Muito já se discutiu em nossos Tribunais a respeito da incidência ou não do Imposto sobre Serviços – ISS na incorporação imobiliária. Trataremos neste artigo da evolução da jurisprudência sobre o tema no Superior Tribunal de Justiça – STJ.
A primeira decisão que se tem conhecimento e merece destaque foi aquela exarada no RESP 1.625/RJ, em março de 1991, cuja ementa é a que segue:
"TRIBUTARIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇO.
I - COMPROVADO QUE A PARTE PROMOVIA AS CONSTRUÇÕES EM TERRENOS DE SUA PROPRIEDADE PELO SISTEMA DE INCORPORAÇÃO, NA QUALIDADE DE PROPRIETARIA-INCORPORADORA, NÃO HA FALAR-SE EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇO POIS IMPOSSIVEL O CONTRIBUINTE PRESTAR A SI PROPRIO O SERVIÇO DESVANECENDO, DESTARTE, O FATO IMPONÍVEL DO ISS.
II - PRECEDENTES.
III - RECURSO DESPROVIDO." [01]
Naquela oportunidade, o relator do processo, Ministro Geraldo Sobral [02], afirmou em seu voto baseado, inclusive, em parecer da Procuradoria Geral da República, que "não há falar-se em prestação de serviços, in casu, pela simples razão de que não pode o contribuinte prestar a si próprio o serviço desvanecendo, destarte, o fato imponível do tributo cobrado" [03].
Ficou claro, portanto, que a 1ª Turma do STJ reconheceu a impossibilidade da tributação da prestação de serviço a si próprio. Nesse sentido, Aires F. Barreto, ao tratar do conceito constitucional de serviço tributável, ensina que ele somente abrange: "a) as obrigações de fazer e nenhuma outra; b) os serviços submetidos ao regime de direito privado não incluindo, portanto, o serviço público (porque este, além de sujeito ao regime de direito público, é imune a imposto, conforme o art. 150, VI, "a", da Constituição); c) que revelam conteúdo econômico, realizados em caráter negocial - o que afasta, desde logo, aqueles prestados a si mesmo, ou em regime familiar ou desinteressadamente (afetivo, caritativo, etc.); d) prestados sem relação de emprego – como definida pela legislação própria - excluído, pois, o trabalho efetuado em regime de subordinação (funcional ou empregatício) por não estar in comércio." [04]
Posteriormente, em abril de 1993, o Ministro Humberto Gomes de Barros, no RESP 15.301/RJ, defendeu que, na incorporação, fundem-se dois contratos, quais sejam: o de compra e venda e o de empreitada; não restando dúvida, segundo Gomes de Barros, que o construtor (incorporador) também seria um empreiteiro. Sendo assim, sua atividade constituiria "execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil", correspondendo ao tipo fiscal descrito no item 32 da Lista anexa ao Decreto-lei 406/68 e, portanto, estaria sujeita ao ISS [05].
Esse entendimento foi ratificado pelos Ministros Antônio de Pádua Ribeiro (RESP 41.383/RJ [06]), Francisco Falcão (RESPs 746.861/MG [07] e 884.778/MT [08]), João Otávio Noronha (RESP 489.383/PR [09]), Denise Arruda (RESP 619.122/MS [10]) Eliana Calmon (RESP 766.278/PR [11]) e José Delgado (RESP 998.437/AM [12]).
Mais recentemente, no entanto, é possível notar uma alteração na jurisprudência do STJ que estava se sedimentando em relação à da incidência do ISS sobre as incorporações imobiliárias. Isto porque o Ministro José Delgado, que defendeu a incidência do ISS na atividade de incorporação de imóveis no RESP 998.437/AM, passou a entender, como se depreende do RESP 1.012.552/RS [13] (onde ele também foi o relator), julgado em junho de 2008, que não haveria prestação de serviços a terceiros quando o incorporador, por conta própria, construísse em terrenos de sua propriedade.
Frise-se que tal posicionamento do Ministro Delgado foi acompanhado pelos Ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda, todos componentes da 1ª Turma do STJ.
A hipótese em discussão no RESP 1.012.552/RS, segundo José Delgado, não é igual àquela apontada nos precedentes constituídos pelos RESPs 489.383/PR e 746.861/MG. Nestes julgados, havia a formação de dois contratos: o de compra e venda e o de empreitada. Na situação analisada no RESP 1.012.552/RS, não há contrato de empreitada firmado. O incorporador é o próprio construtor.
O que se pode extrair do voto do Ministro Delgado é o fato dele basear seu novo entendimento nas assertivas trazidas pelo Tribunal de Justiça gaúcho, que diferenciou o tratamento fiscal, para fins de ISS, dos tipos de incorporação previstos no artigo 48 da Lei 4.951/64 [14], concluindo pela não incidência da exação na incorporação por contratação direta entre os adquirentes e o construtor, mesmo que iniciada a venda das unidades imobiliárias anteriormente à conclusão da obra.
Cabe frisar que, segundo a Lei 4.591/94, a incorporação poderá adotar um dos seguintes regimes de construção: a) por empreitada, a preço fixo, ou reajustável por índices previamente determinados (art. 55 [15]); b) por administração ou "a preço de custo" (art. 58 [16]); ou c) diretamente, por contratação direta entre os adquirentes e o construtor (art. 41 [17]).
Reproduz-se abaixo excerto do voto do Ministro Delgado no RESP 1.012.552/RS, onde é transcrita parte da decisão "a quo" do Tribunal de Justiça gaúcho diferenciando o tratamento fiscal, para fins do ISS, da incorporação sob o regime de empreitada e de administração do da incorporação contratada diretamente entre os adquirentes e o construtor, onde, ainda que houvesse serviço, ele seria prestado pelo construtor a si próprio:
"A questão posta em debate envolve a incidência do ISS sobre a atividade de incorporação imobiliária levada a efeito pela empresa nos terrenos de sua propriedade e conforme suas especificações.
Para a municipalidade, o imposto é devido porque, a seu juízo, o incorporador exerce duas atividades, a saber, venda dos imóveis em construção e, a partir daí, a prestação de serviço previsto no item 32 da lista anexa ao Dec.-Lei 406/68 ao comprador. Assim dispunha o item em questão: 32. Execução por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM);
Daí porque haveria o serviço de empreitada, situação na qual o incorporador assumiria o ônus da atividade para possibilitar a entrega ao promitente comprador.
Este, segundo defende a municipalidade, seria o serviço prestado propriamente tal.
O contribuinte, por sua vez, sustenta que não há incidência do imposto, por entender que a construção efetuada no terreno próprio não configura serviço prestado a terceiros, sendo irrelevante se os apartamentos são vendidos antes ou depois da conclusão da obra. Nesse caso, defende que o serviço, se há, é prestado a si próprio, motivo pelo qual não há falar em incidência do ISS.
A meu ver, a obrigação tributária relativa ao ISS só pode decorrer da subsunção de um evento à hipótese de incidência, daí nascendo o fato imponível que torna-se fato gerador, ou, como diz o prof. Paulo de Barros Carvalho, da observância de todos os elementos da regra-matriz de incidência, decorrendo daí o fato tributário e o conseqüente respectivo, qual seja, dever do contribuinte em recolher o tributo ao sujeito ativo.
A prestação de um serviço integra a regra-matriz de incidência tributária do ISS, conforme Dec.-Lei 406/68 vigente à época e art. 156 da Constituição Federal. É o seu critério material. Sem a prestação de serviço não há fato imponível, inexiste o fato gerador, não há tributação.
Na situação que se está a tratar, não há prestação de serviço a terceiros, haja vista que o item 32 da lista de serviços em anexo prevê a execução por administração, empreitada ou subempreitada, não sendo nenhuma delas a espécie levado a efeito pela construtora.
Isto porque, se efetivamente há serviço, ele é prestado pela construtora para si própria. E, para ocorrer subsunção de fato em determinada hipótese de incidência de ISS, é imperioso que a prestação de serviço, o fazer, seja em face de terceiro. Não se pode cogitar de serviço prestado a si mesmo para fins de tributação.
Como bem ressaltou o eminente Des. Henrique Roenick, nos autos da apelação cível 70002028785, julgada em 28/03/2001, nos casos de incorporação por empreitada/subempreitada e por administração (arts. 55 e 58 da Lei 4591/64) o incorporador age prestando serviço a terceiros, havendo, pois, incidência do ISS.
Contudo, quando o incorporador age por conta própria, vale dizer, constrói em terreno próprio, por sua conta e ordem, conforme seu projeto original e dentro de suas especificações, não há hipótese de incidência do ISS, sendo irrelevante o fato de, antes do término da obra, celebrar contratos de promessa de compra e venda com terceiros. É o caso de incorporação por contratação direta entre os adquirentes e o construtor, conforme art. 43, parte final da Lei 4591/64.
Assim o acórdão do julgado supra referido:
" Considerando o conceito legal de incorporação, há de incidir o Imposto Sobre
Serviços, se e quando a atividade do incorporador constituir efetiva prestação de serviço. Assim, as incorporações contratadas sob o regime de empreitada/subempreitada e por administração (arts. 55 e 58, da Lei n.º 4.591/64), na medida em que evidente a ocorrência do fato gerador (prestação de serviço) de atividade expressamente arrolada na Lista (Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil).
Na terceira modalidade, i.é., por contratação direta entre o adquirente e o construtor (art. 43, parte final, da Lei n.º 4.591/64), não há tributação do ISS. Nesse tipo, incorporador e adquirente firmam um contrato de promessa de compra e venda, em que o primeiro obriga-se a entregar determinada unidade habitacional acabada, mediante o pagamento do preço avençado. Tenho que neste caso inexiste a prestação de serviço, pelo menos na forma do item 32 da Lista de Serviços, o que impede a tributação, ante a taxatidade da Lista, reitero."
A literatura, dada a especificidade da questão, é escassa. Para elucidar o raciocínio aqui delineado, vale transcrever a lição de Cesar Arlei Paludo e Daimar
Paulo Somm, (In Revista de Estudos Tributários, nº 2, pág. 57/63), artigo este citado no acórdão julgado por esta Câmara alhures referido:
"... Do referido texto (art.48, da Lei n.º 4.591/64), conclui-se que a atividade de incorporação de imóveis pode ser contratada atendendo aos seguintes regimes de construção:
a) por empreitada;
b) por administração; e,
c) por contratação direta entre os adquirentes e o construtor. ...
"... Esta terceira modalidade de construção caracteriza-se pelo compromisso firmado diretamente entre o construtor (incorporador) e o respectivo adquirente, através de um contrato de promessa de compra e venda, contendo, obrigatoriamente, as cláusulas, condições e preços sob os quais se construirá e concluirá a unidade imobiliária contratada.
"O compromisso assumido pelos contratantes, através desse ''CONTRATO DIRETO ENTRE O ADQUIRENTE E O CONSTRUTOR'', possui características próprias, inteiramente dissociadas das particularidades inerentes à atividade de prestação de serviços, encontrando-se formalmente previsto na parte final do artigo 43 da Lei n.º 4.591/64, onde encontram-se estabelecidas textualmente as normas específicas ''para contratar a entrega de unidades a prazo e preço certos, determinados ou determináveis''. ...
"... Assim, os preceitos das Leis Complementares que disciplinam a cobrança do ISS pelos municípios devem conformar-se aos estritos termos do item 32 da Lista, de maneira que a incidência daquele tributo sobre a atividade da construção civil recaia exclusivamente sobre serviços prestados através de contratos de administração ou de empreitada.
"Na esteira desse raciocínio, somente ocorre o fato gerador para efeitos da incidência do ISS, quando se cogitar de edificação em condomínio (incorporação) construída através dos DOIS primeiros regimes elencados, eis que o legislador, o editar a Lei Complementar n.º 406/68, publicada após a Lei n.º 4.591/64, foi extremamente cioso e consciente da existência dos três regimes, fazendo incidir a tributação do ISS sobre a construção civil, somente quando contratada pelo regime da empreitada/subempreitada ou de administração, preservando claramente o TERCEIRO regime - INCORPORAÇÃO DIRETAMENTE CONTRATADA ENTRE CONSTRUTOR E ADQUIRENTE – do campo de incidência do referido tributo. ...
"... Não há como confundir, por conseguinte, a incorporação de imóveis contratada através do regime de construção por administração ou por empreitada/subempreitada com o regime de incorporação de imóveis, realizado mediante contratos de promessa de compra e venda de unidades imobiliárias prontas ou para entrega futura.
"Com efeito, a vingar o absurdo entendimento dos Fiscos Municipais em seus lançamentos, todo incorporador inicia a construção já como contribuinte do ISS, prestando serviços a todos quantos adquiram as unidades imobiliárias a serem edificadas.
"De outra banda, caso o incorporador da edificação não aliene qualquer unidade antes de sua conclusão, estará automaticamente excluído do campo de incidência tributária do ISS, uma vez que inexiste a possibilidade dele prestar serviços para si mesmo, o que comprova a incoerência do procedimento fiscal. ..."
Destarte, fiel à tal entendimento e por entender absolutamente ausente fato gerador de ISS à ausência de prestação de serviços a terceiros na incorporação imobiliária em imóvel do próprio contribuinte e conforme suas próprias especificações, independente da existência de contratos prévios de promessa de compra e venda, estou mantendo a sentença.
Outra não foi o entendimento do eminente Des. Roque Volkweiss que, nos autos da apelação cível 70007073513, proferiu voto (vencido) no seguinte sentido: "Pela prova que se colhe dos autos, o que houve foi a construção, pela empresa impetrante, em terreno seu, de todas as unidades imobiliárias que, nos termos da
informação fiscal, teriam sido vendidas ¨na planta¨. Mas, ¨vender na planta¨ não é sinônimo de empreitada, podendo até representar ¨venda¨ para entrega futura, com o recebimento antecipado do preço. Assim, se foram as unidades imobiliárias realmente construídas em nome de terceiros, ¨por empreitada¨ (segundo alega o Município), não se sabe, até porque o Auto de Infração não declina quais fatos. Ao contrário, a concessão do posterior ¨habite-se¨ das mesmas unidades à própria impetrante (cf. prova de fl. 54, juntada pelo Município), e não aos que ¨teriam mandado construir¨ as unidades, presume construção em nome próprio, pela impetrante."
Por derradeiro, destaco que a jurisprudência do STJ é, atualmente, contrária à tese aqui defendida. Vale, porém, destacar o seguinte aresto daquela Corte proferido no ano de 1991 no mesmo sentido da tese aqui defendida:
TRIBUTÁRIO . IMPOSTO DE SERVIÇO.
I - comprovado que a parte promovia as construções em terrenos de sua propriedade pelo sistema de incorporação, na qualidade de proprietária-incorporadora, não há falar-se em prestação de serviço, pois impossível o contribuinte prestar serviços a si próprio o serviço desvanecendo, destarte, o fato imponível ao ISS.
II - Precedentes.
III - Recurso desprovido.
(j. v.u. em 06.03.91, 1ª Turma do STJ, Recurso Especial RESP 1625/RJ, Rel. Geraldo Sobral, pub. DJ de 25.03.91 p. 3210)
Destarte, outra alternativa não há senão a manutenção da bem lançada sentença por seus próprios fundamentos que conclui pela não-incidência do ISS na situação que se está a tratar ante a ausência de prestação de serviço.
ISSO POSTO, nego provimento." (grifamos)
É fato que o incorporador não precisa ser o construtor. Tanto é assim que o artigo 29 da Lei 4.591/64, ao tratar da figura do incorporador, reza que:
"Art. 29 Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas" (grifamos).
Melhim Namen Chalhub trata da questão da construção no âmbito da incorporação da seguinte forma:
"A atividade de construção está presente no negócio jurídico da incorporação, mas incorporação e construção não se confundem, nem são noções equivalentes. A atividade da construção só integrará o conceito de incorporação se estiver articulada com a alienação de frações ideais de terreno e acessões que a elas haverão de se vincular; mas, independente disso, a atividade de incorporação pode, alternativamente, ser representada somente pela alienação de frações ideais, objetivando sua vinculação a futuras unidades imobiliárias.
Obviamente, a incorporação compreende a construção, mas não é necessário que a atividade da construção seja exercida pelo próprio incorporador, pois esse pode atribuir a outrem a construção." [18]
Na incorporação direta, por sua vez, o incorporador constrói em terreno próprio, por sua conta e risco, realizando a venda das unidades autônomas por "preço global", compreensivo da cota de terreno e construção. O contrato firmado com os adquirentes, nesse caso, é um compromisso de compra e venda de imóvel em construção, inexistindo, portanto, prestação de serviços a terceiro, além de consubstanciar uma obrigação de dar e não de fazer por parte do incorporador.
Por essa razão, Gustavo Masina prega a não incidência de ISS na incorporação imobiliária direta, senão vejamos:
"A incorporação por contratação direta é negócio jurídico no qual de um lado figura o incorporador e de outro os adquirentes. Necessariamente, em tal espécie de negócio (incorporação por contratação direta), o incorporador é o proprietário do terreno. Ele se compromete a construir em seu próprio terreno, individualizar as unidades e vendê-las. A obrigação do incorporador é típica obrigação de dar, não se enquadrando, sob qualquer hipótese, ao conceito constitucional de serviço (obrigação de fazer). O fazer (construir) é simples meio à realização da finalidade do contrato: a venda de unidades imobiliárias." [19]
Em maio de 2010, a 1ª Turma do STJ, ao julgar o RESP 1.170.194/RN [20], onde foi relator o Ministro Benedito Gonçalves [21], apontou claramente a existência de dois posicionamentos dentro do Tribunal sobre a incidência de ISS na incorporação imobiliária: um no sentido de que "não há prestação de serviços a terceiros quando o incorporador, por conta própria, constrói em terrenos de sua propriedade" (REsp 1.012.552/RS); e outro, no sentido de que "na incorporação existem dois contratos: o de compra e venda e o de empreitada, não havendo dúvida de que o construtor também é um empreiteiro, enquadrando-se sua atividade no item 32 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-lei 406/68, sendo devido o ISS" (REsp 766.278/PR).
Ocorre, no entanto, que, segundo o RESP 1.170.194/RN, inexiste divergência entre os julgados do STJ, pois o caso concreto é que determinará a aplicação de um ou outro posicionamento. Destaque-se o seguinte trecho do voto do Ministro Benedito Gonçalves tratando da questão da necessidade de comprovação fática da existência da prestação de serviços a terceiro (contrato de empreitada) para a incidência de ISS na incorporação imobiliária:
"Como se vê, o ISSQN não incidirá naqueles casos em que a incorporação, além de se dar em terreno próprio da incorporadora, por sua conta e risco, não ensejar a prestação de serviços a terceiro (contrato de empreitada).
Na hipótese dos autos, a Corte de origem apreciou o conjunto fático-probatório dos autos e chegou à conclusão de que não houve a prestação de serviços a terceiro." [22]
A 2ª Turma do STJ, por sua vez, no julgamento do RESP 1.166.039/RN em junho de 2010, onde foi relator o Ministro Castro Meira [23], ratificou o entendimento firmado no RESP 1.170.194 e decidiu que não se materializa o fato gerador do ISS na hipótese de incorporação imobiliária direta, em que o incorporador constrói em terrenos de sua propriedade, conforme suas próprias especificações, por conta e risco, para venda futura, já que ausente a prestação de serviços a terceiro.
O trecho do voto do Ministro Castro Meira abaixo reproduzido esclarece porque não ocorreria a incidência do ISS na incorporação imobiliária direta:
"De fato, na incorporação direta, o incorporador assume o risco da construção, obrigando-se a entregá-la construída e averbada no Registro de Imóveis. Já o adquirente objetiva adquirir a propriedade de unidade imobiliária, devidamente individualizada e, para isso, paga o preço acordado parceladamente.
A sua finalidade, portanto, é a venda de unidades imobiliárias futuras, concluídas, conforme previamente acertado no contrato de promessa de compra e venda. Desse modo, não cabe a assertiva de que, após a celebração desse contrato, passa a existir uma obrigação de fazer, consistente no término da construção. No caso, a construção é simples meio para atingir-se o objetivo final da incorporação; o incorporador não presta serviço de "construção civil" ao adquirente, mas para si próprio.
Logo, não cabe a incidência de ISSQN na hipótese, já que o alvo desse imposto é atividade humana prestada em favor de terceiros como fim ou objeto; tributa-se o serviço-fim, nunca o serviço-meio, realizado para alcançar determinada finalidade. As etapas intermediárias são realizadas em benefício do próprio prestador, para que atinja o objetivo final, não podendo, assim, serem tidas como fatos geradores da exação.
Além disso, acha-se ausente a figura do tomador de serviço, já que o adquirente assume o papel de promitente-comprador, ou apenas comprador de unidade imobiliária futura. Para fins de tributação, não se pode cogitar de serviço prestado a si mesmo.
De outro turno, não procede o argumento de que a venda das unidades imobiliárias, ainda na fase de construção configura, por si só, prestação de serviço. Em verdade, a celebração de contratos de compra e venda das unidades, quando apenas projetadas ou em construção, é inerente à própria incorporação. Se a aquisição dá-se após a conclusão da obra, haverá uma simples compra e venda." (grifamos)
O que, portanto, se observa nos julgados mais recentes do STJ é o retorno do entendimento exarado na primeira decisão daquele Tribunal sobre a matéria da incorporação imobiliária (RESP 1.625/RJ), onde era pregada a não incidência do ISS nessas operações pela impossibilidade do contribuinte prestar serviço a si mesmo.
Diante da análise da jurisprudência do STJ a respeito do tema da tributação da incorporação imobiliária pelo ISS, é possível extrair, especialmente com base nos julgados mais recentes da 1ª e 2ª Turmas daquela Corte (RESPs 1.012.552/RS, 1.170.194/RN e 1.166.039/RN), as seguintes conclusões:
a)A incorporação imobiliária, segundo a Lei 4.591/64, poderá adotar um dos seguintes regimes de construção: i) por empreitada, a preço fixo, ou reajustável por índices previamente determinados; ii) por administração ou "a preço de custo"; ou iii) diretamente, por contratação direta entre os adquirentes e o construtor;
b)Não se materializa o fato gerador do ISS na hipótese de incorporação imobiliária direta, em que o incorporador constrói em terrenos de sua propriedade, conforme suas próprias especificações, por conta e risco, para venda futura, já que ausente a prestação de serviços a terceiro;
c)Além disso, na incorporação imobiliária direta, a obrigação do incorporador é uma obrigação de dar, não se enquadrando no conceito constitucional de serviço (obrigação de fazer). O ato de construir é simples meio à realização da finalidade do contrato, isto é, a venda de unidades imobiliárias
d)É recomendável, no entanto, a comprovação fática da inexistência da prestação de serviços a terceiro para a não incidência de ISS na incorporação imobiliária direta.