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Ação civil pública para regularização de loteamentos

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Agenda 01/10/1999 às 00:00

4. Das responsabilidades penais dos representantes e dos funcionários do réu:

Os funcionários e os representantes do réu foram benevolentes e complacentes para com o loteador criminoso e usurário, que prejudicou em muito os consumidores. Tal comportamento, salvo outros mais graves, constitui crimes de prevaricação, de venda de lotes não aprovados e de publicidade enganosa.

Isso porque, além de não terem coibido a venda dos lotes nem corrigido a informação enganosa constante no contrato padrão do loteador, ainda deram informação enganosa por omissão.

A responsabilidade penal dos funcionários do réu se deu principalmente em função da omissão cometida por eles, já que ela foi relevante. Sem ela o consumidor não teriam sido ludibriados pelo empreendedor.

Nesse sentido, a advertência do ilustre Magistrado NARCISO ORLANDI NETO (Os Loteamentos Irregulares e sua Regularização, em Revista do Advogado, nº 18, p. 6):

"O absoluto desprezo das regras de urbanização pelas Prefeituras, ao longo dos tempos, causou inúmeros problemas que, em áreas diferentes, têm recebido a atenção de juristas e administradores. A ocupação desordenada do solo foi causa das "Vilas Parisi" do Brasil todo.

"Quando se procura limitar a poluição lançada pelas indústrias, está se tentando resolver um problema que não deveria ter surgido: a ocupação, com moradias, de área estritamente industrial, ou a instalação, em área residencial, de indústrias poluidoras. Quando se pretende eliminar a poluição dos mananciais, o que se quer é corrigir erros anteriores, como a facilitação e até o incentivo à ocupação das regiões próximas dos mananciais. Quando se intenta regularizar os loteamentos irregulares, o objetivo é corrigir a omissão dos antigos (e atuais) administradores.

"Nenhum dos problemas urbanos surgiu sem o concurso das administrações"

Assim, os representantes do demandado, concorreram de maneira preponderante para que os crimes acima referidos fossem praticados.

Tal maneira de pensar está assentada nos artigos abaixo transcritos:

CÓDIGO PENAL:

Art. 13, Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

(....).

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

(....);

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

LEI 6.766/79:

Artigo 50 - Constitui crime contra a Administração Pública:

I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;

(....);

III - fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:

I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente;

(....).

Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Artigo 51 - Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo anterior desta Lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa."

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

(....).

§ 2º. Se o crime é culposo:

Pena - Detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa.

Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:

Pena - Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.

Art. 75. Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste Código incide nas penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas.

Se não fosse pelo amor a ética e ao bom senso, diante de tantas aberrações e omissões dever-se-ia perguntar: quanto os representantes do réu receberam para dar informações enganosas ao consumidor e para fechar os olhos às enormes ilegalidades praticadas pelo loteador?

Pelo que foi dito acima, não tem como afastar a responsabilidade criminal dos representantes do réu.

B. Do direito à propriedade:

Ser proprietário significa ter o direito de usar, gozar e dispor de um bem(2), e bem é toda utilidade material, ou imaterial, sobre a qual incide a faculdade de agir do sujeito(3).

Sendo que para ser considerada plena esse propriedade, há a necessidade de que todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário(4).

A Constituição Federal, art. 5º, XXII, assegura esse direito que a Municipalidade insiste em não reconhecer, já que restringe aos consumidores, adquirentes de lotes no Jardim São Judas Tadeu, o seu exercício pleno.

Incertos quanto ao futuro do empreendimento, os consumidores deixam de edificar sobre seus terrenos. Os que já edificaram deixam de receber as melhorias devidas, não conseguindo, assim, o uso que originalmente pretendiam. Também não usufruem agradavelmente do direito da propriedade. Como sentir prazer, convivendo diariamente com a insatisfação de ter seus planos adiados, a privacidade espiada, a família e os bens a mercê da sorte, dada a falta de segurança? Nem mesmo exercer o direito de dispor do bem podem esses consumidores, não sem prejuízos, já que o loteamento não se enquadra aos moldes da legislação pertinente, que impede a regularização documental dos mesmos.

C. Dos danos ao consumidor e à toda coletividade:

Os consumidores, adquirentes das frações ideais daquele empreendimento, apesar de terem pago o valor total pelos terrenos, conforme se vê nas cópias dos contratos de compra juntados no PA-012/96, preenchendo também a exigência do artigo 41 da Lei 6.766/79, não tiveram as contra prestações totalmente satisfeitas.

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Não teve o Poder Público Municipal o respeito e a atenção para com os direitos do cidadão e consumidor, preceitos protegidos, no caso, pela Constituição Federal, artigos 1º, III; 3º, III e IV; 30, VIII, pelo Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, X; pela Lei 6.766/79, artigo 38; pela Lei Orgânica do Município de Campo Grande – MS, artigos 8º, III; 108, parágrafo único; 116, parágrafo único e pela Lei Municipal 2.567/88, art. 3º, I, III, V e VI.

O réu, dessa forma, produziu, e ainda produz, danos aos consumidores adquirentes daqueles lotes, que dada sua omissão foram clandestinamente parcelados e comercializados. E não é só, toda a sociedade também está sendo atingida à medida que vê os impostos que recolhe sendo engolidos por uma máquina administrativa ineficiente, perde também com os impostos que deixa de arrecadar (IPTU), uma vez que, esses lotes não existindo de direito, não há cobrança dos impostos devidos.

Os danos advindos dessa omissão são muitos e variados.

Os adquirentes das frações ideais do loteamento "Jardim São Judas Tadeu" convivem desde sempre com problemas de infra-estrutura: falta de saneamento básico, de energia elétrica, de iluminação pública, e de pavimentação, etc.

Visitando o loteamento, constata-se o que está aqui narrado. A título de ilustração, o arruamento está quase todo ele prejudicado, não há como distinguir o espaço destinado aos pedestres e o utilizado pelos veículos, pois não existe nenhum demarcação; os espaços destinados a circulação são disputados indiscriminadamente por pedestres e todo tipo de veículo, caracterizando risco iminente para todos que ali transitam, com ofensa, inclusive, às normas do Código de Trânsito Brasileiro.

O pouco que lá existe foi conseguido através de candidatos à cargos públicos em épocas de eleições. O que é uma obrigação do Poder Público passou a ser favor concedido por esses candidatos.

Dada a inexistência dos equipamentos urbanos os moradores sofrem com a falta de transporte coletivo, com o mato, o lixo e, quando chove, com a lama. Não possuem também qualquer equipamento comunitário de educação, cultura, saúde, lazer ou similares; embora estando estes previstos na Lei 6.766/79, art. 4º, I, parágrafo 2º.

Além da norma, a própria saúde e vida do consumidor estão sendo lesadas.

Não têm esses consumidores a escrituração de seus lotes. Sob a alegação de terem adquirido frações ideais de gleba clandestinamente parcelada, o réu não emite documentação reconhecendo essas porções ideais. O prejuízo é certo. Dada a falta de documentação, esses lotes sofrem grande depreciação e seus proprietários acabam não recebendo o preço justo, na hora da compra. O dano material está mais que caracterizado.

Decorre também da falta de legalização dos lotes problemas com o endereço. Assim, por própria conta e risco os consumidores numeraram suas casas, dando às ruas o nome daquelas as quais se ligam.

Como já não bastassem todos esses prejuízos causados pelo réu, os consumidores ainda estão sendo espoliados por ele, que se utiliza de parte da área institucional daquele loteamento para assentar famílias sem-teto, numa demonstração clara de alteração da destinação originalmente estabelecida para aquela área, o que é vedado pelo artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual(5).

A espoliação se caracteriza pelo fato de terem os consumidores, adquirentes das frações ideais daquele loteamento, pago também pela referida área tida como institucional, pois é certo que o empreendedor ao fazer o levantamento de custos do loteamento, encerre nestes custos o valor da citada área, que por força de lei deverá ser doada a municipalidade para os fins também determinados em Lei, embutindo-o no preço final a ser cobrado pelos lotes.

A área em questão transferida que foi para o domínio público do Município, e que passou a integrar o seu patrimônio, passando a ser bem de uso comum do povo, são reservadas para o fim específico de instalação de equipamentos urbanos e ou comunitários, em prol da comunidade local, sendo que esta especificidade é também determinada por lei(6).

Por não dar, a Municipalidade, a destinação prevista legalmente para a área institucional, aqueles consumidores são obrigados a buscar em outros bairros a educação, a saúde e o lazer, empurrando-os à marginalidade, não como delinqüentes ou vagabundos, mas sim como excluídos do processo de desenvolvimento urbano e social.

Incontestável a lesão de Direito Fundamental desses consumidores: o de habitar com dignidade, e dignidade significa ter respeito e amor próprios.

Nasce agora outro dano: o moral. Este decorrente das insuficientes condições de habitação enfrentadas por esses moradores, espoliados também de seu sonho de galgarem vida melhor. O preceito constitucional, em seu artigo 5º, V e X, salvaguarda a reparação do dano moral, elevando a obrigação da reparação do dano moral a posição de direito fundamental. Então, este também deverá ser reparado, sem prejuízo dos danos materiais supra citados (Art. 95, do Código de Defesa do Consumidor).

D. Da impossibilidade da denunciação a lide:

Utilizar o réu do instituto da denunciação à lide para tentar trazer para o pólo passivo da presente ação civil pública a Empresa Ego Construções de Rondônia S.A. significará a perpetuação da não solução para um problema que já se arrasta por 5 (cinco) anos. Acionar a empresa empreendedora e ou seus sócios, nada mais será que delongar a reparação dos danos sofridos pelos consumidores, uma vez que a empresa encerrou suas atividades nesta cidade, tomando rumo incerto e não deixando bens a serem arrecadados, além de solidificar a omissão, o descaso e o desrespeito do réu. Aceitar tal subterfúgio é o mesmo que trazer infundadas, inúteis e intermináveis diligências e prejuízo ainda maior aos consumidores, assoberbando ainda mais o Judiciário com atos estéreis.

Qualquer tentativa de denunciação à lide deve ser rechaçada também em função do Código de Defesa do Consumidor, que, através de seu artigo 88, veda tal prática. O réu poderá valer-se sim das benesses prevista no artigo 13, parágrafo único do CDC, caso ressarça de pronto o consumidor lesado.

Este é, aliás, o entendimento de Arruda Alvim e Thereza Alvim, "in verbis":

"Admitida é a ação e processo, autônomos, de regresso, ou a possibilidade de prosseguir nos mesmos autos, mas sempre com autonomia, por aquele que pagou, contra o ou os responsáveis causais ou originários (art. 13 incisos I e II, especialmente) pela causação do evento danoso e na medida da participação destes" (Código de Defesa do Consumidor Comentado, 2ª edição – 2ª tiragem, Arruda Alvim & Thereza Alvim, Ed. Revista dos Tribunais, pg. 412).

No mesmo sentido, a Lei n.o 6.766/79, artigos 40, parágrafos 1º, 2º e 4º; e 47; que prevêem, de maneira clara e objetiva, que o Município deve promover a regularização dos loteamentos clandestino, com direito a ação regressiva contra a empreendedora.

E. Da inconstitucionalidade e da ilegalidade da doação de área institucional:

A doação de parte da área institucional do Jardim São Judas Tadeu ofendeu o inciso VIII do artigo 30 da Constituição da República Federativa do Brasil, além de ter ferido de morte o artigo 17 da Lei 6.766/87; o inciso VI do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor; e o Anexo VI, A. 4.2.5 da Lei Orgânica Municipal.

Há de se observar que a Lei n.o 3.348 que autorizou a desafetação da referida área não autorizou o Senhor Prefeito Municipal a doar áreas institucionais. Ela apenas o autorizou a alienar e permutar tal área, tendo, portanto, o Decreto que fez a doação de parte da área institucional a 6 famílias de sem-tetos não respeitado os termos e os limites da autorização, o que o torna, também por esse ângulo, ilegal.

Vê-se, assim, que o Poder Judiciário pode e deve anular o ato administrativo inquinado de vício incorrigível.

F. Da legitimidade ativa do Ministério Público:

A Carta Maior tratou com especial atenção o consumidor, de forma que seu corpo dispõe sobre a legitimidade do Ministério Público para tutela seus interesses através do que preceituam os artigos 127 e 129, incisos III e IX na seguinte forma:

"Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

"Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas"

Para que se promova de forma efetiva a proteção ao consumidor, foram criadas leis que propiciam a tutela dos seus direitos. Algumas delas guardam a característica de serem de ordem pública e interesse social, isto é, que prevalecem sobre a vontade das partes, como é o caso do Código de Defesa do Consumidor que dispõe:

"Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.

Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

(....);

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - Ministério Público".

Note-se que a Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública, ampliou a legitimidade do Ministério Público para o ingresso de ações para buscar a responsabilização de empresas que causam danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor estético, histórico, turístico e paisagístico. (artigo 1º e 5º).

O artigo 26, inciso IV, letra "a", da Lei Estadual nº 072/94 - Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, estando em consonância plena com o CDC, dispõe:

Art. 26. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e em outras leis, incumbe, ainda ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;

Por outro lado, o Ministério Público está defendendo, no presente caso, a ordem jurídica, posto que a soberania da lei deve ser respeitada. Defende também os interesses indisponíveis dos moradores do Jardim São Judas Tadeu, dado que têm eles direito à segurança, a moradia, a saúde, a escola perto de sua casa, transporte coletivo e lazer, que são direitos a respeito dos quais são se pode transigir.

É irrefutável, dessa forma, que o Ministério Público está legitimado para requerer as medidas judiciais que se façam necessárias à prevenção e defesa dos direitos individuais homogêneos dos consumidores e dos cidadãos. Pode-se até afirmar, sem medo do excesso, que neste oportunidade, a iniciativa do Ministério Público se impõe como uma obrigação funcional.

G. Da legitimidade "ad causam" do Município:

Há de se dizer em primeiro lugar que o Município não está na presente ação tão somente como fornecedor dos serviços públicos, mas também como sujeito de obrigação, consistente em promover o bem estar do povo, zelar pelos seus direitos básicos e cumprir e fazer cumprir a lei, falhando neste mister, nasce o dever de reparar os danos causados.

Cuida-se, destarte, de obrigação de fazer, para cuja hipótese o art. 11 da Lei nº 7.347/85:

"Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se este for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento ou autor".

Na mesma linha de soluções, o Codecon estabelece, em seu artigo 84:

"Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento."

Nesse sentido, cabe a lição do Professor PAULO AFFONSO LEME MACHADO, referindo-se ao magistério de PONTES DE MIRANDA:

"O cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer é exigível sempre que, por lei ou convenção, haja pretensão a se exigir de outrem que se abstenha, ou preste fato." (Ação Civil Pública – meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural e tombamento. Ed. RT, 1986, pág. 40).

Conforme preleciona o eminente WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO:

"Nas obrigações de fazer, a prestação consistente num ato do devedor, ou num serviço deste. Qualquer forma de atividade humana, lícita e possível, pode constituir objeto da obrigação." (Curso de Direito Civil, 4º volume, pág. 86, Ed. Saraiva, 1989).

Assim, o Município falhado em seu mister de: a) buscar o bem da comunidade campo-grandense como um todo, sem qualquer distinção; b) de promover e assegurar os direitos e garantias previstos na Constituição Federal; c) elaborar e executar a política de desenvolvimento urbano, com o objetivo de ordenar as áreas habitadas do Município; d) ordenar o pleno desenvolvimento da cidade e garantir o bem estar dos seus habitantes, atendendo às diretrizes e aos objetivos estabelecidos no plano diretor; e) garantir o acesso a todos os cidadãos aos bens e aos serviços urbanos, assegurando-lhes condições de vida e moradia compatíveis com o estágio de desenvolvimento do Município; f) assegurar a função social da propriedade, cujo uso e ocupação deverão respeitar a legislação urbanística e o interesse coletivo; g) regularizar e titular as áreas ocupadas por população de baixa renda; e de h) defender o consumidor, deverá ser responsabilizado pela sua omissão perante o Poder Judiciário, com o fim de ser compelido a cumprir a lei e efetuar as reparações e os ressarcimentos devidos.

Daí a legitimação da Administração Pública municipal para responder à presente ação civil pública, que visa obrigá-la a cumprir o comando legal no sentido de fazê-lo cumprir a política urbanística, nos moldes dos princípios constitucionais invocados e dos demais diplomas que regulam a matéria.

Exemplo digno de ser seguido é o do Município de São Paulo que, em caso idêntico, após terem sido infrutíferos todas as providências administrativas que tomou para que o loteador regularizasse o loteamento (realização de: diligências e vistorias na área; embargo do empreendimento; cientificação dos responsáveis acerca de sua ilegalidade; e cadastramento dos adquirentes de lotes, com vistas à consignação do valor das prestações, com fundamento na norma do art.38, parágrafo 1º, da Lei 6.766/79), propôs, a princípio, Ação Cautelar, com pedido de medida liminar, com vistas à imediata paralisação do empreendimento (Proc. 95/91) e, em seguida (12 de fevereiro de 1.992), ingressou, por dependência, na 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, com Ação Condenatória a Obrigação de Fazer e de Não Fazer em face de Associação Filantrópica Cooperativa de Atividades Comunitárias "San Germaine" e outras, para, através de Poder Judiciário, obrigar as empreendedoras a respeitar o direito dos consumidores que estavam e que seriam lesados.

Ao tratar do seu interesse processual, no corpo da petição inicial da ação principal, assim se pronunciou o Município de São Paulo:

"DO LEGÍTIMO INTERESSE PROCESSUAL

Exaurida, sem êxito, a via administrativa, com o intuito de fazer cessar a irregularidade do parcelamento, resta à Municipalidade socorrer-se do Judiciário, com vistas a impedir que o requerido prossiga com a prática de atos ilegais, levados a efeito em atual e iminente prejuízo de terceiros. (destaque do Ministério Público autor).

Saliente-se, ainda, que caso os requeridos não sejam impedidos de dar continuidade às atividades clandestinas, já descritas, os adquirentes sofrerão real prejuízo, pois dificilmente poderão ter seus títulos reconhecidos, já que as unidades alienadas são inferiores ao módulo da região, e a coletividade ver-se-á obrigada a suportar os ônus de conviver com um projeto em desacordo com os reais interesses do Município, contribuindo para o agravamento das condições urbanas da cidade.

Daí a necessidade da medida proposta, que vem a ser, também, o único meio lícito de fazer cessar tal atividade." (dados retirados dos bancos de dados da Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo).

H. Da necessidade da concessão de liminar:

A defesa dos interesses coletivos, em sentido amplo, possui sempre um caráter eminentemente emergencial, daí o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira:

"Se a justiça civil tem aí um papel a desempenhar, ele será necessariamente o de prover no sentido de prevenir ofensas a tais interesses, ou pelo menos de fazê-las cessar o mais depressa possível e evitar-lhes a repetição, nunca o de simplesmente oferecer aos interessados o pífio consolo de uma indenização (grifo nosso) que de modo nenhum os compensaria adequadamente do prejuízo acaso sofrido, insuscetível de medir-se com o metro da pecúnia" (Tutela Sancionária e Tutela Preventiva – Temas de Direito Processual, São Paulo, Saraiva, 1988, pg. 28).

Nesse sentido é o disposto no artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, "in verbis":

"§ 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu."

O fundamento da demanda, como visto acima, é relevante. Há justificado receio de ineficácia do provimento final da demanda em face de várias lesões que o consumidor vem sofrendo e que podem se perpetuar daqui a um, dois, três ou mais anos, sem que ao final se possa corrigir tal distorção, posto que não haverá nesse caso sequer a pífia indenização de que fala Barbosa Moreira.

Aqui, torna-se inadiável ordenar que o réu tome de imediato as providências necessárias no sentido de aprovar o loteamento, nas condições em que se encontra, promovendo, desde logo, a sua expensa, o registro do mesmo, com o fim de que os consumidores-adquirentes possam escriturar seus imóveis, para poder neles construir sem perigo de terem suas obras embargadas ou mesmo, em caso de venda, não se sentirem obrigados a aliená-los a preço ínfimo por falta de regularização.

Para deixar claro a longa batalha que os consumidores terão pela frente para conseguir uma ação efetiva do réu, no sentido de ver garantido seus direitos, cita-se aqui o histórico de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público em 26 de julho de 1991, com o fim de que o réu regularizasse o loteamento Jardim das Macaúbas, construindo as obras de infra estrutura (f. 517 a 527 dos autos de PA 012/96).

É importante frisar que o loteamento foi aprovado em 30 de julho de 1982.

No dia 01 de setembro de 1993, o juiz singular proferiu sentença procedente (f. 531 a 536 do PA), dando ganho de causa ao autor, sendo que desta decisão o Município interpôs recurso, que foi, no dia 09 de maio de 1995, julgado improcedente (f. 537 a 545 do PA).

Transitado em julgado a decisão, sem que o réu a cumprisse, o Ministério Público, no dia 16 de outubro de 1995, ingressou com a competente ação de execução (f. 528-529 do PA) contra a qual o Município interpôs embargos que foram igualmente julgados improcedentes.

Cabe noticiar que a ação específica se encontra em trâmite a até hoje, sem qualquer resposta positiva para o consumidor lesado.

Vê-se, pela exposição, que os habitantes do Jardim da Macaúbas estão no prejuízo desde 1982, quando adquiriram o loteamento. Há 17 anos, portanto.

Como se não bastasse, no dia 3 de setembro de 1997, o Município ingressou com ação rescisória em face do Estado de Mato Grosso do Sul (f. 546 a 562), com o fim de anular a sentença anteriormente referida.

Tudo tem feito o réu para descumprir a determinação judicial, sob o pretexto de que só a Administração Pública pode determinar a conveniência e oportunidade da feitura das obras e que a decisão judicial constitui-se em uma afronta a independência e harmonia dos Poderes.

Ora, os consumidores não podem ficar, "ad eternum", esperando pela boa vontade do Administrador Público omisso e prevaricador.

Por outro lado, não se pode tirar da apreciação do Poder Judiciário nem uma lesão ou ameaça de lesão aos direitos do consumidor e do cidadão.

Por conta desse abusos, esta Promotoria de Justiça do Consumidor está representando ao Senhor Procurador-Geral de Justiça para que tome as medidas criminais cabíveis pela prática de crime de responsabilidade, por parte do Senhor Prefeito Municipal, que não quer cumprir decisão judicial transitada em julgado.

Diante do relatado supra, parte da tutela há de ser, de pronto, deferida, tanto para evitar maiores e irreparáveis prejuízos aos consumidores, como para prevenir outros danos de igual monta.

Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Ação civil pública para regularização de loteamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16007. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Ação civil pública contra o Município de Campo Grande, obrigando-o a regularizar a situação de todos os loteamentos irregulares daquela cidade e a lhes dar toda a estrutura necessária, de acordo com o plano urbanístico.

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