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Direitos humanos e fundamentais.

Os princípios da progressividade, da irreversibilidade e da não regressividade social em um contexto de crise

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3.O direito do trabalho como expressão dos direitos humanos – o princípio da progressividade, a irreversibilidade social ou não regressividade social

das normas sobre direitos humanos. A progressividade, em um primeiro momento, referia-se à gradação por vários instrumentos internacionais e por textos constitucionais à aplicação dos direitos humanos, conforme estabelecia o art. 427 do Tratado de Versalhes. Em um segundo momento, apresenta-se como uma característica dos direitos humanos fundamentais, incluídos os trabalhistas, que, segundo a ordem pública internacional, possuem uma vocação de desenvolvimento progressivo no sentido de uma maior extensão e proteção dos direitos sociais.

Complementando e aprofundando esse princípio, encontramos a irreversibilidade ou o dever de não regressividade: a impossibilidade de redução da proteção já existente, concedida aos direitos humanos no PIDCP e no PIDESC (art. 4º de ambos) [30]. Esses estatutos vinculam os estados que o ratificaram aos direitos humanos, excluindo regras que privem os trabalhadores da fruição dos direitos e garantias fundamentais já previamente reconhecidos. [31]

BARBAGELATA conclui que esses princípios são "uma consequência do critério da conservação ou não derrogação do regime mais favorável para o trabalhador, o qual pode reputar-se como um princípio ou regra geral no âmbito do Direito do Trabalho", consagrado no inciso VIII do art. 19 da Constituição da OIT e aceito universalmente. [32]

O dever de não regressividade consiste, pois, na proibição de políticas, medidas, orientações e atos que piorem o patamar de direitos econômicos, sociais, culturais da população. [33]

Os princípios de Maastricht consideram violações dos direitos sociais, culturais e econômicos a derrogação ou suspensão da legislação necessária para o gozo desses direitos.

A proibição de regressividade, por outro lado, importa em parâmetro para o juízo acerca das medidas e atos que resultam aplicáveis pelo judiciário. [34]

A irreversibilidade constitui uma clara limitação que tratados e convenções internacionais e os textos constitucionais impõem à (des)regulamentação dos direitos sociais, econômicos e culturais [35], vedando, como já ressaltado, a quem pode tratar da normatização desses direitos sua derrogação ou redução.

Esse dever de não regressividade, oriundo da progressividade dos direitos, não advém, como já registramos, somente do Direito Internacional. Também no Direito Constitucional reside sua fonte. Note-se que constitucionalistas do porte de KONRAD HESSE incluem nessa moldura a teoria da irreversibilidade (Nichtumkehrbarkeitstheorie), segundo a qual toda medida regressiva que afete o conteúdo essencial dos direitos sociais é inconstitucional. Trata-se da irreversibilidade das conquistas sociais alcançadas. [36]

No Direito Constitucional brasileiro há expressa previsão acerca da progressividade associada à irreversibilidade ou à proibição da regressão no tocante aos direitos sociais fundamentais do trabalhador. Com efeito, o art. 7º, caput, dispõe que são direitos dos trabalhadores, além todo o elenco apontado em seus incisos, quaisquer outros que possam ser acrescidos por atos normativos ou negociais que impliquem na melhoria das condições do trabalhador.


4.Crise, ajustes econômicos e os Direitos Humanos fundamentais e sociais.

O sistema capitalista vive em crise e das crises. Suas crises são cíclicas, algumas são superdimensionadas, outras têm fortes tons de artificialidade. E quando as crises terminam, o sistema sai reforçado para uma nova crise...

No Brasil, antes mesmo que a recente crise financeira alcançasse as empresas, estas já estavam programando dispensas coletivas, reivindicando mais flexibilização dos direitos trabalhistas, criando um clima de pânico e tensão que pudesse favorecer as "reformas trabalhistas necessárias ao desenvolvimento do país". [37] De quebra, pressionaram entidades sindicais para que aceitassem negociações coletivas danosas aos trabalhadores, inclusive em caráter preventivo. [38]

Nesse contexto, o Presidente de uma gigante na área de Mineração liderou um infeliz manifesto pela desregulamentação da legislação laboral, ao mesmo tempo em que dispensava 1.300 empregados, apesar dos incomensuráveis lucros acumulados nos últimos anos (R$ 20.006 bilhões em 2007; R$ 13.431 bilhões em 2006). Não bastasse, nesse ano de 2009, apresentou no 1º bimestre lucros recordes após dispensar centenas de obreiros "por conta da crise..." Em maio último, comunicou "a quem interessar possa" que despediria de 250 a 300 porque "a recuperação do mercado ainda não aconteceu como a (omissis) esperava". [39]

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Outra face dessa "crise", criada com fins de realimentar o capital, é a das reestruturações oriundas de planos de "reengenharia empresarial", com cortes do quadro funcional, mesmo quando a empresa apresenta bons índices de lucratividade. Talvez seja esta uma das faces mais perversas do "mercado". Dezenas, centenas, quando não milhares, são postos no "olho da rua" para dar ainda maior lucro, para aumentar a competitividade ou, ainda, para recuperar índices anteriores de ganhos. Paradoxalmente, ou nem tão paradoxalmente assim, as ações sobem, assim como o rendimento dos acionistas, sócios, diretores e gerentes. [40]

Essas crises alimentam ainda o quadro apontado no item anterior, oriundo do capitalismo turbinado pós-moderno com nefastas consequências na organização dos sindicatos e no poder de reivindicação dos trabalhadores, favorecendo a perda da centralidade obreira e sindical e, também, a destruição do trabalho fixo e contínuo, dando lugar àquilo que ROMAGNOLI [41] chama de "deslaborización" das relações de trabalho e BAYLOS de uma " ruída del derecho del trabajo. [42]

As consequências da crise, por conseguinte, contribuem para o processo de erosão do Direito do Trabalho e o enfraquecimento das entidades laborais, facilitando a reconstituição ou aumento dos ganhos do capital, tornando a mítica figura do "mercado" ainda mais poderosa ("primero, las mercancías; después, los pasajeros..." [43] ). [44]

Cresce de dimensão essa crise por conta dos "criadores de opinião", que produzem discursos incessantes contra o Estado Social [45], as entidades sindicais e os trabalhadores que gozam (ainda) dos seus direitos sociais fundamentais. Desvalorizam, deste modo, a cultura dos direitos no acelerado e desmemoriado imaginário social - fomentado pela mídia, empresários e até por alguns acadêmicos e juristas. Os direitos humanos e fundamentais, notadamente os de cunho social, são apresentados como questionáveis, relativos a uma fase histórica superada.


5.Negociação Coletiva. Progressividade e Irreversibilidade dos Direitos

Fruto nefasto do quadro exposto acima, é a negociação coletiva em detrimento do trabalhador, voltada para beneficiar a empresa e, mais amplamente, o mercado e o sistema econômico e financeiro vigente.

A Convenção Coletiva e os Acordos Coletivos de Trabalho caracterizam-se pela sua normatividade complementar às regras estabelecidas nos tratados e convenções internacionais, normas e preceitos da Constituição Federal e nas leis complementares e ordinárias. Tal ocorre porque é impossível prever toda a gama de eventos e circunstâncias que surgem no curso das relações laborais.

Assim, os grandes textos normativos estabelecem um patamar mínimo de direitos sobre o qual às partes, em negociação coletiva, faculta-se, dentro da concepção da progressividade do direito (art. 7º, caput da Constituição Federal brasileira), estabelecer outros mais.

A normatividade que norteia estes instrumentos coletivos, por conseguinte, não pode atentar contra o que já consagrado nos diplomas que compõem o direito internacional, os princípios e regras da Constituição e toda a legislação que lhes dá forma, aperfeiçoa ou aprofunda.

De sorte que inteiramente dissociadas dos postulados da progressividade e do dever de não regressividade são as convenções e acordos coletivos que autorizam a redução, supressão ou modificação in pejus de direitos laborais que guardem relação, mesmo que indireta, com os direitos humanos e fundamentais.

Chegamos, pois, ao ponto nodal de nossa tese: a negociação coletiva in pejus contraria, em se tratando de direitos humanos e fundamentais, compreendidos neste rol os sociais-trabalhistas que guardem vínculo imediato ou mediato com aqueles, os princípios da progressividade, da irreversibilidade ou não regressividade. [46]

Enunciada nossa tese, enfrentaremos aqui o caso específico da última crise, a financeira de 2007/2009, iniciada com o estouro da "bolha imobiliária" no EUA. Para combater ou remediar as suas consequências, propõe-se a aplicação do art. 7º, VI da Constituição Federal brasileira, que permite a redução de salários via negociação coletiva.

Sucede que o dispositivo em referência, segundo o princípio da progressividade, desautoriza a redução pura e simples dos salários, pois isso não representa uma melhora nas condições do trabalhador ("São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social" - art. 7º, caput da Constituição Federal brasileira) ...

Portanto, não é o instrumento coletivo que irá legitimar a contrariedade aos princípios constitucionais da progressividade e da irreversibilidade e ao direito fundamental do obreiro a uma remuneração digna e de acordo com o valor social do seu trabalho. [47]

Dentro desse espírito, a Lei 4.923/1965 estabelece como condição para redução o limite máximo de 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo e a duração máxima de 3 meses; a redução correspondente da jornada ou dos dias trabalhados; a necessidade econômica devidamente comprovada e a impossibilidade de contratação por 6 (seis) meses de novos empregados depois da cessação da situação ensejadora do regime especial, antes de concedida a oportunidade para a readmissão daqueles dispensados anteriormente. Moralizando ainda mais o procedimento de redução de salário, a lei exige, outrossim, a redução proporcional da remuneração e das gratificações de gerentes e diretores, mandamento que deve ser estendido também aos sócios e acionistas (art. 2º, caput).

Outro diploma que trata da negociação coletiva em tempos de crise, resguardando os princípios e parâmetros mencionados neste ensaio, é a Lei 11.101/05 que, para preservar empregos, admite como instrumento de recuperação judicial, a "redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva" (art. 50, VIII). Este estatuto, que atualmente regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência da sociedade empresária, demanda a exposição "das causas concretas da situação patrimonial" da empresa e "das razões da crise econômico-financeira" (art. 51, II), além da "demonstração de sua viabilidade econômica" (art. 53, II) , entre outras exigências.


6.Conclusões

De todo o exposto, concluímos:

1.Controvertida é a natureza dos direitos humanos, assim como sua dimensão universal, ao menos nos parâmetros postos pelo liberalismo e pelo neoliberalismo;

2.Os direitos humanos, para que tenham caráter realmente universal, devem ser reconceitualizados como multiculturais, evitando o unilateralismo que ainda prevalece no discurso dominante no mundo ocidental;

3.Os direitos humanos não devem ser táticas ou instrumentos retóricos das nações capitalistas desenvolvidas, mas meio eficaz para superar as desigualdades e injustiças que assolam o nosso mundo, hoje dominado pela ideologia e pelas práticas de mercado que elegem o lucro, a produção e o consumo como finalidades principais da nossa sociedade;

4.Intimamente vinculado com o tema dos direitos humanos e fundamentais é a concepção da progressividade dos direitos sociais que deságua na proibição de regressividade destes direitos;

5.A progressividade, característica dos direitos humanos e fundamentais, incluídos neste rol os trabalhistas, consagra maior extensão e proteção aos direito sociais. Completando e aprofundando esse princípio, emerge a irreversibilidade ou o dever da não regressão: não são admitidos atos normativos que privem os trabalhadores da fruição das garantias e direitos fundamentais;

6.Os princípios da progressividade e da irreversibilidade ou da vedação da regressão social dão origem ao cânone da conservação ou não derrogação do regime mais favorável para o trabalhador, reputado como fundamento primeiro do Direito do Trabalho;

7.O Brasil consagra expressamente a progressividade e a irreversibilidade no art. 7º, caput da Constituição Federal quando dispõe que são direitos dos trabalhadores os direitos ali elencados além de todos aqueles que melhorem sua condição social. Em suma, todos os direitos e garantias que foram ou venham a ser obtidos após a edição da Carta de 1988, a par daquilo que já tipificado em tratados e convenções internacionais e normas anteriores à própria Constituição, são protegidos pelos referidos princípios;

8. As convenções e acordos coletivos, que são dotados de indiscutível normatividade, estão adstritos à progressividade, à irreversibilidade ou não regressividade, conforme já acontece com as emendas constitucionais, leis complementares e ordinárias, medidas provisórias, decretos e outros atos normativos e regulamentadores dos direitos sociais fundamentais.


Bibliografia

. São Paulo: Max Limonad, 2002

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos, Globalização Econômica e Integração Regional. São Paulo: Max Limonad, 2002

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Periódico

Jornal O Globo", sábado, 30/05/2009, p. 30, Caderno Economia.

Sobre os autores
Claudio Armando Couce de Menezes

Desembargador Federal do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo)

Glaucia Gomes Vergara Lopes

Juíza do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro)

Roberta Ferme Sivolella

Juíza do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro)

Otavio Amaral Calvet

juiz do trabalho, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, professor convidado da FGV/RJ, coordenador do Núcleo Trabalhista Calvet

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Claudio Armando Couce; LOPES, Glaucia Gomes Vergara et al. Direitos humanos e fundamentais.: Os princípios da progressividade, da irreversibilidade e da não regressividade social em um contexto de crise. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2531, 6 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14975. Acesso em: 22 nov. 2024.

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