O problema da tutela indígena tem sido motivo de polêmica,
em todo o país, entendendo uns que o índio, independentemente
de sua situação de fato, acha-se sujeito a tal regime
e que, conseqüentemente, à FUNAI incumbe o munus legal.
Pouco importa o tipo de índio, todos estão sob tutela,
o que não é verdadeiro.
Há que se examinar a situação jurídica
do índio brasileiro a fim de se poder proclamar quem está
e quem não está sob tutela. Daí a classificação
dos índios em três categorias distintas: isolados,
em vias de integração e integrados.
O instituto da tutela está regrado pelo Código Civil,
arts. 406 a 445 (Capítulo I, Título VI, Livro I,
da Parte Especial), tendo como normas subsidiárias as contidas
nos arts. 26, parágrafo único, 44, 45 e 104 a 106
da Lei n.º 6.697, de 10 de setembro de 1979 (Código
de Menores) e art. 164 da Leei n. 8.069, de 13 de julho de 1990
(Estatuto da Criança e do Adolescente), dispondo o Código
Civil, de modo expresso, quanto ao regime tutelar indígena
no parágrafo único do art. 6º em que se diz
que este será estabelecido em leis e regulamentos especiais,
cessando à medida que os tutelados se forem adaptando à
civilização do País. Diz o dispositivo legal:
Art. 6º - Omissis.
Parágrafo único. Os silvícolas ficarão
sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos
especiais, o qual cerrará à medida que se forem
adaptando à civilização do País.
Assim, seguindo a trilha traçada por tal norma, o Decreto
n.º. 5.484, de 27 de junho de 1928, em seu art. 5º,
expressamente assim dispunha:
Art. 5º - A capacidade de fato, dos índios,
sofrerá as restrições prescritas nesta lei,
enquanto não se incorporarem eles à sociedade civilizada.
Para enfatizar, no artigo seguinte, que:
Art. 6º - Os índios de qualquer categoria,
não inteiramente adaptados, ficam sob a tutela do Estado,
que a exercerá segundo o grau de adaptação
de cada um, ...
Não é de estranhar, pois, tenha o Estatuto do Índio,
no seu art. 7º, dito de modo semelhante, ao estabelecer que
o regime tutelar especial adotado pela Lei n.º 6.001/73 somente
se aplicaria aos índios ainda não integrados., logo,
depois de definir as categorias de índios em isolados,
em vias de integração e integrados, o próprio
Estatuto do Índio admitiu, de modo expresso, existir índios
já integrados e que não teriam nenhuma necessidade
de se4 submeterem ao regime de tutela por ele disciplinado.
Quais, assim, os índios integrados? Todos aqueles que,
não vivendo nem convivendo mais com a selva, de há
muito viviam e conviviam com o meio civilizado, morando nas cidades,
vilas ou povoados, aí exercendo atividades típicas
de civilizados, ora como comerciantes, ora como empregados e até
mesmo como proprietários rurais ou profissionais autônomos.
Estes, evidentemente, sem qualquer necessidade de uma declaração
foram do Judiciário, estavam e estão definitivamente
integrados à comunhão nacional e não sujeitos
ao regime tutelar especial a que alude a Lei n.º 6.001/73.
A tutela indígena nada tem de diferente da tutela comum,
a não ser a desnecessidade de especialização
dos bens imóveis a que está sujeito o regime tutelar
civil. No mais, é ela idêntica à estabelecida
pelo Código Civil, tanto assim que ao regime tutelar indígena
são aplicáveis as normas e os princípios
da tutela de direito comum, sempre que houver lacunas a preencher
(§ 1º do art. 7º da Lei n.º 6.001/73).
Tutela, segundo os doutos, é termo proveniente do latim
de igual grafia, significando proteger, estando, assim, do ponto
de vista jurídico, tomado como indicativo da instituição
estabelecida por lei para proteção dos menores órfãos
ou sem pais, que não possam, por si sós, dirigir
suas pessoas e administrar seus bens, motivo por que se lhes dará
um assistente ou representante legal, chamado tutor. É,
assim, instituto eminentemente de Direito Civil, regrado por normas
de Direito Civil, valendo transcrever, aqui, o magistério
do insigne mestre DE PLÁCIDO E SILVA:
TUTELA. Do latim tutela, de tueri (proteger), vulgarmente
entende-se a proteção, a assistência instituída
em benefício de alguém. Sob o ponto de vista jurídico,
pois, a tutela é a instituição estabelecida
por lei para a proteção dos menores órgãos,
ou sem pais, que não possam, por si sós, dirigir
suas pessoas e administrar os seus bens, em virtude do que se
lhes dá um assistente, ou representante legal, chamado,
especificamente, de tutor. A tutela, que não se confunde
com a curatela, instituição análoga, mas
apropriada aos interditos, ou aos incapazes maiores, resulta na
outorga de um mandato legal, em que se inscrevem os poderes limitativos
dessa representação.
A tutela é imposta por lei aos menores de 21 anos, quando:
a)- falecem os seus pais, ou são estes julgados ausentes;
b)- decaem os pais do pátrio-poder (Código Civil,
art. 406|).
A tutela se extingue, ou quando o tutelado atinge a maioridade,
ou é emancipado, ou quando, caindo o menor sob o pátrio-poder,
pela legitimação, reconhecimento, ou adoção,
não mais se encontra adstrito a esta representação
legal (Código Civil, art. 442).
As funções da tutela cessam, quando expira o prazo
para a vigência do encargo; sobrevindo escusa legítima,
ou pela remoção (Código Civil, art. 443)
[ Ob. Cit., vol. IV, págs. 1600/1601] - grifos do original.
Verifica-se, assim, pela redação do art. 7º
e seu parágrafo único, do Estatuto do Índio,
e segundo a lição agora transcrita, que a tutela
indígena é semelhante à tutela de direito
comum, por ser um mandato legal e com poderes limitados pela própria
lei de instituição, já que o objetivo maior
do Estatuto do Índio e do próprio regime tutelar
indígena é, exatamente, o de preservar a cultura
indígena e integrar o elemento silvícola à
comunhão nacional de modo progressivo e harmônico,
sem violentação dos hábitos, usos e tradições
característicos da cultura selvática.
O índio ainda não integrado, pois, está colocado
sob tutela, vale dizer, sob proteção especial do
Estado, exatamente para não ser vilipendiado, enganado,
massacrado pelo cidadão da sociedade envolvente, dita civilizada.
Se, porém, o índio já assimilou os costumes,
vícios, hábitos - mazelas e prazeres, enfim, da
vida civilizada - esse índio não está sob
tutela e não é o índio a que se refere o
art. 7º do Estatuto do Índio. É índio
porque teve berço indígena, mas de há muito
já não mais pertence à classe dos silvícolas
a que a lei devota proteção especial. Diríamos,
assim, que a tutela indígena destina-se, especificamente,
a proteger a pessoa do índio, considerado este individual
ou coletivamente, a fim de assegurar uma boa administração
dos bens do índio e dos que integram o Patrimônio
Indígena, garantindo a preservação da cultura
indígena e proporcionando aos índios ainda não
integrados a representação legal em todos os atos
da vida civil, com o objetivo-fim de integrá-los, progressiva
e harmoniosamente, à comunhão nacional.
A Lei n.º 6.001, de 19 de dezembro de 1973, não inovou,
como art. 7º, o direito tutelar indígena. Esse direito
era regrado pelo Decreto n.º 5.484/28 que, a exemplo do que
está dito no art. 7º do Estatuto, liberava da tutela
o índio que fosse considerado adaptado à comunhão
nacional. O que faz a lei em vigor, segundo a nossa ótica,
é mudar o emprego do adjetivo, para passar a se utilizar
do termo integrado e, disciplinando o regime tutelar especial,
afirmar que somente a ele se submeterão os índios
ainda não integrados, como a admitir, em evidente bom senso,
a existência, em 19 de dezembro de 1973, de índios
integrados.
Já tivemos oportunidade de abordar sobre o que seja índio
integrado. Para nós, a lei quis dizer e disse-o de modo
enfático, que o índio integrado é aquele
que já se amoldou de tal sorte à vida civilizada
das cidades, vilas e povoados, que lhe seria muito difícil
retornar ao convívio diuturno da selva. É dificílimo
acreditar que o índio amoldado à vida da cidade
grande queira renunciar ao conforto da vida civilizada para novamente
abraçar a vida bruta da selva; Esse testemunho vivo é
perfeitamente encontrável em cidades de Estados não
amazônicos, como na Paraíba, em Pernambuco, Alagoas,
Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul, aonde existem índios
que há centenas de anos se acham perfeitamente integrados
à comunhão nacional, morando em cidades, vilas e
povoados, possuindo televisão, geladeira, aparelho de som,
colchão de mola, enceradeira, liqüidificador, etc.,
etc., e residindo em casa própria, com filhos cursando
normalmente o ensino civilizado e que somente se diz índio
por mera conveniência, mas que, convocados ao convívio
selvático, jamais renunciariam a esse elenco de conforto
e bem-estar em troca de uma vida bruta e selvagem. O exemplo tive,
pessoalmente, no Estado de Alagoas, na área dita indígena
dos Xucuru-Kariri, aonde existem elementos remanescentes indígenas
que há anos - desde que nasceram, para ser mais preciso
- residem na cidade de Palmeira dos Índios, mas que, por
mera conveniência e oportunismo, abandonaram suas residências
na cidade, por alguns dias, a fim de se manterem na posse da Mata
da Cafurna, como forma de forçar o Governo a acorrer em
seu auxílio e em nome da tutela indígena regularizar
a área da Mata da Cafurna para uso da Comunidade Indígena
que nunca existiu. Nunca existiu porque, segundo o figurino legal,
não existe Comunidade Indígena aonde não
exista índio não integrado. Se o índio é
já integrado, ele é um brasileiro comum, igual a
qualquer outro brasileiro comum, com direitos e deveres iguais
a todos os brasileiros comuns, não sujeito a qualquer tipo
de proteção, a não ser a proteção
legal ( art. 5º e seus incisos da CF/88 ) conferida a todo
cidadão nascido sob o solo desta grande Nação.
Não há, assim, dificuldade nenhuma para conceituação
do índio integrado. Não divisamos qualquer dificuldade
na conceituação do que seja esse tipo de índio.
O índio que, tendo se afastado do convívio tribal,
passando a convier com os elementos da sociedade nacional, desfrutando
dos bons e dos ruins da sociedade em que vive, portador de cédula
de identidade civil, título de eleitor, carteira de reservista
ou alistamento militar, e todos os demais documentos exigíveis
aos cidadãos brasileiros, em pleno gozo dos seus direitos
civis e políticos, é um índio integrado à
comunhão nacional, pouco importando sua origem selvática.
Assim também entendeu o Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, como assim tem entendido os nossos Tribunais pela judiciosa
fala dos nossos maiores juízes. O Conselho Federal da OAB,
apenas para ilustrar, entende:
"... que o alistamento como eleitor envolve uma
nova forma de emancipação. E o alistamento se faz
desde os 18 anos de idade. Não se pode admitir que um eleitor,
com plena capacidade política ativa seja tido por incapaz
civilmente. A capacidade política supõe a capacidade
civil. A Constituição derrogou o Código Civil
nesse como em outros pontos."
(in Revista de Crítica Judiciária, vol. 23, pág.
326)
Em manifestação no Agravo de Instrumento n.º
41.530-RR o Ministro Adhemar Raymundo, do antigo Tribunal Federal
de Recursos, funcionando como Ministro-Relator, assim se manifestou
na ementa do vene4rando Acórdão do qual logo a seguir
transcrevemos alguns trechos:
SILVÍCOLA. A Assistência a este é
desnecessária quando se comprova estar ele integrado na
civilização há muitos anos, inscrito até
como eleitor na zona eleitoral do seu domicílio, desde
o ano de 1958.
(DJ de 7 de maio de 1981).
Votando, o mesmo eminente jurista lecionou:
"Nego provimento ao agravo. A FUNAI entende dever
ingressar no feito que corre perante o Juízo de Roraima,
entre Epitácio Andrade Lucena e Júlio Magalhães,
sob a alegação de que este é silvícola.
Todavia, sem que se fizesse qualquer prova nesse sentido entendeu,
acertadamente, o Dr. Juiz de indeferir o requerimento da agravante.
A alegação é deste, qual a referente à
condição de silvícola do demandado. A ele,
pois, o ônus de provar. Se não o fez, prevalece o
estado da pessoa, resultante da sua condição de
eleitor, como provado nos autos. Assim, pelo depoimento de fls.
45, se verifica, induvidosamente, que o Sr. Júlio Magalhães
se inscreveu eleitor em 1959, na Zona Eleitoral de Boa Vista,
do Território Federal de Roraima. Destarte, exerceu, decerto,
os direitos assegurados a todo cidadão brasileiro pela
lei eleitoral, sem quaisquer limitações. A sua origem
silvícola não lhe dá mais a condição
de tutelado, pois integrado na civilização, como
provado. Oportuno lembrar o ensinamento de Clóvis Bevilácqua:
"O Código usa da palavra silvícola para tornar
claro que se refere aos habitantes da floresta e não aos
que se acham confundidos na massa geral da população,
aos quais se aplicam os preceitos do direito comum."
Está mais do que evidente o acerto de raciocínio
do eminente magistrado, nas razões de voto suso transcritas,
ao proclamar que não é a origem o suporte da tutela
indígena, mas a condição de não integrado
do índio que o faz merecedor da proteção
e assistência do Estado, tal como proclamado no caput do
art. 7º do Estatuto com meridiana clareza - os índios
e as comunidades indígenas ainda não integrados
à comunhão nacional ficam sujeitos ao regime tutelar
estabelecido nesta lei."
Os índios já integrados, habitantes de cidades,
vilas e povoados, sem mais nenhum convívio com a selva
há dezenas e até centenas de anos (apesar da palhaçada
de alguns de colocarem cocares de agave sobre a cabeça,
para imitar os verdadeiros e puros indígenas amazônidas),
tais como todos os descendentes indígenas do Nordeste,
do Sul e do Centro-Oeste brasileiros, não estão
sob regime tutelar e a eles se aplicam as normas de direito comum
e não as contidas no Estatuto do Índio. É
elementar o raciocínio.
Se assim não fora, estaria a lei, ao fito de instituir
um regime tutelar especial, estabelecendo uma nefasta política
paternalista, de todo condenável e injustificável,
em favor de todo elemento de origem pré-colombiana, pouco
importando que esse elemento tivesse se incorporado ou não
à comunhão nacional. Todavia, ao se ler o dispositivo,
verifica-se não ter sido essa a intenção
do legislador. Somente estão sob tutela os índios
ainda não integrados à sociedade nacional e nesse
rol acham-se todos quantos não sejam moradores dos centros
de população, ausentes do convívio selvático
e se portando como se civilizados fossem, sem mais qualquer tradição
de língua, usos e costumes de seu antigo povo.
Vale trazer a registro o pensamento unânime do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, que em nada
difere daquele unânime pronunciamento da 3ª Turma do
extinto Colendo Tribunal Federal de Recursos, externado quando
do julgamento de uma apelação criminal em favor
do índio Calixto Alves Dias, apenado pelo Tribunal Popular
do Júri da comarca de São Gabriel da Cachoeira ao
cumprimento da pena de 17 anos de reclusão por homicídio
qualificado, tendo o ilustre Relator, Desembargador Paulo Herban
Maciel Jacob, na ementa do venerando Acórdão, entendido
que:
"Ocorrida a integração do índio
à comunhão nacional - nada importa a influência
de qual origem, sua ancestralidade, seu primitivismo - não
se pode abrigá-lo ao mero acidente do nascimento tribal,
para concedê-lo as condições especiais de
apenação., orientadas pelo art. 56 e parágrafo
único, da Lei n.º 6.001.
O "desenvolvimento mental incompleto", por importar
em debilidade dos órgãos destinados à manifestação
do pensamento, é figura clínica teratológica,
inaplicável ao silvícola, ao fito de excluí-lo
da apenação criminal."
Argumentando, a seguir, aquele douto magistrado, no corpo do aresto
em comento, proclamou:
"Trata-se, como se vê, de índio aculturado,
que não se tem conhecimento se nasceu em alguma maloca,
ou no meio civilizado, onde vive há muitos anos, até
mesmo fora do território nacional.
........
E esta espécie de silvícola não goza do aprazimento
da lei protetora, que só tem por favorecer aquele que ex-abrupto,
defronte o mundo civilizado, conduzindo na alma liberta a pureza
de seu povo, seus costumes, suas normas de vivência e, mais
ainda, o espelho grosseiro, nativo e indômito do princípio
de defesa da selva.
Este é o índio, este é o ente de alma infantil
que a lei tem por proteger.
A este inculto, o abrigo da Lei nº6.001, que se exalça
em seu art. 56, parágrafo único.
........
Não é o berço que identifica o índio
para apená-lo ou isentá-lo de apenação,
mas o estado atual de seu desenvolvimento, em contacto com o mundo
civilizado, a dizê-lo são, se ainda não se
maculou com as mazelas do mundo atual, conservando na alma aquela
pureza bruta que a natureza lhe concedeu.
........
A legislação nacional, ao contrário da legislação
americana, onde perdura a situação jurídica
do índio, mesmo fora do seu habitat, assim não
o beneficia, visto que a situação de berço
do silvícola, a sua antiga condição, tem
por perdê-la quando integrado, transmudando-se em um cidadão
comum, com deveres, direitos e obrigações sociais."
O voto do Desembargador Paulo Jacob, sem dúvida, pela limpidez
de raciocínio e conteúdo jurídico que encerra,
merece a leitura de todos, entretanto, pela limitação
do tema, paramos por aqui. Entretanto, no que diz com o conceito
do art. 7º do Estatuto do Índio, o culto magistrado
amazonense está pleno de certeza ao afirmar, com maestria,
que não é o berço que identifica o índio
para efeitos penais, mas o estado atual de seu desenvolvimento,
em decorrência do contato com o mundo civilizado. Sem dúvida,
o índio que nã9o mais vive nem convive com a selva,
que há anos e anos reside e mora entre civilizados, sentindo
e sofrendo com os civilizados os mesmos problemas e agruras da
vida diária dos não índios, possuindo hábitos
e costumes que não mais lhe identificam como índio,
sendo comerciante, industrial, advogado, farmacêutico, aviador,
motorista, comerciário, bancário, e na vida política
da Nação se elegendo Vereador, Prefeito, Deputado
(estadual e até federal) bem como ocupando até cargo
de assessor de Ministério na Esplanada em Brasília,
enfim, exercendo e usufruindo de todos os direitos civis e políticos
que aos civilizados confere a lei civil, esse índio não
está mais sob a proteção tutelar do Estado
como silvícola, mas sujeito, inteiramente, às normas
do direito comum, porquanto somente está sob tutela o índio
ou a comunidade indígena ainda não integrados à
comunhão nacional.
Tutelados, pois, segundo o Estatuto do Índio, nos termos
do art. 7º, são somente os índios e comunidades
indígenas que, em 19 de dezembro de 1973, não estivessem
ainda integrados à comunhão nacional, vivendo tribalizados
ou, em não estando aldeados, não apresentassem as
características próprias ao viver dos integrados,
vale dizer, estes, sim, seriam sujeitos à tutela especial
que o Estatuto do Índio regula. Vale repetir, aquela comunidades
indígenas, índios ou remanescentes indígenas
que, já considerados liberados da tutela pelo Decreto n.º
5.484/28, por terem perdido os indícios de sua cultura,
de seus usos e costumes, sem mais nenhuma tradição
indígena, convivendo harmoniosamente e de modo natural
entre civilizados como autênticos civilizados que são
hoje, estes não foram abrangidos pelo regime tutelar aplicável
aos índios e comunidades indígenas ainda não
integrados a que alude a Lei n.º 6.001/73, estando, portanto,
no dizer dos melhores juristas pátrios, sujeitos às
normas do direito comum. O problema indígena brasileiro,
pois, urge seja repensado, seja para eliminar as injustiças
que contra o povo aborígene se comete ainda hoje, seja
para expungir os vícios que fazem de boa parte dessa gente
verdadeiros párias à espera do socorro e da assistência
paternalista do Estado.
Artigo
Destaque dos editores
Regime tutelar do índio
19/11/1997 às 00:00
Ismael Marinho Falcão
advogado e jornalista em João Pessoa (PB), professor de Direito no Centro Universitário de João Pessoa
FALCÃO, Ismael Marinho. Regime tutelar do índio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/167. Acesso em: 2 nov. 2024.
Este trabalho foi publicado na Revista de Direito Agrário (n.º 7, Procuradoria Geral do INCRA, Brasília, 1982), e na Revista de Direito Civil Imobiliário, Agrário e Empresarial (Revista dos Tribunais, vol. 9, n.º 33, p. 58/66, em Jul/Set 1985).