1. Introdução
O objetivo do presente artigo é pesquisar acerca do instituto da impugnação à contestação (ou réplica) no processo do trabalho. O itinerário de investigação reclama a existência de várias hipóteses a serem estudadas. Primeiro é saber se há o instituto no processo do trabalho, visto que a CLT é omissa no particular, para depois avançar no questionamento da aplicação subsidiária do processo comum, na hipótese. Qual é o objeto da réplica no processo do trabalho? Qual o conteúdo, forma e prazo? Quais as consequências da omissão da parte que não impugna a contestação e documentos?
As respostas a todas essas questões serão dadas ao longo dos tópicos e o resultado da investigação, longe de ter objetivo apenas acadêmico, tem uma implicação eminentemente prática, na medida em que os Tribunais trabalhistas têm concedido às partes a oportunidade para impugnação, mas sem fixar seu objeto, conteúdo, prazo e consequências jurídicas. Por não estar prevista na CLT, a impugnação não encontrou na doutrina especializada tratamento científico algum. [01]
Uma depuração de ordem semântica precisa ser realizada. Para os autores de direito processual civil, impugnação e réplica são conceitos que não se confundem. Enquanto a oportunidade para o autor manifestar-se quanto aos documentos recebe o epíteto de impugnação, de outro giro quando há necessidade de manifestação quanto à contestação, quanto às preliminares e ao mérito, fala-se em réplica. Entretanto, para os limites desse texto, os dois termos serão utilizados como sinônimos, na medida em que no processo do trabalho são apresentadas no mesmo prazo e no mesmo instrumento.
2. A estrutura do processo do trabalho
O Direito do Trabalho é um dos ramos autônomos mais recentes da ciência jurídica, na medida em que apenas com a Constituição mexicana de 1917 e alemã de 1919 (Weimar), secundadas pelo Tratado de Versalhes de 1919 e a criação da OIT também no mesmo ano é que esse ramo especializado ganhou autonomia legislativa.
No Brasil, as leis esparsas das décadas de 30 e 40 do século passado, que traziam episodicamente dispositivos de proteção aos trabalhadores, foram consolidadas por interferência do Governo Vargas, pelo veículo do Decreto-Lei n. 5.452 de 1943, que se convencionou chamar de Consolidação das Leis do Trabalho, vigente até hoje, com o necessário acréscimo de outros dispositivos, tanto no momento de sua compilação como nas alterações legislativas posteriores. A CLT contém dispositivos que tratam de direito material do trabalho, como aqueles dos artigos 2º ao 510, direito administrativo, dos artigos 626 a 735, e de direito processual do trabalho, identificável nos artigos 763 a 910, com a ressalva de que em outros dispositivos também há regras processuais – por exemplo aquela para fixação de competência do artigo 651 da CLT.
E a estrutura do direito processual do trabalho pode ser resumida em várias fases, conforme a sequência da própria Consolidação, quais sejam: 1) organização da Justiça do Trabalho; 2) competência; 3) atos, termos, prazos processuais e nulidades; 4) partes e procuradores; 5) ação trabalhista, decomposta nas fases postulatória, de respostas do réu, provas, audiência e sentença; 6) recursos trabalhistas e 7) execução trabalhista. Não há na redação originária da CLT disposição alguma que faça referência ao instituto da impugnação ou réplica, embora no contemporâneo Código de Processo Civil de 1939 já existisse. [02] A grande questão é saber se a omissão é proposital, com a exclusão do instituto do processo especializado, ou se deverá haver integração, nos termos do artigo 769 da CLT, aplicando-se o processo comum como fonte subsidiária.
A resposta, unânime na doutrina e na jurisprudência, parece estar em sede constitucional, mais especificamente no princípio processual máximo que é o devido processo legal [03], tanto em sua vertente formal quanto substancial, decomposto nos dois princípios do direito ao contraditório e à ampla defesa. Ao mesmo tempo em que são os princípios constitucionais citados que garantem o direito à impugnação, são as normas do processo civil que os instrumentalizam, aplicando-se ao processo do trabalho.
A nosso ver, o ponto nodal que gera toda a discussão objeto desse texto é a confusão que os julgadores fazem, e na esteira deles, os demais operadores jurídicos, de não saber distinguir texto de lei de norma jurídica. São conceitos elementares que não podem ser negligenciados. Para um maior esclarecimento, faremos um desvio de rota, a fim de, depurados esses conceitos, retomarmos as hipóteses de pesquisa com maior precisão e racionalidade, caminhando para uma conclusão científica.
Em sede de teoria geral do direito é lição primordial que cabe ao legislador eleger entre os fatos sociais aqueles relevantes para o direito, de modo a imputar-lhes consequências jurídicas, transmudando-os em fatos jurídicos. Em palavras outras, é o legislador quem constrói o sistema de direito positivo, cujos elementos são os textos ou dispositivos. Ao contrário do que ordinariamente se pensa entre os operadores, não são os textos de lei que são aplicados pelo intérprete aos casos concretos, mas o resultado da interpretação elaborada por este. O sistema de direito positivo é o objeto de análise do intérprete, quer jurista quer julgador, de modo que a norma jurídica é o resultado dessa interpretação, cujas normas podem tanto ocupar a estrutura de princípios como de regras. Aquelas, as normas, é que são aplicáveis aos casos concretos, formando o conjunto delas o sistema da ciência do direito – metasistema descritivo. [04]
Um segundo passo é reconhecer, com HUMBERTO ÁVILA, que em alguns casos há norma, mas não dispositivo isolado que lhe sirva de suporte (v. g., princípio da segurança jurídica - artigo 5º, § 1º, da CF/88), como também poderá haver dispositivo sem qualquer norma que seja construída a partir dele. Também é válido que diversas normas são construídas a partir de um único dispositivo – exemplo é a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, quando o Supremo Tribunal Federal reconhece a existência de várias normas construídas a partir de um único dispositivo, mas declara que apenas uma delas está conforme a Constituição. Por fim, uma única norma é construída a partir da conjunção de dois ou mais dispositivos. [05] "E o que isso quer dizer? Significa que não há correspondência biunívoca entre dispositivo e norma – isto é, onde houver um não terá obrigatoriamente de haver o outro". [06]
Em enquadramento prático, o direito processual do trabalho (o resultado da interpretação, aquele que é efetivamente aplicado pelo julgador), não é construído pelo intérprete apenas a partir dos dispositivos previstos na CLT, mas também, quando em casos de omissão e compatibilidade (artigo 769 da CLT), dos dispositivos constantes do direito processual comum, tal como Código de Processo Civil e leis esparsas, quiçá, na fase de execução, pela Lei 6.830 de 1980 (artigo 889 da CLT).
E não há possibilidade de ser diferente, na medida em que o ordenamento de direito positivo (objeto) pode ser incompleto, incoerente e contraditório, conforme as vicissitudes do processo legislativo, mas o conjunto da interpretação (cujos elementos são as normas jurídicas) não pode ostentar os mesmos inconvenientes. Deve o novo conjunto ocupar a estrutura de sistema, com suas premissas de ordenação e unidade. [07] O que garante os predicados de ordenação e unidade ao sistema são os mecanismos intrasistêmicos para solução de antinomias e preenchimento de lacunas (integração). Para as últimas, o direito processual do trabalho, na fase de conhecimento, recomenda a aplicação do processo civil comum, invocando-se, de outro lado, para os casos de antinomias, os mecanismos do artigo 2º da LICC.
Em síntese introdutória, o processo do trabalho não é coincidente com os dispositivos previstos apenas na Consolidação, mas o sistema processual trabalhista é construído a partir de normas pressupostas também do direito processual civil, sempre que atendidos os requisitos da omissão e da compatibilidade (artigo 769 da CLT). E os dois requisitos são preenchidos, com folga, quanto ao tema da impugnação ou réplica.
3. Objeto, forma, conteúdo e prazo da impugnação no processo do trabalho
Por exercício de lógica formal, quanto ao tema da impugnação ou réplica no processo do trabalho, somente duas situações são possíveis: 1) ou não há a existência do instituto, diante da omissão da CLT quanto ao procedimento ordinário; ou 2) há a integração com as disposições do processo civil, admitindo-se a réplica, com atenção ao procedimento do CPC quanto ao seu objeto, forma, conteúdo e prazo. A nosso sentir a segunda opção é a recomendada pelos princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, tanto também pela construção da norma jurídica completa a partir de dispositivos legais que, necessariamente, não se encontram dentro do mesmo código. Acresce-se a tudo isso que, pragmaticamente, todos os Tribunais trabalhistas do país concedem, em audiência ou fora dela, prazo para o autor ofertar a sua impugnação ou réplica quanto à contestação e documentos, sem fixar seu objeto, forma, conteúdo, prazo e consequência, decidindo casualmente as questões recorridas, de forma bastante empírica, vacilante e, no mais das vezes, contraditória.
Embora a oportunidade para impugnação no processo do trabalho encontre sua sustentação na aplicação subsidiária do direito processual comum, há na Justiça Especializada um dogma de que apenas os documentos juntados pela contestação é que devem ser objeto de manifestação do autor, cerceando-lhe o direito de produção de réplica quando ao cerne da defesa. [08][09] E o dogma tanto se manteve que empolgou no ano de 2000 o legislador, mesmo regulando de forma incompleta a questão, a prever que só os documentos devem ser objeto de impugnação no procedimento sumaríssimo (artigo 852-H, § 1º, da CLT, com redação dada pela Lei n. 9.957), nada prescrevendo quanto ao procedimento ordinário.
Os principais argumentos para construção do dogma, todos insustentáveis e que serão desafiados nos tópicos, são a omissão da CLT, a simplicidade do processo do trabalho, a concentração dos atos processuais e a celeridade.
São objetos de impugnação no processo do trabalho: I - as preliminares do artigo 301 do CPC, tanto na espécie de pressupostos processuais quanto de condições da ação, por determinação do artigo 327 do mesmo diploma; II – as arguições das prejudiciais de mérito de prescrição e decadência; III – os fatos novos alegados na contestação, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, na forma do artigo 326 do CPC; IV – os documentos que acompanham a defesa, a teor do artigo 372 do digesto processual comum.
Não está previsto em qualquer dispositivo do Código de Processo Civil que o autor terá oportunidade para manifestar-se quanto à contestação, em caso de arguição de prescrição ou decadência pela defesa, mas essa necessidade encontra residência no direito material, na medida em que é na réplica a primeira oportunidade para que o autor traga ao conhecimento do magistrado os fatos suspensivos e/ou interruptivos da prescrição (artigos 197 a 204 do CC/2002). E não haveria como fazê-lo já na petição inicial, pois poderia ocorrer de o réu renunciar à prescrição (artigo 191 do CC/2002), tornando-se a alegação prévia inútil e genérica, na medida em que não saberia o autor qual é o prazo prescricional a ser arguido em contestação.
A impugnação, a depender do procedimento adotado pelo magistrado, pode ser verbal ou escrita. No procedimento sumaríssimo, quando a audiência é sempre una, a impugnação é feita oralmente, após a apresentação da defesa (artigo 852-H da CLT). No procedimento ordinário, se a audiência for una, a réplica também é feita na forma oral, mas quando a audiência é suspensa após a tentativa de conciliação e oferta das respostas do réu, há concessão de prazo e a forma deve ser escrita.
Quanto ao prazo para impugnar, se for feita oralmente, será de 20 minutos, tanto no procedimento sumaríssimo quanto no ordinário, por aplicação analógica do prazo para contestação oral (artigo 847 da CLT). Se houver suspensão da audiência com oferta de impugnação posterior e por escrito, os artigos 326, 327, 372 e 390 do CPC recomendam o prazo de 10 dias, em relação a quaisquer dos objetos da réplica.
Na sua réplica o autor apenas poderá atacar os fatos novos articulados pelo réu, mas não poderá ele articular fatos novos, manobra processual que teria natureza jurídica de emenda à inicial, para a qual necessitaria de autorização da defesa (artigo 264 do CPC). Poderá, contudo, apresentar documentos novos, para contrapor aos fatos da defesa (artigos 326 e 327 do CPC), quando será dada vista à defesa por 05 dias para manifestação exclusivamente quanto aos documentos (artigo 398 do CPC).
E há necessidade de a impugnação ser específica, apontando quais os fatos que o postulante ataca, bem como quais os documentos e as razões de sua negativa. A impugnação genérica assemelha-se à contestação genérica, para a qual a legislação processual imputa os efeitos de não-contestação (do artigo 302 do CPC). Só haverá necessidade de prova quanto aos fatos controvertidos, quando da posterior audiência de instrução. E a litis contestatio não se forma apenas com a apresentação da inicial e da defesa, como defende alguns [10], mas com a impugnação do autor quanto aos fatos novos trazidos com a defesa, impeditivos, modificativos ou extintivos do seu direito, sobre os quais também precisa haver resistência. Se o autor concorda, expressamente ou tacitamente, com os fatos e documentos juntados com a contestação, não haverá lide, por via reflexa necessidade de instrução (artigos 334, II, e 372, in fine, do CPC).
Existem oportunidades, minoritárias na praxe processual, em que não há a necessidade de impugnação do autor. E isso se dá quando a contestação não alegar nenhuma questão nova (preliminares, prescrição ou decadência, juntar documentos ou alegar fatos impeditivos, modificativos ou extintivos), mas restringir-se a negar os fatos articulados na contestação – oferecendo defesa direta de mérito ou mesmo quando se der a revelia e o seu efeito de julgamento preliminar (artigo 330, II, do CPC). [11][12]
4. Consequências da ausência de impugnação
No tópico em referência analisaremos quais são as consequências jurídicas caso o autor não ofereça sua impugnação ou réplica no prazo legal, bem assim quando ofertá-la de forma incompleta e genérica, quando, de resto, possuem o mesmo efeito.
Embora no processo do trabalho existam aqueles que defendem que apenas se tornam incontroversos os fatos alegados pelo autor e não-contestados pelo réu, em análise literal do artigo 302, in fine, do CPC [13], entendemos que o artigo 334, II, alarga a sanção para ambas as partes litigantes, tanto é que dispõe que são incontroversos os fatos afirmados por uma e não contestados pela parte contrária. Se quisesse que a aplicação fosse restrita, teria dito o legislador que não dependem de prova os fatos articulados pelo autor e não contestados pelo réu (o que, com efeito, já tinha dito nos artigos 302 e 330 do CPC, não havendo razão para a repetição no artigo 334).
Ao contrário do que defende a jurisprudência trabalhista [14], talvez impregnada da ideia de proteção, princípio confinado ao direito material do trabalho, entendemos, conforme ANTONIO CARLOS MARCATO [15], que o inciso II do artigo 334 do CPC tem aplicação para ambas as partes, seja autor seja réu. Não é só da defesa o ônus da manifestação quanto aos fatos constitutivos articulados na inicial, mas também do autor quanto aos impeditivos, modificativos e extintivos articulados na defesa. No processo do trabalho, existem vozes, como MANOEL ANTONIO TEIXEIRA FILHO [16], que, mesmo não se manifestando diretamente quanto aos efeitos da falta de réplica, dizem que o ônus da impugnação específica pertence a ambas as partes.
Se o fato A (constitutivo) for articulado na inicial, incumbe à defesa sobre ele se manifestar. Se não o fizer, haverá presunção de veracidade e dispensa de instrução. Mas se houver negativa da defesa, incumbirá ao autor a prova das suas alegações, na esteira dos artigos 818 da CLT c/c 333, I, do CPC. O raciocínio é o mesmíssimo quando se trata da defesa. Se o réu alegar o fato novo B (extintivo), incumbe ao autor replicá-lo, sob pena de confissão. Se e somente se houver resistência do autor, é que haverá lide quanto ao ponto e necessidade de instrução, ainda que o ônus da prova do fato B fique com o réu, conforme os mesmos dispositivos citados linhas acima, da CLT e do CPC.
A questão é bastante simples, mas gera o entendimento equivocado de que não há nenhuma consequência se o autor deixar de replicar os fatos novos da defesa. [17] E essa posição se dá por duas razões, a nosso sentir: pela identificação da figura do autor da ação com a do trabalhador, reclamando proteção, por isso há benevolência com as omissões praticadas por esse, quando não há o mesmo tratamento em caso de a defesa deixar de manifestar-se precisamente quanto aos fatos da inicial. E não se trata de simplicidade no primeiro caso, na medida em que referido princípio é caro ao direito processual do trabalho e não apenas à figura do acionante, trabalhador, diga-se. A segunda razão é a confusão que se faz entre dispositivo e norma jurídica.
Calha, aqui, a aplicação dos conceitos refinados no segundo tópico, com a consequente construção da norma jurídica completa pelo intérprete, na medida em que tanto a hipótese quanto à sanção para a omissão do réu encontram-se no mesmo texto do artigo 302 do CPC, enquanto que nos casos de manifestação do autor, quando da réplica, as hipóteses encontram-se nos artigos 326 e 327 do CPC, mas as sanções apenas no inciso II do artigo 334 do mesmo diploma. Compreendendo a questão pelo posicionamento epistemológico da teoria do direito, a controvérsia desaparece [18] e, ao mesmo tempo, com o devido respeito, expõe o equívoco no qual laboram diversos. [19]
Outro exemplo é salutar para demonstrar a confusão da jurisprudência entre dispositivo e norma jurídica, entendendo-se que o que se aplica aos casos concretos é aquele e não essa. Embora a CLT seja omissa tanto quanto à necessidade de réplica no que toca aos fatos novos articulados em defesa quanto aos documentos ofertados, há consenso de que sobre os fatos não há necessidade de manifestação, até porque a mora não geraria sanção, mas quanto aos documentos a omissão importa em confissão como verdadeiros. [20] E essa posição contraditória se dá porque enxergam apenas os dispositivos e não as normas. Enquanto no mesmo artigo 372 do CPC está prevista a hipótese e a sanção para o caso de não-impugnação dos documentos (a mesma ideia aplicada ao artigo 302, quanto à hipótese - necessidade de impugnação especificada, e sanção - presunção dos fatos articulados na inicial), a jurisprudência trabalhista aplica, mas quando a hipótese e a sanção encontram-se em dispositivos diversos, como no caso da réplica aos fatos novos (artigos 326 e 334, II, do CPC), há a tendência a não aplicá-la e defender-se que a omissão não geraria sanção. [21]
Se o autor não se manifestar, ou mesmo confessar expressamente os fatos novos da defesa, conforme artigos 348 e 349 do CPC, dispensa-se a prova oral quanto ao fato então incontroverso. [22] No processo do trabalho, MANOEL ANTONIO TEIXEIRA FILHO entende da mesma forma que estamos a defender. [23]
E a posição que defendemos encontra ressonância da doutrina processual comum, na linha de WAMBIER, CORREIA DE ALMEIDA e TALAMINI, para quem:
Se o réu, na contestação, se utilizar da defesa de mérito indireta, reconhecendo o fato constitutivo do direito do autor, mas alegando outros, que sejam impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, este será ouvido, no prazo de dez dias, sendo-lhe facultada a produção de prova documental. Nessa hipótese, a manifestação do autor, também denominada "réplica" ocorre para tornar litigiosas as alegações do réu, pois se trata de fatos novos. Vale dizer, quando réu apenas nega os fatos narrados pelo autor, somente isso já os torna litigiosos; mas, se o réu alega fatos novos, é mister a manifestação do autor para que se tornem litigiosos. Caso o autor silencie, o ônus da prova dos fatos alegados pelo réu, que, em princípio, lhe tocaria (art. 333,II), desaparece, porque é desnecessária a prova acerca de fatos incontroversos (art. 334, III). [24]
Leciona JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR: "Deixando o autor fluir em branco o prazo decendial, fica o réu dispensado de fazer prova a respeito dos fatos novos alegados e que foram opostos na contestação, posto que desnecessária a produção probatória acerca de questões incontroversas". [25]
No mesmo sentido é a conclusão de CLITO FORNACIARI JÚNIOR:
Todavia, o silêncio do autor sobre o fato extintivo deduzido pelo réu implica o mesmo efeito que se tem a partir do silêncio do réu acerca do fato constitutivo do direito do autor. O fato torna-se incontroverso e não precisa ser provado. A previsão de direito de manifestação ao autor sobre o fato novo, não fora para lhe trazer efeito negativo diante do silêncio, seria inócua e até quebraria o princípio da igualdade, isso porque, até esse instante, as partes falaram nos autos igual número de vezes, de modo que a nova oportunidade conferida ao autor não é de ser vista como uma simples homenagem, mas um ônus processual, que carrega efeitos, se não for atendido. [26]
CALMON DE PASSOS dizia que há "um ônus de impugnação atribuído ao réu, no tocante aos fatos alegados pelo autor, em sua inicial, como igual ônus cabe ao autor quanto aos fatos extintivos e impeditivos postos pelo réu em sua contestação, quando sobre eles tiver de se manifestar (art. 326)." [27]
A Comissão de Juristas encarregada da redação do Anteprojeto do Código de Processo Civil (PLS n. 166/2010) perdeu a oportunidade de colocar fim à discussão, positivando as consequências da parte autora que não impugna a contestação. O artigo 326 do CPC atual foi repetido integralmente na proposta do novel artigo 348, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência definir, por interpretação, as sanções processuais para o autor que não replica temporalmente a contestação, nada obstante ressalvamos que as consequências da não-impugnação do autor já se encontram previstas dentro do sistema de direito positivo, mas em outros dispositivos alheios ao artigo 326, in casu o inciso II do artigo 334 do CPC (consequente da norma jurídica completa) – sendo, por isso, que a comissão de jurista manteve intacta a redação antiga para a futura.
As providências processuais arroladas, ao invés de formalizar em demasia o processo do trabalho – a contragosto de sua natureza eminentemente instrumental e simples, bem ao contrário acaba por dar-lhe maior efetividade e também segurança às partes litigantes, dispensando-se as provas de fatos incontroversos, com isso reduzindo o tempo gasto com audiências instrutórias e dilações inúteis, antecipando-se a data para o julgamento de fundo, realizando o direito material da parte que tem razão. [28] Não se pode admitir, em qualquer ramo da ciência processual, que a pretexto do princípio da simplicidade, se sacrifique o direito das partes ao procedimento adequado, seguro, racional, célere e eficiente, princípios também decorrentes do devido processo legal.
ENRICO TULLIO LIEBMAN, elogiando a contribuição legislativa brasileira e portuguesa para a ciência processual, com a fase do saneamento do processo, dentro da qual se concede prazo para réplica e fixam-se os pontos controvertidos e que serão objeto de prova, extirpando-se do objeto aqueles incontroversos, leciona que:
Razões várias tornam, pois, conveniente assegurar, tanto quanto possível, que não se dê início ao conhecimento do mérito da controvérsia, senão depois de abrir e desembaraçar o caminho por meio da depuração, do saneamento do processo, isto é, pela eliminação de todas as falhas, defeitos ou dúvidas que poderiam invalidá-lo. Estas considerações tornam-se ainda mais decisivas num processo oral, em que a instrução e a decisão do mérito devem ser feitas na audiência. A audiência, para permitir um atento e sereno conhecimento da causa, deve ser quanto mais possível contínua e destinar-se ao estudo de um objeto delimitado e homogêneo. [29]
Não se trata de garantir apenas ao réu o devido processo legal, penalizando o autor com a excessiva procedimentalização do processo do trabalho, quanto mais em um ramo em que vigora o jus postulandi e a simplicidade dos atos. A figura do autor, no mais das vezes identificada com a do trabalhador, também ganhará com a escorreita aplicação das ideias alhures, na medida em que terá assegurado o acesso ao amplo contraditório, com o conhecimento dos fatos articulados na defesa, com impugnação de preliminares, alegação de causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, assim como ciência de todos os fatos novos articulados na defesa, garantindo-lhe a plenitude da prova quando da audiência designada para instrução processual, com racionalidade e segurança jurídica. [30]
Não há violação à concentração dos atos processuais e celeridade com a admissão da impugnação, nos limites propostos no trabalho, na medida em que já há a concessão de prazo para impugnação aos documentos, segundo firme jurisprudência trabalhista, quando, com algumas linhas a mais e no mesmo prazo, deverá o laborista replicar os fatos novos articulados na defesa. Haverá sim homenagem à concentração e celeridade, com a correta delimitação dos pontos objeto de prova.
Também não há violação à simplicidade do processo, pelo menos na forma como entendemos esse princípio. Simplicidade não se traduz em salvo conduto para as partes requerem ser delimitação das causas de pedir e pedido, juntarem documentos em qualquer fase processual, produzir provas inúteis ou protelatórias. Simplicidade é a mínima atenção ao procedimento, coerência nas alegações, produção de provas úteis e específicas quanto ao objeto de prova, manifestação das partes e do juiz com concisão, clareza, linguagem simples e acessível, perdendo o menor tempo possível com os atos úteis e necessários, para concentração na concessão do direito material e execução.