3.ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO.
Como informa Ruth Beatriz Vasconcelos Vilela, Secretária de Inspeção do Trabalho, "desde 1995, o Ministério do Trabalho e Emprego, por intermédio do Grupo Especial de Fiscalização Móvel e de equipes das Delegacias Regionais do Trabalho, subordinados à Secretaria de Inspeção do Trabalho, tem realizado inspeções em inúmeras propriedades rurais denunciadas por exploração do trabalho escravo" [07]. São 13 anos de atividade constante no combate à submissão do trabalhador à condição análoga à de escravo.
Este trabalho tem sido reconhecido internacionalmente, inclusive pela OIT [08], que considera exemplar o combate ao trabalho escravo no Brasil. Em 2003 o combate foi consolidado pela Lei n. 10.803 de 11.12.2003, que tornou mais claro o que é considerado trabalho escravo no Brasil.
Além disto, no mesmo ano, foi lançado o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo pelo Governo Federal. E agora, em 2008, foi lançado o 2º Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo realizando a atualização do primeiro. Informa Paulo Vannuchi, Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, na apresentação deste segundo plano, que 68,4% das metas do primeiro plano foram alcançadas.
O 2º Plano de Erradicação foi elaborado pela CONATRAE – Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Esta comissão foi criada pelo Decreto Presidencial não numerado de 31/07/2003 e é vinculada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Tem por missão acompanhar o cumprimento dos Planos de Erradicação e de propor estudos e pesquisas na área, dentre outras atribuições. O Ministério do Trabalho e Emprego a integra.
E ainda, o Ministério do Trabalho e Emprego, com a edição da Portaria nº. 540, de 15/10/2004, criou o "CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM MANTIDO TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO". Este cadastro conta, atualmente, com 168 [09] pessoas (físicas e jurídicas). Após "decisão administrativa final relativa ao auto de infração lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo" estes empregadores são inscritos no cadastro. Este cadastro, simplesmente informativo, tem sido utilizado por instituições financeiras para estabelecer sua política creditória. Assim, o obstáculo de acesso ao crédito tem sido uma grande ferramenta no combate aos neoescravagistas.
O trabalho de frente é executado pelo GEFM – Grupo Especial de Fiscalização Móvel, regulado pela Portaria do MTE n. 265 de 06/06/2002, somado às ações realizadas pelas Superintendências Regionais do Trabalho, voltadas especialmente para o combate ao trabalho escravo. Este Grupo é formado por Auditores Fiscais do Trabalho (integrantes da carreira da inspetoria laboral, existente em quase todo o mundo). Nas operações integram a equipe: Procuradores do Trabalho, Delegados e Agentes da Polícia Federal, Policiais Rodoviários Federais, dentre outros órgãos que, eventualmente, possam ser chamados a colaborar.
3.1.Inspeção Laboral e o Setor Sucroalcooleiro.
O Setor Sucroalcooleiro tem merecido atenção da inspeção laboral em razão da sua expansão e do histórico de irregularidades encontradas.
Há graves irregularidades relacionadas a transporte [10]. Como exemplo, podemos citar: o transporte de equipamentos de trabalho, como facões, junto aos trabalhadores; motoristas inabilitados; veículos não autorizados pelas autoridades competentes, que elevam o risco, já existente, de acidentes no trânsito. Infelizmente, é comum ouvir notícias de acidentes envolvendo estes veículos [11]. Transitam em rodovias estaduais e federais, onde o trânsito é ainda mais perigoso, sob a alcunha "RURAIS", estampado no veículo. É comum a inspeção laboral encontrar ônibus sucateados, com o assoalho esburacado e com adaptações para caber mais trabalhadores, de forma que o espaço entre o joelho e o banco da frente é ínfimo. Tais veículos vêm sendo, sistematicamente, interditados pela inspetoria laboral por ocasião das ações fiscais.
É recorrente a ausência de instalações sanitárias nas frentes de trabalho, condição básica e de baixo custo para o empregador. Os trabalhadores (homens e mulheres) realizam suas necessidades fisiológicas no meio do canavial, sem qualquer condição de higiene. Há, ainda, algumas empresas que tentam disfarçar este atentado à dignidade humana com "tendas", que não são passíveis de utilização. São armações de lona com um buraco no chão, sujeitas ao calor e à ação do vento que, por vezes, lança as tendas no ar.
Há flagrantes de ausência de abrigo para as refeições. Os trabalhadores encontrados nestas condições almoçam embaixo de sol forte e sentados nas garrafas de água.
A superlotação dos alojamentos, com a sobreposição de redes, por exemplo, e a inexistência de armários são fatos graves por vezes constatados pela auditoria. O trabalhador, que já tem um ritmo penoso de trabalho, também em sua moradia, fornecida pela empresa, é sujeito a condições precárias de habitabilidade. Não há local para guarda de seus bens pessoais ou possibilidade de momentos de privacidade. Além disto, a superlotação catalisa a contaminação por doenças. A superlotação e a ausência de janelas criam grande desconforto térmico.
Além disto, com relação à aplicação de agrotóxicos, há situações em que se constata: a não capacitação para prevenção de acidentes; o não fornecimento de EPI; a ausência de vestimenta em condições de uso e higienizadas; a não descontaminação do EPI e vestimentas ao final da jornada, fazendo com que o trabalhador volte para sua casa e faça a limpeza do material, contaminando o meio ambiente doméstico; o não fornecimento água própria para consumo humano, condição indispensável à vida de trabalhadores.
4.INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS NORMAS PELO AUDITOR-FISCAL DO TRABALHO.
Neste ponto do estudo, passo a analisar, juridicamente, as questões levantadas. Para tanto, por ordem lógica, é necessária a pré-avaliação da questão da interpretação das normas e de sua integração pelo Auditor-Fiscal do Trabalho. Para tanto, nas linhas seguintes estão impressos trechos da doutrina do JUIZ DO TRABALHO ÉDISON VACCARI [12] que informa e resolve o tema:
"Uma vez que a lei está em vigência, cabe ao aplicador interpretá-la, por mais clara que seja. A lei é abstrata em razão de seu processo generalizante, já que se refere a uma série de casos indefinidos. Daí porque a clareza da lei é relativa. Para determinado fato ela pode ser efetivamente clara; mas para outro ela pode se tornar duvidosa. (...) Tanto as leis claras quanto as ambíguas comportam interpretação, razão pela qual não tem aplicabilidade a expressão latina in claris cessat interpretatio. (...) No V. acórdão da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, Recurso Extraordinário 234.068-1, de outubro de 2004, ADMITIU-SE O USO DA ANALOGIA SEM AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. (...) A lei a ser cumprida muitas vezes não é clara o suficiente para que seja imediatamente cumprida, havendo necessidade de sua interpretação. Noções de hermenêutica são aplicáveis, para tanto. Ao administrador público cabe, também, editar o regulamento da lei, ante seu poder normativo. Esse poder normativo é aplicável às situações em que não se exige e edição de lei. Por fim, diante das lacunas da lei, verificou-se que tanto a doutrina estrangeira quanto a nacional admitem a utilização da analogia, costumes e princípios gerais do direito".
Ao Inspetor Laboral é dado realizar o exercício de integração do ordenamento trabalhista através de recursos como a analogia e aplicação de princípios, nos termos do art. 8º da CLT [13] (sem as ressalvas e limitações impostas à Autoridade Tributária [14]) – que franquia a integração para além da Justiça do Trabalho. E mais, o princípio da proteção, que norteia a aplicação da interpretação que melhor proteja o trabalhador, também é aplicável pela Autoridade Administrativa a par do princípio da estrita legalidade. Isto porque, ao contrário de outros ordenamentos como o Tributário, em que o Auditor da Receita deve aplicar o princípio da estrita legalidade, interpretando restritivamente as normas que demandam do contribuinte, o Direito do Trabalho possui duas esteiras.
De uma banda tem-se as normas de Direito Administrativo do Trabalho, que regulamentam o valor das multas e questões fiscais, como a contribuição sindical. De outra, as normas de Direito do Trabalho que regram a dinâmica da relação laboral. Nestas últimas, o princípio da proteção deve ser aplicado, uma vez que, de outra forma, haveria num mesmo sistema jurídica uma interpretação administrativa e outra judicial. A própria CLT impede a ocorrência desta dupla interpretação, colocando no mesmo nível de poder integrativo do ordenamento laboral a autoridade administrativa e o Judiciário. Ou seja, o mesmo exercício de hermenêutica e integração que a Autoridade Judiciária faz, o Auditor deve fazer com uma única diferença: ao Executivo, como se sabe, com exceção do seu chefe maior, não é dado desrespeitar o princípio de presunção de constitucionalidade das normas.
Neste contexto, ao atender o art. 8º da CLT, o Auditor-Fiscal do Trabalho mantém-se fiel ao princípio da estrita legalidade.
5.MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
Conforme leciona RAIMUNDO SIMÃO DE MELO, citando CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO:
"O meio ambiente do trabalho é ‘o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc.)’".
E ainda, em complemento ao conceito de meio ambiente:
"Neste sentido, Norma Sueli Padilha que afirma resultar ‘... claro que quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em meio ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para encontrar uma sadia qualidade de vida necessita viver nesse ambiente ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua vida produtiva, qual seja, o trabalho’". (...) "Segundo José Afonso da Silva ‘... merece referência em separado o meio ambiente do trabalho, como o local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente. É um meio ambiente que se insere no artificial, mas digno de tratamento especial’". (...) "Rodolfo de Camargo Mancuso define meio ambiente do trabalho como o ‘... habitat laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema. A ´contrario sensu´, portanto, quando aquele ´habitat´ se revele inidôneo a assegurar as condições mínimas para uma razoável qualidade de vida do trabalhador, aí se terá uma lesão ao meio ambiente do trabalho’". FERNANDES, Fábio de Assis Ferreira. O princípio da prevenção no meio ambiente do trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, n. 28, set. 2004, p. 51 e ss.
De fato, sendo o meio ambiente o conjunto das condições que regem a vida, o meio ambiente do trabalho é aquele que rege a vida do laborista em atividade e engloba a moradia disponibilizada para o trabalho. Isto porque, sendo necessário alojar o trabalhador (principalmente o migrante) para que realize suas atividades, a salubridade deste local é relevante até para o contrato de trabalho, conforme NR-31, e, portanto, relevante para o conceito de meio ambiente de trabalho.
Este meio ambiente encontra tutela na Constituição Federal em seus artigos 225, caput e §3º, c/c 200, VIII, e 7º, XXII:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
Assim, a Constituição de nossa República qualificou o meio ambiente, incluindo o do trabalho, como bem difuso, que pertence a todos, impondo-se não só ao Poder Público, mas à coletividade sua preservação. A partir disto, a doutrina e jurisprudência civilista e trabalhista majoritárias compreendem que o §3º do art. 225 (principalmente quando combinado com o art. 14, §1º, da Lei n. 6938/81) estabeleceu a responsabilidade objetiva pelo dano ao meio ambiente do trabalho.
A responsabilidade objetiva é o "olhar a vítima" e não o culpado. Funda-se no solidarismo constitucional (art. 3º, I), bem como no valor da justiça. Desta forma, impõe-se a reparação àquele que ofendeu o meio ambiente, independente de verificação de dolo (vontade de praticar o ato comissivo ou omissivo lesivo) ou culpa (imprudência, negligência e/ou imperícia na prática do mesmo ato). Ou seja, havendo o dano ambiental, o agente causador – conforme a teoria do risco aplicável ao poluidor empresário, que assume os riscos de sua atividade (art. 2º da CLT) – tem o dever constitucional de sanear o meio ambiente, torná-lo indene e compensar as vítimas, independentemente de culpa.
Importante salientar que, em matéria de meio ambiente do trabalho, o princípio da precaução exige extrema cautela do empresário nas questões ambientais. De tal forma que, havendo poluição ao meio ambiente, inclusive do trabalho, sua culpa emerge do não atendimento ao dever de prevenção. Ou seja, muito embora haja responsabilidade objetiva, facilmente se observa a conduta culposa pelo não atendimento dos princípios basilares do direito ambiental-trabalhista, seja pelo descumprimento das NR´s, seja pelo desatendimento do princípio mais amplo da precaução.
Tal é a amplitude da proteção ao meio ambiente que se exige, além da prevenção, a precaução, conforme estabelecido no princípio n. 15 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992:
"Para proteger o meio ambiente medidas de precaução devem ser largamente aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de risco de danos graves e irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas visando a prevenir a degradação do meio ambiente".
Sendo a coletividade (que abrange o explorador da mão-de-obra) responsável pelo meio ambiente, conforme dicção constitucional, esta também, e não só o Estado, deve atender ao princípio da precaução, antecipando-se ao estado da arte da ciência ocupacional e não expondo o trabalhador a riscos potenciais.
5.1.Responsabilidade Objetiva e Responsabilidade Subjetiva para a Imposição de Multa.
Muito embora o ordenamento ambiental preveja a responsabilidade objetiva do empregador-poluidor, as multas trabalhistas seguem o direito administrativo sancionador, que determina, em regra, a responsabilidade subjetiva para sua aplicação.
Que não se confunda! As esferas civil, administrativa e penal são, em regra, independentes. A responsabilidade ambiental é objetiva. A responsabilidade penal é subjetiva.
A responsabilidade para imposição de multa trabalhista é subjetiva, entretanto, aplica-se segundo o que for apurado em relação aos "braços humanos da empresa", conforme leciona FELICIANO [15]. E ainda, seguindo a lição deste magistrado, o princípio da culpabilidade tem aplicação mitigada nesta seara. Não se exige que a Administração prove dolo ou culpa do infrator. A autuação administrativa gera presunção de culpa, conforme princípio da legitimidade dos atos administrativos.
Hipóteses como a terceirização ilícita ou o uso de intermediadores/aliciadores para contratação de mão-de-obra geram a caracterização de culpa por parte do tomador (culpa in eligendo) e, portanto, ensejam multa.
Além disto, na eventual hipótese de ausência de culpa da empresa, sendo esta cientificada do dano e não tomando providências imediatas, será também passível de autuação pela situação que mantém.
Por exemplo, havendo trabalhadores que não se declararam migrantes para a Usina e vivem em péssimas condições de habitação na cidade e sendo tal fato de desconhecimento notório da empresa, a mesma, sendo cientificada, deverá proceder à alteração da moradia dos trabalhadores imediatamente. Não o fazendo, estará agindo culposamente ao manter a condição degradante dos trabalhadores e, portanto, será passível de multa pela continuidade do dano ambiental. Sobre a responsabilidade da empresa pela habitação do migrante, passo a expor no tópico seguinte.
Por outro lado, providências como o resgate dos trabalhadores sujeitos à condição análoga de escravo, seus pagamentos e indenizações devidas, além das despesas com seu retorno à terra de origem, não são atos de aplicação de multas e, portanto, independem de culpa.
5.2.Impacto Ambiental. Migração e Trabalho Degradante.
A introdução supra, fixa as premissas que norteiam a atuação estatal em face das empresas que insistem na degradação do ser humano. De fato, a responsabilidade dos infratores é objetiva em relação ao meio ambiente. Os empregadores têm, por dever, precaver todo e qualquer dano.
Desta forma, a responsabilidade da empresa infratora perante o trabalhador sujeito a condições análogas à de escravo abrange tanto aquele que é submetido a condições degradantes na frente de trabalho, como também aquele que vive em condições insalubres nos alojamentos disponibilizados pelo empregador ou por terceiro. Ou seja, também nos casos de terceirização ilícita, intermediação de mão-de-obra ou aliciamento, o real empregador responderá pelos atos praticados pelo terceiro que colocou os trabalhadores em condições degradantes.
No entanto, muito embora cientes de sua responsabilidade, algumas empresas vêm praticando uma omissão, no intuito de se verem livres do dever de fornecer moradia, quando necessária para o trabalho. É o caso dos migrantes, que se deslocam no intuito de ganhar algum dinheiro laborando para as Usinas e depois retornar para suas terras. Ou seja, eles não têm interesse de fixar domicílio (residência com ânimo definitivo) na região da Usina. Nestes casos, algumas Usinas têm desativado seus alojamentos ou simplesmente optado por não tê-los, deixando à própria sorte estes trabalhadores. Por vezes, a fiscalização do trabalho tem encontrado trabalhadores alojados em condição degradante nas cidades, que não têm qualquer estrutura para receber estes laboristas. São alojamentos improvisados em barracões velhos e sem qualquer condição de higiene.
Numa análise açodada, poderia parecer que nenhuma obrigação haveria para a empresa em relação aos alojamentos alugados pelos próprios trabalhadores migrantes. Entretanto, a legislação ambiental brasileira impede tal conclusão.
Conforme entendimento de RAIMUNDO SIMÃO DE MELO (obra cit., p. 84) o Estudo Prévio de Impacto Ambiental [16] (EPIA) é aplicável, também, ao meio ambiente de trabalho, "embora ainda pouco discutida" na esfera laboral. De fato, a Constituição não faz qualquer distinção, exigindo em seu art. 225, §1º, IV, a realização do EPIA.
Em relação a este instituto, a par da licença ambiental, que deve ser condicionada ao adequado EPIA, o mais relevante é a revelação do princípio da precaução, que é levado ao seu grau máximo, exigindo-se o estudo amplo de todas as conseqüências do empreendimento, antes mesmo de sua execução.
Quando há a instalação de uma Usina, o administrador do empreendimento já tem dimensionado o quantitativo de pessoas que lhe serão necessárias para atender sua demanda de produção. Por conseqüência, conhecedor da região, sabe se haverá ou não mão-de-obra suficiente (seja em razão do quantitativo e/ou da qualidade da mão-de-obra ofertada no local). Não havendo, é sua obrigação precaver danos ambientais que podem advir da migração. Um desses danos ambientais potenciais é a degradação das moradias dos trabalhadores, em decorrência da falta de infra-estrutura da cidade para suportar o movimento migratório. Assim, considerando que é necessário alojar estes trabalhadores, é seu dever constitucional criar condições adequadas para receber os laboristas migrantes que venha a contratar.
E ainda, a interpretação do art. 160 da CLT, que determina a inspeção prévia pela Auditoria do Trabalho, pode e deve abranger todos estes vetores da implantação de uma empresa, servindo, portanto, de instrumento de realização dos princípios ambientais da Carta Magna. Ou seja, todos os impactos ao meio ambiente de trabalho são abrangidos pela fiscalização laboral, sendo legítima sua atuação na espécie.
No entanto, mesmo não havendo EPIA que abranja as condições de trabalho, nem inspeção prévia da fiscalização laboral que tenha atentado para estas conseqüências, o empregador não se desincumbe de responder por sua imprevidência. Deve o empregador prevenir o dano. Sua omissão será apenada se o trabalhador foi posto à própria sorte na cidade. Outro não é o entendimento de recente decisão judicial que servirá de paradigma para as que virão:
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região
2ª Vara do Trabalho de Sertãozinho
Juiz do Trabalho: WELLINGTON CÉSAR PATERLINI
Processo n. 01332-2008-125-15-00-0
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO
Procurador: SÍLVIO BELTRAMELLI NETO
Decisão de Antecipação de Tutela
Sertãozinho, 30 de julho de 2008.
"Em ótica convencional, não é fácil cogitar-se de responsabilizar o empregador pelas condições de moradias que não foram por ele oferecidas aos trabalhadores que atuam em seu favor. Acontece que o direito do trabalho deve avançar, e não retroceder. Isso significa que o caminho que ruma à precarização dos direitos trabalhistas é avesso às suas próprias tendências ontológicas mais essenciais.
(...)
A moradia é direito social, conforme artigo 6o da Constituição Federal. Os valores sociais do trabalho e a dignidade da pessoa humana são tão fundantes da República e da ordem econômica quanto a livre iniciativa. E a liberdade de contratar submete-se à função social de seu resultado. No caso de trabalhadores migrantes da cana-de-açúcar, é irretocável o raciocínio de que, como regra, "sua habitação se estabelece a partir e em função da relação laboral", de modo que moram como moram "por causa do emprego", fls. 30. Igualmente adequada a formulação de que o conceito de meio ambiente do trabalho, absorvido pelo direito posto , deve centralizar-se na pessoa do trabalhador, fls. 29. Então, as moradas coletivas dos trabalhadores migrantes, diretamente providenciadas ou não pelos beneficiários do trabalho, constituirão verdadeira extensão do ambiente de trabalho, conforme fls. 31. Assim, nessa específica situação, a manutenção de condições adequadas de moradia para esses trabalhadores, pela empregadora, deve-se incluir nos "custos sociais externos que acompanham a produção industrial", e que, como tais, devem ser na verdade "internalizados, isso é, levados à conta dos agentes econômicos em seus custos de produção". Em termos simples, e usando-se a mesma lógica do princípio do poluidor-pagador - próprio à legislação ambiental invocada em inicial, fls. 34 -, isso significa legitimamente imputar ao empregador o custo social das condições de moradas coletivas (então compreendidas como extensão do ambiente de trabalho, especialmente no caso dos trabalhadores migrantes) que decorrem do tipo de contratação que ele engendra .
(...)
Veja-se: no caso em questão, a usina pagou empresa intermediadora de mão-de-obra para serviços afeitos à sua atividade-fim. E foi pessoa identificada como feitor justamente dessa empresa, irregularmente contratada pela ré, que, por sua vez, intermediou a instalação dos inadequados alojamentos constatados, como indicado a fls. 94/105. Portanto, não é sequer possível dizer que inexista cadeia fática a ligar a usina aos tais alojamentos. E essa cadeia fática, que se poderia reputar por demais indireta ou mitigada, deve ser valorizada porquanto inserida em contexto de contratações primariamente irregulares" (grifei).
Como se observa, o Juiz do Trabalho responsabilizou objetivamente a Usina pelas instalações físicas das moradias dos trabalhadores, em razão da migração para laborar na própria empresa. O que, por si só, já seria suficiente para exigir a reparação do dano, conforme informado pelo Magistrado. No entanto, acrescentou o que ocorre em geral, a existência da intermediação das locações, realizada por terceiro.
De fato, quando o trabalhador migrante chega à cidade, não tem qualquer referência pessoal que lhe permita locar um imóvel. Em regra, sequer tem dinheiro para o aluguel, dependendo do que vier a receber da Usina. Neste momento, intermediadores de mão-de-obra e/ou turmeiros assumem as tratativas com o dono do imóvel e garantem o trabalhador, dando continuidade ao ciclo de escravização por endividamento e coação moral.
Tais fatos reforçam a responsabilidade da empresa, que se utiliza desses terceiros para contratar mão-de-obra, sendo improvável a ignorância do empregador em relação a esta realidade.
Além da questão ambiental, a função social da propriedade (art. 5º, XXIII, e 170, III da CF/88) e o desenvolvimento sustentável são princípios que guiam rumo à mesma conclusão. O estabelecimento de um grande empreendimento deve levar à melhoria da condição de vida da população e não o contrário.
5.3.DISCRIMINAÇÃO POSITIVA
Diante deste quadro de responsabilidade, algumas empresas noticiam como obstáculo "insuperável" o fato de que não é possível saber se o trabalhador é ou não migrante temporário e, portanto, seria impossível cumprir a obrigação de fornecimento de alojamento quando o trabalhador declara que reside na cidade. De fato, este pode ser um complicador, no entanto, deve ser observado o que ordinariamente acontece, como nos casos a seguir citados.
CASO 01: A Auditoria do Trabalho tem encontrado, via de regra, relatos de trabalhadores que têm suas carteiras "apreendidas" ao chegar à cidade de destino pelo gato, que as leva para a Usina. Nesta hipótese, não há que se falar em desconhecimento, mas de conivência da empresa que utiliza este tipo de intermediador para contratar mão-de-obra migrante. Assim, torna-se responsável por todas as ações deste intermediador, como preposto seu, que, inclusive, tem poder de contratar. Além disto, é responsável pela situação dos trabalhadores migrantes.
CASO 02: Normalmente, a fiscalização consegue identificar o gato, entretanto, há hipóteses em que tal identificação não é possível. Os trabalhadores chegam à cidade em grupos, que vão até o departamento de pessoal da Usina, o que já representa um severo indício da situação de migrantes temporários. Tal fato não deve passar despercebido pela empresa, que deve investigar a real condição destes trabalhadores.
CASO 03: A hipótese mais complexa é a do trabalhador migrante temporário, que chega à cidade sozinho e vai procurar emprego. Ou mesmo aquele que é migrante temporário, mas é dispensado ou se demite de uma Usina e busca contratação em outra. O que fazer nestes casos?
Solução simples seria perguntar ao trabalhador se o mesmo é migrante temporário e, em caso afirmativo, colocá-lo no alojamento. Entretanto, alguns trabalhadores omitem tal informação por temerem não ser contratados. Aqui principia outro problema: a empresa pode discriminar na contratação de trabalhadores migrantes temporários?
Inicialmente, cabe apresentar a definição de discriminação, dada pelo mestre DELGADO: "é a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada" [17]. Tal conceito apresenta a definição da discriminação negativa, ou seja, aquela que é baseada em critério injusto. Por exemplo, negar trabalho em razão da origem, é critério injustamente desqualificante.
Entretanto, negar trabalho ao migrante temporário em razão de política voltada à sustentabilidade social do empreendimento não é ilícito. Trata-se de discriminação positiva, ou seja, aquela que se diferencia por critério justo.
Recentemente o TST decidiu a favor da discriminação positiva em prol da mão-de-obra local:
Notícia do TST veiculada em 03/10/2005: "TST valida ‘discriminação positiva’ em favor de mão-de-obra local. A Seção de Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho declarou a validade de cláusula que dá preferência de contratação à mão-de-obra local como forma de integrar os trabalhadores de uma comunidade ao desenvolvimento da região, garantindo seu acesso aos empregos gerados. (...) a empresa se comprometerá a dar preferência à contratação de mão-de-obra local, desde que atenda aos pré-requisitos necessários para as funções, exigidas pela empresa no que concerne à capacitação e o processo seletivo das empresas" (ROAA 96/2004-000-08-00.4 e ROAA 560/2004-000-08-00.2).
Assim, a Usina deve sim dar preferência à mão-de-obra local para não causar o crescimento populacional desordenado, que leva às más condições de habitação. Tal mão-de-obra, desde que qualificada para o trabalho, deve ser priorizada. E, somente após sua contratação, deverá haver a pactuação com trabalhadores migrantes temporários, que deve ser feita com observância da garantia de alojamento.
Não se trata, no presente caso, de dar subsídio à empresa, para que economize na contratação e não tenha que fornecer alojamento. Mas sim, de ponderação da necessidade de proteger o migrante temporário e minimizar a migração desordenada frente à liberdade de trânsito, que todo nacional tem, em nosso território.
Com tal discriminação positiva, têm-se os seguintes resultados:
1.Protege-se a mão-de-obra local;
2.Valoriza-se aquele que migra em caráter definitivo;
3.Impõe-se à empresa a responsabilidade pela moradia do trabalhador migrante temporário.
Cabe à empresa investigar seriamente se o trabalhador é ou não migrante temporário. Tal ônus decorre de uma situação gerada por ela mesma e, portanto, inerente ao cumprimento de sua função social.
A par deste entendimento, deve-se levar em conta o Princípio da Primazia da Realidade, que informa toda ordem jurídica laboral. Artifício algum pode ser utilizado sob o pretexto de legitimar a contratação de trabalhador migrante temporário como mão-de-obra local. Por exemplo: a contratação por meio do SINE (Sistema Nacional de Emprego) não transmuda a situação do trabalhador. Sendo mais claro: a responsabilidade pela habitação da mão-de-obra migrante temporária é da empresa que contrata tal trabalhador. Foi esta que deu causa à migração e que, no levantamento de impactos ao meio ambiente, tem que projetar a recepção desta massa de trabalhadores.
Hipótese interessante é da Usina que até certo momento utiliza somente mão-de-obra local e, com a instalação de Usina concorrente próxima, passa a ter necessidade de mão-de-obra migrante. Também neste caso, é responsável pela habitação dos migrantes temporários, posto que, não é juridicamente admissível exigir que a nova Usina não contrate mão-de-obra local. Além disto, o princípio da livre concorrência impede qualquer interpretação que leve à conclusão diversa.
Por fim, a inspetoria não pode deixar de observar discriminação em relação à mão-de-obra local. Seria a hipótese de a Usina preferir a contratação de mão-de-obra migrante em face da mão-de-obra local, não em razão de sua capacidade técnica, mas como instrumento de desmobilização dos trabalhadores. Ou seja, à medida que a Usina se estabelece e os trabalhadores locais vão se estruturando junto a seus sindicatos, passam a reivindicar melhores condições de trabalho, inclusive com greves. Se a Usina estiver discriminando a mão-de-obra local por tal critério, é passível da autuação prevista na Lei 9029/95, por discriminação negativa pela origem.
CASO 04: Hipótese que pode ocorrer é do trabalhador migrante temporário que decide, espontaneamente, se fixar em casa alugada por ele mesmo. Neste caso, deve-se respeitar a decisão do trabalhador e não se pode responsabilizar a Usina pelas condições desta moradia. Entretanto, deve ser observado:
a)se o trabalhador fez uma opção livre ou foi levado a procurar outro local pelas más condições da moradia ofertada pela Usina, ou mesmo pela ausência de qualquer oferta de moradia;
b)se esta nova moradia não representa simples realocação dos trabalhadores, tendo, por exemplo, a figura do gato como fiador da locação, dentre outros indícios.
Não sendo a opção realmente livre ou havendo simples realocação, mantém-se a responsabilidade da empresa.
5.4.PREVISÃO DA CCT EM GOIÁS.
A Convenção Coletiva do Setor Canavieiro Goiano de 2009 em sua Cláusula 17ª estabelece a preferência que deve ser dada à mão-de-obra local, e no seu §4º da Cláusula 17ª informa:
PARÁGRAFO QUARTO – Nos casos de contratação de trabalhadores em municípios de outros Estados ou Regiões, o empregador fornecerá alojamento gratuito, sem caráter salarial, observando as normas de segurança, saúde e higiene.
Nestes termos, a Convenção explicita o dever da empresa em fornecer alojamento para quem é recrutado fora do Estado ou Região. Desta regra, a única expressão que pode causar dúvida é o termo Região.
É necessário entender que as Fazendas e Usinas localizam-se na Zona Rural de um Município, ou até de mais de um, dependendo da dimensão da propriedade. Sendo assim, é comum que uma mesma empresa transporte, diariamente, trabalhadores de mais de um município para as frentes de trabalho. Estes municípios, onde os trabalhadores contratados pela empresa residem e de onde são transportados diariamente para as frentes de trabalho, formam a Região daquela empresa. Ou seja, se há necessidade de que o trabalhador recrutado mude de cidade para poder trabalhar na empresa, houve contratação em outra Região e, portanto, deve lhe ser fornecido alojamento.
5.5.Necessidade de Afirmação do Meio Ambiente do Trabalho.
Por oportuno, cabe defender a isonomia de tratamento entre o meio ambiente do trabalho e os demais. Conforme artigo do Procurador do Trabalho FERNANDES [18], a OIT informa que 95% dos danos ambientais aos ecossistemas naturais se originam no meio ambiente do trabalho. São, por exemplo, erros humanos "esperando para acontecer" [19], decorrentes de péssimas condições ambientais: insalubridade, excesso de jornada, falta de alimentação adequada, assédio moral e etc. Segue FERNANDES:
"a variável ambiental trabalhista também seja levada em conta nos estudos de viabilidade dos empreendimentos e nas ações estratégicas do setor público e privado que impliquem em interferências no meio ambiente como um todo, sob pena de não estarmos a imprimir uma defesa eficaz do meio ambiente."
No entanto, há uma corrente doutrinária que distingue a responsabilidade civil ambiental do empresário em relação ao empregado e ao consumidor. Se um consumidor tem lesão auditiva por conta do meio ambiente da empresa, a responsabilidade seria objetiva. Entretanto, se o empregado tem a mesma lesão em decorrência do mesmo meio ambiente, a responsabilidade, pela citada corrente, seria subjetiva. Sob a premissa de respeitar o texto do art. 7º, XXVIII, da CF/88, deita-se por terra um dos objetivos fundamentais de nosso Estado, qual seja a não-discriminação (art. 3º, IV); desrespeita-se a unidade do texto constitucional não realizando a harmonização necessária entre o comando do art. 7º e os demais.
Ainda, conforme a lição de Guilherme José Purvin de Figueiredo, citado por FERNANDES, o próprio Direito Ambiental origina-se da legislação laboral quando na Revolução Industrial se verificou "a aceleração do processo de degradação do meio ambiente natural e humano". E segue:
"Todavia, a ideologia dominante desde então procedeu a uma distinção entre direitos do trabalhador e direitos dos demais cidadãos. Assim, os primeiros passos do legislador no sentido de procurar controlar a poluição no ambiente laboral foram classificados como mero aspecto do Direito do Trabalho".
Por mais estas razões é necessário o resgate da importância do meio ambiente de trabalho. Tal instituto deve alçar plano superior ao clássico conflito entre capital e trabalho. Deve ser colocado como ponto pacífico e insuscetível de ponderação em relação a temas como concorrência ou custo da produção. Isto porque trata da vida do ser humano, origem e destino de todo ordenamento jurídico.
Neste caminho, vários doutrinadores como OLIVEIRA [20], DALLEGRAVE [21] e MELO [22] adotam a responsabilidade objetiva do empregador em relação aos danos ao meio ambiente de trabalho que alcançam terceiro e/ou trabalhadores. Como afirma OLIVEIRA, "não faz sentido a norma ambiental proteger todos os seres vivos e deixar apenas o trabalhador (...) apesar de óbvio, deve ser dito – que o trabalhador também faz parte da população e é um terceiro em relação ao empregador poluidor".
Em arremate, assevera Julio César de Sá da Rocha, citado por OLIVEIRA [23]:
"Como se trata de poluição no meio ambiente do trabalho que afeta a sadia qualidade de vida dos trabalhadores, a compreensão dos dispositivos mencionados não pode ser outra senão a de que a responsabilidade em caso de dano ambiental é objetiva; e quando a Magna Carta estabelece a responsabilidade civil subjetiva, somente se refere ao acidente de trabalho, acidente-tipo individual, diferente da poluição no ambiente do trabalho, desequilíbrio ecológico no habitat de labor, que ocasiona as doenças ocupacionais."
5.6.Tipo Administrativo, Tipo Penal e Determinação Legal Administrativa sem Conteúdo Sancionatório.
Antes de adentrar no conceito de trabalho escravo, faz-se necessário estabelecer diferenças entre os tipos penais e os trabalhistas-administrativos. Conforme leciona a doutrina administrativa, a tipicidade é consectário lógico do princípio da legalidade estrita, que informa o direito administrativo. O Estado é autorizado a proceder pela lei, enquanto o particular pode fazer o que a lei não proíbe.
No entanto, ao legislador é impossível prever todos os casos concretos que possam advir. Daí a uniformidade da doutrina e jurisprudência em se dizer que a tipicidade administrativa é de conteúdo mais elástico. É assim, inclusive, em relação ao direito administrativo sancionador:
"Como bem obtempera SABBAD SOARES, o Direito Administrativo sancionador distingue-se do Direito Penal, em termos práticos, por três aspectos: (a) a culpa é de rigor, e não o dolo (i.e., a culpa não precisa vir expressa no tipo, diversamente do que ocorre no Direito Penal, ut artigo 18, par. único, do CP); (b) o Direito Administrativo sancionador é um Direito sumamente preventivo e não preventivo-repressivo, como é o Direito Penal; e (c) prevalece, no campo de ação do Direito Administrativo sancionador, os ilícitos de perigo abstrato e ― acresça-se ― os de mera desobediência. A par disso, aduza-se ainda que os tipos administrativos são, de regra, mais abertos que os tipos penais estritos, que vazam normas penais incriminadoras (e, no entanto, ainda assim são ― ou devem ser ― tipos).
(...)
Enfim, do Direito Penal proviria, ainda, o princípio da tipicidade, de modo a não permitir o exercício absolutamente discricionário da potestade sancionatória administrativa. Trata-se, porém, de um princípio de tipicidade relativa, já que não se justifica, pelo âmbito de incidência do Direito Administrativo sancionador (bens, direitos e atividades), aplicar à hipótese o princípio da fragmentariedade, tão caro ao Direito Penal."
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Sobre a Competência da Justiça do Trabalho para Causas de Direito Administrativo Sancionador. REVISTA ELETRÔNICA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO. Revista n. 26. Campinas: 2005. P. 99 e ss.
Como bem leciona FELICIANO, o Direito Penal é indicado por princípios próprios como o da fragmentariedade. Ou seja, conforme a lição da teoria do direito penal mínimo, a sanção à liberdade deve ser utilizada como ultima ratio em toda e qualquer sociedade, sob pena de o próprio ordenamento jurídico perder legitimidade ao se tornar inaplicável pela grande gama de situações que condena.
Doutra forma, o Direito Administrativo Sancionador admite o tipo com certa abertura, para que o Poder de Polícia possa alcançar situações que o legislador (mens legislatoris) não previu. Assim, pela interpretação teleológica, é possível determinar, com certeza, o sentido da norma (mens legis), a fim de alcançar certo fato.