento do Legislativo e Executivo em direção ao Judiciário. O processo judicial que se instaura mediante propositura de determinadas ações, especialmente aquelas de natureza coletiva e de dimensão constitucional – ação popular, ação civil pública, mandado de injunção etc. – torna-se um instrumento privilegiado de participação política e exercício permanente da cidadania, como denota Santiago (1999).

Faz-se necessário chamar atenção para o papel central que está reservado, em um Estado Democrático de Direito, ao chamado Tribunal Constitucional, enquanto órgão diferenciado da estrutura do judiciário e plenamente independente também frente aos demais poderes estatais, integrado por membros com as melhores qualificações para exercer a atribuição, ao mesmo tempo, política e jurídica, de velar pela realização do texto constitucional.

A falta de semelhante órgão judicante pode ser apontado como o maior defeito de nosso sistema jurídico-político, pois o Supremo Tribunal Federal não corresponde exatamente a esse perfil, defeito esse que, mais do que qualquer outro, se deveria sanar através de uma reforma constitucional

[...] Perdemos, com isso, aquela que se revela, em outros países, como uma das principais arenas de debate político, responsável maior pela promoção quotidiana do avanço da democracia, nos quadros do Estado de Direito. (GUERRA FILHO, 1999, p. 30) grifo nosso

Na Áustria, isto é, no país pioneiro na criação de um Tribunal Constitucional na Europa, inclusive, a constituição (art. 147, II), determina expressamente que uma parte dos juízes seja escolhida entre professores de direito e ciência política.

Nos países onde existe tal instituição, os seus membros costumam ser eleitos por maioria qualificada do parlamento, o que naturalmente faz a escolha recair sobre pessoas capazes de angariar certo consenso em torno de si, donde frequentemente serem escolhidos acadêmicos prestigiosos.

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Sobre o autor
Ramom Possidônio de Carvalho Lacerda

Estudante de Graduação do curso de Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal de Campina Grande, Membro do Corpo Editorial da revista Academia ISSN (1981-4763), Secretário de Cultura do Movimento Estudantil, Pesquisador Voluntário em Projeto PIVIC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LACERDA, Ramom Possidônio Carvalho. Do direito processual constitucional e da necessidade brasileira de adoção do modelo europeu-continental dos tribunais constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2487, 23 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14733. Acesso em: 22 dez. 2024.

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