5 CONCLUSÃO
Isso posto, por mais que a ação civil pública se assemelhe a um processo objetivo, visto a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos ser de interesse público em razão da sua abrangência, a doutrina majoritária ainda professa o caráter subjetivo da ação civil pública. Em decorrência disto, não podemos falar dos efeitos erga omnes tal qual ocorre na ação direta, afinal, a decisão proferida pelo magistrado limitar-se-á ao limites regionais do juízo.
Caso determinada conduta alegada como lesiva a um dos pressupostos da ação civil pública possa ser considerada, de fato, ofensiva, ficará determinado que sua prática fique proibida nos limites territoriais daquele juízo, continuando em vigor em todo o território nacional. Na fundamentação estará o juízo de valor sobre a prática do ato e, quando necessário, a declaração de que a lei que autorizou a prática é inconstitucional. No dispositivo estará a determinação da paralisação da prática do ato lesivo naquela circunscrição. Ou seja, não há a atribuição de efeitos erga omnes à decisão incidental relativa à inconstitucionalidade porque ela não está na fundamentação.
Na prática, temos uma coincidência de efeitos, pois declarar que tal ato é inconstitucional ou determinar sua paralisação porque fundado em lei inconstitucional resultará em uma suspensão da eficácia. No entanto, não podemos igualar os institutos, afinal no dispositivo o magistrado não fala sobre a constitucionalidade da lei, e sim sobre a manutenção ou não da prática, tratando cada instituto da forma que o legislador previu.
Não há que se falar em subversão do rol de legitimados nem em usurpação da competência originária do Supremo Tribunal enquanto não houver um pedido direto de declaração de inconstitucionalidade na ação coletiva em tela. Dessa forma e com tais argumentos a doutrina majoritária supera as abordagens da doutrina minoritária sobre o tema.
Além do mais, a nossa Corte Suprema soluciona quaisquer dúvidas quando torna pacífico o entendimento de que é possível declarar incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, desde que haja apenas um juízo sobre a constitucionalidade da lei para que seja julgado o caso concreto, não sendo ele o pedido principal da causa.
Porém, mostra-se bastante interessante a solução apresentada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes para que acabem as discussões acerca da abrangência dos seus efeitos ou sobre eventual usurpação de competência, sugerindo a remessa da decisão de questão constitucional requerida incidentalmente em ação civil pública ao Tribunal competente para tanto, assim evitando que surjam decisões que atinjam uma coletividade sem que fosse dada tamanha competência para o juízo que a proferisse.
E soluciona propondo a "suspensão de processo e remessa da questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, via argüição de descumprimento de preceito fundamental, mediante provocação do juiz ou tribunal competente para a causa" (MENDES, 2007, p.1096). Porém, para tanto, ter-se-ia que haver uma mudança legislativa que permitisse o envio apenas da matéria constitucional à Corte Suprema, conferindo coerência ao sistema e garantindo segurança jurídica.
Atualmente, leva-se a matéria constitucional ao conhecimento da Corte Suprema, para que seja dada a última palavra sobre a referida matéria inserida em ação civil pública, através do Recurso Extraordinário, atingindo o objetivo proposto pelo ilustre Ministro, afinal, ter-se-ia o pronunciamento da Corte instituída para tratar, especificadamente, da matéria, sem a necessidade de uma mudança legislativa radical.
Enquanto a solução para as incongruências do nosso ordenamento não se vislumbra próxima, acreditamos ser a restrição à possibilidade de declaração incidental de constitucionalidade apenas quando presente na causa de pedir e não no pedido como a solução mais coerente em meio a tantas opiniões, equilibrando as diferenças existentes entre os institutos que gravitam em torno da lei de ação civil pública e do híbrido sistema de controle de constitucionalidade vigente no Brasil. Dessa forma, garante-se, assim, a possibilidade de proteger uma coletividade, razão de ser da ação civil pública, sem que para isto reste prejudicada uma competência exclusiva posta pela Lei Maior.
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