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Ação civil pública e o controle de constitucionalidade

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Agenda 05/08/2010 às 13:11

Acreditamos que a solução mais coerente é a restrição à possibilidade de declaração incidental de constitucionalidade apenas quando presente na causa de pedir e não no pedido.

1 INTRODUÇÃO

A ação civil pública surgiu em 1985, antes do atual regime constitucional, através da lei 7.347, para tutelar o meio ambiente, o consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Antes da Constituição de 1988, a ação civil pública tinha regulamentação meramente infraconstitucional, vindo a ter status constitucional com o advento da atual Carta Maior.

Ao contrário dos outros remédios constitucionais, a ação civil pública não foi tratada no artigo 5°, no título pertinente aos direitos e garantias fundamentais, e sim no inciso III do artigo 129 da Carta Maior, na seção referente ao Ministério Público, sendo uma de suas funções institucionais promover o inquérito civil e a referida ação coletiva para proteger o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros direitos difusos e coletivos. Houve quem entendesse que, ao prever a proteção de direitos difusos e coletivos pelo Ministério Público, estar-se-ia prestigiando um rol não taxativo de cabimento da ação civil pública, sendo seu âmbito de proteção mais abrangente.

Houve uma inovação muito importante trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, que acrescentou o inciso IV ao artigo 1° da lei 7.437/85, que possibilitou do cabimento de ação civil pública em face de qualquer direito difuso ou coletivo, proteção esta antes prevista apenas no texto constitucional como direitos que poderiam ser defendidos pelo Ministério Público via ação civil pública, passando a ser, após a mudança trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, hipótese expressa de objeto de ação civil pública. Passou-se, então, a ter uma hipótese genérica de cabimento, não há a necessidade de apontar o direito especificamente previsto em lei, ampliando, então, significativamente o objeto da ação civil pública. Além do que, o Código de Defesa do Consumidor modificou o texto do artigo 21 da lei 7.437/85, dando-lhe caráter similar às ações de defesa do consumidor.

Em 2001 foi editada a MP 2.180-35, que incluiu no rol do art. 1° da lei 7.347/85 dois incisos e um parágrafo único que versavam sobre a ordem econômica, a economia popular, e a ordem urbanística, além de obstar ações civis públicas que versassem sobre tributos, contribuições previdenciárias e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço ou outros fundos de natureza institucional, cujos beneficiários pudessem ser individualmente determinados.

Em face da necessidade de oferecer resposta única aos conflitos de massa, os efeitos da sentença em ação civil pública acompanham a dimensão dos direitos tutelados e, para tanto, lhe é atribuída eficácia erga omnes, conforme a letra do artigo 16 da lei 7.347/85. Devido a tal redação é que enfrentaremos os aspectos pertinentes aos limites da coisa julgada, conforme os termos do dispositivo correlato.


2 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA: EFEITOS E LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA.

A priori, a discussão doutrinária se situa sobre a interpretação do artigo 16 da lei 7.437/85, o qual disciplina os limites subjetivos da coisa julgada em sede de ação civil pública. O texto da lei define que a sentença na ação civil pública terá eficácia erga omnes. Porém, a restrição reside na parte final do dispositivo, quando limita a eficácia aos limites da competência territorial do órgão prolator, eis que sua redação cria dúvidas sobre os alcances dos efeitos da sentença em sede de ação civil pública, mais ainda, quando houver pedido incidental de declaração de inconstitucionalidade.

Dessa forma, seria cabível o pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade em sede de ação que prevê efeitos erga omnes à sua respectiva sentença, dando-lhe assim, a mesma abrangência da declaração de inconstitucionalidade emanada em processo objetivo? Teria o pedido incidental de lei ou ato normativo, em sede de ação civil pública, eficácia erga omnes, seguindo a lógica da natureza da decisão do referido remédio? Estaria ela limitada pelas dimensões geográficas do juízo prolator, de acordo com a parte final do artigo 16 da lei 7.437/85? Ou teria ela eficácia inter partes, conforme professam os efeitos das decisões em controle difuso de constitucionalidade, contrariando, dessa forma a natureza genérica das ações civis públicas?

O Procurador da República, José Adonis Callou de Araújo Sá, ensinando sobre os limites subjetivos das decisões em sede de Ação Civil Pública diz que:

Na verdade, a natureza das relações jurídicas de que cuidam as ações coletivas determina o alcance da coisa julgada. A característica de indivisibilidade dos direitos difusos e coletivos determina que a decisão obtida no processo alcance a todos os membros da coletividade ou grupo, e que são os titulares dos direitos. A finalidade da instituição das ações coletivas e da abrangência da coisa julgada nelas produzidas é propiciar a defesa de interesses que muito dificilmente obteriam proteção por ações individuais, bem assim evitar a problemática pulverização destas (2002, p. 121).

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes tem posição peculiar sobre o tema, e nos ensina que:

[...] a ação civil pública não se confunde, pela própria forma e natureza, com processos cognominados de ‘processos subjetivos’. A parte ativa nesse processo não atua na defesa de interesse próprio, mas procura defender interesse público devidamente caracterizado. Afigura-se difícil, se não impossível, sustentar que a decisão que, eventualmente afastasse a incidência de uma lei considerada inconstitucional, em ação civil pública, teria efeito limitado às partes processualmente legitimadas [...] não se trataria de discussão sobre a aplicação da lei a caso concreto porque de caso concreto não se cuida. Pelo contrario, a própria parte autora ou requerente legitima-se não em razão da necessidade de proteção de interesse específico, mas exatamente de interesse genérico amplíssimo, de interesse público. Ter-se-ia, pois, uma decisão (direta) sobre a legitimidade da norma (2008, p. 1.093)

É nesse contexto que arremata a defesa da impropriedade da declaração incidenter tantum em sede de ação civil pública, visto que, dessa forma, estar-se-ia concedendo à primeira instância poderes que a própria Constituição não previu ao Pretório Excelso. Pois se assim fosse possível, a declaração incidental de inconstitucionalidade realizada através do controle difuso teria, de imediato, eficácia erga omnes, simplesmente por ser essa a natureza da sentença da ação civil pública.

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Desde 1994 o Supremo Tribunal Federal tem dito que, quando houvesse postulação de julgamento da validade de uma lei, e não de uma relação jurídica concreta, haveria usurpação da sua competência originária:

RECLAMAÇÃO. CONTROLE CONCENTRADO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

As ações em curso na 2ª e 3ª varas da Fazenda Pública da comarca de São Paulo – objeto da presente reclamação – não visam ao julgamento de uma relação jurídica concreta, mas ao da validade de lei em tese, de competência exclusiva do Supremo Tribunal (artigo 102-I-a da CF). Configurada a usurpacao da competência do Supremo para o controle concentrado, declara-se a nulidade ab initio das referidas ações, determinando seu arquivamento, por não possuírem as autoras legitimidade ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. (STF Rcl 434-1)

No sentido oposto, parte da doutrina prevê a possibilidade de a ação civil pública ser um processo subjetivo, em que há partes definidas e interesses contrapostos. Conforme citação de Gilberto Schäfer "são réus causadores de danos, responsáveis por situações ou fato ensejadores de uma ação danosa" (2002, p. 126) que estarão sujeitos a uma obrigação de fazer, não fazer ou à condenação em dinheiro. E ainda diferencia: "Nessa ação, não são tutelados os interesses públicos, mas interesses difusos e individuais homogêneos. O interesse público objeto da ADIn é diferente do interesse concreto de agir da ACP" (2002, p. 126)

O constitucionalista Luís Roberto Barroso é partidário da idéia de que a Ação Civil Pública é um processo subjetivo, e assim discorre:

"O processo da ação civil pública nada tem de objetivo. Há, com efeito, partes determinadas e uma pretensão deduzida em juízo, por intermédio de um pedido, que em hipótese alguma se confunde com a declaração de inconstitucionalidade. O objeto imediato do pedido é a providência jurisdicional solicitada. [...] Já o objeto mediato do pedido é o bem que o autor pretende conseguir por meio dessa providência. [...] É claro que a tutela do interesse público, via de regra, estará presente, mas com feição nitidamente subsidiária. E isto, por si só, não é capaz de alterar a natureza do processo ou encobrir a existência do caso concreto" (2006, pp. 238-239).

Partindo do pressuposto que a ação civil pública se apresenta como um processo subjetivo, no qual há partes contrapostas buscando, a priori, a tutela específica ou, a posteriori, a indenização, teríamos um processo em que o pedido principal seria a condenação, e, para julgar o caso concreto, o juiz teria que emitir um juízo de valor sobre a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, sendo seu pronunciamento necessário ao deslinde lógico da questão.


3 DIFERENÇAS ENTRE ACP E ADIN

Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (1994) diferenciam com muita objetividade a ação civil pública da ação direta de inconstitucionalidade. Em primeiro lugar diferencia os objetos, o qual em sede de ação civil pública é a defesa de um dos direitos tutelados pela Constituição Federal, pelo Código de Defesa do Consumidor e pela própria Lei de Ação Civil Pública. Já a Ação Direta de Inconstitucionalidade tem como objeto a declaração da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, em abstrato. Secundariamente diferencia o conteúdo dos pedidos, que em ação civil pública é a proteção do bem da vida tutelado pelos diplomas acima citados, podendo ter como causa de pedir a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Enquanto que o pedido da ação direta de inconstitucionalidade é própria declaração de inconstitucionalidade da lei.

Dessa forma, quanto à extensão da coisa julgada na ação civil pública, a eficácia erga omnes não atinge a questão prejudicial, apenas o dispositivo, com abrangência nacional, regional ou local, conforme a extensão e a indivisibilidade do dano ou ameaça de dano.

Afinal, conforme o artigo 469, inciso III do Código de Processo Civil, a apreciação de questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo, não faz coisa julgada. Assim sendo, o resultado da fusão do inciso III do artigo 469 com os artigos 467, 468 e 475 do Código de Processo Civil, demonstra que somente a parte dispositiva de uma sentença transmuta-se em coisa julgada material. Nesse contexto, nos ensina a processualista Ada Pellegrini Grinover (2006) que a apreciação de constitucionalidade em sede de ação civil pública, por não constituir pedido e não compor a parte dispositiva da sentença, poderá ser reapreciada por qualquer outro juízo.

Destarte, integrando o fundamento e não o dispositivo, produzindo, apenas, coisa julgada formal e não material, as questões incidentais não terão eficácia erga omnes, podendo ser, portanto, discutidas posteriormente em qualquer ação. Somente o dispositivo terá eficácia erga omnes e fará coisa julgada formal, sendo alcançado, portanto, pela imutabilidade.

O pedido principal da ação civil pública é uma condenação, seja ela em uma obrigação de fazer, não fazer ou de dar, sendo certo que o instrumento busca sempre uma tutela específica. Não sendo possível o cumprimento in natura dessa prestação, admite-se, excepcionalmente, uma tutela indenizatória que compense os danos aos direitos difusos e coletivos.

Além do mais, a lei que disciplina a ação civil publica admite a utilização dos mesmos recursos previstos para o processo de conhecimento comum, inclusive, o recurso extraordinário, que vai permitir que o Supremo Tribunal Federal examine, em última instância, a questão constitucional, sendo este meio a única forma de conceder-lhe eficácia geral, que se faria através da utilização de resolução do Senado. A decisão proferida na ação civil pública, no que se refere ao controle de constitucionalidade, como qualquer outra ação, se submete, sempre, ao crivo da Suprema Corte, porquanto guardião final da Constituição Federal.

Na ação direta, a declaração de inconstitucionalidade faz coisa julgada material erga omnes no âmbito de vigência espacial da lei ou ato normativo impugnado. Seu pedido principal é a declaração de inconstitucionalidade uma lei ou ato normativo que já nasceu viciado, limitando-se a suspender sua eficácia. Sem via recursal, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada em único grau de jurisdição.

Dessa forma, as questões decididas incidentalmente em sede de ação civil pública, inclusive as que versarem sobre a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, por não fazerem parte do pedido, não compõem a parte dispositiva da sentença. Do que se conclui que não fazem coisa julgada material e, portanto, possuem eficácia erga omnes.

Conclui-se, assim, que em sede de ação civil pública a argüição de inconstitucionalidade não poderia ser feita de forma direta, sendo possível apenas a forma incidental, o que não significa a retirada da apreciação da questão constitucional, via recurso extraordinário, pela Corte instituída para tanto. Tal possibilidade restaria impossibilitada se tal decisão estivesse contida na parte dispositiva da sentença, a qual geraria imutabilidade e indiscutibilidade, presentes apenas em sede de ação direta.


4 A DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL.

Como citado acima, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes defende o descabimento de declaração incidental de inconstitucionalidade em sede de ação civil pública porque a referida ação coletiva se assemelha ao processo objetivo, haja vista a pretensão de defesa do interesse público e não de interesses subjetivos.

Não se tem, no caso, uma lide intersubjetiva, com interesses contrapostos, "pelo contrário, a própria parte autora ou requerente legitima-se não em razão da necessidade de proteção de interesse específico, mas exatamente de interesse genérico amplíssimo, de interesse público" (MENDES, 2007, p. 1.039)

Assim sendo, a decisão que venha a afastar a incidência de uma lei considerada inconstitucional atingiria a todos, haja vista a presença do interesse público, não tendo, portanto, efeito limitado às partes processualmente legitimadas, até porque, a seu ver, "toda e qualquer pretensão com vistas a limitar a eficácia das decisões apenas às partes formais do processo redundaria na sua completa nulificação" (MENDES, 2007, p. 1.040)

Porém, tendo a ação civil pública eficácia erga omnes, os efeitos de uma declaração incidental de inconstitucionalidade teria os mesmos efeitos que a sentença proferida em ação direta, usurpando, dessa forma, a competência originária da Excelsa Corte. Haja vista que:

[...] a partir do momento em que a CF/88 outorgou a uma Corte Especial, o Supremo Tribunal Federal, competências específicas para apreciar questões constitucionais, houve uma mitigação de tais atribuições no que toca às instâncias ordinárias. Realmente, ao alargar os legitimados para desencadear o controle abstrato, fez o constituinte uma opção por reduzir o campo do controle difuso (MENDES, 2007, p. 152-153)

Conclui, então, o Ministro, pela completa inidoneidade da ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade. Primeiro porque passaria a haver um controle direto e abstrato na jurisdição de primeiro grau, e segundo, porque a decisão haveria de ter, necessariamente, eficácia transcendente às partes formais. Nesse sentido, ele vai além e defende que:

[...] no quadro normativo atual, poder-se-ia cogitar, nos casos de controle de constitucionalidade em ação civil pública, de suspensão de processo e remessa da questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, via argüição de descumprimento de preceito fundamental, mediante provocação do juiz ou tribunal competente para a causa (MENDES, 2007, p. 1.096)  

Na mesma linha segue o jurista paulistano Arnoldo Wald (2009), não prevendo possibilidade de declaração incidental de inconstitucionalidade em sede de ação civil pública. Visto que sua sentença faz coisa julgada erga omnes, não pode, portanto, ser utilizada com a finalidade de declarar a inconstitucionalidade da lei porque assim criaria uma forma de controle não prevista na Constituição, ou seja, um sucedâneo local da ação declaratória de inconstitucionalidade, violando o princípio federativo, o que se afigura inadmissível. E assim conclui:

Entendemos, data vênia, que não há como se falar em declaração incidental de inconstitucionalidade em ação civil pública, justamente porque a decisão tem efeito erga omnes.Assim, a inconstitucionalidade declarada, supostamente incidenter tantum, apenas para as partes daquele feito, vale na verdade erga omnes, para todos os jurisdicionados na área de competência do juiz da ação, travestindo-se de controle de concentrado de constitucionalidade das leis, de forma anômala, inadmissível e não prevista na Constituição Federal (2009, p. 216)

Em sentido contrário, o Procurador da República José Adônis Callou de Araújo Sá (2002) defende ser possível a declaração incidental de controle de constitucionalidade em sede de Ação Civil Pública, pois apesar de a sentença em tal caso ter efeito erga omnes, não haveria uma declaração de inconstitucionalidade, mas uma negativa de aplicação da norma tida por inconstitucional ao âmbito da comunidade cujo interesse houvera sido lesado, sem que se falasse em retirada do sistema, o que só aconteceria através de Recurso Extraordinário, com a conseqüente aplicação do artigo 52, inciso X da Constituição da República.

E assim discorre:

[...] a abrangência subjetiva da decisão não é necessariamente maior nos casos de interesses difusos e coletivos do que nos de interesses individuais homogêneos. A resposta depende da matéria que se cuida. Parece-nos, assim, que a indeterminação dos titulares dos interesses difusos, ou ainda, a extensão numérica dos membros da coletividade beneficiada não são condições essenciais para concluir-se que a decisão em ACP, com controle incidental de constitucionalidade, usurparia a competência do STF. Reitere-se que o reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da norma não a retira do sistema, mas apenas afasta sua aplicação nas situações concretas que constituem objeto da ação. Não identificamos divergência quanto à necessidade de que os conflitos acerca de interesses difusos e coletivos sejam solucionados pela via de processo coletivos, em função de a própria natureza deles não comportar tratamento atomizado (SÁ, 2002, p.139)

O professor Alexandre de Moraes defende ser possível o exercício do controle difuso de constitucionalidade em sede de ação civil pública. Porém defende que seja vedada "a obtenção de efeitos erga omnes nas declarações de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em sede de ação civil pública, não importando se tal declaração consta como pedido principal ou incidenter tantum" (2007, p. 692), e assim justifica:

Ocorre, porém, que, se a decisão do Juiz ou Tribunal, sem sede de ação civil pública, declarando a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo – seja, municipal, estadual distrital ou federal -, em face da Constituicao Federal gerar efeitos erga omnes, haverá usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, por ser o único Tribunal em cuja competência encontra-se a interpretação concentrada da Constituicao Federal. Nesses casos não se permitirá a utilização de ação civil pública como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade, a fim de exercer controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo [...] Assim, o que se veda é a obtenção de efeitos erga omnes nas declarações de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em sede de ação civil pública, não importa se tal declaração consta como pedido principal ou como pedido incidenter tantum, pois mesmo nesse a declaração de inconstitucionalidade poderá não se restringir somente às partes daquele processo, em virtude da previsão dos efeitos nas decisões em sede de ação civil pública dada pela Lei n° 7.347 de 1985. (2007, p. 692).

Partidário do mesmo entendimento, o mestre Luís Roberto Barroso arremata:

Em ação civil pública ou coletiva é perfeitamente possível exercer o controle incidental de constitucionalidade, certo que em tal hipótese a validade ou invalidade da norma figura como causa de pedir e não como pedido. É indiferente, para tal fim, a natureza do direito tutelado – se individual homogêneo, difuso ou coletivo –, bastando que o juízo de constitucionalidade constitua antecedente lógico e necessário à decisão de mérito (2006, p. 242)

No acórdão da Reclamação 434-1-SP, o Supremo Tribunal Federal definiu que ações que não visavam o julgamento de uma relação jurídica concreta, mas o de validade de lei em tese, cuja competência era privativa do Supremo Tribunal Federal, configuraria a usurpação de competência do Pretório Excelso pelo juízo de 1° grau.

Conseqüentemente, foi declarada a nulidade das ações em curso na primeira instância do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e determinado seu arquivamento, porém por motivo outro, qual seria, o de ilegitimidade ativa para a propositura de tal ação. A partir do momento em que legitimados diversos daqueles listados no rol do artigo 103 da Constituição da República pleiteavam a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, acabaria por restar evidenciada uma tentativa de subversão do rol dos legitimados ativos.

Diferente era o objeto da Reclamação n°. 602-6/SP, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, a qual entendeu haver, in casu, partes contratantes e uma relação jurídica concreta sendo, portanto, sua solução inalcançável em vias de controle abstrato, não havendo usurpação de competência da Suprema Corte.

Vale citar que no mesmo dia em que foi proferida a decisão acima citada, foi julgada a Reclamação n°. 600-0/SP, de relatoria do Ministro Néri da Silveira, passando a Corte Suprema a "distinguir a ação civil pública que tenha por objeto, propriamente, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou do ato normativo de outra na qual a questão constitucional configura simples prejudicial da postulação principal" (MENDES, 2007, p. 1095). A mesma solução foi aplicada na Reclamação 2.224, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence.

Dessa forma, nos últimos anos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, guardião maior da nossa Constituição, tem se consolidado no sentido de admitir a declaração de inconstitucionalidade em sede de ação civil pública, desde que tal pretensão esteja na causa de pedir, e não no bojo do pedido da ação civil pública.

Sobre a autora
Jullynne Vieira Schamisseddine

Advogada . Pós graduada em Direito Público pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHAMISSEDDINE, Jullynne Vieira. Ação civil pública e o controle de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2591, 5 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17100. Acesso em: 15 nov. 2024.

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