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Limites jurídicos ao princípio da informalidade no processo do trabalho

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Agenda 26/04/2010 às 00:00

A Consolidação das Leis do Trabalho elaborou uma série de regras que promoveram a simplificação do procedimento e a atenuação dos rigores formais.

Sumário: 1 DISCIPLINA JURÍDICA DOS PRINCÍPIOS. 1.1 CONCEITO DE PRINCÍPIO. 1.2 NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS. 1.3 PRINCÍPIOS X REGRAS. 1.4 FUNÇÕES DOS PRINCÍPIOS. 1.5 SOLUÇÕES TEÓRICAS PARA A COLISÃO DE PRINCÍPIOS E CONFLITOS NORMATIVOS. 1.5.1 Corrente juspolítica liberal e não utilitarista estadunidense: a proposta. de Ronald Dworkin. 1.5.2 Corrente dogmática pós-positivista germânica ou alemã:a proposta. de Robert Alexy. 1.5.2.1 Critério da proporcionalidade. 1.5.2.2 A primeira lei de ponderação. 1.5.2.3 A segunda lei de ponderação. 1.5.3 Corrente jurídica social-democrata portuguesa: a proposta de José . Joaquim Gomes Canotilho. 1.6 PÓS-POSITIVISMO E NEO PROCESSUALISMO: O PROCESSO SOB A NOVA ÓTICA CONSTITUCIONAL. 2 ENUNCIAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE. 2.1 CONCEITO. 2.2 DENOMINAÇÕES. 2.3 NATUREZA JURÍDICA. 2.4 AUTONOMIA COMO PRINCÍPIO. 2.5 CRÍTICA À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE. 3 ENUNCIAÇÃO DOS PRINCÍPIOS EM CONFLITO 3.1 JUS POSTULANDI. CONCEITO. 3.2 PRINCÍPIO DA CELERIDADE. CONCEITO. 3.3 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.CONCEITO. 3.4 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. CONCEITO. 3.5 PRINCÍPIO DISPOSITIVO. CONCEITO. 3.6 PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA.CONCEITO. 3.7 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO.CONCEITO. 4 LIMITES JURÍDICOS AO PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE NO PROCESSO DO TRABALHO: CONFRONTO PRINCIPIOLÓGICO. 4.1 INFORMALIDADE X JUS POSTULANDI. 4.2 INFORMALIDADE X PRINCÍPIO DA CELERIDADE. 4.3 INFORMALIDADE X PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO E PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 4.3.1 Informalidade e risco de cerceamento de defesa: situações problema. 4.3.1.1 Declaração da inépcia da inicial. 4.3.1.2 Impessoalidade na notificação postal. 4.3.1.3 Surgimento de nova causa de pedir; 4.4 INFORMALIDADE X PRINCÍPIO DISPOSITIVO E PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA: SITUAÇÕES FÁTICAS. 4.4.1 Limitação quanto à interpretação do pedido. 4.4.2 Exigência de pedido expresso. 4.4.3 Pedido não formulado em capítulo próprio. 4.4.4 Comutação de pedido e julgamento extra petita. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

No surgimento da Justiça do Trabalho, visando a rápida e eficaz solução dos litígios por ela processados, notou-se que era necessário, e diga-se até indispensável, uma reformulação da prestação jurisdicional e forma de atuar dos juízes. Anteriormente, ainda quando as lides trabalhistas eram processadas no Juízo Comum, não especializado, observava-se uma excessiva preocupação dos julgadores com questões formais, que muitas vezes atrasavam e impediam a resolução do litígio real, ou seja, extinguia-se o processo antes de ser apreciado o direito material objeto da pretensão.

Para que a justiça laboral fosse realmente eficaz, era preciso formar um quadro de julgadores imbuídos de um espírito menos formalista, com menos influência do processo civil para atender as peculiaridades do processo do trabalho.

O processo é instrumento para que seja garantida a efetivação do direito material o qual tutela. Diferentemente do direito civil, que normalmente regula matérias de direitos patrimoniais e disponíveis, o direito do trabalho essencialmente trata de questões em que a disponibilidade do direito pelo trabalhador é reduzida ou nenhuma. As lides trabalhistas têm como objeto verbas de caráter proeminentemente alimentar. Portanto, não é razoável obrigar que o trabalhador aguarde por longos anos as verbas que lhe garantiriam a sobrevivência, para que se gaste demasiado tempo e energia com questões de cunho formalista.

Ademais, criou-se na Justiça do Trabalho a figura do exercício do jus postulandi diretamente pelas partes. Todo empregado pode defender seus interesses em juízo independentemente de estar assistido por advogado. Igualmente, foi estabelecida essa faculdade ao empregador. Assim, não teria o empregado que arcar com os elevados custos para a contratação de um causídico, concorrendo o advogado com percentual da verba alimentar objeto do litígio. O dono do capital, também, caso o entenda desnecessário, pode postular diretamente em juízo, apresentando-se para todos os atos processuais.

Em uma justiça marcada pela tecnicismo e pelo maior rigor formal, como a Justiça Comum, regulada pelo processo civil, de nada adiantaria a permissão de ingressar independentemente de estar acompanhado de profissional do Direito. Terminaria por ser inócua a faculdade, já que fatalmente o reclamante se perderia nesse caminho tortuoso e cheio de meandros.

Jungida por esse espírito, a Consolidação das Leis do Trabalho elaborou uma série de regras que promoveram a simplificação do procedimento e a atenuação dos rigores formais, de maneira que fosse possível para o empregado ver apreciado o mérito de sua causa e exercitar o seu direito de ação com reais chances de obtenção de êxito. Tratou também de regular o procedimento para que fosse simples e necessitasse de um menor lapso temporal para elaboração dos atos processuais.

Por isso, a petição inicial trabalhista necessita apenas de uma breve exposição dos fatos, do pedido e da qualificação das partes; as audiências são preferencialmente unas, com apresentação da defesa pelo reclamado nesta mesma oportunidade (princípio da concentração); há muitas oportunidades em que os atos processuais serão elaborados oralmente e reduzidos a termo (petição inicial, defesa, razões finais); os recursos têm prazo de apenas oito dias; entre outras diferenças com o procedimento comum.

Da leitura de todas essas normas, juntamente com os valores e o espírito que o legislador quis imprimir à Justiça do Trabalho, o processo laboral tem como um de seus princípios inspiradores o princípio da informalidade, objeto do presente trabalho.

A ascensão da importância dos princípios à atual posição que ocupam foi resultado do trabalho dos jusfilósofos pós-positivistas que buscaram se evadir do antigo sistema de normas, baseado na primazia da lei. Essa corrente de pensamento considerava fundamental provocar uma aproximação do conceito de Direito com os valores sociais e a moral que afloram da sociedade. Os princípios seriam normas jurídicas que, inferidas da cultura e do ordenamento jurídicos, auxiliariam a criação, revelação, interpretação e aplicação do Direito.

Diferente das regras, que são normas jurídicas que utilizam a fórmula do tudo ou nada (ou aquela norma é válida ou é inválida, devendo ser aplicada ou não, sempre em sua inteireza), os princípios podem ser aplicados em pesos e graus diversos, de acordo com a análise do caso concreto. As situações fáticas e jurídicas é que determinam a extensão de aplicabilidade das normas princípios.

O trabalho dos jusfilósofos, em especial Ronald Dworkin e Robert Alexy, foi criar critérios para solução do conflitos principiológicos baseados em regras de lógica jurídica, de forma a rever e limitar a discricionariedade dos magistrados. Ao princípio da informalidade são aplicáveis todas as discussões pertinentes ao tema do conflito de princípios e entre princípios e regras.

O princípio da informalidade no processo do trabalho, em especial, é utilizado como fundamento de validade para a prática dos mais diversos atos e em variados âmbitos. No âmbito pré-jurídico, ele se coloca como um mandamento para que o legislador elabore leis que promovam a simplificação, a resolução rápida e eficaz dos litígios trabalhistas. No âmbito processual, servirá como norma jurídica que fundamenta uma maior atuação do magistrado na condução do processo para suprir pequenas omissões e falhas das partes, viabilizando a busca da verdade real e apreciação correta do mérito da causa. Ainda por esse viés, permitirá que não seja exigido excessivo rigor técnico às petições elaboradas pelas partes (ainda que assistidas por advogado), principalmente, a reclamação trabalhista.

Os princípios traçam um estado ideal das coisas a ser atingido, como elas deveriam ser, sem, contudo, determinar os meios para obtenção desse resultado.

Por exemplo, o princípio da informalidade exige a realização ou preservação de um estado de coisas exteriorizado pela menor formalidade, ampliação do acesso à justiça pelo hipossuficiente e maior celeridade na marcha processual. É necessária a adoção de uma série de comportamentos para efetivar este estado de coisas. Porém, tendo em vista que inexistem formas precisas para concretizar o estado das coisas, abre-se possibilidade para a arbitrariedade do julgador.

Princípios são cláusulas abertas que, apesar de regularem condutas, não o fazem de forma descritiva, impondo exclusivamente a prática de determinada conduta. Eles são mandamentos finalísticos de otimização, que trazem valores agregados, orientando o intérprete para o respeito a esses valores. A sua realização e efetivação pode se dar das mais diversas maneiras, desde que respeitada a finalidade originária.

A grande discricionariedade concedida ao intérprete (em especial, os magistrados) nesse sistema, permite que, às vezes, de forma equivocada, ocorra a aplicação do princípio da informalidade de modo a violar direitos e garantias fundamentais, além de outras de ordem infraconstitucional.

Face a tal cenário, revela-se a importância de um trabalho acadêmico que procure estabelecer as bases para resolução dos conflitos normativos em que participe o princípio da informalidade. Contudo, sem jamais descuidar da apresentação de casos práticos que ajudem ao leitor compreender a dimensão e complexidade para se chegar a uma conclusão desses embates. Todos os casos que ora serão apresentados são fruto da jurisprudência dos tribunais pátrios, alguns inclusive em que o autor desta obra teve a oportunidade de atuar elaborando parecer opinativo no âmbito de sua experiência profissional como estagiário na Procuradoria Regional do Trabalho da 5ª Região.

O presente trabalho foi divido em quatro partes. O primeiro capítulo se preocupa em traçar as bases sobre o que seriam os princípios e como eles se encaixam num sistema jurídico em que, além destes, também estão presentes as regras. Ressalta-se sua natureza de norma jurídica, trazendo as diferenças e semelhanças com as normas que regulam as condutas de forma descritiva. Para tanto, narra-se a evolução histórica do conceito de princípio, apresentando as conclusões dos maiores expoentes que trataram sobre o tema aventado. Trata-se, ainda, da técnica de resolução dos conflitos normativos entre princípios e regras, e somente entre princípios. Realçam-se, também, as diversas funções dos princípios, exemplificando cada uma delas. Nele, há também soluções teóricas para a colisão de princípios e conflitos normativos apresentadas por Dworkin, Alexy e Canotilho.

Inaugura-se o capítulo 2, com a enunciação do princípio da informalidade. Naquele momento, serão apresentados seu conceito, denominações, os fundamentos históricos e jurídicos de sua existência, bem como seu âmbito de aplicabilidade e extensão. Afirma-se sua natureza jurídica e sua autonomia como princípio, jamais podendo ser confundido com o princípio da instrumentalidade das formas. São tecidas, também, algumas críticas à aplicação desse instituto.

No capítulo 3, passa-se à enunciação de diversos princípios que serão confrontados à informalidade. Eles foram escolhidos em razão da sua maior importância para definição do núcleo mínimo de formalidades impassível de aplicabilidade do princípio da informalidade (ampla defesa, contraditório, devido processo legal), por sua grande importância como fundamento da simplicidade (jus postulandi e celeridade) e, por fim, pela sua grande incidência na jurisprudência e dúvida quanto à extensão de sua aplicação (dispositivo e congruência), no processo do trabalho, quando em confronto com o princípio objeto do presente trabalho .

O último capítulo foi reservado para que fossem estabelecidos os limites jurídicos ao princípio da informalidade, o que será feito com a seguinte sistemática. Uma vez que já foram abordados os princípios pertinentes à discussão, conceituando-se cada um deles e sendo trazidos os pontos relevantes para fomentar as reflexões, em seguida, faz-se a correlação do princípio da informalidade com os respectivos princípios que lhe fazem oposição. Traz-se, neste capítulo, a correlação lógica dos tipos normativos anteriormente enunciados, através de situações concretas existentes na jurisprudência, estabelendo-se critérios gerais que podem ser utilizados como parâmetro de balizamento pelos hermeneutas e aplicadores do direito ao analisarem casos semelhantes ou próximos.

Cada um dos princípios opositores foi agrupado de acordo com a relevância e a correlação temática. Vale ressaltar que, embora agrupados, não significa que apenas aqueles princípios existentes naquele tópico participem do conflito principiológico. Ao longo do desenvolvimento do capítulo, são feitas remissões e conclusões relacionando os conceitos que foram trazidos nos tópicos prévios e alguns que serão abordados na seqüência, permitindo-se assim uma noção de completude do sistema.

O último passo é a conclusão sobre a problemática a que o autor do presente trabalho se predispôs a estudar, no âmbito da temática dos limites jurídicos do princípio da informalidade no processo do trabalho, conforme as técnicas de resolução de conflitos principiológicos. A essa altura, já estarão firmadas aquelas idéias propostas nas argumentações que são consideradas mais importantes, permitindo fazer uma aprimorada conclusão com base em tudo quanto exposto.

Finaliza-se, ciente da dificuldade de tratar de tema de tão grande magnitude, mas ainda com confiança e convicção de que é possível abordar este instituto de enorme repercussão jurídica e social no processo do trabalho, viabilizando as conquistas advindas do princípio da informalidade, contudo, por meio de medidas hermenêuticas que consagrem a aplicação da disciplina estudada, desestimulando supostos desvios jurisprudenciais e legislativos que venham a tolher a efetivação do direito material do trabalho.


1 DISCIPLINA JURÍDICA DOS PRINCÍPIOS

1.CONCEITO DE PRINCÍPIO

A ascensão da importância dos princípios à atual posição que ocupam deve-se aos jusfilósofos pós-positivistas. Através da superação histórica do jusnaturalismo e do positivismo, abriu-se a possibilidade para uma série de discussões acerca da função social e da interpretação do Direito, ensejando numa reinserção e revitalização dos valores e dos princípios como fontes do direito, influenciando diretamente na interpretação.

Os princípios têm dimensão valorativa acentuada, por sua própria natureza e ainda por se concentrarem nos valores de maior perenidade na história social e naqueles que alcancem consistência e legitimidade cultural em um dado momento histórico . (DELGADO, 2004, p. 14)

Durante muito tempo, os princípios foram preteridos no papel de fonte do direito em razão dos valores e idéias trazidas essencialmente pela escola positivista. Para estes, a fonte primaz do direito era a lei, pelo que se estabeleceu a ditadura do direito positivo. Partindo dessas premissas, concluía-se que o papel do juiz seria aplicar a lei abstratamente criada pelo legislador ao caso concreto, uma atividade de puro silogismo.

A necessidade de legislação escrita, como uma decorrência de segurança jurídica encontrou seu ápice no século XIX. Foi exigência do iluminismo a sistematização racional do Direito, em um ordenamento dotado de unidade, coerência e hierarquia. [...] Em torno ao Code Napoleón, formou-se a Escola da Exegese, que erigiu este Código como sendo a única fonte do Direito Civil, reduzindo o trabalho exegético à explicação literal dos textos legais (dura lex sed lex). Houve, com efeito, uma tentativa de manipular ideologicamente o Direito, com o fundamento de que a lei seria a tradução da vontade geral e do bem comum. [...]O juiz, portanto, deveria ser neutro aos interesses em jogo e aos valores plasmados no Código, sendo considerado simplesmente como sendo la bouche de la loi (a boca da lei). A sentença deveria subsumir-se, direta e automaticamente, à lei para que, desta forma, ficasse mais fácil controlar a atividade jurisdicional. (CAMBI, 2007, p.22-23)

Impregnado por tal idéia, dispões a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, em seu art. 4°, que apenas "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito", logo consagrando o entendimento da subsidiariedade dos princípios perante a lei.

Para essa corrente, não haveria atividade criativa no trabalho do magistrado. Inclusive esta seria vedada, uma vez que importaria em violação ao princípio da separação dos poderes, já que o julgador é proibido de atuar como legislador positivo. O juiz, portanto, faria uma leitura exegética do texto normativo encontrando assim a solução a ser dada no caso concreto. Usar-se-ia a lógica dedutiva.

Tal teoria, contudo, é insuficiente para explicar os "hard cases", ocasiões em que a mera utilização da lógica dedutiva e a interpretação exegética do texto jurídico não são suficientes para apresentar uma solução clara, necessitando mais do que o conhecimento do direito vigente, como esclarece Niklas Luhmann (apud DIDIER JUNIOR, 2007, p. 68).

Ao juiz, em virtude do princípio da inafastabilidade de apreciação do poder judiciário, é vedada a não decisão de uma causa por não haver direito positivo aplicável ou, ainda que o haja, que este não esteja claro e bem delineado. O juiz deve decidir, e para tanto, deve se utilizar dos princípios explícitos e implícitos existentes no ordenamento jurídico, ponderando as particularidades do caso concreto, interpretando o direito vigente, para assim, numa atividade nitidamente criativa, trazer a solução. Sabiamente, lembra Pontes de Miranda (1998, p. 274-275):

Esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do juiz, quando promete respeitar e assegurar a lei. Se o conteúdo fosse o de impor a "letra"legal, e só ela, aos fatos, a função judicial não corresponderia àquilo que foi criada: realizar o direito objetivo, apaziguar. Seria a perfeição em matéria de braço mecânico do legislador, braço sem cabeça, sem inteligência, sem discernimento; mais> anti-social e – como a lei e a jurisdição servem {a sociedade – absurda.

Acrescenta também Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (2003b, p.6), agora em uma análise pelo viés processual, a impossibilidade de se compreender o atuar do juiz dissociado de sua existência na sociedade.

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Assim, o rigor do formalismo resulta temperado pelas necessidades da vida, agudizando-se o conflito entre o aspecto unívoco das características externas e a racionalização material, que deve levar a cabo o órgão judicial, entremeada de imperativos éticos, regras utilitárias e de conveniência ou postulados políticos, que rompem com a abstração e a generalidade.

O juiz, por sua vez, não é uma máquina silogística, nem o processo, como fenômeno cultural, presta-se a soluções de matemática exatidão. Isso vale, é bom ressaltar, não só para o equacionamento das questões fáticas e de direito, como também para a condução do processo e notadamente no recolhimento e valorização do material fático de interesse para a decisão

É importante frisar que os princípios não devem ser considerados uma fonte subsidiária do direito, só tendo aplicabilidade em posterior a lei, mas sim, ao contrário, deve ser dado primazia aos princípios. O administrativista Celso Antonio Bandeira de Mello (1995, p. 537-538), concordando com tal assertiva, dispõe que:

Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição que irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.

[...]Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Entende-se que o ordenamento jurídico é formado por normas jurídicas (gênero), as quais têm como espécies as regras e os princípios. Essa é a maior contribuição do pós-positivismo. Aplicando-se os princípios como fonte é que os tribunais vêm decidindo(DIDIER JUNIOR, 2007, p. 71), por exemplo, acerca das relações homoafetivas, a fidelidade partidária (MS 26,603, rel. Min. Celso de Mello, publicado em 04.10.2007, STF) e o direito de greve dos servidores públicos (MI 670, rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes, publicado em 25.10.2007, STF). O mesmo ocorre na Justiça do Trabalho quando os tribunais são chamados para decidir dissídios coletivos, após frustradas as tentativas de negociação extrajudicial, ocasião em que os julgadores são convidados a criar uma regra geral a ser aplicada a toda a categoria, regra essa que deverá respeitar todos os princípios trabalhistas.

Conforme leciona Luís Roberto Barroso (2004, p. 350), a reaproximação entre a Ética e o Direito teve como conseqüência a valorização dos princípios, a incorporação explícita e implícita pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua natureza de norma jurídica.

Diante da importância de tais normas, urge procurar uma conceituação do que seriam princípios, eis a diversidade de sentidos que lhe são atribuídos. Semanticamente, a palavra princípio está ligada à idéia de começo, início, ponto de partida de uma idéia fundamental. O dicionário Aurélio (FERREIRA, 1975, p. 1139) define princípios como "proposições diretoras de uma ciência, às quais quase todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado". Tal idéia, que denota a grande importância e superioridade dos princípios, também é aplicável no campo do Direito. Outras vezes, a palavra princípio é utilizada como sinônimo de direitos fundamentais, como o foi feito na "Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento", aprovada na 86ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em junho de 1998 (PLÁ RODRIGUES, 2000, p. 25).

A doutrina nacional e estrangeira debate arduamente no intuito de trazer uma conceituação sobre o que seriam os princípios. Em sua maior parte, os doutrinadores partem da noção de que os princípios seriam normas gerais, idéias fundamentais e informadoras referentes a uma matéria, que servem como sua base estruturante, conduzindo a sua diferenciação e autonomia científica, sendo auxiliares da interpretação e objeto de integração do direito.

Reforçando tal entendimento, o ilustre Américo Plá Rodrigues (2000, p. 36), fazendo uma síntese e harmonizando os demais conceitos trazidos pela doutrina de seu país, esclarece que princípios são Linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções, pelo que podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos.

Maurício Godinho Delgado (2004, p. 14), fazendo uma abordagem pelo viés cultural, entende que, "princípios são proposições gerais inferidas da cultura e ordenamento jurídicos que conformam a criação, revelação, interpretação e aplicação do Direito". Complementa ainda que os princípios compõem o direito posto, sendo elemento integrante do ordenamento jurídico.

Há ainda doutrinadores que descrevem os princípios como normas que têm como objeto fazer que sejam concretamente aplicados os fins do direito o qual inspiram (RUPRECHT, 1995, p. 5).

Humberto Ávila (2004, p. 26-31) revela um interessante panorama trazendo o conceito de alguns autores de grande relevância sobre o conceito do que seriam princípios. Para Josef Esser, "princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado". Eles não possuiriam uma ordem direta, senão um fundamento para que haja a determinação da ordem (ÁVILA, 2001, p. 6). Com entendimento semelhante, Karl Larenz define os princípios como "normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento".

Dois importantes jusfilósofos pós-positivistas contribuíram definitivamente para a construção do atual conceito de princípio. São eles Ronald Dworkin e Robert Alexy. Eles partiram da idéia principal de que as normas jurídicas se dividem em regras e princípios. Assim, a construção do moderno conceito do que seria princípio, adveio do conglobamento das oposições entre princípios e regras observadas por eles. Por ora, somente será apresentado o conceito desenvolvido pelos respectivos autores, sem, contudo, tecer maiores comentários acerca da diferenciação teórica entre as espécies de normas.

Dworkin fez um ataque geral ao positivismo, e reviu o modo aberto de argumentação dos princípios. Na idéia de Dworkin, "os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça" (CANOTILHO, 1993, p. 167). Os princípios seriam normas que "não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios" (ÁVILA, 2004, p. 28). Eles, então, teriam uma dimensão de peso, o que significa que, em um conflito entre princípios, aquele que tiver maior peso relativo prevalecerá, contudo, sem a perda de validade do outro.

Para Alexy (apud AMORIM, 2005, p. 126), "princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes". Dessa forma, eles seriam mandados de otimização, que podem ser cumpridos em diferentes graus a depender do caso concreto e realidade normativa existente.

Revendo criticamente os conceitos da doutrina pós-positivista, principalmente em relação a Dworkin e Alexy, Ávila (2004, p. 70) expõe o seu próprio conceito de princípio.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária a sua promoção.

Tal formulação teórica condiz com a proposta trazida por esse trabalho, uma vez que ressalta a possibilidade de não aplicação dos princípios em sua inteireza, nos casos em que houver conflito. Dessa forma, em algumas situações, mais de um princípio pode ser aplicado, em maior ou menor grau, não prevalecendo apenas um deles, sendo utilizada a "medida necessária" de cada um deles para realização do fim proposto.

Isso ocorre nos casos de princípios interdependentes e quando a realização do fim instituído por um princípio leve apenas à realização de parte do fim estipulado pelo outro, caso em que ocorreriam limitação e complementação recíprocas. Isso é o contrário do que se poderia inferir da premissa originária de Dworkin sobre a dimensão de pesos, já que para ele o princípio de maior peso simplesmente prevaleceria sobre o outro. Ávila (2004, p. 70) adverte ainda quanto à necessidade de verificação dos casos concretos para uma perfeita análise de qual o princípio que terá maior grau em cada situação.

Diante das diversas concepções e conceitos de princípios trazidos ao longo da história, entende-se que princípios são normas advindas da leitura das demais normas do sistema ou dos valores defendidos por este, tendo como finalidade a busca por um contexto ideal, sem, contudo, prever os meios para a realização deste fim, servindo, dessa forma, como um plexo estruturante, fonte hermenêutica e integradora do direito, sendo avaliável o grau e a dimensão de sua aplicação casuisticamente, de acordo com os bens da vida juridicamente tutelados e envolvidos em determinada situação.

Os princípios têm o poder de, em um conflito com regras, conduzir a uma interpretação capaz de afastar a tendência geral de aplicação direta do tudo-ou-nada (all or nothing) das regras. Em um conflito entre regras, o intérprete deve fazer uso dos métodos clássicos hermenêuticos advindos do direito romano (lei superior revoga lei inferior; lei especial revoga lei geral; lei posterior revoga lei anterior). Ocorre que tais critérios hermenêuticos são insuficientes para resolver situações em que há conflito entre regras e princípios. Nesses casos, as soluções possíveis são a interpretação conforme e o controle de constitucionalidade (caso se trate de um princípio constitucional). Exemplificativamente, extrai-se um caso da jurisprudência.

Em regra, o magistrado deve proferir a decisão de acordo com as limitações impostas pelo pedido do autor e da defesa. Da leitura conjunta dos artigos 841, §1º da CLT, que dispõe sobre a necessidade de que estejam presentes na petição inicial trabalhista a exposição dos fatos e o pedido, e 282, IV do CPC, extrai-se que a exordial deveria conter o pedido com suas especificações. Contudo, ocorre em algumas oportunidades de o juiz se deparar com pedidos sucintos, utilizando expressões, que, individualmente consideradas, não significam o real objeto da busca do provimento jurisdicional.

Seria o caso de o reclamante fazer pedido de "férias". Não pretende o autor que seja declarada a existência do seu direito descansar. O que busca, em verdade, é a remuneração das férias não gozadas, mas não constou do pedido as suas especificações. No processo civil, apenas seria possível a interpretação exegética do pedido. No entanto, no processo do trabalho, o princípio da informalidade permitiria que o pedido fosse analisado em conjunto com a causa de pedir de forma que se conseguisse chegar a uma conclusão acerca de sua correta interpretação. No presente caso, da leitura conjunta do princípio da simplicidade (entendido nesta obra como uma denominação sinônima a informalidade), as assertivas excessivamente formalistas do texto legal ficaram parcialmente afastadas, não tendo produzido seu efeito em sua inteireza, fazendo-se uma interpretação conforme os valores trazidos pelo princípio da informalidade. Entretanto, manteve-se a norma plenamente válida.

Os conflitos entre princípios não precisam se dar aos pares, podendo ocorrer entre mais de dois princípios simultaneamente, resultando na aplicabilidade de cada um deles na medida permitida pela análise das situações fáticas e possibilidades jurídicas.

Ressalte-se que essas informações tratadas no capítulo correspondente ao conceito de princípio serão melhor exploradas quando da abordagem da diferenciação entre princípios e regras, contrapondo o posicionamento dos diversos autores.

Importante ainda lembrar que existem três tipos de princípios: os constitucionais, os princípios gerais do direito e os princípios infraconstitucionais. Contudo, nesse trabalho a expressão princípio é entendida no sentido mais amplo, incluídos os princípios infraconstitucionais.

1.2 NORMATIVIDADE DOS PRINCÍPIOS

Parte da doutrina, no passado, debatia sobre a natureza jurídica dos princípios. Em síntese, debruçavam-se sobre o questionamento de se seriam normas ou não. Entendia-se que os princípios teriam um caráter puramente axiológico, dentro do campo da ética, sem eficácia jurídica e aplicabilidade imediata. Ligava-se a isso principalmente a idéia de que os princípios teriam algo ligado ao direito natural.

Graças a uma evolução teórica do direito, atualmente, já se reconhece o caráter normativo e a aplicabilidade imediata os princípios, como nos casos em que se garantem judicialmente direitos baseados nos princípios constitucionais e nos direitos fundamentais [01]. Entretanto, em que pese os significativos avanços, há ainda autores contemporâneos que defendem o caráter não normativo. Ao tratar dos princípios gerais do direito, enuncia Tércio Sampaio Ferraz Junior (1994, p. 247):

De qualquer modo, ainda que se entenda que possam ser aplicados diretamente na solução de conflitos, trata-se não de normas mas de princípios. Ou seja, não elementos do repertório do sistema, mas fazem parte de suas regras estruturais (ver supra 4.3.1.1), dizem respeito à relação entre as normas no sistema, ao qual conferem coesão. Talvez por isso, como fórmula tópica, eles sejam aplicados sem especificações maiores. Como premissa de raciocínio, eles são mencionados na forma indefinida que depois se determina numa regra geral com caráter normativo jurisprudencial[...]

A dúvida sobre o caráter normativo dos princípios advinha do próprio conceito de Direito anterior ao século XX, extremamente ligada à idéia do positivismo jurídico. Pela teoria pura do direito de Hans Kelsen, o conceito de norma viria de um juízo disjuntivo: dado o fato jurídico deve ser a prestação; dado a não-prestação (ato ilícito), deve ser a sanção. Dentro de determinado conceito seria impossível encaixar os princípios como norma, dado o fato de, em geral, não se prestarem para regular como normas de comportamento, com conteúdos prescritivos, e por terem uma tendência à abstração. Os princípios não seriam dotados do caráter hipotético-condicional, pela aplicação da regra "se", "então".

Para a Kelsen, a norma pensa a conduta, necessariamente. Igualmente, havia uma aproximação muito grande entre o direito e as normas, e o afastamento dos questionamentos quanto aos valores. Sendo o princípio um elemento ligado essencialmente a idéia dos valores, isso impossibilitava sua compreensão como uma norma jurídica.

A reaproximação dos jusfilósofos pós-positivistas com a ética e os valores, e a conseqüente reformulação teórica do conceito de Direito, permitiu a inclusão dos princípios dentro da categoria das normas.

Esses pensadores ampliaram a extensão do próprio conceito de direito anteriormente existente, introduzindo "conceitos de padrões que estipulam os direitos e os deveres que um governo tem o dever de reconhecer e fazer cumprir, ao menos em princípio, através de instituições conhecidas como os tribunais e a polícia" (DWORKIN, 2002, p. 75).

Contudo, não queriam estes doutrinadores "o retorno puro e simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos e metafísicos de uma razão subjetiva (BARROSO, 2004, p. 326). Os princípios vieram materializar os valores da sociedade, tendo sido muitos deles abrigados explícita ou implicitamente pela constituição. O caráter normativo dos princípios consolidou-se graças à construção teórica de Dworkin, em seu livro "Levando os direitos a sério", destacando o direito como um sistema composto de normas harmonicamente vinculadas, existindo normas regras e normas princípios.

Noberto Bobbio (apud LEITE, C., 2006, p. 46) ao tratar sobre a importância dos princípios realça o seu caráter de completude do ordenamento jurídico e ressalta seu caráter normativo. Para ele, os princípios são apenas

Normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com essa finalidade são extraídos em caso de lacuna.

Ana Paula Tauceda Branco (2007, p. 84), em sua brilhante tese de doutorado acerca da colisão de princípios constitucionais no direito do trabalho, orientada por Bezerra Leite, traz a conclusão do trabalho de Dworkin sobre a normatividade dos princípios.

Adiantando-nos ao aspecto principiológico da sistematização construída por Ronald Dworkin para o Direito, notório que ela desponta no pós-positivismo rompendo com a cultura formalista da época, visto que propugna-se que a normatividade seja pautada nos princípios, o que o leva a inferir uma compreensão de que os princípios jurídicos alcançam a natureza de normas[...]

Princípios e regras são normas porque ambos dizem o que deve ser (ALEXY, 1993, p. 83), contudo, enquanto as regras são descritivas da conduta, os princípios são valorativos ou finalísticos. Ambos podem ser formulados através das figuras da ordem, da permissão e da proibição, através da ajuda de expressões deónticas. A distinção entre regras e princípios não se pode dar pelo tipo de norma.

1.3 PRINCÍPIOS X REGRAS

Diversos autores tentaram diferenciar os princípios das regras. Far-se-á, primeiramente, no presente capítulo, uma abordagem dos critérios clássicos de distinção, para em seguida tratar as visões que hoje são majoritárias (Dworkin e Alexy) e seus críticos.

As visões clássicas pecaram no momento em que tentaram estabelecer a diferenciação entre princípios e normas baseadas unicamente pelo tipo da norma em abstrato (caráter prima facie), sem considerar a aplicação dela em concreto e a possibilidade de exceções às formulas tratadas abstratamente.

O primeiro critério mais frequentemente utilizado é o da generalidade. Segundo tal preceito, os princípios seriam normas dotadas de um maior grau de generalidade e abstração, em comparação às regras. Os exemplos desses casos seriam, respectivamente, as normas de que todo indivíduo gozará de liberdade religiosa e a de que todo preso tem o direito de conviver com outros presos. Observe-se que a primeira é mais geral do que a segunda. Muitas vezes, os princípios possuem cláusulas gerais, que podem ser entendidas como fórmulas vazias segundo as quais se pode subsumir qualquer estado das coisas, abrindo possibilidade enorme para a discricionariedade e arbitrariedade do intérprete.

Deve-se diferenciar generalidade de universalidade. Ambas as normas exemplificadas detêm a universalidade, uma vez que tratam de todos os indivíduos em uma classe aberta. Em oposição às normas universais, há as normas individuais, dirigidas especificamente para uma pessoa, como os decretos que determinam a promoção ou remoção de um servidor público. Já o conceito oposto de generalidade seria a especialidade.

Há ainda outros critérios diferenciadores trazidos pela doutrina e sintetizados por Alexy (1993, p. 84-85). O da "determinabilidade dos casos de aplicação" (Esser); "a forma da gênese" e a divisão entre "normas criadas" e "normas desenvolvidas" (Shuman); "o caráter explícito do conteúdo valorativo" (Canaris); "a referência à idéia do direito" (Larenz); "lei jurídica suprema" (Wolff);"a importância para o ordenamento jurídico (Peczenik); "fundamentos das regras" ou "as próprias regras" (Esser) e "normas de comportamento" ou "normas de argumentação" (Gross).

Buscando evitar o modo aberto de argumentação dos princípios, que permitem certa margem de discricionariedade e arbitrariedade ao intérprete, Dworkin criou a sua teoria sobre o que seriam princípios e regras. Segundo ele, regras seriam aplicadas segundo a fórmula do tudo ou nada (all or nothing), o que significa que se determinado fato entra na hipótese normativa, ou a norma é válida, sendo aplicável ao caso, produzindo seus efeitos prescritos, ou a norma é inválida. Em havendo uma colisão entre regras, uma delas deve ser declarada como inválida, permitindo assim que a outra produza o seu efeito jurídico.

Os princípios, por terem uma estrutura diversa, servem como fundamentos, que devem ser justapostos e acrescidos a outros fundamentos, pelo que o conflito entre eles não necessita da declaração de invalidade de qualquer um. Os princípios possuem uma dimensão de peso (dimension of weight). Dessa forma, se um princípio, à luz do caso concreto, tiver peso maior, esse prevalecerá, sem que com isso tenha que ser declarada a invalidade. Para ele, esta dimensão de peso seria privativa dos princípios, não sendo utilizado com as regras.

Alexy levou em consideração a teoria trazida por Dworkin na formulação de suas conclusões. Entende que os princípios são normas que ordenam algo a ser cumprido na melhor medida possível. Princípios, então, seriam mandados de otimização. Eles podem ser cumpridos em diferentes graus, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. O âmbito das possibilidades jurídicas estaria definido dentre dos princípios e regras opostos.

Através de exemplos de julgados do tribunal alemão, Alexy demonstra que a solução da oposição entre princípios não ocorre com a imediata declaração da prevalência/submissão de um princípio sobre o outro. Necessário que se realize, primeiro, uma ponderação de interesses entre os princípios colidentes, em razão das circunstâncias concretas. Eis um exemplo elucidativo trazido pelo autor (ALEXY, 1993, p. 90).

O tribunal constitucional alemão ficou diante de um caso que tratava sobre a admissibilidade de realização de uma audiência oral, contra um acusado que por conta das pressões que tal ato poderia causar, correria risco de sofrer um infarto. De um lado, coloca-se o interesse do Estado no correto cumprimento do Direito Penal; de outro, colocam-se os interesses do acusado em garantir seus direitos fundamentais e o respeito à afetação mínima da sua integridade física. Através da ponderação desses interresses estabelecer-se-á a solução desse conflito. Os princípios devem ser vistos com uma cláusula de reserva de que só são aplicáveis se outro princípio não obtiver peso maior diante da situação concreta (ÁVILA, 2004, p. 29). É a chamada relação de precedência condicionada.

Alexy criou uma teoria procedimental para realização da ponderação (AMORIM, 2005, p. 128).

I) primeiro se investigam e identificam os princípios (valores, direitos, interesses) em conflito, e quanto mais elementos forem trazidos, mais correto poderá ser o resultado final da ponderação; II) segundo, atribui-se o peso ou importância que lhes corresponda, conforme as circunstâncias do caso concreto; e iii) por fim, decide-se sobre a prevalência de um deles sobre o outro( ou outros).

Já as regras podem apenas ser cumpridas ou não. Para as regras, havendo conflito normativo entre elas, ou será criada uma exceção à regra ou será declarada inválida pelo menos uma delas . As regras vinculam mandados de definição.

Por fim, Ávila (2004, p. 70) traz uma diferenciação entre regras e princípios baseado nas premissas de seus antecessores, porém, refazendo-as, de acordo com algumas críticas vislumbradas por ele. Para o autor, regras

São normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.

Os princípios são normas eminentemente finalísticas. Traçam objetivos e apresentam função diretiva para determinação da conduta em específico. "O fim não precisa, necessariamente, representar um ponto final qualquer (Endzustand)" (ÁVILA, 2004, p. 71). Os princípios traçam um estado ideal das coisas a ser atingido, como elas deveriam ser, sem, contudo determinar os meios para obtenção desse resultado. Por exemplo, o princípio da informalidade exige a realização ou preservação de um estado de coisas exteriorizado pelo menor rigor formal, ampliação do acesso a justiça pelo hiposuficiente e maior celeridade na marcha processual. Necessária a adoção de uma série de comportamentos para efetivar este estado de coisas. Mas, observe-se que não foram estabelecidas as formas para concretizar o estado das coisas, abrindo possibilidade para a arbitrariedade do julgador.

1.4 FUNÇÕES DOS PRINCÍPIOS

Os princípios têm, em especial, quatro tipos de função: integrativa, definitória, interpretativa e bloqueadora (ÁVILA,2004, p. 78-81). Preliminarmente, porém, vale transcrever a ressalva de Mauricio Godinho Delgado (2004, p. 17):

[...] os princípios desempenham funções diferenciadas e combinadas. Insista-se que as distintas funções se exercem, muitas vezes, combinadamente, de modo simultâneo, no mesmo processo de apreensão, compreensão e aplicação do Direito. Embora isso não reduza a relevância de se identificar cada uma de tais funções específicas, não se pode olvidar que em seu processo operativo os princípios comumente exercem ao mesmo tempo seus diferentes papéis.

Diz-se função integrativa aquela que justifica a possibilidade de os princípios agregarem elementos não previsto nas regras. Um exemplo disso é a concessão de prazo para que uma parte se manifeste no processo, independente de previsão legal, para que se garantam o devido processo, o contraditório e ampla defesa. Em faltando regras sobre determinado tema, eles serviriam como fontes supletivas, integrando o direito.

Em relação às normas mais amplas, a função definitória serve para delimitar e restringir a amplitude do conteúdo previsto. Trariam maior especificação.

A função interpretativa consiste na possibilidade de, nas normas de abrangência mais restrita, interpretarem-se os conteúdos expressamente previstos em conjunto com os princípios restringindo ou ampliando seu sentido. Por exemplo, embora esteja prevista no ordenamento jurídico a necessidade de que conste pedido expresso na petição inicial para que alguém possa ser condenado, alguns julgadores, interpretando tal artigo conjuntamente ao princípio da informalidade, restringem seu sentido, entendendo pela sua desnecessidade caso evidente que esta era a intenção do reclamante [02]. Essa função qualifica os princípios como decisões valorativas objetivas com função explicativa por orientarem a interpretação de normas constitucionais ou legais. Ela é destinada ao aplicador do Direito, uma vez que servem para auxiliá-los na compreensão dos significados e sentidos das normas do ordenamento jurídico.

O exercício da função bloqueadora se daria quando os princípios afastam elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido. Por exemplo, se uma regra previr a abertura de prazo, mas o prazo previsto for insuficiente para garantir a protetividade aos direitos do cidadão, este prazo, com base na eficácia bloqueadora do princípio do devido processo legal, deverá ser modificado para um que seja adequado.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2006, p. 49) traz ainda mais uma função, a função informativa. Ela seria destinada ao legislador, servindo como fonte de inspiração para atividade legislativa, já que os princípios veiculam valores diversos (políticos, éticos e econômicos) advindos das aspirações da sociedade.

Todas essas funções, quando aplicadas, demonstram a eficácia dos princípios no ordenamento jurídico pátrio.

1.5 SOLUÇÕES TEÓRICAS PARA A COLISÃO DE PRINCÍPIOS E CONFLITOS NORMATIVOS

Começa-se, no presente tópico, a explorar algo que será de suma importância para a compreensão do restante dessa obra. Em razão do desenvolvimento do conceito de Direito com a retomada da aproximação com a ética e os valores da sociedade, em dado momento histórico, foi importante trazer alguns marcos teórico-metodológicos que ensejassem na redução da arbitrariedade e discricionariedade que esse sistema poderia trazer.

Também percebeu-se a necessidade da definição da extensão da aplicabilidade dos princípios em confronto com eles mesmos e com as normas regras, permitindo-se assim dar ao sistema uma noção de completude, que iria de encontro simultaneamente tanto à idéia de rigidez e engessamento quanto à idéia de completa liberdade e falta de segurança jurídica.

Por esse motivo, apresentar-se-ão agora as metodologias para solução dos conflitos normativos apresentados pelos maiores expoentes acerca do tema.

1.5.1 Corrente juspolítica liberal e não utilitarista estadunidense: a proposta de Ronald Dworkin

Dworkin teceu uma crítica geral ao juspositivismo, em razão de essa escola do pensamento jurídico ter escolhido a lei como "fonte preeminente do direito" (BOBBIO, 1995, p. 132). Para os juspositivistas, o cientista deve estudar o direito tal qual o faz ao analisar a realidade natural, ou seja de forma "avalorativa", abstendo-se de proferir juízo de valor. Isso porque o Direito nada mais é do que um conjunto de fatos e fenômenos sociais, em nada diferente dos fatos naturais da vida (BOBBIO, 1995, p. 131).

A grande contribuição de Dworkin foi justamente jungir a Teoria do Direito à Filosofia, propiciando "o encontro do Direito com a Moral e do Direito Positivo com o Direito Natural" (BRANCO, 2007, p. 82).

Com essa reaproximação proposta por Dworkin do direito com os valores, dá-se ao direito um caráter mais dinâmico, mais próprio da sociedade e das relações sociais que advêm tanto do direito quanto dos valores, não estando preso ao mesmo modelo cartesiano e rígido que acontece no sistema da primazia da lei. As releituras dos pesos que cada uma das normas do sistema terá em decorrência das possibilidades fáticas dão uma noção de atualidade e dinamicidade a todo o sistema jurídico.

Para Jeveaux (apud BRANCO, 2007, p. 84) "como conseqüência natural da origem da teoria de Dworkin, corolariamente ela se atém a duas grandes vertentes: retomar a importância e a valorização dos direitos individuais e rever a discricionariedade dos magistrados".

Alerta Dworkin à seguinte situação não coberta pela teoria juspositivista (1967, p. 17):

O grupo dessa regras legais válidas é coextensivo com "o direito" [a lei], assim se o caso de alguém não está claramente coberto por uma regra (porque essa regra não parece apropriada, ou aquelas que se parecem apropriadas são vagas, ou por alguma outra razão), então esse caso não pode ser decidido pela "aplicação do direito". É preciso que seja decidido por alguma autoridade, como o juiz, "exercitando sua discricionariedade", o que significa alcançar além do direito algum outro tipo de padrão para guiá-lo nessa construção da nova regra legal ou a complementação da antiga. [traduzido pelo autor]

Ressalte-se, o sentido de "Direito", como está posto no texto retrotranscrito, é a definição trazida pelo juspositivismo do direito como "lei". Essa escola do direito não consegue solucionar eficazmente a questão da discricionariedade do julgador diante da ausência de lei ou da falta de claridade no texto normativo.

Assim o autor estadunidense fez um ataque geral ao positivismo para resolver esses "hard cases", estabelecendo uma formulação teórica para conter a discricionariedade dos magistrados, utilizando-se de outro padrão que atua no caso concreto de forma diferente das regras (DWORKIN, 1967, p. 22).

Esse novo padrão normalmente é chamado por ele de princípios. Contudo, por vezes, ele prefere especificar um pouco mais. Assim, haveria os "principles" (em sentido estrito) e as "policies". Enquanto aqueles adviriam da exigência de moral e justiça, estas resultariam de uma meta, um objetivo a ser alcançado genericamente para o desenvolvimento econômico, social ou político da sociedade (DWORKIN, 1967, p. 23). Contudo, o mesmo reconhece que, por vezes, essa separação entra em colapso.

Propôs assim uma estruturação que desse a compreensão das regras e princípios atrelada à aplicabilidade das normas jurídicas. Então, "quando as condições de aplicabilidade estão necessariamente previstas, está-se diante de uma regra" (BRANCO, 2007, p. 85). As regras pensam a conduta dentro da lógica do dever-ser, porém, contêm o caráter da prescritibilidade, ou seja, prevêem a conduta de forma necessária e hermética. As regras são aplicadas pela regra do tudo-ou-nada (all or nothing), diante dos fatos confrontados com a norma, "ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão" (DWORKIN, 2002, p. 39). As regras podem ter exceções que devem ser enunciadas juntamente a elas (DWORKIN, 2002, p. 40).

Por sua vez, "depara-se com um princípio, não por conta de determinações legais que respaldem sua aplicação, mas, sim, por substituir uma razão que migre o hermeneuta até ele" (BRANCO, 2007, p. 85). Eles possuem uma dimensão do peso ou importância, que não está prevista para as regras. "Quando os princípios se intercruzam,[...] aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um"(DWORKIN, 2002, p. 42). Princípios não se vinculam a situações específicas.

A ponderação que deve ser feita entre os princípios determinando o seu peso no caso concreto não é vinculante. Isso importa dizer que, se em um determinado exame o princípio "A" prevaleceu sobre o princípio "B", diante de outras circunstâncias, ao princípio "B" poderá ser concedido peso maior. A importância maior que determinado princípio receba nessa situação, logo, não importa na exclusão do outro do sistema jurídico, nem mesmo a perda da qualidade normativa que assume (DWORKIN, 2002, p. 41-42).

1.5.2 Corrente dogmática pós-positivista germânica ou alemã: a proposta de Robert Alexy

A concepção de princípio trazida por Alexy, bem como as soluções para os conflitos principiológicos deste autor, foram extremamente influenciadas pelas propostas do jusfilósofo Ronald Dworkin. Trouxe ele dois avanços relativamente a seu antecessor, quais sejam, a "conceituação das entidades em que a norma se desmembra e na coerência da elaboração teórica que formula" (BRANCO, 2007, p.87).

Através do autor alemão, confirma-se de uma vez por todas a juridicidade dos princípios, sendo aceitos como normas jurídicas. O pensamento de Dworkin é feito com base no direito estadunidense do common law. Já Alexy formula seu modelo diante do sistema do civil law alemão.

Ana Paula Tauceda Branco (BRANCO, 2007, p. 88-89) sintetiza as principais características trazidas por Alexy acerca dos princípios:

a)possuem alto nível de generalidade em relação ao meio fático; b) são mandados de otimização, ou seja, possuem recomendação obrigatória; c) são mandados deônticos relativos, porque dependem da realidade fática e jurídica; d) não são hierarquizados entre si; e) ao se inter-relacionarem podem colidir sendo a solução para essa colisão obtida através da ponderação.

Princípios são normas, mandados de otimização que devem ser cumpridos na maior medida possível, tendo em vistas as peculiaridades jurídicas e reais existentes no caso concreto, podendo, portanto, serem aplicados em vários graus diferentes (ALEXY, 1993, p. 86). Regras são normas que só podem ser cumpridas ou não (ALEXY, 1993, p. 87).

Assim como Dworkin, Alexy defende que o conflito entre regras só pode ser solucionado mediante a declaração de invalidade de uma delas ou na construção de uma exceção. O conceito de validez jurídica não é graduável, tal qual ocorre com os princípios. Sendo inválida, a norma será expurgada do ordenamento jurídico (ALEXY, 1993, p. 88).

Alexy criou uma lei geral de colisão destinada a resolver os conflitos entre princípios, bem como um critério para a atribuição de pesos a cada um deles, o que passa a ser examinado agora. Contudo, há que se ressaltar que essa fórmula de solução dos conflitos somente poderá ser utilizada em caso de princípios previamente válidos no ordenamento jurídico. É que há princípios que indubitavelmente, desde o seu primeiro choque, já são declarados inválidos no ordenamento jurídico (ALEXY, 1993, p. 105). Assim, se aparecesse no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da discriminação racial, ele seria de logo declarado inválido, eis que expressamente a constituição o veda.

1.5.2.1 Critério da proporcionalidade

Passará o aplicador do direito, como pressuposto para a correta resolução do conflito, por três etapas: adequação, necessidade e proporcionalidade (ALEXY, 1993, p. 111-115).

Na primeira delas, deverá ser feita a análise das possibilidades fáticas que envolvem a colisão, devendo não haver desvio da real finalidade de cada um dos princípios em exame.

Em seguida, para satisfazer ao pressuposto necessidade, terá ele que indagar se o meio escolhido era o único possível e existente par que fosse solucionado o problema, bem como se o meio empregado foi mais benéfico e menos restritivo ao indivíduo.

Por fim, a proporcionalidade, em sentido estrito, se realiza através da aplicação das duas leis de ponderação. O mandado de ponderação advindo da máxima da proporcionalidade em sentido estrito é seguido da relativização das possibilidades jurídicas (ALEXY, 1993, p. 112).

1.5.2.2 A primeira lei de ponderação

A primeira lei da ponderação tem a ver com a relação de "custo-benefício" entre a escolha pela prevalência de um princípio e não o outro, e o que as conseqüências jurídicas que advêm desse ato podem causar, determinando qual é a mais importante para a solução do caso concreto.

Cabe aqui realizar o exame subjetivo concreto da colisão dos bens jurídicos. Faz-se a seguinte pergunta: as desvantagens da restrição adotada são compensadas pelas vantagens alcançadas pelo fim buscado? Assim, aquele princípio que no caso concreto promova a menor afetação do bem jurídico deve ser escolhido.

1.5.2.3 A segunda lei de ponderação

A segunda lei da ponderação importa em proceder ao exame na análise da dimensão de intervenção num direito fundamental. Quanto maior for afetação do direito fundamental, maiores devem ser os fundamentos que justifiquem a aplicação ou não de determinado princípio na resolução do conflito normativo.

1.5.3 Corrente jurídica social-democrata portuguesa: a proposta de José Joaquim Gomes Canotilho

Conforme lembra Branco (2007, p.92-93), Canotilho tem sua formulação teórica construída num contexto do Estado Social Europeu, um tanto quanto diferente do Estado Democrático de Direito brasileiro. Foi seriamente influenciado pelas escolas da "jurisprudência dos valores" (conhecida também pelo nome de "jurisprudência dos interesses" ou "jurisprudência dos princípios") e a "jurisprudência dos problemas" (igualmente denominada de "jurisprudência tópica" ou "tópica").

Para ele, "princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes [...] ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico[...]" (CANOTILHO, 1993, p. 166).

Os princípios, segundo a percepção do mestre português (CANOTILHO, 1993, p. 167) são padrões juridicamente vinculantes e radicados da exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de Direito (Larenz) e " as regras podem ser vinculativas com um conteúdo meramente funcional".

O sistema composto de regras e princípios equilibraria a rigidez existente no "sistema puramente de regras" e insegurança que há no "sistema puramente de princípios" (BRANCO, 2007, p. 94).

Canotilho argumenta que os princípios podem ser distinguidos entre "hermenêuticos" e "jurídicos". Os primeiros desempenham função argumentativa. Os outros são verdadeiras normas.

Os princípios são exigências de otimização que permitem o balanceamento de interesses e valores. Possuem a dimensão da validade e peso. Eles podem ser ponderados porque apenas prima facie exigem a concretização dos seus objetivos podendo ser adequados.

As regras, de outro turno, devem ser cumpridas nas exatas medidas de suas prescrições, nada mais nada menos (CANOTILHO, 1993, p. 168). Suas questões apenas versam no âmbito da validade, jamais do peso.

1.6 PÓS-POSITIVISMO E NEOPROCESSUALISMO: O PROCESSO SOB A NOVA ÓTICA CONSTITUCIONAL

O pós-positivismo, conforme pontuado ao longo do capítulo acima, consolidou a plena normatividade e efetividade dos princípios no ordenamento jurídico. Com essa importante contribuição superaram-se alguns axiomas como o da neutralidade da lei e do juiz (o juiz é imparcial, não neutro, pois vive em sociedade, e absorve os valores desta) . "Coube à teoria crítica desfazer muitas das ilusões positivistas de Direito, enfatizando seu caráter ideológico e o papel que desempenha como instrumento de dominação econômica e social[...]" (BARROSO, 2008, p. 342)

A construção teórica da hermenêutica de aplicação dos princípios no ordenamento teve início no direito constitucional, quando em alguns hard cases, os julgadores decidiram causas que tinham como objeto central conflitos entre direitos fundamentais, que por óbvio não podiam ser suprimidos, ou seja, submetidos à lógica do tudo-ou-nada. Toda essa nova lógica hermenêutica decorreu dos fundamentos da supremacia da constituição e o desenvolvimento de técnicas de interpretação conforme a Constituição, bem como a ponderação de interesses, respeitando a existência de uma sociedade com valores.

Assim, surgiu o chamado Neoconstitucionalismo. Para este movimento a constituição passaria a ser um filtro para leitura e interpretação de todo o direito infraconstitucional (BARROSO, 2008, p. 343). Através de seus princípios e das cláusulas gerais, o direito deve ser interpretado conforme a constituição.

A Constituição de 1988 ultrapassou o dogma do minimalismo constitucional, regulando extensivamente uma série de ramos do direito como o direito civil, trabalhista e processual. Foram inseridas cláusulas gerais em cada um deles como a dignidade da pessoa humana, devido processo legal (também chamado por uma nova ótica de devido processo constitucional) e a proteção ao trabalhador. Essas cláusulas abertas iniciaram, portanto, toda uma marcha para releitura de todo o sistema do direito de modo amplo. Por isso, modernamente já se fala no direito civil Constitucional (revendo-se os dogmas patrimonialistas anteriormente pregados nesse ramo do direito) (FARIAS; ROSENVALD, 2006, p. xxi-xxv) e também no Neoprocessualismo.

O Neoprocessualismo nada mais é do que a leitura do sistema processual a luz da constituição e das contribuições pós-positivistas. "O fenômeno da constitucionalização dos direitos materiais e processuais fundamentais, a crescente adoção da técnica legislativa das cláusulas gerais e o aumento dos poderes do juiz explicam o surgimento do neoprocessualismo" (CAMBI, 2007, p. 30). Mas não só isso. É também empregar as garantias processuais constitucionalmente previstas "no próprio exercício da função jurisdicional, com reflexo direto no seu conteúdo, naquilo que é decidido pelo órgão judicial e na maneira como o processo é por ele conduzido" (OLIVEIRA, 2003b, p. 2).

Realmente, se o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de natureza pública indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, não pode ser compreendido como mera técnica mas, sim, como instrumento de realização de valores e especialmente de valores constitucionais, impõe-se considerá-lo como direito constitucional aplicado.(OLIVEIRA, 2003b, p. 2)

Há algum tempo, no âmbito do processo civil, doutrinadores já vêm realizando trabalhos nessa linha de raciocínio. Carece, contudo, estudos acerca da extensão dele no processo do trabalho.

Assim, no processo civil, já se sustenta que a inclusão entre os direitos fundamentais previstos no art. 5º, inciso XXXV, da CF a proibição da lei afastar a apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer lesão ou ameaça ao direito "consagrou-se não apenas a garantia de inafastabilidade da jurisdição (acesso à justiça), mas um verdadeiro direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada (acesso à ordem jurídica justa)" é o que conclui Luiz Guilherme Marinoni (apud CAMBI, 2007, p. 24).

Este raciocínio é aplicável a todos os ramos do processo. A CLT na sua parte processual deve ser lida através de uma interpretação conforme a constituição, assim como já é feito na parte de direito material, de modo a garantir a tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada. Os códigos deixaram de ser o centro, cedendo espaço para a constituição. Logo, o processo tem que ser um instrumento pelo qual o Estado pode realizar justiça, concretização seu escopo de pacificação social.

Desse modo, os fins públicos buscados pelo processo, como instrumento democrático do poder jurisdicional, transcendem os interesses individuais das partes na solução do litígio. Esta visão publicística, imposta pela constitucionalização dos direitos e garantias processuais (neoprocessualismo), não se esgota na sujeição das partes ao processo. (CAMBI, 2007, p. 26)

Por ser a concretização de diversos princípios de ordem constitucional a tutela jurisdicional efetiva, célere e adequada é um direito fundamental (art. 5º, inc. XXXV, CF) que vincula o legislador, o administrador e, em especial, o juiz. São um "conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva do Estado", conforme leciona Ingo Sarlet (APUD CAMBI, 2007, p. 26).

Cândido Rangel Dinamarco (apud CAMBI, 2007, p. 27) afirma a existência de uma dupla dimensão da instrumentalidade do processo, quais sejam os aspectos negativos e positivos. A instrumentalidade, no ponto de vista negativo, visa ao combate ao excessivo rigor formal, ou formalismo, sem, contudo ,esquecer a segurança jurídica. Deve-se evitar que uma parte se utilize de expedientes astuciosos em detrimento da oura parte.

Já sob o viés positivo, significa dizer que a instrumentalidade ajudará o processo a realizar todos os seus escopos (jurídicos-políticos-sociais) em quatro campos: a) a admissão em juízo (o que aplicado ao processo do trabalho, se materializa pela maior acessibilidade garantida pela o exercício direto do jus postulandi pelas partes); b) o modo-de-ser do processo "(abrangendo a dinâmica relação entre as partes, entre elas e o juiz, bem como entre o juiz e o processo; a plenitude e a restrição das garantias processuais, dentro do contexto do princípio da proporcionalidade; a elaboração de procedimentos diferenciados à tutela dos direitos materiais etc)"(CAMBI, 2007, p. 27) c) a justiça das decisões ( utilização de um procedimento que permita a reconstrução fiel dos fatos relevantes e a melhor interpretação interesses em conflito) d) a efetividade das decisões.

Ressalte-se a instrumentalidade do processo em nada se confunde com o princípio da instrumentalidade das formas. Aquele trata da relação íntima que há entre processo e o direito material; este, corresponde a uma das técnicas de aplicação da instrumentalidade do processo, no que toca a teoria das nulidades processuais.

O grande desafio do legislador e do juiz, na concretização do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, célere e efetiva é a construção de técnicas processuais capazes de tutelarem os direitos materiais. O princípio da informalidade vem, por sua vez, fornecer uma ferramenta a mais ao juiz e ao legislador na realização dessa tarefa, viabilizando a maior instrumentalidade do processo do trabalho, conforme será comprovado ao longo de todo o trabalho.

Sinteticamente e mais especificamente em relação ao modo-de-ser do processo e a justiça das decisões, a aplicação do princípio da informalidade resultará em uma postura mais ativa do juiz de modo a viabilizar o aparecimento da verdadeira lide de direito material, sem que se perca demasiado tempo em questões de cunho eminentemente formal.

Se o direito civil constitucional estabeleceu como cláusula geral e tabula rasa o princípio da dignidade da pessoa humana, o mesmo tem que ser feito pelo processo. Assim, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, deve ser revisto o conceito de processo, para que se adéqüe corretamente não só ao direito material a que visa operacionalizar, com o processo voltado a pessoa e a efetivação dos direitos fundamentais e dos direitos em geral.

Tanto a CLT, quanto o CPC, diplomas que regulam principal e subsidiariamente o processo do trabalho, foram redigidos num contexto histórico social contaminados pela ótica patrimonialista. Deve-se propugnar a quebra desse modelo em que se baseiam as lides trabalhistas, bem como a ideologia formalista desenvolvida por via reflexa no processo civil, para se adequar o procedimento tendo em vista as peculiaridades das pessoas que litigam nele. Faz parte da essência da vida humana digna, a tutela jurídica efetiva, célere e adequada.

O princípio da informalidade no processo do trabalho deve ser considerado uma cláusula geral implícita para permitir ao juiz utilizar os "meios necessários" para efetiva adequação do procedimento, reduzindo a formalidade ao núcleo mínimo indispensável, sem, contudo, haver sacrifício dos demais princípios (direitos fundamentais) que se relacionam ao pleno exercício do devido processo constitucional.

[...]a instrumentalidade do processo, relativizando o binômio substance-procedure, permite a construção de técnicas processuais efetivas, rápidas e adequadas à realização do direito processual. Este viés metodológico do neoprocessualismo, contudo, precisa ser compatibilizado com o respeito aos direitos e garantias fundamentais do demandado, no processo civil, e do acusado, no processo penal, que estão na essência do garantismo[..] (CAMBI, 2007, p.38)

Logo, é importante que se concilie a instrumentalidade do processo (e conseqüentemente a aplicação do princípio da informalidade) com o garantismo. É que, junto aos direitos fundamentais, foram trazidas uma série de garantias processuais (devido processo legal, ampla defesa, contraditório, inércia da jurisdição), que devem ser respeitadas.

Sobre o autor
Isan Almeida Lima

Advogado em Salvador (BA). Sócio da Lima e Lima Advogados Associados. Professor efetivo de Direito processual civil, prática cível e direito civil na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus VIII. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-graduado Lato sensu em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito/Jus Podivm. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia-UFBA. Professor de Direito Processual Civil, Direito Constitucional e Direito Administrativo em cursos preparatórios da carreira jurídica . Autor de livros e artigos jurídicos em revistas especializadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Isan Almeida. Limites jurídicos ao princípio da informalidade no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2490, 26 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14738. Acesso em: 25 nov. 2024.

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