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Da incidência de IPVA sobre embarcações e aeronaves à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

RESUMO: O imposto sobre a propriedade de veículos automotores é um tributo recente no ordenamento jurídico brasileiro. Não obstante, referido tributo tem sido objeto de discussão no mundo jurídico, notadamente em razão da inexistência de uma Lei Nacional que regulamente a matéria. Por essa razão, aproveitando-se da liberdade outorgada pela Constituição Federal, os Estados têm estabelecido tratamento diferenciado, sobretudo no que toca à incidência em embarcações e aeronaves, o que acaba por fomentar uma guerra fiscal entre os entes políticos. Com base nesse panorama, pretende-se analisar a incidência de IPVA nas embarcações e aeronaves, partindo-se dos conceitos propostos pelo Prof. Paulo Barros de Carvalho, traçando-se os limites da expressão "veículo automotor", à luz da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

PALAVRAS-CHAVE: IPVA; Incidência; Embarcações; Aeronaves; Veículo Automotor.

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO; 2.REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA FISCAL; 3. BREVE HISTÓRICO DO IPVA; 4.CRITÉRIO MATERIAL; 5. DO ALCANCE DA EXPRESSÃO "VEÍCULO AUTOMOTOR" 6. POSIÇÃO DOUTRINÁRIA; 7. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; 8. CONCLUSÃO; 9. BIBLIOGRAFIA


1.INTRODUÇÃO

A busca do Brasil pela consagração de um Estado democrático de direito, através do implemento de políticas públicas com vistas a assegurar a dignidade dos cidadãos, fez com que surgisse a necessidade de arrecadação de tributos.

Para a instituição e arrecadação desses tributos, a Constituição Brasileira de 1988, lei tributária fundamental, instituiu diretrizes básicas com a criação das chamadas "normas de estrutura". Tais normas são verdadeiros imperativos que servem para a distribuição de competência entre os entes políticos integrantes do pacto federativo, e que atuam como permissivos para os poderes legislativos da União, Estados e Municípios, instituírem e arrecadarem seus respectivos tributos.

Com base nessas regras, especialmente no que tange aos Estados e ao Distrito Federal, extrai-se da leitura do artigo 155, inciso III, que compete a estes instituir impostos sobre a propriedade de veículos automotores - IPVA.

Ocorre que desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, não houve a elaboração de Lei complementar que regulamentasse o IPVA, o que deu margem aos Estados para estabelecerem as hipóteses de incidência deste tributo em suas legislações estaduais, ocasionando tratamentos tributários diversos e fomentando uma guerra fiscal entre os entes políticos.

A doutrina moderna tem entendido ser possível a incidência deste tributo sobre embarcações e aeronaves, interpretando a expressão "veículo automotor" constante no texto constitucional, como "todo veículo com propulsão por meio de motor, com fabricação e circulação autorizadas e destinadas ao transporte de mercadorias, pessoas ou bens" BASTOS (1990, pág 357), o que abarcaria os conceitos de aeronaves e embarcações, podendo os Estados realizarem a exação deste tributo.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ao se manifestar sobre a matéria, com base em uma interpretação histórica, decidiu que o campo de incidência do IPVA estaria circunscrito à propriedade de veículos automotores de transporte terrestre, não abrangendo assim, as embarcações e aeronaves. [01]

Assim sendo, o presente trabalho busca analisar, com base na teoria formulada pelo professor Paulo de Barros Carvalho, e à luz da doutrina e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o alcance da expressão "veículo automotor", bem como a capacidade legislativa dos estados para instituir o IPVA sobre embarcações a aeronaves.


2.REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA FISCAL

O emprego indiscriminado pela doutrina e jurisprudência da expressão "fato gerador" para a designação do antecedente ou conseqüente das normas jurídicas tributárias, gera um vício interpretativo grave, pois referida expressão ora é empregada para se referir à norma abstrata que dá origem a relação jurídica tributária, ora para se referir ao próprio acontecimento relatado na norma abstrata.

Na busca de resolver essa ambigüidade doutrinária, Paulo de Barros Carvalho propôs a utilização da regra matriz de incidência fiscal, separando-se o antecedente (norma geral e abstrata) da hipótese de incidência tributária, do consequente (norma individual e concreta).

Para melhor entendimento da matéria e, antes de adentrarmos ao tema central do presente artigo, é mister traçarmos algumas considerações acerca desta teoria, com base nos ensinamentos do referido doutrinador.

Para Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 347) regra-matriz "[...] é, por excelência, a norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos". Aclarando, a regra-matriz de incidência tributária opera justamente com o objetivo de, primeiramente em um plano hipotético, identificar se houve o ajuste de uma conduta humana a uma descrição legal, e, em se confirmando esta, identificar o teor desta relação jurídica daí surgida.

A este plano hipotético dá-se o nome de antecedente, e ao plano já embalado por ações factíveis, de consequente, cabendo informar que aquele é composto por três critérios (material, espacial e temporal), e este por dois (pessoal e quantitativo).

A conjugação de todos estes critérios permite ao intérprete da norma tributária a correta verificação da hipótese de incidência tributária, autorizando a exação do imposto.


3.BREVE HISTÓRICO DO IPVA

O IPVA é um tributo de origem recente no ordenamento jurídico brasileiro. Introduzido no ordenamento pátrio através da Emenda constitucional n.º 27/85, surgiu como sucedâneo da Taxa Rodoviária Única, que era cobrada anualmente pela União no momento do licenciamento do veículo, e cuja receita era aplicada no custeio de obras para conservação de rodovias.

As alterações introduzidas pela Emenda Constitucional supramencionada aboliram a Taxa Rodoviária Única e instituíram o IPVA, conferindo aos Estados e ao Distrito Federal a competência para a arrecadação deste tributo.

Todavia, desde sua instituição o IPVA não foi regulamentado por Lei Complementar, o que deu liberdade aos Estados para legislarem acerca da forma de instituição e arrecadação do imposto.

Nesse particular, PAULSEN (2007, p.89) ensina que:

Na ausência de lei complementar dispondo sobre esses elementos da hipótese de incidência (fato gerador, base de cálculo e contribuinte) dos impostos nominados – o que ocorre com o IPVA, que não está delineado no CTN, eis que surgiu com a Emenda Constitucional n° 27/85 -, os entes federados estão autorizados a exercer a competência legislativa plena, forte no disposto no art. 24, §3°, da CF [...]

Deste modo, considerando a liberdade dada aos legislativos estaduais, diversas foram as disparidades encontradas nas legislações, sobretudo no que toca à incidência do imposto sobre embarcações e aeronaves.

Para melhor compreender a discussão existente acerca do referido tributo, analisar-se-á na seqüência o critério material, com base nos ensinamentos do Prof. Paulo de Barros.


4.CRITÉRIO MATERIAL

O critério material da hipótese de incidência tributária é representado pelo binômio verbo + complemento. No caso do IPVA, afere-se que o referido critério é dado pela ocorrência do binômio "ser proprietário de veículo automotor". A partir da ocorrência do fato acima descrito, no momento da aquisição do veículo novo ou a partir de 1º de janeiro do ano seguinte, por exemplo, em qualquer ponto do território nacional, passa o Estado (onde o respectivo veículo se encontra registrado, em regra) a ter o direito de exigir o pagamento do IPVA do sujeito passivo (proprietário do veículo), calculados de acordo com a base de cálculo (via de regra valor venal do veículo) e alíquotas estabelecidos pela respectiva Lei Estadual.

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No Estado do Paraná o IPVA é regulado pela lei estadual nº 14.260/03 que traz em seu artigo 2º: "O IPVA tem como fato gerador a propriedade de veículo automotor e será devido anualmente" [02]. Conforme se observa através de uma simples leitura do referido artigo, temos que o legislador paranaense seguiu o preceito constitucional que definiu esta competência tributária (Art. 155, III, CF [03]) ao definir em seu Estado qual fato caracterizaria a ocorrência do critério material da hipótese tributária. No caso, reiterando o já mencionado, o critério material é representado na lei estadual pelo binômio "ser proprietário de veículo automotor".

Analisando os elementos do critério material verifica-se que proprietário é aquele que possui o "direito de usar, gozar e dispor da coisa, e reivindicá-la de quem a injustamente a detenha" (PEREIRA, 2002, p.67). Este conceito já se encontra pacificado, no estudo do referido imposto, não havendo grandes controvérsias sobre quem seria o proprietário do veículo.

Contudo, a análise da expressão veículo automotor se mostra um tanto quanto complicada e até mesmo confusa, em vista da ausência de lei complementar que defina o respectivo termo e também em virtude dos diversos tratamentos dado tanto pelas leis estaduais, quanto pela doutrina e jurisprudência acerca do conceito e alcance deste termo.


5.DO ALCANCE DA EXPRESSÃO "VEÍCULO AUTOMOTOR"

O alcance da expressão "veículo automotor" talvez seja a maior controvérsia no que diz respeito ao IPVA. Em virtude da ausência de lei complementar que defina tal conceito, esta definição ficou a mercê das legislações estaduais.

Em vista disso, couberam as legislações estaduais a incumbência de definir o alcance desta expressão, trazendo se esta incluiria as embarcações e aeronaves, ponto este que se mostrou o núcleo da discussão acerca do referido conceito. Contudo, em vista da divergência doutrinária e jurisprudencial, as próprias legislações estaduais adotam diferentes critérios para esta definição. O Estado do Paraná [04] por exemplo, entende não ser cabível a cobrança de IPVA para embarcações e aeronaves, ao contrário do Estado de Santa Catarina [05], por exemplo, que considera tal cobrança devida.

A palavra veículo origina-se do latim vehiculo, de vehere (conduzir, transportar). Mais precisamente a palavra vehere significa transportar por terra ou por mar, por meio de qualquer veículo. Ou seja, o veículo seria o aparelho que serve para o transporte de coisas ou pessoas de um lugar para o outro (MAMEDE, 2002, p.52). Já a palavra motor está relacionada a palavra movimento. Deste modo, motor seria "o mecanismo que gera movimento e pode transmitir movimento, provocar movimento"(MAMEDE, 2002, p. 53).

A simples análise dos termos que compõe o complemento do critério material, não nos permite afirmar categoricamente se este englobaria embarcações e aeronaves, visto que ambas se enquadram nos conceitos abordados.

Deste modo, torna-se pertinente a análise da definição legal de veículo automotor, embarcações e aeronaves. O conceito de veículo automotor nos é dado pelo Anexo I, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei no 9.503/97) [06]:

"Veículo Automotor - todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico)" (grifamos).

Já o conceito de aeronave vem descrito no caput, do art. 106, do Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei no 7.565/86) [07]: "Considera-se aeronave todo aparelho manobrável em vôo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou coisas" (grifamos).

Enquanto o conceito de embarcação está no art. 11, parágrafo único e suas alíneas, do Tribunal Marítimo (Lei no 2.180/54) [08]:

"Considera-se embarcação mercante toda construção utilizada como meio de transporte por água, e destinada à indústria da navegação, quaisquer que sejam as suas características e lugar de tráfego. Parágrafo único. Ficam-lhe equiparados: a) os artefatos flutuantes de habitual locomoção em seu emprego; b) as embarcações utilizadas na praticagem, no transporte não remunerado e nas atividades religiosas, cientificas, beneficentes, recreativas e desportivas; c) as empregadas no serviço público, exceto as da Marinha de Guerra; d) as da Marinha de Guerra, quando utilizadas total ou parcialmente no transporte remunerado de passageiros ou cargas; e) as aeronaves durante a flutuação ou em vôo, desde que colidam ou atentem de qualquer maneira contra embarcações mercantes." (grifamos).

Mais uma vez, observa-se que os elementos trazidos pelos legisladores não foram suficientes para elucidar a questão. Ao mencionar que veículo automotor "serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas", o Código Brasileiro de Trânsito, com ou sem intenção, incluiu no conceito de veículo automotor as aeronaves e embarcações, visto que estas transportam pessoas e coisas em vias aéreas e aquáticas, respectivamente. Do mesmo modo os conceitos legais que definiram aeronaves e embarcações em nada contribuíram para a solução da controvérsia, pois especificam que ambos os veículos servem para transporte de pessoas e coisas.

Conseqüentemente, torna-se necessário a interpretação da intenção do constituinte ao criar o IPVA, visando buscar a intenção deste ao instituir o imposto.

Conforme já abordado, o IPVA substituiu a Taxa Rodoviária Única que era cobrada dos veículos automotores terrestres para a manutenção e custeio das rodovias, quando do licenciamento ou da renovação da licença para o veículo circular.

Em vista disso, parte da doutrina e da jurisprudência através de uma interpretação histórica, entende que o IPVA foi instituído para substituir a TRU, de modo que como esta não abarcava aeronaves e embarcações, mas somente veículos terrestres, aquela também deveria incidir no mesmo sentido.

Não nos parece a melhor interpretação. A criação do IPVA trouxe uma ruptura, com relação a antiga TRU. Esta é uma taxa, aquele é um imposto. Interpretar uma nova criação somente baseado no seu antecedente tende a impedir a evolução do sistema (MAMEDE, 2002, p. 55). Deste modo, a interpretação que deve prevalecer é a sistêmica, a luz do principio da capacidade contributiva. É impensável concordar que o proprietário de uma embarcação e aeronave, via de regra, é possuidor de uma capacidade contributiva ínfima. Deste modo, seria injusto que estes fossem isentos de pagar um determinado imposto somente em vista da origem histórica de uma lei.

Deve, portanto, prevalecer à interpretação sistêmica a luz do principio da capacidade contributiva, pois deste modo resolve-se a questão do alcance da expressão veículo automotor, devendo englobar embarcações e aeronaves, bem como se chega ao objetivo do constituinte que ao instituir tal imposto percebeu que a propriedade destes veículos denota a presença de capacidade contributiva por parte de seus proprietários.


6.POSIÇÃO DOUTRINÁRIA

Parte da doutrina entende que o conceito de aeronave, principalmente, se distancia do conceito de veículo automotor, o que tornaria totalmente equivocado a tentativa de alguns Estados fazerem incidir IPVA sobre a propriedade destes bens.

Contudo, outra corrente doutrinária defende a presença por si só de motor, já é o suficiente para enquadrar o veículo como sendo automotor, sendo irrelevante neste caso até mesmo a finalidade do mesmo, se utilizado para lazer, transporte de coisas ou pessoas. Neste sentido Gladston Mamede defende inclusive não ser necessário definir caso a caso o que é veículo automotor, devendo a riqueza de detalhes estar presente na definição da estrutura legal, o que no caso do IPVA já ocorre em vista da previsão constitucional pormenorizada existente (MAMEDE, 2002, p.58).

Sobre este aspecto parte da doutrina entende inclusive, que se fosse da vontade do constituinte restringir o alcance da expressão veículo automotor, ele o teria feito de modo expresso, acrescentando no texto legal a expressão "de via terrestre", o que tornaria inequívoca a interpretação da expressão. Contudo, retomando novamente a questão da capacidade contributiva, verifica-se que a intenção foi incluir embarcações e aeronaves no alcance da expressão veículo automotor.

Outra parte da doutrina entende ser incabível a cobrança de IPVA sobre embarcações e aeronaves, por configurar invasão de competência por parte do Estado em matéria de competência exclusiva da União. Entendem que o disposto no artigo 22, inciso I da Constituição Federal se aplicaria nesse caso, cabendo somente a União instituir qualquer matéria no que diz respeito ao transporte aéreo e marítimo (MAZZONI, 2005). Entretanto, tal interpretação não deve prevalecer, pois ao instituir o IPVA de modo algum, está o Estado invadindo a competência da União. Ao contrário, ao instituir este imposto está atuando de acordo com os preceitos constitucionais que o definiram como competente para tal ato.

A partir de agora, analisar-se-á o entendimento dos tribunais, principalmente do Supremo Tribunal Federal, acerca do alcance da expressão "veículo automotor" e da conseqüente incidência de IPVA sobre aeronaves e embarcações.


7.JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Conforme já exposto em tópico supra, muito embora algumas legislações estaduais assim como a doutrina estabelecem ser cabível incidir o IPVA sobre aeronaves e embarcações, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é outro. Entende o Egrégio Supremo Tribunal Federal que as legislações estaduais não devem realçar a cobrança do referido imposto sobre embarcações e aeronaves.

Para tanto, faz-se necessário analisar o entendimento do Supremo Tribunal Federal em análise do caso concreto. Para tanto, torna-se imperioso demonstrar o entendimento jurisprudencial pertinente ao tema extraído do Acórdão do Recurso Extraordinário 255.111-2, onde figura enquanto recorrido o Estado de São Paulo.

Neste caso apresentado, declarou-se, por maioria de votos, a inconstitucionalidade do inciso III do artigo 6° da Lei 6.606 de 1989, de São Paulo. Saliente-se que tal decisão teve como fundamento primordial o fato de que o IPVA sucedeu a já mencionada Taxa Rodoviária Única.

Entendeu o Supremo Tribunal Federal que, por ser o IPVA sucedâneo da TRU, este deve manter os elementos conceituais, seguindo um critério histórico, devendo estar em harmonia com o tributo extinto.

Portanto, uma vez que a Taxa Rodoviária Única era tributo que atingia somente os veículos automotores terrestres, o IPVA uma vez que tributo posterior, porém, sucedâneo à TRU, deve incidir tão-somente sobre os veículos automotores de via terrestre.

Além disso, entendeu que o legislador, ao criar o IPVA, tinha como ideia circunscrever o novo imposto aos veículos de circulação terrestre, isto é, ao mesmo âmbito de incidência material da Taxa Rodoviária Única, e que isto emanava da vontade objetivada do legislador.

Seguindo, não seria demais transportar para o presente trabalho partes do voto do Min. Sepúlveda Pertence, de onde se extraiu o entendimento que fundamentou a decisão por acolher a inconstitucionalidade da norma paulista.

Explanou o D. Ministro do Supremo Tribunal Federal, em conformidade com o então Procurador da República Moacir Antonio Macha da Silva, que:

"(...) a)Os trabalhos preparatórios revelam que o novo imposto foi criado em substituição à Taxa Rodoviária Única, de modo que seus elementos conceituais, segundo um critério histórico, devem ser definidos em harmonia com os do tributo extinto; b)a expressão veículos automotores(...)deve ser tomada em sua acepção técnica, referindo-se, dessa forma, apenas aos que percorrem as vias terrestres(...)"

Continua, dizendo que:

"(...)Não procede, data venia, a alegação de que o sentido das expressões não deve ser obtido à luz do direito anterior. Como assinala FERRARA, mesmo quando versa sobre relações novas a regulamentação inspira-se frequentemente na imitação de outras relações que já tem disciplina no sistema(...)"

Ademais, conclui pela determinação de que o legislador quis manter a incidência sobre os veículos terrestres afirmando que:

"(...)Na acepção em que é utilizada ordinariamente no direito positivo brasileiro, inclusive na definição de campo de incidência tributária, a expressão veículos automotores diz respeito aos veículos de transporte terrestre(...)

Saliente-se que o D. Ministro utilizou-se de entendimento proferido pelo citado Procurador da República na Rp 1344 emitida pelo D. Ministro em face dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Entretanto, não deve ser considerado como correto o entendimento jurisprudencial, ainda que corroborado por precedentes, como, no caso, o Recurso Extraordinário 134.509-8 onde figura como Recorrente o Estado do Amazonas, sendo que o Acórdão não conheceu do Recurso, não incluindo no campo de incidência as embarcações e aeronaves na legislação do Estado do Amazonas.

Deve-se entender que a interpretação histórica, neste caso, não deve prosperar em detrimento de uma análise sistêmica do ordenamento jurídico brasileiro. Sendo assim, não se faz correto afirmar que o IPVA deve manter os conceitos elementares da extinta Taxa Rodoviária Única, mantendo assim a sua incidência somente sobre os veículos automotores de via terrestre. Corrobora-se tal entendimento no fato de que, primeiramente, trata-se de duas espécies diferenciadas de tributo: o IPVA á imposto, a TRU, taxa. Ademais, o primeiro tributo, incide sobre a propriedade, o segundo, sobre a utilização do veículo automotor.

Ainda, imperioso é considerar que o IPVA não é somente uma transcrição do dispositivo legal referente à TRU, tampouco mera substituição do tributo, ou mesmo uma atualização. Trata-se de tributo de caráter inovador, sem nenhuma previsão pretérita que se faça adequada a comparação.

Somado a este entendimento, concluir que veículo automotor, no caso do tributo por ora analisado é aquele que transita em via terrestre é desconsiderar o que determina o Código de Trânsito Brasileiro. Aliás, este é o entendimento do Relator do Recurso Extraordinário n. 255.111-2, o Ministro Marco Aurélio, que em seu voto e empreendendo uma análise sistêmica do termo "veículo automotor", definiu, utilizando-se de conceito de Cretella Júnior e outros doutrinadores, que veículo automotor é aquele que detém meios de propulsão, não importando por qual via transite.

Por fim, concluir pela não incidência do IPVA para embarcações e aeronaves é ignorar o princípio da capacidade contributiva, uma vez que os proprietários destes tipos de veículos em regra possuem elevado nível de vida.


8.CONCLUSÃO

Analisou-se no presente trabalho, em síntese, a controversa situação acerca da incidência ou da possibilidade de incidência do Imposto sobre s propriedade de veículos automotores – IPVA, sobre embarcações e aeronaves.

Para tanto, se fez necessário analisar, inicialmente, a Regra Matriz de incidência fiscal pertinente ao tema, assim como a definição do Critério Material do IPVA, qual seja, ser (verbo) proprietário de veículo automotor (complemento).

Ademais, uma vez que a controvérsia em muito se encontra na origem história do IPVA, necessitou-se analisar o histórico da tributação sobre veículo, sendo que, vislumbrou-se que tal tributação, inicialmente, incida tão-somente sobre veículos automotores de via terrestre.

È neste sentido que entende o Supremo Tribunal Federal ser inconstitucional a legislação que enquadra embarcações e aeronaves como objeto de incidência do IPVA. Sendo sucessor da Taxa Rodoviária Única, entende o Supremo Tribunal Federal que o IPVA deve manter as características essências da TRU e incidir somente sobre veículos automotores terrestres. Ainda neste sentido, entende o STF em seus julgados que veículo automotor somente pode ser enquadrado como aquele que transita, por seus próprios meios, em via terrestre.

Entretanto, concluiu-se com o presente trabalho, após análise da legislação vigente no país e da doutrina atinente ao tema, que o entendimento jurisprudencial se faz de maneira errônea.

Saliente-se que entende a doutrina que embarcação e aeronave se enquadram na definição "veículo automotor", uma vez que este é aquele que transita por seus próprios meios de propulsão, realizando transporte de pessoas ou coisas. Aliás, este é o conceito etimológico dos termos "veículo" e "motor".

Corrobora-se tal entendimento doutrinário com as definições encontradas no ordenamento jurídico, como por exemplo, a definição constante no Código de Trânsito Brasileiro.

Conclui-se ainda que não se pode considerar o IPVA mera atualização, ou mero sucedâneo da TRU, uma vez que se tratam de tributos de caráter e elementos distintos.

Por fim, frise-se que é de extrema necessidade uma análise sistêmica do ordenamento jurídico brasileiro no que se refere ao IPVA, sendo que esta análise deve ser à luz do princípio da capacidade contributiva, sendo passível de erro no que tange o tema.


9. BIBLIOGRAFIA

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 3. ed. São Paulo: RT, 1984.

BASTOS, Celso; MARTINS, Ives gandra. Comentários à constituição do Brasil, 1990.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MAMEDE, Gladston. Imposto sobre a propriedade de veículos automotores. São Paulo: RT, 2002.

MAZZONI, Cesar Augustus. A ilegalidade da incidência de IPVA sobre aeronaves e embarcações. Disponível em <http://www.escritorioonline.com.br> Acesso em: 01/12/09.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Vol. IV. 17 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002.


Notas

  1. Precedentes: STF - RE 134509/AM e RE 2551112/SP.
  2. Disponível em: http://celepar7cta.pr.gov.br/SEEG/sumulas.nsf/319b106715f69a4b03256efc00601826/b 1881f136a3d1fdb03256e9900692b28?OpenDocument <Acesso em 01/12/09>
  3. Constituição Federal – "Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federa instituir impostos sobre: (...) III – propriedade de veículos automotores."
  4. Lei 14.260 (alterada pela Lei Estadual nº 14.558/04) – Art. 1º (...) Parágrafo Único - Para efeito da incidência do imposto, considera-se veículo automotor qualquer veículo terrestre dotado de força motriz própria de qualquer tipo, ainda que complementar, destinado ao transporte de pessoas e coisas.
  5. Lei 7.543/88 – Art. 2° O imposto sobre a propriedade de veículos automotores tem como fato gerador a propriedade, plena ou não, de veículos automotores de qualquer espécie.
  6. Disponível em: http://200.19.215.13/legtrib_internet/index.html <Acesso em: 01/12/09>.

  7. Disponível em: http://www.senado.gov.br/web/codigos/transito/cnt00083.htm#E15E21 <Acesso em: 01/12/09>
  8. Disponível em: http://www.leidireto.com.br/lei-7565.html <Acesso em: 01/12/09>
  9. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/107485/lei-2180-54 <Acesso em 01/10/09>
Sobre os autores
Gerson Bernardes de Carvalho Junior

Advogado; Pós-graduando em Direito Constitucional Contemporâneo pelo IDCC (Instituto de Direito Constitucional e Cidadania) - Londrina (PR).

Weslei Gustavo Souza Ciciliato

Advogado; Pós-graduando em Direito Constitucional Contemporâneo pelo IDCC (Instituto de Direito Constitucional e Cidadania) - Londrina (PR).

Pedro Luiz Lepri Junior

Advogado; Pós-graduando em Direito Constitucional Contemporâneo pelo IDCC (Instituto de Direito Constitucional e Cidadania) - Londrina (PR). Pós-graduando pela FEMPAR (Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná) - Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO JUNIOR, Gerson Bernardes; CICILIATO, Weslei Gustavo Souza et al. Da incidência de IPVA sobre embarcações e aeronaves à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2623, 6 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17344. Acesso em: 26 dez. 2024.

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