5.CARACTERES DAS INVESTIGAÇÕES FILOSÓFICAS
Nesta obra publicada depois de sua morte, Wittgenstein continua a tratar da linguagem, a exemplo do Tractatus, no entanto, temos nas Investigações Filosóficas um caráter eminentemente antropocêntrico. Tem-se também uma praticidade maior diante da linguagem, com exploração mais intensa daquilo que é factível e um abandono natural da metafísica, onde o autor, apesar de se opor, a utilizava para, de uma forma lógica, tentar explicar fenômenos que são ocultados pelo mau uso da linguagem. Temos ainda nas Investigações, em meio à tendência de facticidade mencionada, a preocupação de Wittgenstein com uma maior funcionalidade da linguagem, defendendo, assim, a existência de um número x de significados lingüísticos e que muitos deles são aplicáveis, na vida das pessoas, no seu convívio social. Nesse contexto, é que ao longo de sua obra, Wittgenstein defende a existência de jogos de linguagem para explicar outros fenômenos, como as formas de vida. Ainda no prefácio [24] de Investigações Filosóficas Wittgenstein dá a mão à palmatória e faz duras críticas ao Tractatus, litteris:
Desde que comecei, pois, há dezesseis anos, a me ocupar novamente com a filosofia, tive que reconhecer graves erros naquilo que eu expusera naquele primeiro livro. Ajudou-me a reconhecer estes erros – nem eu mesmo consigo avaliou em que medida – a crítica de Frank Ramsey às minhas idéias – com quem a discuti em inúmeras conversas durante os dois últimos anos de sua vida. - Mais ainda do que esta crítica sempre vigorosa e segura, - sou agradecido à crítica que um professor desta universidade, Sr. P. Braffa, continuamente fez aos meus pensamentos, durante muitos anos. A este estímulo devo as mais fecundas idéias deste escrito.
As críticas e as auto-críticas, como vislumbramos, são pertinentes, excetuando-se às advindas da vaidade e da inveja que geralmente em nada ajudam, pois nada fazem e, quando fazem, não se percebe acréscimo às já existentes, mais decréscimos.
As críticas ao Tractatus são pertinentes, mas devem ser vistas apenas como avanço e mudança de postura do autor das Investigações. Exemplo disso é a importância da comunicação da linguagem. No Tractatus, Wittgenstein pregava que as palavras, enquanto isoladas, não transmitiam mensagem, pois não passavam de nomes isolados. No entanto, nas Investigações, Wittgenstein as vê como ações humanas e defende que a linguagem, numa concepção funcional, se torna uma maneira de ação. Com isto, Wittgenstein abandona a idéia da substancialidade da significação explorada no Tractatus.
Um exemplo do que acabamos de dizer é o caso de duas pessoas que se encontram cortando uma árvore. É comum que concomitante à queda da árvore, um dos lenhadores, instintivamente, grite: "MADEEEEEIRA". Note-se que mesmo sozinha, a palavra madeira transmitiu algo de muita importância, dentro daquele contexto, ao outro lenhador ou a quem estivesse por perto, qual seja: CUIDADO! A ÁRVORE ESTÁ CAINDO!, ou então: CUIDADO COM A ÁRVORE!! Esta é, pois, a nova posição de Wittgenstein adotada deste do Tractatus, onde defendia que as palavras sozinhas não representavam nada, carecendo, assim, de outras palavras para terem lógica, ou seja, precisavam estar presentes numa frase e, esta, num contexto. Agora, nas Investigações, Wittgenstein defende que as palavras transmitem um dinamismo, uma ação, mesmo que isoladas, dependendo apenas de se determinar a qual jogo de linguagem elas pertencem.
Segundo Wittgenstein, existem diferentes jogos de linguagem e eles não se submetem a nenhuma estrutura lógica, mas ao contexto em que são aplicados, ou seja, em qual forma de vida. Conforme se verifica no exemplo acima, o antropocentrismo se faz presente de maneira marcante nas preocupações de Wittgenstein nas Investigações. Assim, o comportamento social e a natureza da mente humana, fatores que supedaneiam as condutas humanas, são o carro chefe de boa parte das idéias do Segundo Wittgenstein, com isso, ele enterra de uma vez por todas a idéia de que as palavras servem apenas para denominação de objetos e, talvez por isso ele aduza [25] que, litteris:
Nós damos nomes às coisas e por isso podemos discursar sobre elas, e no discurso fazer referências a elas. – Como se com o fato de dar nomes fosse dado o que faremos em seguida. Como se houvesse apenas uma coisa que se chamasse: "Falar das Coisas". Enquanto que com nossas frases fazemos as coisas mais diversas. Pensemos apenas nas exclamações, com suas funções tão diferentes.
Água!
Fora!
Ai!
Socorro!
Lindo!
Não!
Em seguida, pergunta o filósofo: você ainda está inclinado a chamar essas palavras de "denominações de objetos"? Como se verifica nessa passagem de Investigações, o próprio filósofo ironiza a idéia do Wittgenstein do Tractatus. Devemos observar ainda que nas Investigações, Wittgenstein utiliza a argumentação num modelo mais sofisticado do nominalismo. A partir daí, saindo de uma espécie de metafísica, transcende a uma análise linguística caracterizada pelas formas de vida onde incorpora à filosofia da linguagem a filosofia da mente. Nesse contexto, destacamos dois modelos de argumentações utilizados por Wittgenstein, a saber: O Argumento da Linguagem Privada e a Prioridade da Terceira Pessoa. Pela primeira ele defende a existência de um privilégio peculiar, conforme anota Roger Scruton [26], litteris:
Há um privilégio "peculiar" ou "imediatidade" envolvidos no conhecimento das nossas próprias experiências atuais. Em certo sentido, é absurdo sugerir que tenho de ou poderia descobrir estar equivocado a respeito delas no curso normal das coisas. Isso tem resultado no que podemos chamar de "ilusão da primeira pessoa". Posso ter mais certeza de meus estados mentais que dos seus. Isso só ocorre porque observo diretamente meus estados mentais e, os seus, indiretamente. Quando vejo você sentir dor, vejo o comportamento físico, suas causas, determinado estado complexo de um organismo. Mas isso não é a dor que você sente, apenas algo que a acompanha de modo contigente. A própria dor está oculta por sua expressão, só podendo ser diretamente observada por aquele que a sofre.
Sobre a segunda posição argumentativa, Scruton [27] disserta que, litteris:
Como alguns fenomenologistas, tais como Merleau-Ponty e Sartre, Wittgenstein argumentou que percebemos e compreendemos o comportamento humano de maneira diferente daquela pela qual percebemos e compreendemos o mundo natural. Explicamos o comportamento humano apresentando razões e não causas. Dirigimo-nos ao nosso futuro tomando decisões e não fazendo predições. Compreendemos o passado e o presente da humanidade por meio de nossos objetivos, emoções e atividade, e não mediante teorias preditivas.
Por fim, é de se anotar que a prioridade dada à terceira pessoa traz duas conseqüências diretas, sendo a primeira o fato de que considerada isoladamente, a investigação iniciada pela primeira pessoa não leva a lugar algum. A segunda é que não há diferença entre ser e parecer quando se contempla as próprias sensações. Como aduz Structon [28], "o colapso do ser e parecer é um caso "degenerado". Assim sendo posso saber que, se esse colapso é possível, é porque há outras pessoas no mundo além de mim e porque tenho em comum com elas uma natureza e uma forma de vida".
6.CONCLUSÃO
Encerro aqui este trabalho de pesquisa acerca da filosofia analítica de Ludwig Wittgenstein, com a certeza de que seu legado é vasto e ainda resta muito por explorar. Se com o Tractatus Logico-Philosophico, Wittgenstein estabeleceu um paradigma entre a nova filosofia (que seria criada por meio dele e seus amigos Frege, Russel e Moore) e a velha filosofia de Sócrates, Platão, Aristóteles e tantos outros. Em Investigações Filosóficas, ele foi mais longe ainda, pois estabeleceu outro paradigma, agora não mais sobre a filosofia, mas sobre a dogmática penal e a educação, como sistema de ensino. Pois em ambas, muitos pensadores têm encontrado novas teses e tem contribuído para o desenvolvimento dessas ciências.
Na perfunctória análise que acabamos de fazer, compulsando-nos sobre suas obras e sobre as obras de outros (que também sobre ele escreveram), com objetivo de compor o presente artigo para meu curso de doutorado em direito penal, concluo que me restou por demais satisfatório descobrir que Wittgenstein traçou as preliminares bases que serviram para estabelecer outros paradigmas e desmistificar tabus científico-filosóficos, como o ocorrido do início à metade do século XX, em relação ao idealismo metafísico inglês.
Como aporte para meus futuros trabalhos acerca da Filosofia da Linguagem, levo, dentre outros conhecimentos, a idéia dos jogos de linguagem e a importância do contexto onde eles ocorrem como forma de comunicar ao mundo o verdadeiro significado da linguagem e com isso, dirimir injustiças provenientes da interpretação cega das ações humanas.
BIBLIOGRAFIA
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Notas
- PENCO, Carlo, Introdução à Filosofia da Linguagem, Tradução de Ephraim F. Alves. – Petrópolis, RJ, Vozes, 2006, pg. 14.