6. Um novo conceito de subordinação;
Conforme exaustivamente expomos nos tópicos acima, o novel quadro de acumulação flexível da produção, alheio à disciplina produtiva disseminada pelos modelos fordista e taylorista, fomentou o surgimento de modernas relações contratuais para a direção do trabalho alheio.
A direção do trabalho transmudou-se em cooperação, colaboração ou coordenação laborativa configurando uma coligação de atividades produtivas (seja de bens ou de serviços) direcionados a um fim comum, geralmente traçado por aquele detentor de grande capital e com o poder de gestão sobre todo o processo envolvido na consecução do objetivo final.
Esta configuração do sistema produtivo, obviamente, também necessita de ter as suas relações laborais perfeitamente identificadas, surgindo daí a necessidade de interpretar o ordenamento jurídico vigente de modo a regular seus conflitos sociais diante deste recente contexto econômico.
Desta forma, é manifesta a importância de reconhecermos a figura da subordinação neste recente sistema produtivo inundado por "terceirizações", "autônomos-dependentes", "parassubordinados" e "pejotismos", para que possamos, a partir da aparente destituição do conceito deste elemento fático-jurídico, reenquadrá-lo de forma apta a estender a todos os trabalhadores a melhor proteção jurídica possível visando sempre a valorização do trabalho e o respeito à dignidade humana.
Conforme observou Amauri César Alves
se a matriz originária do Direito do Trabalho – fundada na subordinação jurídica clássica como elemento apto a determinar o ente a ser protegido por este ramo especial – não mais consegue sustentar uma série de relações de trabalho dependentes de tutela, é necessário repensá-la, sob pena de perda do sentido teleológico desta estrutura jurídica. [...] É necessário que ele continue a proteger a parte hipossuficiente da relação, ainda que não haja subordinação clássica (23).
Portanto, com base sedimentada no que já foi objeto de análise de José Affonso Dallegrave Neto, para quem a subordinação jurídica é "toda a prestação de serviço realizada por conta e risco alheios, sob dependência hierárquica ou forte dependência econômica, sendo presumida (a subordinação jurídica) no caso do empregado prestar serviço essencial à atividade da empresa" (24), passemos a analisar o que julgamos como necessário para a justificação deste conceito, restando certo que a dependência hierárquica já foi objeto de análise ao longo do estudo sob a rubrica de "subordinação em seu conceito clássico".
6.1. A dependência econômica;
O caput do art. 3° do texto celetista informa que "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".
Como se pode perceber, a figura da subordinação não está prevista na definição de empregado proposta pela própria CLT, sendo, por outro lado, enfatizada a prestação de trabalho sob dependência, que se enquadrada no atual modelo produtivo apresentado no presente estudo como dependência econômica.
Contudo, destacamos que a dependência econômica não se apresenta como elemento único determinante a configurar o cerne da relação de emprego, trata-se na verdade de mais uma proposição com o intuito estender a proteção jurídica às modernas figuras atípicas de trabalho. Sendo assim, valemo-nos do presente momento, no início do raciocínio, para enfatizar que a dependência econômica, segundo a proposta do estudo, pode sim ser vista como elemento caracterizador do liame empregatício, mas jamais poderá sê-lo absolutamente desacompanhada de outros elementos fático-jurídicos, nem mesmo servir de critério negativo para a configuração do vínculo de emprego quando não puder ser verificada.
Destarte, entendemos válidas as críticas doutrinariamente feitas em desfavor da aferição do critério da "dependência econômica" como único e determinante pressuposto para a verificação da relação empregatícia. Oportunamente, são citadas a seguir algumas valiosas lições sobre o tema em referência:
No primeiro caso (dependência econômica), a concepção fundava-se na hierarquia rígida e simétrica que tanto marca a estrutura socioeconômica de qualquer organização empresarial, colocando no vértice da pirâmide econômica o empregador e seus representantes. A relação empregatícia, em particular, seria uma projeção enfática dessa assimetria econômica que separa empregador e empregado.
Há problemas, entretanto, nessa formulação teórica. Inegavelmente, o critério que ela incorpora origina-se de uma reflexão acerca do padrão genérico típico à relação trabalhador/empregador na moderna sociedade industrial.
Contudo, ainda que o critério econômico acima consignado tenha irrefutável validade sociológica, ele atua na relação jurídica específica como elemento externo, incapaz, portanto, de explicar, satisfatoriamente, o nexo preciso da assimetria poder de direção/subordinação. De par com isso, a assincronia econômico-social maior ou menor entre os dois sujeitos da relação de emprego não necessariamente altera, em igual proporção, o feixe jurídico de prerrogativas e deveres inerente ao poder empregatício (com sua dimensão de direção e subordinação) (25).
A dependência destacada no artigo acima mencionado não é necessariamente econômica, embora ela se faça presente na maioria dos contratos laborais. Deixa de ser um elemento caracterizador da condição de empregado porque tal dependência econômica só existe em alguns, mas não em todos os casos. Sabe-se que há empregados cujo patrimônio é maior do que o de seu empregador. Na hipótese, se a dependência econômica fosse considerada como elemento indispensável à prova da relação de emprego, esta seria de difícil demonstração (26).
O econômico, porém, representa um interesse não captado pelo Direito e isso porque a posição econômica do indivíduo no tráfico social só ganha equacionamento jurídico se esse indivíduo vem a participar concretamente de uma relação jurídica a que a lei, diante de princípios de tutela, concede direitos tais que o fazem supor economicamente fraco (consumidor, inquilino, empregado, etc.).
Tanto isso é certo que um indivíduo de nível econômico superior pode ocupar um desses pólos da relação jurídica e estar em posição de vantagem econômica diante do pólo contrário (inquilino abastado, proprietário remediado, empregado-diretor ou alto empregado que socorre sua firma com numerário, em caso de emergência etc.) (27).
A dependência econômica, ora enfocada sob seu aspecto de relação necessária, revela-se por alguns traços fundamentais e estreitamente associados. O fato de quem realiza a prestação de serviços de modo exclusivo e continuo para determinado tomador encontra na retribuição o seu único ou principal meio de subsistência (há assim uma dependência da economia do trabalhador perante a economia do tomador dos seus serviços, sendo o sucesso de um intimamente ligado ao do outro).
Além deste traço marcante há também a figura da inserção do trabalhador num processo produtivo dominado por outrem, seu tomador de serviços, verificando-se, pois, dependência técnica sob o ponto de vista da estrutura do processo no qual o trabalhador está inserido (processo produtivo mais amplo, promovido e dominado pela atividade econômica do beneficiário do trabalho).
O autônomo dissimulado sob o manto de uma pessoa jurídica, o terceirizado ilicitamente (e a sua empresa intermediadora de mão-de-obra) e o trabalhador efetivamente autônomo, quando sozinhos, não puderem completar todo o processo produtivo (que, por sinal, se difere de processo de produção, sendo mais abrangente como se verá posteriormente) e sejam impreterivelmente necessários à consecução econômica final das atividades do tomador, por estarem inseridos na dinâmica produtiva não podem trabalhar de acordo com suas preferências, com suas inclinações, em suma, com suas vontades, devendo obedecer ao sutil sistema de colaboração e coordenação imposto, o que marcadamente evidencia os dois aspectos da dependência invocados nos parágrafos anteriores, seja sob o aspecto econômico ou seja pelo aspecto técnico.
As empresas enxugam os curso, dissimulam as relações de trabalho para externalizar os seus serviços para supostos autônomos ou pessoas jurídicas dissimuladas resguardadas no enganoso discurso permissivo de um trabalho aparentemente mais suave, mais tranqüilo, menos intenso e desgastante.
Ocorre que na verdade, nestas situações hoje constantemente vivenciadas, o trabalhador não possui uma organização laborativa própria, uma vez que conforme dito, em razão da sua grande inserção na dinâmica produtiva da empresa tomadora de seus serviços, vê sua autonomia sendo podada pelo regime de colaboração ao qual está submisso, sendo depende do êxito econômico da atividade que participa sob regime de coordenação
A verdade é que o modelo ora enfatizado de dependência econômica está fatalmente agregado à concepção estruturalista de subordinação, razão pela qual somente foi abordada ao momento, após a análise do propugnado por Mauricio Godinho Delgado.
Feitas as abordagens necessárias, passemos a mencionar alguns julgados do Exmo. Sr. Desembargador Luiz Otávio Linhares Renault que tratam o tema com respeitável maestria:
EMENTA: CONTRATO DE EMPREGO - PRESSUPOSTOS - A CLT E A SUA SEMÂNTICA - INTERPRETAÇÃO - CONCEITUALISMO E REALISMO - DEPENDÊNCIA E SUBORDINAÇÃO - O QUE TÊM DE COMUM INDEFINIDAMENTE E ALÉM TEMPO - PROCESSO PANÓPTICO DE HETERODIREÇÃO E DE CONTROLE DO TRABALHADOR NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA - IDENTIFICAÇÃO DO TIPO CONTRATUAL JUSTRABALHISTA - SÍMBOLO E RELAÇÃO SIMBOLIZADA-
Quanto mais se estuda e se pesquisa; quanto mais, em sua profunda raiz social, se volve e se revolve a terra e a essência da CLT, tanto mais fértil e atual ela se revela, em permanente mutação, fruto que foi da sabedoria dos seus autores (Professores Rego Monteiro, Oscar Saraiva, Dorval Lacerda, Segadas Viana e Arnaldo Süssekind), que a conceberam e a consolidaram para além do seu tempo, com os olhos postos no futuro, imprimindo-lhe, em determinados temas centrais, o sopro da modernidade a perder de vista, bem distante da época em que viviam, desprendidos que foram do conceitualismo, em prol do realismo social.
Talvez e novamente com muita sabedoria, eles tenham antevisto que, com o passar dos anos e das décadas, persistiria a mesma dificuldade em torno de uma legislação social, destinada à proteção dos trabalhadores, em geral, humildes e iletrados, sem a necessária força política para embates legislativos em face do poder e da força econômica das empresas que, por disposição da lei, caput do art. 2o., constituem as empregadoras, isto é, as pessoas físicas ou jurídicas que integram o prestador de serviços em benefício da consecução de seus objetivos de produzir bens e serviços para o mercado, cada vez mais globalizado e competitivo do que nunca.
Bom exemplo da modernidade legislativa de 1942/43, vindo das mãos de eminentes juristas, que, contrariando o pessimismo de Drummond, segundo o qual "os lírios não brotam das leis" (poema, Nosso Tempo), transformaram a realidade das relações trabalhistas em lírios, encontra-se no art. 3o. da CLT, que enverga os pressupostos da relação de emprego, aos quais devem se somar os requisitos de validade do respectivo contrato, obtidos pela via subsidiária do art. 104 do Código Civil " capacidade, objeto lícito e forma, esta exigível apenas quando expressamente prevista em lei.
No que tange à subordinação, o legislador, sem conceituá-la, a denominou, com sucesso perene, de dependência, também sem qualificá-la, o que permite a sua constante adaptação e transformação à realidade pelos intérpretes.
A discussão em torno da natureza da dependência perde-se no tempo, vem do século passado e várias foram as suas acepções científicas, tendo em vista a influência histórico-doutrinária e jurisprudencial de cada país " França, Alemanha, Itália e Espanha, principalmente. No Brasil, o legislador não qualificou a dependência " não disse se ela seria técnica, econômica ou social. Fez bem.
Aqui, a discussão não se revelou muito acirrada, porque, com o fluir do tempo, a dependência foi relacionada, isto é, foi identificada com a subordinação, que passou a ser jurídica: nasce e é inerente ao conceito de empresa e se instrumentaliza com o contrato, nas próprias veias da relação jurídica, pelas quais flui o comando integrativo e estrutural do trabalho alheio, heterodirigido nos limites da lei. Ocorre que esta acomodação científica relativamente tranqüila se deveu essencialmente ao sistema fordista da produção, hegemônico durante cerca de cinqüenta anos. Com a passagem da sociedade industrial para a sociedade informacional, baseada na internet de banda larga, no sistema hight tech de produção e de consumo em massa, sem precedentes na história humana, alteraram-se os paradigmas, agora próprios da pós-modernidade, em que as pessoas, a produção, os bens e serviços são muito diferentes se comparados com as décadas passadas.
As empresas enxugaram custos e trabalhadores, reduziram os seus espaços físicos, terceirizaram e externalizaram grande parte e fases da produção. Assim, um novo modelo surgiu: no passado, a luz artificial mudou os ponteiros dos relógios das fábricas, impondo ao trabalhador novos usos e costumes; no presente, a internet eliminou o relógio de corda ou digital, assim como o relógio biológico, impondo intensos ritmos de trabalho, de forma atemporal, embora os prestadores de serviços, aparentemente, sejam mais livres, sejam aparentemente autônomos. Fernanda Nigri Faria, baseada em Foucault, sustenta que "na era contemporânea o sistema panóptico foi adaptado e continua sendo plenamente utilizado para controlar os atos mínimos, com as mesmas finalidades de disciplina, individualização, manutenção da ordem, maior produtividade, eliminação de tempos inúteis e constante sensação de vigilância, apenas com nova estrutura, com novos métodos". Por conseguinte, a subordinação continua sendo a sujeição, a dependência, de alguém que se encontra frente a outrem, só que por outros métodos, não tão intensos e visíveis, porque não mais tanto sobre a pessoa, porém sobre o resultado do trabalho. Estar sob dependência ou estar sob subordinação, é dizer que o prestador de serviços se encontra sob as ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência. Na sociedade pós-moderna, vale dizer na sociedade info-info (Chiarelli), a subordinação passou para a esfera objetiva, objetivada e derramada sobre a atividade econômica da empresa, alterando-se o eixo de imputação jurídica: do trabalhador para a empresa. Subordinação objetiva (Romita), estrutural (Godinho), ou integrativa (Lorena Porto), diluída e fluida no lugar da subordinação corpo a corpo ou boca a ouvido. Nessa perspectiva prospectiva, a dependência-subordinação aproxima-se muito da não eventualidade e da sujeição econômica, por duas razões básicas: a) inserção/integração objetiva do trabalhador no eixo, na estrutura, na dinâmica da atividade econômica; b) dependência econômica, que, embora não seja uma característica uniforme, alcança, cada vez mais, maior número de trabalhadores, pelo que pode ser, pelo menos, um forte sintoma do tipo jurídico. Em casos limites, quando as fronteiras são zigue-zagueantes (Catharino), a subordinação vem deixando mais e mais de configurar-se pela ação. Restos de um modelo que se despedaçou, cujos gomos e fragmentos se repartem e se modificam, mas que são encontrados no determinismo atual do art. 3º. da CLT, considerando-se a aglutinação produtiva das diversas células da atividade econômica. Nesse contexto sócio-econômico, tempos de busca, de inclusão e de justiça social, uma nova faceta da subordinação se descortina: sub(sob)ord(ordem)inação(sem ação), tendo em vista não mais os comandos e as fórmulas clássicas, porém a integração objetiva do trabalhador na estrutura, no eixo, na dinâmica da atividade empresarial.
(TRT da 3ª Região; 4ª Turma; Proc.:
00393-2007-016-03-00-5; Relator: Luiz Otávio Linhares Renault; Publ. em 31/05/2008)EMENTA: MÉDICA CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AUTÔNOMOS OU CONTRATO DE EMPREGO? - TRAÇO DISTINTIVO - SUBORDINAÇÃO OBJETIVA E OBJETIVADA, COM POUCOS TRAÇOS SUBJETIVOS - MÉDICAS E OUTRAS PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR OU DE ALTA QUALIFICAÇÃO - SUBORDINAÇÃO SEM AÇÃO E SEM ROSTO - RESTOS DE UM MODELO QUE SE DESPEDAÇOU E CUJOS FRAGMENTOS SE REDIRECIONAM PARA AS CÉLULAS DE TRABALHO COM OUTRA CONFORMAÇÃO - APROXIMAÇÃO DE CONCEITOS: NÃO EVENTUALIDADE E SUBORDINAÇÃO - TIPO DO SERVIÇO PRESTADO E NÚCLEO MATRICIAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL- IMPUTAÇÃO JURÍDICA QUE SE FAZ NECESSÁRIA SOB PENA DE DESPOVOAMENTO DA EMPRESA E DA SUA FUNÇÃO SOCIAL - Subordinação é, simultaneamente, um estado e uma relação. Subordinação é a sujeição, é a dependência que alguém se encontra frente a outrem. Estar subordinado é dizer que uma pessoa física se encontra sob ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência. Na sociedade pós-moderna, vale dizer, na sociedade info-info (expressão do grande Chiarelli), baseada na informação e na informática, a subordinação não é mais a mesma de tempos atrás. Do plano subjetivo - corpo a corpo ou boca/ouvido- típica do taylorismo/fordismo, ela passou para a esfera objetiva, projetada e derramada sobre o núcleo empresarial, ainda que se trate de Clínica Médica. A empresa moderna livrou-se da sua represa; nem tanto das suas presas. Mudaram-se os métodos, não a sujeição, que trespassa o próprio trabalho, nem tanto no seu modo de fazer, mas no seu resultado. O controle deixou de ser realizado diretamente por ela ou por prepostos. Passou a ser exercido pelas suas sombras; pelas suas sobras em células de produção. Empregada é aquela que não faz o que quer e, sob essa ótica, não se pode negar que haja uma transferência de parte do seu livre arbítrio em troca da contraprestação ajustada. Empregada é quem faz o que lhe é determinado por quem comanda a prestação de serviços. Autônomo, ao revés, e aquele que dita as suas próprias normas. Tem a liberdade de trabalhar, pouco ou muito, e até de não trabalhar. Faz o que quer, como quer e quando quer, respeitando, obviamente, os contratos que livremente celebra. Diz-se que a subordinação é jurídica: nasce e morre para e no contrato de emprego, dela se servindo a empregadora, dentro da lei, para atingir os seus objetivos. Liricamente, haveria um sistema de freios e contrapesos, porque todo direito (principalmente de pessoa para pessoa, de subordinante para subordinado) tem de ser exercido com parcimônia, sem abuso. Cruamente, sabe-se que não é bem assim. Faltam à empregada o freio e o contrapeso, vale dizer, o direito de resistência, que é irmão gêmeo da garantia de emprego. Assim, a subordinação deve ser analisada como quem descortina o vale do alto de uma montanha - repleto de encantos e de cantos, de segredos e de gredas. Múltiplas e diversificadas são as formas de subordinação: inclusive aquela caracterizada por muita sub e pouca ação. As suas cores, as suas tonalidades e sonoridades variam: a voz da tomadora de serviços pode ser grave ou aguda, como pode ser um sussurro, ou mesmo o silêncio. A subordinação objetiva aproxima-se muito da não eventualidade: não importa a expressão temporal nem a exteriorização dos comandos. No fundo e em essência, o que vale mesmo é a inserção objetiva do trabalhador no núcleo, no foco, na essência da atividade empresarial. Nesse aspecto, diria até que para a identificação da subordinação se agregou uma novidade: núcleo produtivo, isto é, atividade matricial da empresa, que Godinho denominou de subordinação estrutural. A empresa moderna, por assim dizer, se subdivide em atividades centrais e periféricas. Nisso ela copia a própria sociedade pós-moderna, de quem é, simultaneamente, mãe e filha. Nesta virada de século, tudo tem um núcleo e uma periferia: cidadãos que estão no núcleo e que estão na periferia. Cidadãos incluídos e excluídos. Trabalhadores com vínculo e sem vínculo empregatício. Trabalhadores contratados diretamente e terceirizados. Sob essa ótica de inserção objetiva, que se me afigura alargante (não alarmante), eis que amplia o conceito clássico da subordinação, o alimpamento dos pressupostos do contrato de emprego torna fácil a identificação do tipo justrabalhista. Com ou sem as marcas, as marchas e as manchas do comando tradicional, os trabalhadores inseridos na estrutura nuclear de produção são empregados. Na zona grise, em meio ao fog jurídico, que cerca os casos limítrofes, esse critério permite uma interpretação teleológica desaguadora na configuração do vínculo empregatício. Entendimento contrário, data venia, permite que a empresa deixe de atender a sua função social, passando, em algumas situações, a ser uma empresa fantasma atinge seus objetivos sem empregados. Da mesma forma que o tempo não apaga as características da não eventualidade; a ausência de comandos não esconde a dependência, ou, se se quiser, a subordinação, que, modernamente, face à empresa flexível, adquire, paralelamente, cada dia mais, os contornos mistos da clássica dependência econômica.
(TRT da 3ª Região; 4ª Turma; Proc.:
Como podemos perceber, torna-se cada vez maior a dificuldade de o operador do direito apurar, nos casos concretos que lhe são submetidos, a relação de emprego, em especial o traço característico consagrado pela doutrina tradicional, a subordinação jurídica, frente aos novos contornos das relações econômicas e jurídicas advindas da pós-modernidade.
Não é por outra razão que Sidnei Machado analisou o crescimento do trabalho autônomo e percebeu a relevância da dependência econômica e da inserção do trabalhador na dinâmica produtiva da empresa beneficiária dos serviços prestados no atual contexto sócio-econômico no qual estamos inseridos.
No pós-fordismo, essa tem sido a tendência, pois, cada dia, o trabalho se torna mais autônomo, já que menos prescritivo, no entanto, a relação do trabalhador com o tomador se dá com plena característica de dependência econômica. Aqui, fica evidenciado apenas o elemento da inserção do trabalhador na organização da produção alheia, o qual induz que há sujeição do trabalhador ao empregador. Nessa perspectiva, o elemento fundamental seria a identificação da posição do trabalhador na relação de produção (28).
Em decorrência da necessidade de se alargar o campo de aplicação justrabalhista para incluir em seu âmbito todo o universo do trabalho, inclusive o que é apresentado pelas figuras atípicas apresentadas alhures, reafirma-se o critério da dependência econômica outrora descartado por alguns juristas que combatiam tal dependência com elemento central da percepção da relação empregatícia (até com certa razão). A dependência econômica, portanto, não esxurge como elemento único e absoluto para a configuração da relação empregatícia, ou seja, a dependência econômica, pode realmente não ser o todo; no entanto, é uma parte muito expressiva e importante da realidade sócio-econômica, que não pode ser completamente desprezada.
6.2. A alteridade e a assunção do risco da atividade econômica;
A característica da assunção dos riscos do empreendimento ou do trabalho consiste na circunstância de impor a ordem justrabalhista à exclusiva responsabilidade do empregador, em contraponto aos interesses obreiros oriundos do contrato pactuado, os ônus decorrentes de sua atividade empresarial ou até mesmo do contrato empregatício celebrado. Por tal característica, em suma, o empregador assume os riscos da empresa, do estabelecimento e do próprio contrato de trabalho e sua execução (29).
Conforme denuncia o título do presente tópico, a assunção dos riscos também é conhecida como "alteridade" (estado ou qualidade, natureza ou condição do que é do outro). Tal denominação aplicada ao Direito do Trabalho sugere que no contrato de emprego, é transferida a uma única parte todos os riscos que ele compreende, sejam os riscos da atividade econômica (sucesso ou fracasso do empreendimento) ou da prestação do labor em si.
A figura está, no texto celetista, incrustada ao conceito de empregador, pelo que dispõe o art. 2° que "considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço".
A doutrina amplamente majoritária (30) aceita que, não obstante tenha a CLT mencionado que o empregador assume os riscos da atividade econômica, os riscos assumidos pelo tomador dos serviços não são apenas aqueles tipicamente empresariais, mas também os que decorrem da própria existência do contrato de trabalho e seu cumprimento.
É de fácil visualização que não pode o tomador dos serviços impor a responsabilidade de uma etapa de seu processo produtivo (ou intelectivo) aos trabalhadores contratados de modo a direcionar-se à simples conveniência de veicular no mercado os bens ou serviços objetos finais da atividade econômica coordenada.
Desta maneira, o risco é transferido aos prestadores de serviços, que em caso de eventual decréscimo na rede de produção ou de queda de qualidade do serviço, podem ser facilmente dispensados pelo gestor-maior do empreendimento sob coordenação, restando este em posição privilegiada diante de uma dinâmica empresarial, na cômoda situação de "reposição de peças", sem ao menos objetivar a modernização de todo o processo e muito menos valorizar o trabalho despendido seu favor.
Enquanto este gestor, amplo tomador de serviços, continuar exercendo a direção e a determinação finalistica daquilo que totalmente ocupa a atividade do trabalho contratado em seu favor, o risco da atividade continuará nas costas deste prestador, o que deturpa a relação laborativa esfacelando as garantias justrabalhistas.
Desta maneira, pensamos que a alteridade nunca poderá ser dissociada do liame empregatício, sendo importante que o trabalho por conta alheia seja verificado, evitando-se a transferência do risco da atividade aos prestadores de serviços, o que aparentemente se almeja com a utilização das figuras trabalhistas expostas no presente estudo.
6.3. O exercício de atividade essencial incorporada ao processo produtivo;
Já foi mencionada a relevância da tese de Mauricio Godinho Delgado sobre a subordinação estrutural, no sentido de que a subordinação se manifesta através da inserção objetiva do trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços, independentemente de receber (ou não) ordens diretas, mas, acolhendo, estruturalmente sua dinâmica de organização de funcionamento.
A atividade essencial incorporada ao processo produtivo é aquela que exprime dependência (em seu sentido de conexão, correlação e interação) entre tal atividade e o alcance final do empreendimento.
Ora, é evidente que o trabalhador supostamente autônomo, mas não-eventualmente inserido na produção alheia, embora tenha relativo controle sobre o próprio trabalho, não detém nenhum comando sobre a atividade econômica no qual está inserido, contudo, justamente por estar presente no contexto do empreendimento, interage de modo fundamental no processo produtivo. É certo que tal trabalhador (figurando como pessoa jurídica, parte de terceirização irregular, autônomo-dependente ou parassubordinado) não deveria pertencer originariamente à organização produtiva alheia para a qual presta a sua atividade sem figurar como empregado clássico.
Assim como propugnado por Mauricio Godinho Delgado, pensamos que deve ser dada especial atenção não à mera forma de atuação da pessoa do prestador de serviços (modus operandi determinado pelo beneficiário do serviço), mas sim para o tomador do trabalho e sua dinâmica produtiva, vocacionada e estruturada para a absorção, isto é, para a integração da mão de obra, sem a qual não atinge os seus objetivos.
Finalmente, é oportuno fazermos algumas considerações sobre o que se entende por "processo produtivo", expressão várias vezes utilizada até o presente momento.
Sumariamente, poderíamos dizer que processo produtivo (em seu conceito amplo) é a capacidade de gerar produto ou veicular serviços de modo a agregar valor à sua atividade econômica. Ocorre que a geração do produto e a veiculação de serviços vão além da produção, dependendo também de como e em que condições a empresa compra bem e serviços intermediários e efetivamente vende os bens e serviços que produz.
Em modesto raciocínio, bem distante da ciência administrativa, mas com a pretensão de abordar o enquadramento da mão-de-obra na cadeia produtiva empresarial, pensamos que o processo produtivo compreende três etapas distintas.
A primeira delas é o processo de produção, que compreende a transformação física de bens e serviços intermediários em bens e serviços produzidos pela empresa. Neste compasso, podemos mencionar além do acúmulo de conhecimento, planejamento de fatores estratégicos e organização da capacidade de proporcionar os benefícios, a linha de produção em si. Percebe-se, portanto, que processo produtivo é conceito mais amplo e abrangente do que processo de produção.
Outra etapa consiste no estímulo de desenvolvimento de novos bens e serviços intermediários de outras unidades produtivas (internas ao empreendimento ou externas) com o intuito de agregar valor ao produto ou à atividade desenvolvida.
Por último, verificamos a distribuição e implantação do produto ou veiculação e prestação do serviço no mercado.
Entendemos que quando um trabalhador está inserido em qualquer uma destas etapas ele estará intimamente ligado ao tomador de serviço a ponto de poder ser qualificado como empregado, se se encontra em tal contexto laborando sem assumir os riscos de sua atividade e com dependência econômica, independentemente de submeter seu trabalho à direção empresarial .
De outra maneira, se estiver presente na dinâmica empresarial ora exposta (atividade enquadrada em uma das etapas do processo produtivo) trabalhando por conta alheia, mesmo sem dependência econômica, mas sujeito ao poder diretivo do tomador (determinações operacionais, fiscalização, etc), também será (e ainda com mais razão) empregado típico.