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A proteção da qualidade do ar

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Agenda 20/07/1997 às 00:00

Resumo

O direito a respirar um ar sadio é garantido a todos, fundamentado-se no direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e no direito à saúde. Para garantir esse direito é atribuída a todas as entidades federativas competência administrativa para praticarem atos na esfera da proteção ambiental e, conseqüentemente da preservação da qualidade do ar. No que diz respeito à competência legislativa ela é concorrente, cabendo à União fixar normas gerais, o que não exclui eventual competência supletiva dos Estados diante da inexistência de lei federal. É importante observar que a concentração de determinados poluentes está diretamente relacionada aos efeitos causados à saúde humana. Padrões de qualidade do ar são estabelecidos em conformidade com o disposto no Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar - PRONAR, representando um grande avanço em termos de qualidade ambiental. Atualmente, a poluição atmosférica representa um dos maiores problemas das grandes metrópoles. As emissões de fontes fixas de poluição foram controladas. Instrumentos preventivos como o licenciamento e do zoneamento ambiental apresentam-se como meios eficazes dentro desta dinâmica. Em compensação as fontes móveis de poluição, em particular os automóveis respondem atualmente por cerca de 90% das emissões nas grandes cidades. A restrição a circulação dos automóveis é instituída na Região Metropolitana de São Paulo através da "Operação Rodízio" causando muita polêmica. Entretanto o direito de propriedade não é um direito absoluto. A limitação ao direito da propriedade visando a defesa da qualidade do ar representa uma limitação administrativa. Não há ofensa ao direito de ir e vir. Há uma restrição geral em prol do interesse da coletividade objetivando a proteção da qualidade do ar, da vida.


INTRODUÇÃO

A proteção da qualidade do ar é uma das preocupações maiores das sociedades contemporâneas. Nas metrópoles do mundo todo a cada dia deteriora-se a qualidade do ar e conseqüentemente a qualidade de vida. É incontestável que nos anos sessenta falava-se apenas da poluição local, a curta distância. Hoje, esta problemática é transfronteiriça com o problema das chuvas ácidas, por exemplo e, alcança até mesmo uma dimensão planetária com a questão da camada de ozônio e do reaquecimento da atmosfera.

No decorrer dos anos, as fontes de emissão de poluentes variaram em sua importância. Se antes as fontes fixas, principalmente as indústrias, respondiam por grande parte da poluição, atualmente as fontes móveis, representadas pelos automóveis correspondem a aproximadamente 90% das emissões das grandes metrópoles.

A fixação de padrões de qualidade do ar, bem como o controle das emissões de fontes fixas e móveis é essencial para reduzir a poluição atmosférica. Cada entidade federativa deve desempenhar suas atividades no limite das respectivas competências para garantirem o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É importante frisar que segundo dados da Organização Mundial da Saúde, mais de 50% das cidades do mundo possuem um nível de monóxido de carbono superior ao limite considerado saudável devido as emissões lançadas na atmosfera pelos automóveis. Várias cidades vem adotando medidas restritivas de circulação de veículos, como é o caso de Atenas, México, Chile, Milão, São Paulo e mais recentemente Paris. A questão da saúde muda inevitavelmente a natureza do debate e as limitações ao direito de propriedade são necessárias para garantir a todos o direito a respirar um ar sadio.


1. PREVISÃO CONSTITUCIONAL

É certo que a existência de uma previsão constitucional por si só não assegura o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e conseqüentemente o direito a respirar um ar sadio. Entretanto tal enunciado constitucional possibilita exigir dos poderes públicos uma conduta que proteja e preserve o meio ambiente como um todo. Caso os poderes públicos não assumam o papel que lhes foi expressamente atribuído, de acordo com a lei, e portanto de acordo com a expressão da vontade geral, eles estarão indubitavelmente incorrendo em omissão.

a. O direito a respirar um ar sadio

Dois preceitos constitucionais fundamentam o direito de respirar um ar sadio. Em primeiro lugar, o caput do artigo 225 garante a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, classificando-o como um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Decorre desta norma constitucional que o ar, parte integrante do conjunto de elementos que exercem uma influência sobre o meio no qual o homem vive, é um bem de uso comum do povo. Sua qualidade deve ser preservada, garantindo-se a todos o direito de respirar um ar sadio.

Em segundo lugar, este direito insere-se num contexto global de saúde pública. Vários são os estudos que comprovam a relação entre a poluição atmosférica e os efeitos nefastos que causam à saúde humana (1). O direito a respirar um ar sadio corresponde portanto ao direito à saúde, garantido a todos, segundo o artigo 196 da Constituição Federal. Pode-se afirmar que "as normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do homem é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente" (2).

Ao Poder Público e à coletividade impõem-se o dever de defender e de preservar a qualidade do ar para as presentes e futuras gerações (3). Ao Estado, o dever de assegurar a todos, através de políticas sociais e econômicas, o direito fundamental à saúde.

Várias constituições estaduais trazem em seu bojo a afirmação do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (4). Destaque-se que a Constituição do Estado de Pernambuco de 5 de outubro de 1989 prevê em seu artigo 204, IV que o desenvolvimento deve conciliar-se com a proteção ao meio ambiente proibindo-se danos à atmosfera.

O desenvolvimento sustentável (5) não corresponde a uma utopia nos dias atuais, mas constitui uma necessidade. Assim, o princípio 4 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 proclama que "para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste". Respeitar a qualidade do ar que a população respira é uma das condições para que o crescimento de um país possa realizar-se nos moldes do desenvolvimento sustentável. Neste contexto uma análise das atribuições de competências é primordial.

b. Competência administrativa e legislativa

A proteção do meio ambiente e o combate a poluição em qualquer de suas formas se inserem na competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art.22, VI, CF/88 ) (6). Assim, todas as unidades da federação possuem competência administrativa para praticar atos na esfera da proteção do meio ambiente e, portanto, da luta contra a poluição atmosférica.

No que diz respeito a competência legislativa, a União, os Estados e o Distrito Federal possuem competência concorrente para legislar sobre a defesa dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (art.23, VI, CF/88); sobre a responsabilidade por dano ao meio ambiente (art.23,VIII, CF/88), e também sobre a proteção e defesa da saúde (art.23, XII, CF/88). Cabe à União estabelecer normas gerais, o que não exclui a competência suplementar dos Estados que, diante da inexistência de lei federal sobre normas gerais, exercerão a competência legislativa plena, visando atender suas peculiaridades. A eficácia da lei estadual só será suspendida no caso de superveniência de lei federal sobre normas gerais e, apenas no que lhe for contrário. Tratando-se de matéria ambiental, as normas hierarquicamente inferiores podem reiterar restrições da norma hierarquicamente superior ou apenas podem ser mais restritivas (7).

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A União possui ainda competência privativa para legislar sobre as diretrizes da política nacional de transportes (art.22, IX, CF/88), podendo lei complementar autorizar os Estados a legislar sobre esta questão. A poluição do ar reclama soluções que integre na política de transportes as preocupações ambientais.

É importante ressaltar que os Municípios possuem competência para legislar sobre assuntos de interesse local (art.30, I, CF/88); como também podem suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (art.30, II, CF/88); e promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art.30, VIII, CF/88) (8). O que a legislação municipal não pode realizar é a restrição ou a diminuição do espaço de proteção legal atribuído pela Constituição Federal ao meio ambiente. Assim, cabe ao conjunto das entidades federativas preservar e a defender a qualidade do ar.


2. A QUALIDADE DO AR

A qualidade do ar pode ser determinada através da presença de determinados poluentes, os indicadores da qualidade do ar. Há uma relação direta entre tais poluentes e os efeitos causados à saúde Assim, determinados padrões são estabelecidos objetivando a preservação da qualidade do ar.

a. Os indicadores de qualidade do ar e os efeitos causados à saúde humana

Os indicadores da qualidade do ar são escolhidos entre determinados poluentes (9), consagrados universalmente, em função de sua maior ocorrência e dos efeitos consideráveis que causam à saúde. Trata-se do dióxido de enxofre (SO2), da poeira em suspensão, do monóxido de carbono (CO), dos oxidantes fotoquímicos expressos como o ozônio (O3), os hidrocarbonetos totais e os óxidos de nitrogênio (NO e NO2).

Vários estudos comprovam a relação entre tais poluentes e os efeitos que causam à saúde humana (10). Pode-se afirmar, por exemplo, que o dióxido de enxofre contribui para o desenvolvimento de doenças respiratórias, produzindo irritação no sistema respiratório e agravando as doenças respiratórias preexistentes. «Exposições prolongadas e baixas concentrações de dióxido de enxofre tem sido associadas com o aumento de morbidade cardiovascular em pessoas idosas" (11). O material particulado - fumaça, poeira, fuligem - pode interferir na visibilidade, na capacidade do sistema respiratório de remover as partículas no ar inalado (no caso das poeiras inaláveis - PI), além de aumentar os efeitos dos gases presentes no ar ou de catalisar e transformar quimicamente tais gases, criando espécies mais nocivas. O monóxido de carbono (CO) inalado acarreta a formação da carboxihemoglobina que diminui a capacidade de oxigenação do sangue, podendo causar diminuição na capacidade de estimar intervalos de tempo e diminuir os reflexos e a acuidade visual da pessoa exposta. Os oxidantes fotoquímicos estão associados à irritação dos olhos, à redução da capacidade pulmonar e ao agravamento de doenças respiratórias, como a asma.

As emissões não são as únicas responsáveis para determinar a qualidade do ar. As condições meteorológicas também têm um papel fundamental, pois ocasionam uma maior ou menor diluição dos poluentes. Nos meses de inverno a qualidade do ar piora sensivelmente, visto que as condições meteorológicas não são favoráveis a dispersão de poluentes.

Verifica-se, pelo exposto, a importância da determinação de limites máximos para a concentração desses poluentes objetivando alcançar uma qualidade ambiental.

b. A fixação dos padrões de qualidade do ar

Os padrões de qualidade do ar constituem a tradução legal de limites máximos para a concentração de determinados componentes atmosféricos Eles são fixados com o escopo de preservar a qualidade do ar, mantendo as emissões dentro de níveis que não prejudiquem à saúde.

A Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 (12), pedra angular da Política Nacional do Meio Ambiente, cria o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA e lhe confere competências para estabelecer padrões e métodos ambientais, dentre os quais os padrões da qualidade do ar. Ressalte-se que a Portaria 231 de 27.4.1976, do Ministério do Interior, já oferecia suporte legal para os padrões de emissões. Ela estabelecia, de acordo com as propostas estaduais efetuadas, os padrões nacionais de qualidade do ar para material particulado, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e oxidantes.

A Resolução do CONAMA n°03/90 (13), em conformidade com o Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar - PRONAR, fixa os padrões nacionais de qualidade do ar, ampliando o número de parâmetros anteriormente regulamentados pela referida portaria, apresentados na tabela 1.

TABELA 1

Padrões Nacionais de Qualidade do ar conforme a Resolução do CONAMA n°3 de 28.06.90 (14)
Poluentes Tempo de Amostragem Padrão Primárioµg/m3 Padrão Secundárioµg/m3 Método de Medição
Partículas Totais em Suspensão 24 horas (1)MGA (2) 24080 15060 Amostrador de grandes volumes
Dióxido de Enxofre 24 horas (1)AA(2) 36580 10040 Pararosanílina
Monóxido de Carbono 1 hora (1)8 horas (1) 40.000(35 ppm)10.000(9 ppm) 40.000(35 ppm)10.000(9 ppm) Infra-vermelho não dispersivo
Ozônio 1 hora (1) 160 160 Quimioluminescência
Fumaça 24 horas (1)MAA (3) 15060 10040 Refletância
Partículas Inaláveis 24 horas (1)MAA (3) 15050 15050 SeparaçãoInercial/Filtração
Dióxido de Nitrogênio 1 hora (1)MAA (3) 320100 190100 Quimioluminescência
(1) Não deve ser excedido mais que uma vez ao ano. (2) Média geométrica anual. (3) Média aritmética anual.

b.1. O Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar - PRONAR

O Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar - PRONAR é instituído pela Resolução do CONAMA n°5, de 15.06.89. O objetivo deste programa é a limitação dos níveis de emissão de poluentes para controlar, preservar e recuperar a qualidade do ar em todo o território.

São definidos dois padrões de qualidade do ar : os primários e os secundários :

"a) São padrões primários de qualidade do ar as concentrações de poluentes que, ultrapassadas, poderão afetar a saúde da população, podendo ser entendidos como níveis máximos toleráveis de concentração de poluentes atmosféricos, constituindo-se em metas de curto e médio prazo.

b) São padrões secundários de qualidade do ar, as concentrações de poluentes atmosféricos abaixo das quais se prevê o mínimo efeito adverso sobre o bem estar da população, assim como o mínimo dano à fauna e à flora, aos materiais e meio ambiente em geral, podendo ser entendidos como níveis desejados de concentração de poluentes, constituindo-se em meta de longo prazo."

O PRONAR prevê que as áreas do território nacional deverão ser enquadradas em classes de acordo com os usos pretendidos: a) áreas de classe I, onde deverá ser mantida a qualidade do ar em nível mais próximo possível do verificado sem a intervenção antropogênica ; b) áreas de classe II, onde o nível de deterioração da qualidade do ar seja limitado pelo padrão secundário de qualidade ; c) áreas de classe III, concebidas como áreas de desenvolvimento, onde o nível de deterioração da qualidade do ar seja limitado pelo padrão primário da qualidade do ar. Este programa prevê igualmente a criação de uma rede nacional de monitoramento da qualidade do ar, o gerenciamento do licenciamento de fontes de poluição atmosférica, a criação de um inventário nacional de fontes e poluentes do ar, gestões políticas, o desenvolvimento nacional na área de poluição do ar e a fixação de ações de curto, médio e longo prazo.

Como instrumentos de apoio e operacionalização, o PRONAR adota : limites máximos de emissão ; padrões de qualidade do ar ; Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos - PROCONVE ; Programa Nacional de Controle da Poluição Industrial - PRONACOP ; Programa Nacional de Avaliação da Qualidade do Ar ; Programa Nacional de Inventário de Fontes Poluidoras do Ar e Programas Estaduais de Controle da Poluição do Ar.

A Resolução do CONAMA n°3 de 28.6.90, supra mencionada, estabelece os padrões de qualidade do ar, como previsto no PRONAR, atribuindo aos Estados o monitoramento da qualidade do ar. Ela preconiza os níveis de qualidade do ar para elaboração do Plano de Emergência para Episódios Críticos de Poluição do Ar, definindo este episódio como a presença de altas concentrações de poluentes na atmosfera em curto período de tempo, resultante da ocorrência de condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão de poluentes (art.5, §1°). São fixados níveis de atenção, de alerta e de emergência, conforme a tabela 2, para a execução do Plano, prevendo-se a possibilidade de restrições às fontes de poluição previamente estabelecidas pelo órgão de controle ambiental.

Segundo o PRONAR, aos Estados compete o estabelecimento e a implementação dos Programas Estaduais de Controle da Poluição do Ar, sendo possível a adoção pelos Estados de valores mais rígidos em relação aos níveis máximos de emissão. Em matéria de meio ambiente e sobretudo de poluição atmosférica, a adoção de uma política preventiva é fundamental. O PRONAR representou, sem dúvidas, uma grande disparada em termos de instrumentos, objetivos e níveis necessários a obtenção de uma qualidade ambiental.

TABELA 2

Critérios para Episódios Agudos de Poluição do Ar (15) Resolução CONAMA n°3 de 28.06.90 Níveis
Parâmetro Atenção Alerta Emergência
Dióxido de EnxofreSo2 (µg/m3) - 24h 800 1.600 2.100
Partículas Totais em Suspensão (µg/m3) - 24h 375 625 875
SO2xPTS 65.000 261.000 393.000
Partículas Inaláveis(µg/m3) - 24h 250 420 500
Fumaça(µg/m3) - 24h 250 420 500
Monóxido de Carbono(ppm) - 8h 15 30 40
Ozônio (µg/m3) - 1h 400 800 1.000
Dióxido de Nitrogênio (µg/m3) - 1h 1.130 2.260 3.000

3. A POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA

Em termos de poluição atmosférica, alguns objetivos têm sido alcançados, sobretudo no que diz respeito às fontes fixas de poluição. As fontes móveis respondem ainda por uma grande parcela desta poluição como observaremos neste tópico. Em primeiro lugar, contudo, conceituaremos a poluição atmosférica.

a. Conceito de poluição atmosférica

A poluição atmosférica, conforme a OCDE - "Organisation de Coopération et de Développement Économiques" - pode ser definida como "a introdução, direta ou indiretamente, pelo homem na atmosfera, de substâncias ou energias que ocasionem conseqüências prejudiciais, de natureza a colocar em perigo a saúde humana, a causar danos aos recursos biológicos e aos sistemas ecológicos, a ofender as convenções ou perturbar as outras utilizações legitimas do meio ambiente" (16). Uma utilização legítima do meio ambiente pressupõe que o bem comum não seja degradado e que o poluidor assuma sua responsabilidade face ao dano que eventualmente causar. Ressalte-se que os poluentes lançados no ar provêm de múltiplas fontes que nem sempre são passíveis de identificação. Isto não significa que identificado um poluidor, este possa eximir-se de sua responsabilidade (17) pelo simples fato de que as outras fontes poluentes não foram identificadas. A responsabilidade do poluidor é objetiva como dispõe o art. 14, §1° da Lei n°6.938/81.

Na legislação brasileira, a poluição é definida em termos gerais pela Lei n°6.938, de 31 de agosto de 1981, no art.3°, III , como "a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente a) prejudiquem a saúde, a segurança, o bem-estar da população ; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas ; c) afetem desfavoravelmente a biota ; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente ; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos".

No Estado de São Paulo a lei 997, de 31 de maio de 1976, em seu artigo 2°, conceitua a poluição ambiental também em termos globais como "a presença , o lançamento ou a liberação, nas águas, no ar ou no solo, de toda e qualquer forma de matéria ou energia, com intensidade, em quantidade, de concentração ou com características em desacordo com as que forem estabelecidas em decorrência desta lei, ou que possam tornar as águas, o ar ou o solo :I - impróprios, nocivos ou ofensivos à saúde ; II - inconvenientes ao bem-estar público ; III - danosos aos materiais, à fauna e à flora ; IV - prejudiciais à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade". É importante que este conceito de poluição global possibilite uma política e uma gestão integrada do meio ambiente, observadas as singularidades de cada tipo de poluição. A poluição atmosférica possui características e regulamentação específica em função das emissões que podem ser originárias de fontes fixas ou móveis de poluição.

b. As fontes de poluição atmosféricas

As fontes de poluição atmosférica podem ser estacionárias (fixas) ou móveis. Em relação as fontes fixas, as indústrias constituem as fontes de maior potencial poluidor deste tipo, ao lado das quais figuram as lavanderias, os hospitais e hotéis entre outras. As fontes móveis de poluição são representadas pelos trens, aviões, embarcações marinhas e veículos automotores, sendo que estes últimos correspondem a aproximadamente 90% da poluição atmosférica das grandes metrópoles. Alcançar uma qualidade do ar sadio pressupõe o controle das fontes de emissão de poluentes atmosféricos.

b.1. A regulamentação relativa às fontes fixas de poluição atmosférica

O controle das emissões das fontes fixas pode ser realizado preventivamente através de instrumentos, como o zoneamento ambiental, o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria ambiental. Tais instrumentos estão previstos na Lei n°6.938, de 31 de agosto 1981. Esta lei elenca entre os seus objetivos a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental respeitando-se os princípio de racionalização do uso do ar e do controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras. Saliente-se que a Resolução do CONAMA n°8, de 6 de dezembro de 1990 estabelece os limites máximos de emissão de poluentes do ar para processos de combustão externa em fontes fixas como caldeiras, geradores de vapor, centrais para geração de energia elétrica, fornos, fornalhas, estufas e secadores para a geração e uso de energia térmica, incineradores e gaseificadores.

Anterior a lei supra mencionada, o Decreto-lei n°1.143/75 dispôs sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada por atividades industriais, prevendo a obrigatoriedade para as áreas críticas de poluição de "esquema de zoneamento urbano". As indústrias instaladas ou a se instalarem no território nacional ficam obrigadas a adotarem medidas visando prevenir ou corrigir os inconvenientes e prejuízos da poluição e da contaminação do meio ambiente decorrentes das atividades desenvolvidas. Tais medidas a serem definidas pelos órgãos federais competentes, esboçam uma nítida preocupação com a prevenção do dano ambiental. Uma ação preventiva antecipa-se ao eventual dano que poderia ser causado, impedindo que o mesmo se produza. Sua importância reside no fato que muitas vezes o prejuízo, se causado, seria irreparável Ao Decreto n°76.389/75 coube delimitar as áreas críticas de poluição, quais sejam : as regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, região de Cubatão e de Volta Redonda, bacias hidrográficas do médio e baixo Tietê, do Parnaíba do Sul, do rio Jacuí e estuário do Guaíba, todas as bacias hidrográficas de Pernambuco e região Sul do Estado de Santa Catarina.

Ainda tratando da mesma temática, a Lei n° 6.803/80 dispõe sobre as diretrizes básicas do zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. A idéia de um "zoneamento urbano" enseja compatibilizar as atividades industriais com a proteção ambiental. Além do zoneamento, o licenciamento das atividades poluidoras e potencialmente poluidoras é previsto como sendo de competência exclusiva aos órgãos estaduais de controle de poluição. Assim, cabe a estes a outorga de licenças para implantação, operação e ampliação de estabelecimentos industriais nas áreas críticas de poluição. Não obstante, a licença estadual não implica obrigação da concessão de licença municipal (18).

b.2. A regulamentação referente às fontes móveis de poluição

O Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores - PROCONVE é instituído através da Resolução do CONAMA n°18, de 06.05.86. Seus objetivos são : a redução dos níveis de emissão de poluentes por veículos automotores (19), visando o atendimento aos padrões de qualidade do ar, especialmente nos centros urbanos ; a promoção do desenvolvimento tecnológico nacional ; a criação de programas de inspeção e manutenção para veículos automotores em uso ; a conscientização da população em relação à poluição do ar por veículos automotores (20) ; o estabelecimento de condições de avaliação dos resultados alcançados e a promoção da melhoria das características técnicas dos combustíveis líquidos. Há o escalonamento de datas estabelecendo limites máximos de emissão de poluentes do ar para os motores e veículos novos.

Os programas de manutenção/inspeção (I/M) são previstos inicialmente na Resolução do CONAMA n°7, de 31.08.93, que define as diretrizes básicas e padrões de emissão para o estabelecimento de Programas de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso. Nesta mesma lógica, a Resolução do CONAMA n°18 de 13.12.95 (21) prevê que a implantação de Programa de I/M somente poderá ser feita após a elaboração de um Plano de Controle de Poluição por Veículo em Uso - PCPV, que caracterize, de forma clara e objetiva, as medidas de controle, as regiões priorizadas e os seus embasamentos técnicos e legais, elaborado conjuntamente pelos órgãos ambientais, estaduais e municipais. Na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, aproximadamente 90% dos veículos em circulação encontram-se com o motor desregulado e, portanto, emitindo mais poluentes que o previsto. Este problema poderá ser equacionado através do Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Circulação (Programa I/M), em fase de implementação de acordo com o Decreto n°38.789, de 17 de junho de 1994 (22). Indiscutível é a importância do Programa de I/M como ação complementar ao PROCONVE. Contudo seus benefícios de redução média de 50% na emissão dos veículos desregulados é gradual, dependendo, além da inspeção de toda a frota, que será feita progressivamente, de uma infra-estrutura adequada e preparada para os serviços de regulagem e reparos dos veículos. Admite-se que os benefícios do Programa I/M levam, pelo menos, cerca de quatro anos para atingirem sua plenitude.

A Lei Federal n°8.723 de 28 de outubro de 1993 (23), veio dispor sobre a redução de emissão de poluentes por veículos automotores, como parte integrante da Política Nacional do Meio Ambiente. Esta lei estabelece limites para os níveis de emissão de gases para os veículos novos. Isto proporciona uma maior segurança jurídica para os fabricantes de motores, de veículos, de combustíveis, bem como para a população em geral (24). Os veículos importados (25) ficam obrigados a atender os mesmos critérios aos quais estão sujeitos os veículos nacionais.

Em relação aos combustíveis, é fixado o percentual obrigatório de adição de 22% de álcool etílico anidro à gasolina em todo o território nacional (26) e, incentivado e priorizado o uso de combustíveis de baixo potencial poluidor. Os veículos a álcool (27) emitem normalmente menos monóxido de carbono que os seus similares a gasolina. Eles também reduzem os efeitos dos óxidos de nitrogênio e eliminam os hidrocarbonetos ativos. Todavia as zonas canavieiras figuram como importantes focos de poluição atmosférica (28) pela queimada da cana-de-açúcar, como também de poluição dos rios (29) pelo derrame do vinhoto.

Institui também que somente poderão ser comercializados os modelos que possuam Licença para uso da configuração de veículos ou motor- LCVM, emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA.

A lei supra-citada autoriza os governos estaduais e municipais a estabelecerem, através de planos específicos, medidas e normas adicionais de controle de poluição do ar para os veículos automotores em circulação, visando sobretudo a incentivarem o transporte coletivo, especialmente o de baixo potencial poluidor. Medidas para redução da circulação de veículos, reorientação do tráfego e revisão do sistema de transportes poderão ser implantadas pelos órgãos ambientais tendo como finalidade a redução da emissão global dos poluentes. A monitoria da qualidade do ar será realizada especialmente nos centros urbanos com mais de 500.000 habitantes pelos órgãos ambientais à nível federal, estadual e municipal.

O exemplo das medidas adotadas para redução da circulação de veículos da Região Metropolitana de São Paulo nos conduzem a reafirmar que em se tratando de poluição atmosférica é urgente a adoção de uma política preventiva eficaz.

Sobre a autora
Solange Teles da Silva

advogada, doutoranda em Direito Ambiental na Universidade de Paris I (França), bolsista do CNPq

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Solange Teles. A proteção da qualidade do ar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 16, 20 jul. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1696. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado nos Anais do 2° Congresso internacional de Direito Ambiental "5 Anos após a Eco 92 / 5 Years after Rio" Instituto O Direito Por um Planeta Verde, São Paulo, P.257-276

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