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Ocultação do real sujeito passivo na importação e a quebra da cadeia de recolhimento do IPI

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Agenda 15/09/2010 às 06:21

3. Ocultação do Sujeito Passivo

Repisando entendimento anterior [30], registra-se que com o intento de aperfeiçoar a legislação no combate a operações de comércio exterior fraudulentas foi editada a MP nº 66, de 29/08/2002, convertida na Lei nº 10.637, de 27/12/2002.

A Lei 10.637, incluindo o inciso V, ao artigo 23 do DL nº 1.455 de 07/04/1976 [31], que define infrações que causam dano ao Erário, tipificou a ocultação do sujeito passivo como infração passível da aplicação da pena de perdimento as mercadorias transacionadas ou, caso as mesmas já tenham sido consumidas ou não tenham sido localizadas, a sua conversão em multa equivalente ao valor aduaneiro.

Nesse rumo, cumpre referir que através do §2º da Lei em comento, foi talhada a presunção legal de interposição fraudulenta de terceiros em operações de comércio exterior [32], quando não comprovada a origem, a disponibilidade e a efetiva transferência dos recursos utilizados para bancar as operações perpetradas [33].

De acordo com o art. 68, da MP nº 2.158-35, de 24/08/2001 [34], caso sejam detectados indícios [35] que reflitam a ocorrência da ocultação do real sujeito passivo na importação, infração punível com a pena de perdimento aos produtos importados por configurar dano ao Erário, as mercadorias deverão ser retidas [36] de forma cautelar pela RFB, até a conclusão do procedimento especial de fiscalização [37]. O parágrafo único, do art. 68, da indigitada MP, autorizou a RFB a disciplinar a matéria.

Nesse passo, a RFB editou a IN SRF nº 228 de 21/10/2002, estabelecendo o rito a ser empregado pelas autoridades tributárias quando da abertura, em zona secundária, de procedimento especial de fiscalização aduaneira para verificação da origem dos recursos aplicados em operações de comércio exterior e combate à interposição fraudulenta de pessoas, além de ter disciplinado nos arts. 65 e 66 da IN SRF nº 206 de 25/09/2002 [38], o rito a ser aplicado, em zona primária, para o combate desse mesmo agir fraudulento, desta feita, focalizando determinadas importações.

Ponciano (2008, p. 262) adverte que não obstante possua respaldo legal a retenção de mercadorias como procedimento cautelar no bojo de procedimento especial de fiscalização, torna-se necessário que a autoridade aduaneira apresente os motivos que refletiram a suspeita da ocorrência da infração e que ensejaram a instauração do procedimento investigativo, pois, a retenção das mercadorias constitui pesado ônus a ser suportado pelas empresas, logo, somente deve ser manejada em situações nas quais existam reais possibilidades de, ao deslinde da investigação, restar comprovada a infração e ser aplicadas às sanções cabíveis.

Garcia (2004, p. 307-315) afirma que a retenção cautelar com fulcro na indigitada MP "está plenamente justificada na necessidade aumentar os mecanismos de controle e fiscalização aduaneira, a fim de preservar os interesses nacionais e para garantir o destino público a ser dado à mercadoria sujeita a pena de perdimento". Adverte que meras irregularidades formais ou frágeis indícios não são suficientes para a instauração de um procedimento especial, salientando que a autoridade aduaneira tem o dever de motivar a abertura da investigação.

Calha registrar que as atividades de fiscalização e controle do comércio exterior, essenciais aos interesses fazendários nacionais, deitam raízes no art. 237, da CF, estão sob a incumbência do MF e são exercidas pela RFB.

Com efeito, caso a autoridade aduaneira, que possui o poder-dever de controlar e fiscalizar as importações, atribuição que também decorre do poder de polícia insculpido no art. 78, da Lei nº 5.172, de 25/10/1966 (Código Tributário Nacional - CTN), venha a se deparar com situações fáticas que aduzam fundadas suspeitas da ocorrência da ocultação do sujeito passivo, tem a obrigação de promover a retenção das mercadorias e instaurar o respectivo procedimento especial de fiscalização aduaneira, de forma a vinculada a legislação supra.

Apresentada à matriz legal, diligencia-se na busca pelo significado dos dispositivos em tela, nesse diapasão, escorando-se em uma metodologia semelhante à manejada por Castro (2004, p. 07-14), focalizando operações de importação, inicialmente buscou-se identificar o sujeito passivo do II, para depois verificar o significado de ocultação do sujeito passivo, para tanto, estribou-se na regra-matriz de incidência desse tributo vertida na Lei Aduaneira.

O artigo 1º da precitada Lei [39] dispõe que o II incide sobre mercadoria estrangeira e que o seu fato gerador consiste na entrada de mercadoria de origem estrangeira no território nacional.

Tendo em mira o objetivo central do estudo em comento considerou-se como contribuinte do II o arrolado no inciso I, do artigo 31, da Lei Aduaneira [40]. Com efeito, qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria de origem estrangeira no território nacional é considerada pela lei como importador, sendo alçada à condição de contribuinte do II e a sujeito passivo desse imposto.

Nessa perspectiva, tem-se no pólo ativo da relação obrigacional tributária a União e no pólo passivo a pessoa jurídica que promover a entrada de mercadoria estrangeira no território nacional.

Dada a relevância do vocábulo promover na definição de sujeito passivo do II e com o fito de verificar o seu significado escorou-se em De Plácido e Silva (2008, p. 1115) para quem promovente seria "a pessoa que toma qualquer iniciativa para promoção ou execução de alguma ação, feito ou processo".

Por conseguinte, calha o entendimento de que, nem sempre quem aparenta ser o importador, de fato configura-se como tal, pois, em determinadas situações fáticas quem efetivamente promove, toma a iniciativa ou provoca por ato seu a entrada de produtos de procedência estrangeira no território nacional é o real detentor dos recursos empregados, ou seja, o real adquirente recôndito.

Identificado o sujeito passivo, pode-se buscar o significado da ocultação do sujeito passivo, nessa finta, baseando-se novamente em De Plácido e Silva (2008, p. 977-978), verifica-se o significado do termo ocultação, que é derivado do latim occultatio, de occultare (encobrir, esconder), e compreende a ação de esconder ou de encobrir alguma coisa aos olhos ou conhecimento de outrem, com o intuito de que não seja vista ou reconhecida. Dessa maneira, "a ocultação implica, em regra, na intenção de esconder a verdade sobre os fatos ou a realidade das coisas, a fim de que se atente contra princípio jurídico instituído ou se consigam resultados, que não se teriam, se conhecida à verdade ou aquilo que se ocultou".

Cotejando-se o significado do termo ocultação e a literalidade do texto vertido no inciso V, do artigo 23, do DL nº 1.455, de 07/04/1976, percebe-se que o núcleo do tipo infracional reside na conduta dolosa de ocultar, esconder ou encobrir a pessoa jurídica (real sujeito passivo/real adquirente) que promove a entrada de mercadoria estrangeira no território nacional, utilizando-se para isso de fraude, simulação, inclusive interposição fraudulenta de terceiros.

Insta destacar que segundo o art.136 do CTN [41], no âmbito do Direito Tributário, em regra, a responsabilidade por infrações é objetiva e independente da vontade do sujeito, prescindindo do elemento volitivo. Nessa linha, desta feita no âmbito do Direito Aduaneiro, dispõem os art. 94 e 95, da Lei Aduaneira, e o parágrafo único, do art. 673, do RA, que consagram o princípio da responsabilização objetiva como regra para as infrações aduaneiras.

Porém, caso exista disposição legal em contrário, como a expressa no inciso V, do art. 23, do DL nº 1.455 de 07/04/1976, a responsabilidade passa a ser subjetiva, dependendo da intenção do agente [42].

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Compactua-se com Carvalho (2007, p. 233-234), para quem a ocultação do real adquirente dos produtos estrangeiros consiste numa atividade-meio, geralmente utilizada para tentar ocultar outras infrações e objetivos visados pelos infratores, como por exemplo: a) em caso de lançamento de crédito tributário o patrimônio do real adquirente é protegido da execução fiscal; b) crimes como a contrafação, o contrabando ou o descaminho são imputados ao importador ostensivo e não ao verdadeiro promotor da importação, cuja identidade é ocultada; c) após o desembaraço aduaneiro as mercadorias podem ser introduzidas no mercado interno à margem da legalidade e, conseqüentemente, sem a emissão de notas fiscais e o recolhimento dos tributos internos (IPI, ICMS, PIS/PASEP, COFINS, IRPJ, CSLL, etc.); d) o real adquirente perde a condição de contribuinte do IPI por equiparação a estabelecimento industrial; e, e) "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores.

3.1 fraude

Venosa (2005, volume I, p.477-478) salienta que consiste em interesse de toda a sociedade coibir a obtenção de vantagens pessoais mediante fraude, enfatizando que a fraude seria uma forma de abuso e, como tal, poderia ser considerada como "o mais grave ato ilícito, destruidor das relações sociais, responsável por danos de vulto e, na maioria das vezes de difícil reparação".

Afirma o autor que a fraude é um vício de variadas facetas, a qual pode estar presente num plexo de situações na vida social e do Direito, compreendendo-se em todo ardil malicioso que determinada pessoa maneja com o objetivo de transgredir o direito ou prejudicar terceiros, sendo que na fraude, o negócio jurídico encetado é verdadeiro, porém, realizado visando impor prejuízos a terceiros ou para se esquivar do cumprimento da lei, ou seja, a fraude caracteriza-se pela utilização de meios que permitem se esquivar da lei indiretamente, de modo não ostensivo.

Nesse sentido, Lima (1965, p. 29) obtempera que "a fraude sempre decorre da prática de atos legais em si mesmos, mas com a finalidade ilícita de prejudicar terceiros, ou pelo menos, frustrar a aplicação de determinada regra jurídica".

No âmbito do Direito Tributário, o conceito de fraude está insculpido no art. 72 da Lei nº 4.502, de 30/11/1964 [43], in verbis:

Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.

No atinente a ocultação do sujeito passivo na importação, a fraude pode traduzir-se em toda ação ou omissão que exclua ou modifique uma das características essenciais da obrigação tributária, in casu, a sujeição passiva, com o objetivo de reduzir, evitar ou diferir o pagamento dos tributos devidos.

Xavier (2002, p. 78-79) pondera que a fraude demanda três requisitos: a) um subjetivo, relacionado ao fim da conduta comissiva ou omissiva, reduzir o montante do imposto devido, evitar ou diferir o seu pagamento; b) outro subjetivo, concernente à intencionalidade fraudulenta refletida no caráter doloso da ação ou omissão; e c) um objetivo, referente aos meios utilizados para ocasionar prejuízo ao Fisco.

Complementa salientando que a expressão "impedir ou retardar a ocorrência do fato gerador" não deve ser interpreta literalmente, pois de acordo com o art. 113, §1º, do CTN, se a obrigação tributária principal só vem à baila com a ocorrência do fato gerador, não pode haver infração por ato ilícito nas situações em que o fato gerador não ocorreu ou foi retardado.

Assim sendo, o impedimento ou retardamento a que alude o art. 72, da Lei do IPI não pode ser atribuído a um fato real, refere-se a situações que a ocorrência do fato gerador é ocultada sob as vestes de um ato enganoso, compatível com a figura da simulação, pois, nesse caso o negócio jurídico concernente à vontade real, de fato ocorreu em determinado momento, contudo, as partes dissimulam-no através de outro ato que ocultou de forma definitiva (impedir) ou temporária (retardar).

Arremata afirmando que a fraude mencionada no citado dispositivo consiste na simulação fraudulenta, em que se busca enganar e prejudicar o Fisco.

Na seara penal, de acordo com Villegas (1974, p.151), a fraude consiste em "manobras intencionalmente dirigidas a iludir a administração tributária, produzindo uma falsa imagem da realizada [...] mediante simulação, ocultação ou qualquer outra prática ardilosa [...]". Nesse diapasão, o art. 171, do DL nº 2.848, de 07/12/1940 [44] (Código Penal - CP), aduz conceituação próxima, ao tipificar o estelionato que é uma espécie do gênero fraude.

Anote-se que, caso a fraude implique em falsidade material ou ideológica, e, conseqüentemente, acarrete prejuízo ao Fisco, pela supressão ou redução de tributo devido, poderá restar caracterizado crime contra a ordem tributária vertido no art. 1º, II, III, e IV, da Lei nº 8.137, de 27/12/1990 [45].

3.2 simulação

O termo simulação é oriundo do latim, simulatio onis, e significa fingimento, hipocrisia, aparência, pretexto, disfarce ou dissimulação (MELLO, 2000, p. 91).

Em robusto estudo, Tôrres (2003, p. 282-312) revisa as principais teorias concernentes ao trato do conceito de simulação, destacando-se: a teoria voluntarista, a teoria declarativista, a teoria causalista e o acordo simulatório.

Para os voluntaristas, a simulação consistiria numa situação em que à vontade declarada pelas partes seria divergente da sua verdadeira intenção, dos reais objetivos colimados, tendo o negócio simulado três requisitos: a) uma declaração deliberadamente não conforme com a intenção; b) concertada de acordo entre as partes; e c) para enganar terceiras pessoas.

De acordo com essa corrente, o fator mais característico do negócio simulado seria a divergência intencional entre a vontade e a declaração, sendo o interno, o almejado, e o externo, o declarado, ambos em oposição consciente. Logo, as partes não objetivam a realização do negócio, visam somente refleti-lo perante terceiros, destoando da real vontade, provocando uma ilusão de sua existência, enganadora, vazia, fictícia, despida de elemento volitivo e destinada unicamente a iludir terceiros.

Segundo os declarativistas, a simulação também partiria de uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, contudo, noutra ótica, assumiria mais relevância à declaração efetivamente formalizada em relação à intenção das partes.

No entender dos causalistas, a simulação poderia ser vislumbrada como uma divergência entre intenção prática e a causa típica do negócio jurídico externado.

Para a doutrina tradicional, classifica-se a simulação em absoluta, quando as partes concebem a aparência de determinado negócio jurídico em total discrepância com a realidade, de modo que o negócio refletido, o simulado, não teria o condão de modificar a sua esfera jurídica, contudo, para os olhos de terceiros pareceria um negócio jurídico válido; e em simulação relativa, na qual existem dois negócios distintos, um real, encoberto e dissimulado, concebido com validade entre as partes, e outro, ostensivo, simulado e concebido para ludibriar terceiros.

Para a teoria do acordo simulatório, classifica-se a simulação em absoluta e relativa com foco em novos parâmetros, pois, o propalado acordo simulatório comportaria a criação do contrato simulado e da relação dissimulada, que comporiam o contrato simulado, de modo que não existiriam dois negócios jurídicos, o simulado e o dissimulado, mas somente um, o negócio simulado.

Xavier (2002, p. 53-54) assevera que a mais importante classificação das espécies de simulação seria a que a distingue em absoluta e relativa: na simulação absoluta, também denominada simulação nua, aparenta-se celebrar um negócio jurídico quando, de fato, não se almeja realizar nenhum negócio; na simulação relativa, também chamada simulação vestida, as partes celebram, de fato, um contrato, intencionalmente concebido para ludibriar terceiros, e o ocultam com outro contrato aparente, distinto do inicial pela sua natureza, cláusulas e condições.

Por conseguinte, na simulação absoluta existe somente um negócio jurídico que reflete à vontade declarada (o contrato simulado [46]), noutra banda, na simulação relativa, existem dois negócios jurídicos, o negócio simulado [47], referente à vontade declarada enganadora, e o contrato encoberto (o negócio dissimulado), que reflete a vontade real das partes.

Para Yamashita (2005, p. 299), o negócio simulado seria aquele que possui uma aparência divergente da realidade, sendo que essa divergência pode se processar de três formas: a) simulação absoluta, na qual o ato ou negócio simulado aparenta uma existência, que seria ilusória, haja vista que, de fato, não se busca nenhum negócio jurídico, de modo que inexiste outro negócio por trás do negócio aparente; b) simulação relativa, na qual o ato ou negócio simulado reflete possuir determinada natureza, ilusória, haja vista que o negócio almejado seria distinto do aparente, logo, coexistiriam o negócio verdadeiro que estaria ocultado pelo negócio aparente; e c) simulação por interposição de pessoa, na qual o negócio jurídico seria verdadeiro, contudo, intenta-se encobrir o real contratante.

Venosa (2005, volume I, p. 547) leciona que a simulação consiste em fingir, mascarar, camuflar, enfim encobrir a realidade fática. Seria a efetivação de ato ou negócio que esconde a real vontade das partes, no qual o objetivo dos simuladores é encoberto por meio de disfarce, parecendo externamente negócio que não é espelhado pela vontade dos autores.

Com efeito, as partes não visam à efetivação do negócio que se apresenta aos olhos de terceiros, almejam unicamente produzir aparência. Logo, a característica fulcral do negócio simulado seria a divergência intencional entre a vontade e a declaração, ocorrendo oposição entre o pretendido e o declarado.

No entender de Xavier (2002, p.52-53) a simulação consiste num caso de divergência entre a vontade (vontade real) em relação à declaração (vontade declarada), decorrente de acordo entre o declarante e o declaratário, fundada no objetivo de ludibriar terceiros, sendo esses seus elementos fundamentais: a) a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; b) o acordo simulatório (pactum simulationis); e c) o intuito de enganar terceiros.

Destaca que quando a simulação é realizada apenas com o intento de enganar terceiros (animus decipiendi), classifica-se como inocente, noutro giro, quando além de enganar é encetada com o fito de prejudicar terceiros, ocasionando um dano ilícito (animus nocendi), classifica-se como fraudulenta ou maliciosa. De remate, salienta que a simulação fiscal ocorre quando o terceiro enganado/prejudicado na operação é o Fisco, e que nessa situação o fenômeno enganatório pode recair sobre qualquer dos elementos da obrigação tributária: fato gerador, base de cálculo ou sujeito passivo.

Saavedra (2005, volume I, p.31) entende que nas importações, a simulação geralmente se processa agasalhada por um negócio jurídico formalizado através de um contrato, e que a divergência entre a vontade real e a declarada tem sido a causa dominante das apreensões de mercadorias encetadas pela RFB, quando identificados casos concretos eivados de interposição fraudulenta de pessoas.

Nessa direção, pugna que essa declaração enganosa da vontade se concretiza no negócio jurídico subjacente às operações de importação, quando os dados informados pelo importador ostensivo no ato do registro da DI no SISCOMEX e em seus documentos instrutórios, em especial, a fatura que lastreia a transação comercial internacional, estão eivadas de simulação, não correspondendo ao objeto efetivo e real contratado entre as partes, no caso, o real exportador no exterior e o real adquirente no Brasil, importador de fato.

Na seara processual administrativa, o Conselho de Contribuintes (CC) externou vários posicionamentos que compreenderam a simulação como o comportamento do contribuinte em que se constata uma inadequação entre a forma jurídica que o negócio se apresenta e a substância ou natureza do fato gerador concretamente realizado, ou seja, verifica-se uma discrepância entre a vontade almejada pelo agente e o ato por ele exteriorizado como forma de manifestação da dessa vontade [48]. Por fim, registra-se que a Lei nº 10.406, de 10/01/2002 (Código Civil Brasileiro – CCB) regra a simulação no seu art. 167 [49].

3.3 interposição fraudulenta de terceiros

Ferrara (1999, p. 306) já ensinava que no deslinde de um negócio jurídico é possível que ocorra a interposição de uma pessoa alheia com o intuito de ocultar o verdadeiro interessado, porém, essa intromissão de terceiro em relações contratuais alheias pode se revestir de forma jurídica diversa.

Dessa definição depreende-se que a interposição pode ocorrer de forma legal ou fraudulenta. A doutrina classifica a interposição fraudulenta de pessoas como uma espécie do gênero simulação, especificamente, como simulação relativa.

Abordando o tema, Tôrres (2003, p. 423-424) leciona que:

A interposição de pessoas pode apresentar-se sob uma forma fictícia (por simulação ou fraude) ou efetiva (real), na qual a pessoa interposta contrata em nome próprio, ou em nome de outrem, mediante legítimos negócios jurídicos, permitidos pelo ordenamento, com os efeitos dirigidos exclusivamente à esfera do interponente, quanto este se encontra ausente ou não se queira ter presente, no caso de mandato, representação, comissão e preposição, ao que definimos como interposição efetiva de pessoas por substituição, ou mesmo facilitando a aproximação entre pessoas, com caráter de comercialidade, como na mediação, nunciação, agência e corretagem, ao que preferimos classificar como interposição efetiva de pessoas por intermediação.

No que concerne à interposição fictícia de pessoas, a dissimulação dos sujeitos do contrato pode investir tanto contra a pessoa de um dos contratantes, como somente contra o seu nome. No primeiro caso, por uma das partes interpõe-se em face do outro um terceiro na conclusão do contrato, tal como querido e juridicamente imputável à mesma parte que se dissimula. Ao lado deste, vamos encontrar também a simulação na pessoa jurídica, no caso de sociedades simuladas, existentes apenas em termos formais, mas desprovidas de conteúdo empresarial ou econômico. E no segundo, quando se simula não a pessoa de uma das partes, mas tão-só a sua identidade, mediante declarações no contrato usando de um nome diferente, dando lugar a uma simulação de identidade do mesmo sujeito, como bem esclarece Nuti. Nesses casos tacam-se os limites da autonomia privada das partes com relação à confiança do outro contratante e dos terceiros estranhos ao contrato, razão pela qual tem-se que encontrar no ordenamento mecanismos efetivos de controle para tais situações.

Albergando-se nesses ensinamentos, destaca-se a necessidade de se distinguir os atos válidos daqueles inválidos, ou seja, nos casos de interposição efetiva de pessoas, como na importação por conta e ordem e na importação por encomenda, tais atos devem ser protegidos pelo ordenamento, desde de que as partes cumpram as formalidades legais e infralegais já ventiladas.

Noutro giro, nos casos de interposição fictícia de pessoas, justifica-se a superação de seus esquemas formais, engendrados para proteger a posição jurídica dos reais beneficiários, haja vista a criação de mera aparência de realidade, com o intuito de prejudicar interesse alheio, nesse caso, do próprio Estado.

Xavier (2002, p.55) assevera que se compreende na figura da simulação relativa, a situação da interposição fictícia de pessoas ou simulação subjetiva, prevista expressamente no art. 102, II, do CCB anterior, reproduzida in totum no art. 167, II, do CCB atual. Nessa situação, existem dois atos jurídicos (o simulado e o dissimulado) integrantes do mesmo tipo negocial, pois, a simulação incide sobre seu elemento subjetivo, visto a pessoa que de fato tem interesse no negócio dissimulado, que possui a vontade real, não é a mesma que se apresenta de modo ostensivo no negócio simulado.

Monteiro (1991, volume I, p. 211) pondera que na simulação por interposição de pessoa o objetivo do declarante seria o de "inculcar a existência de um titular de direito, mencionado na declaração, ao qual, todavia, nenhum direito se outorga ou se transfere, servindo o seu nome exclusivamente para encobrir o da pessoa a quem de fato se quer outorgar ou transferir o direito de que se trata".

No entender de Diniz (2005, volume II, p. 875), interposta pessoa seria aquele que se apresenta em um determinado negócio jurídico em nome próprio, mas representando o interesse de terceiro, substituindo-o e encobrindo-o. Consistiria no chamado presta-nome, testa-de-ferro [50] ou laranja [51]. Aquele que atua em lugar do verdadeiro interessado que, por motivos não de todo lícitos, objetiva manter recôndita sua participação no negócio perpetrado.

Castro (2004, p.14) conceitua a interposição fraudulenta como toda situação em que uma pessoa, física ou jurídica, aparenta ser o responsável por determinada transação que na verdade não realizou, interpondo-se entre uma parte (o fisco) e a outra (o real beneficiário – responsável pela operação de comércio exterior), com o objetivo de ocultar o verdadeiro sujeito passivo.

Yamashita (2005, p. 303-304) assevera que as características fundamentais da interposição fraudulenta de pessoas são: a) a pessoa interposta estaria no meio de duas pessoas ligadas diretamente por um determinado negócio, sem possuir neste negócio um interesse pessoal e legítimo; e b) a função da pessoa interposta seria encobrir o real contratante, que visa não aparecer aos olhos de terceiros.

Guimarães (2005, p. 105-106) entende que podem ocorrer dois tipos base de interposição de pessoas no tangente a formação de sociedades empresariais: a interposição funcional [52] ou continuada e a interposição eventual [53] ou transversal.

A respeito da atuação de interpostas pessoas no âmbito de operações de comércio exterior, Carvalho (p. 230 e 234) destaca que esse agir objetiva ocultar das autoridades aduaneiras os verdadeiros responsáveis pelas operações comerciais, visando livrá-las da imputação de eventuais ilícitos aduaneiros e penais perpetrados.

Salienta o citado autor que no atinente a ocultação do real adquirente, o meio utilizado pelas partes é a prestação de informações falsas no registro da DI, ou seja, inobstante o real adquirente dos produtos ser o responsável pelas tratativas comerciais com o fornecedor estrangeiro e a ele se destinarem os produtos adquiridos, o mesmo não figura na DI, seja na figura de importador, seja na figura de adquirente ou encomendante predeterminado. Porém, a caracterização do tipo infracional não dependeria de comprovação de eventual benefício ou vantagem obtida pelo real adquirente ocultado, para esse fim, seria suficiente a comprovação de que de fato ocorreu a interposição fraudulenta de pessoas.

Portanto, pode-se definir interposição fraudulenta como todo ato em que uma terceira pessoa aparenta ser o responsável por uma operação de comércio exterior pela qual de fato não foi, tendo apenas tentado fazer parecer que seria o seu beneficiário, de modo a interpor-se entre a União (sujeito ativo) e o real sujeito passivo (real adquirente), com o objetivo central de ocultar este último das relações obrigacionais tributárias decorrentes.

Coelho (2008, p. 112) sustenta que a utilização de esquemas simulatórios fundados na interposição fraudulenta de pessoas constitui-se numa ferramenta que geralmente está associada à realização de diversas irregularidades, haja vista que fornece ao infrator condições de ocultar sua real identidade, por conseguinte, seus rendimentos e patrimônios, possibilitando-lhe esquivar-se dos controles aduaneiros e das sanções que lhe seriam possivelmente aplicadas.

Saavedra (2005, volume I, p. 30) destaca que na análise da interposição fraudulenta torna-se necessário sopesar os dados da situação fática em relação ao disposto na lei, objetivando a identificação da mens leges, como requisito para embasar uma interpretação escorreita desse instituto.

Nessa senda, afirma que basta para a tipificação dessa fraude, o fato de a importadora não possuir condições financeiras ou econômicas suficientes para alavancar à operação de comércio exterior realizada, pois, nesse caso, torna-se evidente a incompatibilidade entre o negócio declarado e as possibilidades efetivas para sua realização no plano fático.

Desta sorte, esse quadro indiciário produz prova em contrário no que toca a validade do negócio jurídico, impondo ao importador o ônus da prova de que a suspeita não reflete a realidade e de que a importadora possui recursos de origem declarada disponíveis em montante compatível com a importação perpetrada.

Enfatizando a magnitude que assumiu a interposição fraudulenta nos dias atuais em termos de contaminação das importações e seus efeitos danosos para o Erário, Saavedra (2005, volume I, p. 31) pugna que há necessidade de alteração da legislação ordinária, no sentido que se estabeleça um conceito mais preciso para essa fraude, delimitando o seu alcance, a imputação da pena de perdimento, e o aclaramento de suas hipóteses de incidência, de forma que se de cobro a essa prática delituosa, pois, a disciplina por meio de IN´s teria apenas eficácia relativa.

Guimarães (2005, p. 111) destaca que a atuação de interpostas pessoas no comércio exterior caracteriza-se pela utilização de sociedades empresariais sem tradição e regularidade nesse mercado ou sem capacidade financeira para bancar as transações perpetradas. Salienta que esse tipo de interposição é realizado com o intuito de ocultar negócios ou recursos mantidos a margem da tributação e que tal prática também pode vir acompanhada da utilização de empresas inativas ou de sociedades empresariais já constituídas com interposição ilícita de sócios.

Martela que um dos principais objetivos dos fraudadores é concorrer deslealmente no mercado de importados e de exportação, haja vista, que pelo emprego desse ardil fraudulento a empresa poderá se esquivar "de compromissos tributários e sociais, barateando, de tal forma, os seus custos".

Sobre o autor
Remy Deiab Junior

Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Graduado em Economia. Graduando em Direito. Pós-Graduado em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DEIAB JUNIOR, Remy. Ocultação do real sujeito passivo na importação e a quebra da cadeia de recolhimento do IPI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2632, 15 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17172. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Versão reduzida desta monografia foi publicada como artigo científico na Revista de Direito Tributário, APET, n. 26, agosto 2010.

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