Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Limitações ao poder de tributar: aspectos diferençais entre os institutos da isenção, imunidade, remissão e anistia

Exibindo página 1 de 2
Agenda 24/09/2010 às 10:02

Resumo: Devido às freqüentes confusões que acometem não só os estudantes, mas também os operadores do Direito não-familiarizados com a tecnologia tributária é que o presente artigo busca, na medida do possível, estabelecer as principais diferenças entre os institutos da imunidade, isenção, remissão e anistia. Tais institutos estão relacionados à competência tributária posta na Carta Constitucional, que, por sua vez, traçou, quer direta, quer indiretamente as diretrizes dos tributos. Por conseguinte, faz a tessitura dalgumas informações acerca de cada entidade jurídica retrocitada, apondo conceitos sempre estribados em exemplos, para, alfim, engendrar uma ponderação concernente às Limitações ao Poder de Tributar, instituído pela Constituição Federal como forma de salvaguardar os direitos do Contribuinte, com o escopo de evitar os abusos por parte dos titulares da competência tributária. Justifica-se, assim, a relevância deste artigo que visa a esclarecer aos seus consulentes, laicos ou não, o que pode ou não ser tributado pelos fiscos federal, estadual e municipal.

Palavras-chave: Limitações ao Poder de Tributar. Tributos. Contribuinte. Imunidade.

Sumário: 1. Introdução; 2. Prolegômenos; 2.1. Não-incidência tributária; 3. Imunidades Tributárias; 3.1 Espécies de Imunidades; 3.1.1 Imunidade Recíproca ou Intergovernamental; 3.1.2 Imunidade para Templos de Qualquer Culto; 3.1.3 As Imunidades dos partidos políticos e suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores e das instituições de educação e assistência social; 3.1.4 As entidades sindicais dos trabalhadores; 3.1.5 As instituições de educação 4. Isenções Tributárias (Arts. 176 a 179 do CTN); 4.1 Conceitos. 5. Remissão; 5.1. Definição; 6. Anistia (Arts. 180 a 182 do CTN); 7. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa a tecer algumas considerações tangentes à competência tributária, bem como também das limitações ao poder de tributar dos entes titulares de tal competência, definindo os institutos da imunidade, isenção, remissão e anistia.

Com efeito, freqüentemente se presencia a confusão de conceitos entre os acadêmicos e os operadores do Direito que atuam noutra senda, havendo um equívoco de definição destes vocábulos. E mais: a própria Constituição Federal ora se refere à imunidade, em lugar de isenção, ora se refere à isenção em lugar de imunidade, haja vista a confusão operada pelo legislador constituinte.

A confecção do Artigo em tela é fruto de pesquisas teóricas e empíricas, em que se buscou adaptar a teoria a um caso concreto, objeto da práxis cotidiana, de modo que os métodos empregados foram o dialético e o empírico, amoldando os casos in concreto ao arcabouço constitucional, que disciplinou a matéria com riqueza de minudências, ou seja, arquitetou uma regra rígida quando da criação de um tributo, que deve obedecer àquilo que Carrazza (2004, p. 448) chama de arquétipo do tributo, que é a hipótese de incidência do tributo.

Destarte, como é cediço, a Lei das Leis condicionou a tributação dos entes federados, atribuindo-lhes competência, sendo que os princípios são as regras mais importantes do ordenamento jurídico, contidos na Constituição Federal. Eis alguns princípios de natureza tributária:

Princípios Constitucionais Tributários. Legalidade: art. 150, I da CF: a) abordagens: a primeira idéia é o consentimento, uma vez que a tributação é imposta por lei, fruto da manifestação dos representantes do povo. Exclui-se, portanto, a possibilidade de instituição de imposto por meio de contratos, por determinação do Executivo. O Poder Executivo possui apenas o poder regulamentar, sendo um ato normativo secundário, pois somente explicita o seu conteúdo, sem ultrapassar os limites de dada lei. Somente a lei, oriunda do Legislativo, consiste em ato normativo primário. b) Segurança Jurídica: é a relação jurídica, uma vez que é uma via de mão dupla. c) Reserva exclusiva da lei: somente a lei poderá determinar o fato gerador do tributo. Princípio da Isonomia (art. 150, II: Trata-se da igualdade: I) Isonomia Formal (150 II): diz respeito aos destinatários da norma jurídica; é necessário eleger uma gama de destinatários para tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais. d) Irretroatividade (150, II, a); e) Anterioridade (150, III, b); f) Proibição do Confisco (150, IV); g) Liberdade de Tráfego (150, V); h) Imunidades (150, VI)etc.


2. PROLEGÔMENOS

2.1 Não-incidência tributária

A não-incidência tributária é tão-somente a ocorrência de um fato que não possui aptidão (AMARO, 2004, p. 263) e nunca esteve dentro da hipótese de incidência possível de gerar tributo.

Vale dizer, não há incidência quando não ocorre fato algum ou quando ocorre um fato tributariamente irrelevante, isto é, que não se amolda a nenhuma hipótese de incidência tributária. Noutras palavras, parafraseando a nomenclatura criminal, não há antijuridicidade, tipificação que enseje a exigência de tributos.

Ataliba (2004), usando expedientes didáticos, costumava cotejar a situação de não-incidência tributária ao não-crime, chegando, de modo inclusivo, a utilizar a terminologia fato não-imponível, para concernir ao fenômeno que não realizava a hipótese de incidência tributária.

No dizer de Carrazza (2004, p. 824-825) não há como nem porque isentar uma situação de "não-incidência".

Resta claro e hialino, portanto, que, enquanto a isenção depende de lei, em sentido amplo, para de forma válida exsurgir, a não-incidência é a impossibilidade de abrangência no que diz respeito ao aspecto material de se constituir o tributo, podendo, e devendo, ser deduzida por tão-somente uma simples questão explicativa. Ou, ainda, poder-se-ia afirmar que, enquanto a isenção brota da lei, a não-incidência emerge da falta de lei, nalguns casos, ou da impossibilidade jurídica de se tributar certos fatos, em face da regra-matriz constitucional do tributo a eles não se amoldar.

A lei que cria um tributo deve conter requisitos obrigatórios, perfazendo uma lista taxativa, exaustiva ou numerus clausus, qual seja: aspecto material (multa e fato gerador); aspecto temporal (quando ocorre a hipótese de incidência); aspecto espacial (onde ocorre o fato gerador); aspecto pessoal (sujeito passivo)e critério quantitativo (alíquota e base de cálculo). Sem tais critérios não se há de falar em criação de tributos, caso isso ocorra eivado está de vício insanável.

Neste caso, lei que ordene tributar caso de não-incidência constitucionalmente qualificada é, sem dúvida, inconstitucional. Em contrapartida, lei que concede isenção não gera nenhum efeito.

Ocorre que os entes políticos não precisam e, diga-se de passagem, nem devem isentar o que já está imune, isto é, o que já está sob a égide da imunidade, a qual está disciplinada na Carta Federal.

Em epítome, dir-se-ia que os casos de não-incidência de qualquer tributo independem de lei para serem reconhecidos.

Concernente aos institutos da não-incidência, imunidade eda isenção é elucidativa a lição de Martins (2006, p. 63-64),

A "imunidade" é o mais relevante dos institutos desonerativos. Corresponde vedação total ao poder de tributar. A imunidade cria área colocada, constitucionalmente, fora do alcance impositivo, por intenção do constituinte, área necessariamente de salvaguarda absoluta para os contribuintes nela hospedados. A relevância é de tal ordem que a jurisprudência tem entendido ser impossível a adoção de interpretação restritiva a seus comandos legais sendo, obrigatoriamente, a exegese de seus dispositivos ampla. [...]

Na imunidade não há nem o nascimento da obrigação fiscal, nem do conseqüente crédito, em face de sua substância fática estar colocada fora do campo da atuação dos poderes tributantes, por imposição constitucional. Independe, portanto, das vontades legislativas das competências outorgadas pela lei maior.

A não-incidência, materialmente, se reveste da mesma estrutura. Não há nem nascimento da obrigação tributária, nem d crédito respectivo, em face de que as pessoas ou situações postas fora da imposição não geram, por seus atos ou ocorrências fáticas, nem obrigação, nos termos dos arts. 113 e 114 do CTN, nem crédito correspondente (arts. 139 e 142), que é o ingresso para o universo administrativo, em nível de conhecimento e ação, do vinculado fato gerador [...].

A isenção já seria diversa por implicar lei expressa de bloqueio (legalidade estrita e restrita). Desse modo, dir-se-ia que a não-incidência seria a abstenção do legislador à hora de cingir o fato gerador, i.e., a tipificação.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A diferença acha-se, pois, na gênese do instituto. Concernente à não-incidência tem-se que há um óbice para o surgimento da obrigação e do crédito, porquanto o Poder tributante, que pode, não possui o desiderato de poder. Possui a capacidade constitucional de impor, porém exonerar-se do exercício de sua competência. Na imunidade, o poder tributante não tem qualquer poder Martins (2006, p. 64). Assim, não abdica de nenhum direito, haja vista não possuir direito algum de imposição.

Destarte, na isenção nasce a obrigação tributária, não nascendo, contudo, o crédito tributário, isto é, a obrigação tributária subsiste, mas o Poder Tributante por lei concede o benefício ao contribuinte de não convertê-la em crédito tributário.

Eis a razão pela qual a interpretação, em se tratando das isenções, é literal - restritiva, como consigna o art. 111 do CTN. O E. Conselho de Contribuintes assim pacificou a matéria:

IRPF - ISENÇÃO. Plano de Demissão Voluntária (PDV). Interpreta-se literalmente a legislação tributária que concede tal benefício à luz do art. 111, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN). In casu, inexistindo Programa de Demissão Voluntária (PDV), suficientemente comprovado, é de negar-se o benefício isencional, mormente quando há evidência de rescisão pura e simples de contrato de trabalho. Recurso Voluntário não-provido.

Processo n.º.: 13710.002571/99-09, Recurso n.º.: 133.895 VOLUNTÁRIO, Matéria: IRPF. Recorrente: CLEMENCEAU PINTO MARQUES, Recorrida: DRJ no RIO DE JANEIRO-RJ II, Sessão de: 9 de setembro de 2003; Acórdão n.º.: 102-46111. Rel. Cons. Ezio Giobatta Bernardinis.


3. IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

Antes de se adentrar no tema das imunidades tributárias mister se faz que se teça algumas considerações acerca da competência tributária. Competência tributária é a faculdade que as pessoas políticas têm de criar, in abstracto, tributos. Por esta razão, devem descrever, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas.

A competência tributária tem suas fronteiras perfeitamente esboçadas pela Carta Política Federal que, aliás, delineou as diretrizes dos tributos.

Neste sentido, a imunidade tributária ajuda a demarcar o campo tributário. Na verdade, as regras de imunidade também delimitam, no sentido negativo, as competências dos entes políticos.

Como dito alhures, as imunidadesrepresentam uma delimitação negativa da competência tributária. Como a competência tributária representa o ofício de legiferante de criação de tributos, pode-se dizer que a regra imunizante revela-se em elemento de incompetência tributária (SABBAG, 2004, p. 39).

Existem determinados campos de competências nos quais não poderá haver tributação: trata-se de incompetência tributária, delimitadora de zonas de não-tributabilidade.

Repise-se, imunidade é matéria de ordem constitucional, materializando uma dispensa constitucional de pagamento de tributo. Ao passo que a isenção, por sua vez, se materializa em dispensa legal de pagamento de tributo. Assim, a primeira é não-incidência constitucionalmente qualificada. Já a segunda é dispensa legalmente qualificada, estando no campo da incidência tributária.

Com efeito, na isenção a hipótese de incidência ou fato gerador acontece; nascendo, por conseguinte, o liame obrigacional, mas o lançamento do tributo é dispensado. Assim, na imunidade não se há-de falar em relação jurídico-tributária, posto que a regra imunizadora está fora do âmbito da incidência.

Resumindo de maneira bastante didática eis os conceitos dos institutos arrazoados:

Não-incidência é a ausência de subsunção do fato imponível ao conceito descrito na hipótese de incidência tributária, ou seja, o acontecimento fático não corresponde à descrição legal com perfeição: faltam elementos para a tipicidade.

Imunidade é uma não-incidência constitucionalmente qualificada. É o óbice decorrente de regra da Constituição à incidência de impostos sobre determinados fatos e situações.

Isenção é um favor legal, consubstanciado na dispensa de pagamento de tributo devido, isto é, a autoridade legislativa desobriga o sujeito passivo da obrigação tributária de pagar tributo. Noutras palavras, os entes tributantes ou federativos não poderão instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (SABBAG, 2004, p. 39-40).

As pessoas políticas são imunes aos impostos ex vi do artigo 150, VI, a, da Constituição Federal. É a chamada imunidade recíproca e deriva do princípio federativo e do princípio da isonomia - igualdade formal dos entes políticos.

Reitere-se que a imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. Sendo assim, as normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam da matéria, fixam a incompetência dos entes tributantes para vincular, com exigências tributárias, certas pessoas, quer seja em função de sua natureza jurídica, quer seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.

As imunidades tributárias sempre beneficiam pessoas. Contudo, a doutrina mais tradicional classifica as imunidades em subjetivas, objetivas e mistas, conforme alcancem pessoas, coisas ou ambas (BALEEIRO, 1977).

Para Carrazza (2004, p. 634) tal classificação é útil, todavia, em termos rigorosamente técnicos, a imunidade é sempre objetiva, uma vez que invariavelmente beneficia pessoas, quer por sua natureza jurídica, quer pela relação que guardam com determinados fatos, bens ou situações.

Vale dizer, mesmo a chamada imunidade objetiva alcança pessoas, mas não por suas qualidades, características ou tipo de atividade que desempenham, mas porque relacionadas com determinados fatos, bens ou situações, por exemplo, a imunidade posta no art. 150, VI, "d", da Constituição Federal. Em contrapartida, a denominada imunidade objetiva alcança pessoas pela sua própria natureza jurídica, como a imunidade ínsita no art. 150, VI, "a", da CF. E, alfim, a imunidade mista alcança pessoas por sua natureza jurídica e por que relacionadas com determinados fatos, bens ou situações, por exemplo, a imunidade do art. 153, § 4.º, da CF.

3.1 Espécies de Imunidades

3.1.1 Imunidade Recíproca ou Intergovernamental

A imunidade recíproca visa a assegurar e sancionar o equilíbrio federativo do País. É o que dispõe o artigo 150, § 2.º, CF/88: É imunidade que se estende às autarquias e às fundações públicas, donde se depreende que não se estende tal regra imunizante às sociedades de economia mista, nem mesmo às empresas públicas: Ressalte-se: apenas às autarquias e às fundações públicas. A jurisprudência é mansa e pacífica neste sentido:

IMUNIDADE RECÍPROCA E IOF.

A proibição constante do art. 150, VI, "a", da CF/88 ("... é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir imposto sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros") impede a cobrança do IOF nas operações financeiras realizadas pelos Municípios . Precedente: Ag 172890-(AgRg) (DJ de 19.04.96, Segunda Turma).

RE 196.415-PR, rel. Min. Ilmar Galvão, 21.05.96

IMUNIDADE - OAB - AUTARQUIA. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.

1. Por expressa previsão constitucional, as pessoas de direito público não podem ser oneradas com impostos incidentes sobre seu patrimônio, rendas e serviços.

TRIBUNAL: TR4, Acórdão DECISÃO: 11/12/98, PROC. REO NUM: 040585-3 ANO: 97 UF: SC - TURMA: PRIMEIRA TURMA REGIÃO: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO - REMESSA EX OFFICIO - RELATOR: JUIZ FERNANDO QUADROS DA SILVA

3.1.2 Imunidade para Templos de Qualquer Culto

São igualmente imunes à tributação por meio de impostos os templos de qualquer culto, consoante consigna o art. 150, VI, ''b'', da CF.

Esta imunidade, via de regra, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, no caso, a igreja.

Por este motivo, é que cabe, neste comenos, uma reflexão: quais os impostos que poderiam alcançar os templos de qualquer culto caso não houvesse tal preceptivo na Lei Fundamental? Respondendo à inquirição dir-se-ia que vários impostos, senão vejamos:

Sobre o imóvel onde o culto se realiza incidiria o imposto predial e territorial urbano (IPTU); sobre o serviço religioso, o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN); sobre as esmolas: dízimos, espórtulas, doações em dinheiro etc. o imposto sobre a renda; sobre a aquisição de bens imóveis, o imposto sobre a transmissão "inter vivos", por ato oneroso, de bens imóveis (ITBI); e, assim, sucessivamente.

Destarte, nenhuns destes impostos, nem outros quaisquer, podem incidir sobre os templos de qualquer culto, como consectário da norma imunizadora ora sob exame.

A alínea "b" do art. 150, inciso VI visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade dos indivíduos, id est, a fé que eles têm. Os entes tributantes, portanto, não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos. Desse modo, no dizer de COELHO (1999) a Constituição garante a liberdade de crença e a igualdade entre as crenças, cujo primado já vem proclamado em seu art. 5.º, VIé "inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias."

A imunidade sob análise advém da cisão entre a Igreja e o Estado, cujo ápice se deu quando da Proclamação da República. Como é consabido, durante o Império, tinha-se, no Brasil, uma religião oficial: a religião católica apostólica romana. As outras religiões eram toleradas, mas apenas a católica recebia especial proteção do Estado. É ilustrativo o escorço histórico tecido por Carrazza (2004, p. 663) sobre o tema:

[...] Isto era, a um tempo, bom e mau para a religião católica. Bom, porque a Igreja Católica tinha todas as facilidades (p.ex. os bispos, sacerdotes e religiosos em geral eram considerados funcionários civis do Império, fazendo jus a salário e aposentadoria). E mau, porque, com isso, a Igreja Católica perdeu quase que totalmente sua autonomia. Só para termos uma idéia, nenhum bispo católico podia ser nomeado por Roma sem o placet do Imperador. Havia, pois, no Brasil da época, um verdadeiro césaro-papismo, à semelhança do que existiu na própria Roma, sob o governo de Constantino. Merece, aqui, registro a célebre "Questão Religiosa". Resumindo, alguns bispos criticavam o Imperador, sendo, por isso, encarcerados. Sob o aspecto jurídico, nenhuma injustiça sofrera, já que, sendo funcionários públicos, tinham dever de obediência ao Imperador."

Muito bem, com a proclamação da República, que se inspirava no positivismo de Augusto Comte, foi imediatamente decretada a separação entre a Igreja e o Estado. O Estado tornou-se laico. Deixou de dispensar maior proteção a uma religião em particular (ainda que majoritária), para tolerar todas elas.

Evidentemente, o Estado tolera todas as religiões que não ofendem a moral, nem os bons costumes, nem, tampouco, fazem perigar a segurança nacional. Há, no entanto, uma presunção no sentido de que a religião é legítima, presunção, esta, que só cederá passo diante de prova em contrário, a ser produzida pelo Poder Público.

Os "templos de qualquer culto" são, como vimos de ver, imunes a impostos.

O vocábulo templos tem sido interpretado de maneira lata, com fumos de liberalidade. São considerados templos não apenas os edifícios destinados à celebração pública dos ritos religiosos, isto é, os locais onde o culto se professa, mas, também, os seus anexos. Consideram-se "anexos dos templos" todos os locais que tornam possível, isto é, viabilizam, o culto ou dele dimanam. Assim, são considerados "anexos dos templos em termos de religião católica, a casa paroquial, o seminário, o convento, abadia, cemitério etc., desde que, é evidente, não sejam empregados, como observa Baleeiro (2002), em fins econômicos. Também eles não podem sofrer a incidência, por exemplo, do IPTU. Se a religião for protestante, são anexos a casa do pastor, o centro de formação de pastores etc. Se a religião for israelita, a casa do rabino, o centro de formação de rabinos etc. Neste contexto, não é de bom alvitre pensar de maneira preconcebida, cominando o desígnio constitucional.

Interessante notar, no entanto, que seria de pouca valia sopesar imune ao IPTU o templo propriamente dito e fazer incidir este imposto sobre a residência onde o celebrante do culto reside. Seria, pois, completamente anódino tal benefício, já que se daria com uma mão e se tiraria com a outra, o que a Lex Legum não agasalha no seu bojo.

Em todo o caso, a imunidade não se desdobra às rendas advindas de alugueres de imóveis, da locação do salão de festas da paróquia, de venda de objetos sacros, da exploração comercial de estacionamentos, da venda de licores etc., ainda que os rendimentos assim obtidos revertam em benefício do culto. E por que fazer tal distinção? Simplesmente porque estas não são funções essenciais de nenhum culto. Com efeito, nenhum culto existe para, v.g., fabricar e vender cigarros. As atividades espirituais não se coadunam com tais práticas, que, sob o pálio da licitude, têm escopos nitidamente temporais.

3.1.3 As Imunidades dos partidos políticos e suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores e das instituições de educação e assistência social

Segundo a dicção da alínea c do inc. VI do art. 150 da Constituição, são imunes à tributação por meio de impostos o "patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, atendidos os requisitos da lei."

Para dirimir quaisquer dúvidas, esclareça-se, desde já, que os requisitos da lei ali aludida devem ser observados não só pelas instituições de educação e assistenciais, senão, também, pelos partidos políticos e suas fundações e pelas entidades sindicais dos trabalhadores.

Em sede das Normas Gerais em Matéria de Legislação Tributária tal lei só pode ser uma lei complementar, justamente porque ela vai regular "imunidades tributárias, que são limitações constitucionais ao poder de tributar. Ora, estas, a teor do art. 146, II, da CF, só podem vir normatizadas por meio de lei complementar."

Acrescente-se que a lei complementar deve, no caso, cuidar apenas de aspectos formais, isto é, cinge-se a apontar medidas hábeis a assegurar a eficácia do preceito constitucional em discussão. Não lhe é dado reduzi-lo, inquiná-lo ou invalidá-lo.

É vicário de tal lei complementar o art. 14 do Código Tributário Nacional, que prescreve:

Art. 14. O disposto na alínea IV do art. 92 é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Deste modo, os partidos políticos e suas fundações, os sindicatos de empregados e as instituições educacionais ou assistenciais só podem gozar da imunidade a impostos se obedecerem às seguintes condições: a) não aí visarem a fins lucrativos; b) aplicarem todos os seus recursos no País; e c) escriturarem suas receitas em livros próprios e de modo apropriado.

Noutro sentir, a ausência de fins lucrativos exige tanto a não-distribuição de seu patrimônio ou de suas rendas como o investimento na própria entidade dos resultados econômicos positivos obtidos.

A remuneração dos funcionários e administradores não afasta a imunidade, desde que seja equivalente aos serviços por eles prestados. O que abduz a imunidade é a remuneração excessiva, que mal consegue homiziar a distribuição do patrimônio ou das rendas da entidade.

Por fim, a exigência de escrituração, em livros próprios, das suas receitas fornece ao Fisco instrumentos aptos a investigar o cumprimento dos requisitos dantes mencionados. Trata-se de um dever instrumental tributário (obrigação acessória), que deve ser cumprido pela entidade interessada, sob pena de não poder gozar a imunidade.

O entendimento ora esposado foi abalizado pelo E. 1° Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, quando decidiu não ser necessária a adoção de escrituração comercial, segundo a boa técnica contábil e, com observância das normas constantes da legislação tributária, nos moldes em que é exigida das demais empresas submetidas ao regime de tributação, com base no lucro real ou presumido. A escrituração exigida objetiva, tão-somente pela Fiscalização do cumprimento dos requisitos contidos nos incisos e II do art. 14 da Lei n.º 5.172, de 1966 - Código Tributário Nacional - CTN1.

Em resumo, o art. 14, I a III, do CTN dá plena eficácia e total aplicabilidade ao art. 150, VI, c, da CF. Os partidos políticos e fundações, as entidades sindicais de trabalhadores e as instituições educacionais e de assistência social, sem fins lucrativos, o que atenderem aos requisitos deste art. 14, I a III, têm o inafastável direito de não serem alcançados por meio de tributos: ou que revistam as características de imposto.

Para continuarem a fruir do benefício em tela não é necessário que estas pessoas cumpram outros requisitos além dos indicados nos incisos I a III do art. 14 do CTN. Significa dizer que, embora possam ser sancionados de outra forma com multas, não perdem nem têm suspensa a imunidade os partidos políticos e suas fundações, as entidades sindicais de trabalhadores e as instituições educacionais e de assistência social, sem fins lucrativos, que descumprirem o disposto no art. 12, do CTN, por exemplo, que deixarem de reter na fonte o Imposto de Renda devido por pagamentos efetuados a terceiros.

3.1.4 As entidades sindicais dos trabalhadores

Da mesma forma, são imunes a impostos as entidades sindicais dos trabalhadores. Neste particular, a Constituição funcionou muito bem ao excluir do benefício as entidades patronais.

Induvidosamente, o que a Carta Magna pretendeu foi favorecer a sindicalização dos trabalhadores, máxime daqueles que exercem misteres economicamente mais humildes, por exemplo, barbeiros, empregados no comércio varejista, padeiros etc.

A questão posta merece, sem dúvida, uma reflexão profunda: imagine-se estes pequenos sindicatos tivessem, ainda por cima, de suportar impostos em pouco tempo ficariam inviáveis.

Portanto, laborou bem o constituinte ao estender sobre eles o amparo da imunidade aos impostos.

Um sindicato de empregados não pode ser forçado a pagar IPTU sobre o imóvel onde tem sede; IR (sobre os rendimentos que aufere); ISS (sobre os serviços que presta aos seus filiados) etc.

Por outro giro, para fins de imunidade, quando a Constituição Federal alude às entidades sindicais dos trabalhadores está englobando, igualmente, as federações e confederações, isto é, as associações sindicais de segundo e terceiro graus. Apenas a título de referência, as federações, de acordo com o comando do art. 534 da Consolidação das Leis do Trabalho, são formadas pela associação de, pelo menos, de cinco sindicatos e são regionais e por Estado. As confederações, por sua vez, são formadas pela associação de, pelo menos, três federações, com sede na Capital da República, tendo âmbito nacional (art. 535 da CLT).

Aduza-se, ainda, que a imunidade em tela alcança também as centrais sindicais, exemplo disto é a Central Única dos Trabalhadores - CUT.

À guisa de esclarecimento, a central sindical é formada pela reunião de vários sindicatos de empregados. É, pois, em última análise, o somatório de entidades sindicais de trabalhadores.

Diante disso, óbvio está que se as partes, no caso as entidades sindicais de trabalhadores, são imunes a impostos, o todo, ou seja, a central sindical, de rigor, também o é. Tal ilação é possível graças ao postulado lógico pelo qual o todo segue o mesmo rumo das partes que o formam.

Poder-se-ia talvez sustentar que as centrais sindicais - meras associações de sindicatos de empregados - não são entidades sindicais de trabalhadores na definição estrita do termo e, assim, não fazem jus à imunidade em comento. Concorde se está que elas não revestem a natureza nem de sindicatos primeiro grau, nem de federações, segundo grau, nem de confederações, terceiro grau, de trabalhadores. Todavia, a inteligência dos textos constitucionais deve levar em conta aquilo que Bonavides (2002, p. 1) chama de ideologia do poder. E esta, no caso, prestigia ao máximo os direitos dos trabalhadores2.

3.1.5 As instituições de educação

Consciente de que a Nação só se desenvolverá quando o povo tiver real acesso à educação, o Constituinte inseriu no art. 205 da Magna Carta, a seguinte afirmação:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu prepara para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Cuida-se, como celeremente se pode vislumbrar, de uma norma constitucional declaratória de princípio programático Silva (2003), que, embora de eficácia limitada, não pode ser ignorada pelos Poderes Públicos, já que cuida de interesse social relevantíssimo. A lei, os atos administrativos e as próprias decisões judiciais estão sujeitos a estas linhas diretoras.

E tal prerrogativa não poderia ser diversa. Ora, sendo a educação um direito de todos e um dever do Estado, carece de faina diuturna para consolidar o incentivo, de modo a proporcionar o pleno desenvolvimento das pessoas. Afinal, sem educação o povo não tem como prosperar e o próprio Estado deixa de aprimorar-se.

Assim, em face da relevância da educação, e cônscio das deficiências do Estado no setor, o Constituinte houve por bem autorizar fosse o ensino proporcionado também por meio de instituições privadas. Com efeito, o art. 209 da Carta Fundamental proclama, textualmente, ser o ensino "livre à iniciativa privada bastando que ela cumpra as normas gerais da educação nacional" (inc. 1) e tenha autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (inc II) para favorecer esta cooperação com o Estado, auxiliando-o a promover o pleno desenvolvimento das pessoas dando-lhes os meios intelectuais para o exercido da cidadania, é que o art. 150 VI c da CF estabelece serem imunes a impostos (e a tributos que revistam esta qualidade) as instituições de educação, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos de lei.

Sobre o autor
Jefferson Laborda da Silva

Bacharel em Direito e Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Advogado militante, principalmente no âmbito da Secretaria da Receita Federal e Justiça Federal. Especialista em Direito Tributário pela UFAM. Ex-Chefe de Material e Patrimônio da Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas (TJ/AM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Jefferson Laborda. Limitações ao poder de tributar: aspectos diferençais entre os institutos da isenção, imunidade, remissão e anistia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2641, 24 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17472. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!