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Exames de suficiência: inconstitucionalidade material e formal

Agenda 10/05/2010 às 00:00

No dia 29 de abril, a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, em apreciação conclusiva, o Projeto de Lei nº 559, de 2007, do Deputado Joaquim Beltrão, que pretende autorizar a realização de exames de suficiência por todo e qualquer Conselho de Fiscalização Profissional, como requisito para a obtenção do registro pelo bacharel formado por uma instituição de ensino superior. Esse projeto determina, ainda, que caberá a cada Conselho a competência para regulamentar o seu Exame.

A apreciação conclusiva significa que essa decisão, da Comissão de Trabalho, valerá como se fosse uma decisão do plenário da Câmara dos Deputados, "salvo se houver recurso de um décimo de seus membros, nos termos do §1º do art. 58 da Constituição Federal. Esse recurso, de acordo também com o § 1º do art. 58 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, poderá ser apresentado "dentro de cinco sessões (…) após a publicação do projeto e dos respectivos pareceres". Em caso contrário, se não houver recurso, a redação final do projeto será aprovada pela Comissão, para o seu encaminhamento ao Senado Federal.

A aprovação desse projeto, coincidentemente dois dias antes do Dia do Trabalho, constitui um verdadeiro atentado contra uma cláusula pétrea, a da liberdade de exercício de "qualquer trabalho, ofício ou profissão" (CF, art. 5º, XIII) e corresponde a mais uma tentativa da Ordem dos Advogados do Brasil de estender o seu Exame de Ordem às outras categorias profissionais, como forma de justificar e fortalecer a sua existência. Se esse projeto for aprovado, todos os Conselhos de Fiscalização Profissional receberão do Congresso Nacional, eleito por esses mesmos trabalhadores, uma "carta branca" para que possam criar "exames de suficiência", semelhantes ao da OAB, com a finalidade de supostamente avaliar a qualificação profissional de todos os bacharéis formados por nossas instituições de ensino superior.

Evidentemente, se esse projeto for aprovado, o Exame de Ordem da OAB deixará de atentar, em parte, contra o princípio da isonomia, porque deixará de ser aplicado apenas aos bacharéis em direito, embora apenas aos novos bacharéis em direito, formados após 1.996. Se esse projeto for aprovado, todos os Conselhos Profissionais poderão regulamentar e aplicar os seus próprios exames, para supostamente "resguardar a sociedade" contra os maus profissionais, e também para resguardar, na realidade, o mercado de trabalho dos profissionais já inscritos nesses conselhos.

No entanto, mesmo que desapareça o atentado contra a isonomia, porque todos os Conselhos Profissionais poderão ter os seus exames de suficiência, mesmo assim esses exames serão inconstitucionais, sob dois enfoques: o material e o formal.

Qualquer exame de suficiência, efetuado por um conselho de fiscalização profissional, para supostamente "comprovar se o profissional recém saído da faculdade está realmente capacitado para exercer a sua profissão", será materialmente inconstitucional, porque não compete a qualquer conselho federal de profissão regulamentada avaliar a qualificação profissional do bacharel, já diplomado por uma instituição de ensino superior. O conflito, neste caso, será com as normas dos art. 205 e 209 da Constituição Federal.

De acordo com o art. 205, o ensino qualifica para o trabalho: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

De acordo com o art. 209, "O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I- cumprimento das normas gerais da educação nacional; II- autorização e avaliação de qualidade pelo poder público".

Não resta dúvida, assim, de que o ensino qualifica para o trabalho, e se o bacharel já foi diplomado por uma instituição de ensino superior, não poderia uma corporação profissional, através de um exame de suficiência, negar essa qualificação.

É evidente, portanto, que esses Exames de Suficiência serão materialmente inconstitucionais, em face desses artigos, e porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seus arts. 2º, 43 e 48, afirma também que a educação qualifica para o trabalho, que a educação superior forma diplomados aptos para a inserção em setores profissionais e que os diplomas provam a qualificação profissional.

O art. 209 da Constituição Federal é muito claro, também, quando determina que a autorização e a avaliação de qualidade do ensino devem ser feitas pelo poder público, e não pela OAB, ou por qualquer outro conselho profissional.

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É impossível, portanto, que alguém pretenda defender, juridicamente, o Exame da OAB, ou qualquer outro Exame de Suficiência. O máximo que os seus defensores podem dizer é que esses Exames são necessários, apesar de inconstitucionais, devido à proliferação dos cursos de baixa qualidade. O mesmo tipo de argumento, aliás, de todos os golpes de Estado. É o argumento da força, e não o argumento jurídico. É o mesmo argumento do golpe de 64: era preciso afastar os comunistas, o que foi aplaudido, na época, aliás, pelo Conselho Federal da OAB, que como recompensa teve vários de seus dirigentes nomeados pelos Generais para o Supremo Tribunal Federal e para outros cargos.

Mas esses Exames, que o PL nº 559/2007 pretende autorizar, serão também formalmente inconstitucionais, porque o poder regulamentar não pertence, nem pode ser delegado, por quem quer que seja, a qualquer Conselho Profissional. De acordo com o art. 84, IV, da Constituição Federal, compete privativamente ao Presidente da República regulamentar as leis, para a sua fiel execução.

Ressalte-se, finalmente, que a batalha de Davi e Golias do MNBD (Movimento Nacional de Bacharéis em Direito), contra o Exame de Ordem, está sendo desenvolvida, também, perante o Supremo Tribunal Federal, que já decidiu, em 11.12.2009, pela repercussão geral de um recurso extraordinário (RE603583-RS), cujo Relator é o Ministro Marco Aurélio. Espera-se, apenas, que no exame do mérito o Supremo Tribunal Federal tenha a coragem de julgar de acordo com a Constituição, atropelando assim os interesses espúrios dos dirigentes da OAB.

Deve ser dito, ainda, que no Senado Federal tramita, desde 03.03.2010, uma Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº 1/2010, que torna os diplomas de instituições superiores comprovantes de qualificação profissional para todos os fins, eliminando, assim, de uma vez por todas, qualquer dúvida a respeito da possibilidade da existência de todo e qualquer Exame de Ordem, ou Exame de Suficiência, supostamente destinado a avaliar essa mesma qualificação profissional.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Exames de suficiência: inconstitucionalidade material e formal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2504, 10 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14818. Acesso em: 21 nov. 2024.

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