O objetivo do presente artigo é enfrentar o problema referente à emissão de alvarás judiciais por meio eletrônico, a impossibilidade de conferência de assinaturas dos juízes e a dificuldade de cumprimento dessas ordens judiciais pelas instituições financeiras.
O alvará autoriza a prática de determinado ato pelo Requerente perante terceiros. Não se trata de ordem judicial em sua essência. No caso das instituições financeiras é utilizado na realização de levantamento de valores existentes em conta, seja conta-corrente, poupança e/ou investimentos.
Até então, os juízes emitiam autorizações por escrito e o postulante dessas comparecia ao órgão ou empresa autorizada, entregava o documento, assinado de forma manuscrita pelo juiz, a instituição financeira as acolhia, e depois de conferir a assinatura, dava cumprimento ao quanto solicitado.
Exemplificativamente, citamos o Provimentos 12/1999 e o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, respectivamente, dos Estados de Alagoas e do Estado de Minas Gerais, que regulamentam tal prática.
Atualmente, o Poder Judiciário tem se utilizado de novo procedimento, que é a expedição de alvará judicial por sistema digital, mediante assinatura eletrônica.
Devem o conteúdo do alvará e a assinatura do magistrado serem submetidos à validação no site do respectivo Tribunal de Justiça do seu Estado.
O artigo 18, da Lei Federal nº. 11.419/06, que trata do Processo eletrônico e faz algumas alterações no Código de Processo Civil-CPC, embora preveja no artigo 20 que o Parágrafo único do artigo 164 do Código de Processo Civil-CPC, passa a admitir a assinatura eletrônica dos juízes em todos os graus de jurisdição, determina que "os órgãos do Poder Judiciário regulamentarão esta Lei, no que couber, no âmbito de suas respectivas competências".
Nesse sentido, o §2º do artigo 154 do CPC estipula, "in verbis":
"Art. 154. (...). Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial."
"Parágrafo único. (Vetado). (VETADO).
§2º. Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico na forma da Lei."
O parágrafo único do art. 154 do CPC, embora conste que foi vetado, foi acrescentado ao artigo 154 por força da Lei Federal nº 11.280/06 e enuncia:
"Os Tribunais no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos da autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira- ICP- Brasil."
Já o parágrafo segundo foi acrescentado ao texto do artigo 154 do CPC pela Lei Federal nº 11.419/2006.
Como preleciona Theotônio Negrão [01], "ao contrário do que pode parecer, o parágrafo único do art. 154 acrescido pela Lei 11.280/06 continua em vigor, consoante se infere das razões de veto expressas na mensagem 1.147, de 18/12/06, publicada no DOU em 20/12/06 e subscrita pelo Ministro da Justiça":
"No projeto de Lei que deu origem à Lei n. 10.358, de 27/12/2001, incluía-se parágrafo único no artigo 154 do Código de Processo Civil. Esse dispositivo, contudo, restou vetado.
Durante o trâmite parlamentar do presente Projeto de Lei, foi apresentada pelo Poder Executivo, aprovada, sancionada e entrou em vigor a Lei n. 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, a qual incluiu o seguinte parágrafo único no artigo 154 do Código de Processo Civil:
‘Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira- ICP-Brasil.’
Logo, o parágrafo único do art. 154 do Código de Processo Civil não está vetado, como consta do Projeto de Lei, mas em vigor e produzindo efeitos.
A norma já em vigor é de suma importância por deixar expressa a obrigatoriedade de uso do ICP-Brasil na prática de atos processuais. Não havendo o veto, poderão surgir controvérsias sobre a revogação ou não do parágrafo único do artigo 154, incluído pela Lei n. 11.280, de 2006, causando grave insegurança jurídica."
Não nos parece que os Tribunais, no âmbito de sua jurisdição, "poderão disciplinar a prática de atos processuais por meio eletrônico", mas deverão fazê-lo, sob pena de que esses atos contenham vícios de forma, exponham a parte interessada e a pessoa autorizada a praticar o ato indicado pela autoridade judicial a riscos.
Diante desse quadro, a competência para regulamentar os cartórios do foro judicial e extrajudicial é da Corregedoria Geral de Justiça de cada Estado.
No entanto, não se localizou nos sites das Corregedorias de cada Estado regulamentação para a prática do ato na forma pretendida, ou seja, esclarecimentos sobre o cumprimento de alvará por meio eletrônico.
Tampouco há regulamentação sobre alvará eletrônico no site do Conselho Nacional de Justiça, que é o órgão responsável por expedir instruções, Provimentos ou outros atos normativos para o funcionamento dos serviços das Corregedorias de Justiça.
É notório o esforço que os Tribunais de Justiça do País têm feito para a agilização dos processos e entrega da prestação jurisdicional num menor prazo, quando cria sistemas eletrônicos de registro, controle e baixa dos processos judiciais, o que já é um grande avanço.
Em alguns Estados, foi implantado o sistema PROJUD, mediante o qual os advogados, devidamente cadastrados, recebem uma senha para acompanhamento dos processos judiciais via site do respectivo Tribunal de Justiça.
Além disso, os magistrados têm à disposição o SISTEMA BACENJUD, implantado mediante assinatura de convênio com o Banco Central do Brasil que possibilita a obtenção de informações do correntista, bem como o bloqueio de suas contas e investimentos, mediante a expedição de ordens judiciais enviadas eletronicamente. .
No entanto, tais sistemas não equivalem à possibilidade de o magistrado assinar eletronicamente seus atos, ainda mais quando se trata de determinação de levantamento de valores.
Outro ponto que merece destaque é a ausência de convênios que devem ser firmados para possibilitar a conferência com segurança da integridade do documento e da assinatura digital. A autoridade certificadora precisa participar desses convênios.
É lamentável que, diante da devolução do alvará digital pelas instituições financeiras ao requerente da medida, por falta de segurança do documento apresentado, alguns juízes têm se utilizado do expediente de emitir novo alvará judicial eletrônico e exigir o seu cumprimento, sob pena de prisão por descumprimento de ordem judicial ou, ainda, de configuração de crime de desobediência.
A emissão de alvará judicial por meio eletrônico leva à impossibilidade de as instituições financeiras conferirem suas assinaturas. Criou-se o risco, inclusive, de cumprimento de ordem judicial falsa, o que acarretaria sérios prejuízos ao verdadeiro e legítimo credor da quantia sob a guarda dos Bancos, bem como a estes.
É salutar que o Poder Judiciário avalie e considere a falta de segurança na conferência da assinatura eletrônica do juiz, diante da ausência de regulamentação pelas Corregedorias Gerais dos Estados.
Finalmente, cabe à Corregedoria de Justiça de cada Estado da Federação disciplinar o assunto mediante Provimento, nos termos do artigo 18, da Lei Federal nº. 11.419/06, possibilitando, desta forma, a entrega da prestação jurisdicional de forma ágil, eficaz e segura, sem os riscos oferecidos hoje às instituições financeiras e ao requerente da medida.
Notas
- NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil. 39ª Edição. EDIOTORA SARAIVA. São Paulo.2007. p. 283.