8. CONCLUSÃO
I - Este artigo clama por uma análise equilibrada da relação que envolve o interesse público e os interesses dos titulares de direitos autorais nas práticas de reprodução de obras intelectuais no ambiente acadêmico.
II – A correta compreensão do objeto da tutela autoral leva-nos à compreensão do direito autoral como um direito de exclusivo ou de monopólio e não de um direito real sui generis, como ainda predomina no Brasil.
III – Isso implica a noção de que a proteção jurídica recai sobre as atividades que se realiza sobre a obra e não sobre ela mesma.
IV – A reprodução de obra intelectual em ambiente acadêmico não pode mais ser vista apenas sobre a ótica do direito subjetivo do autor, mas também sob a perspectiva da realização de direitos fundamentais de terceiros interessados.
V – Em se tratando de reprodução de obra intelectual em ambiente acadêmico – em especial aquelas que se desenvolvem como extensão da prestação educacional das instituições de ensino - ao juiz cabe a interpretação dos dispositivos legais conforme a Constituição, sem perder de vista a natureza do objeto da tutela autoral, sob pena de se fulminar o núcleo existencial de outros interesses em causa, quais sejam, dentre outros, o direito ao conhecimento e o direito de acesso aos bens culturais.
VI – Além dos instrumentos interpretativos que o magistrado possui para a aplicação do Direito, não se deve esquecer que a limitação do direito subjetivo do autor – e afastamento do texto de lei para a preservação de direitos fundamentais e interesses juridicamente protegidos nas relações autorais - é medida cogente advinda de norma internacional devidamente internalizada no direito brasileiro.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
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BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. Vol. 1. Brasília: Senado Federal | Conselho Editorial, 2003.
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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009.
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1946.
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TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A PARTE GERAL DO NOVO CÓDIGO CIVIL: ESTUDOS NA PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL. 2ª ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
Notas
- A Gazeta Mercantil, de 04.05.2009, informa que a cópia não autorizada estaria causando prejuízo de mais de 400 milhões de reais às editoras. Em seu site (www.abdr.com.br), a ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos) acumula notícias do sucesso de suas ações judiciais de busca e apreensão de obras que seriam fruto do que chama "pirataria universitária". Como reação à investida da ABDR, informa o Jornal Folha de S. Paulo de 22.02.2006, que estudantes criaram o movimento "copiar livro é direito", cujo intuito é garantir o acesso à informação e à instrução educacional (www.culturalivre.org.br).
- A Resolução USP nº 5213/2005, por exemplo, garante reprodução integral apenas das obras esgotadas sem publicação há 10 anos; das estrangeiras indisponíveis no mercado nacional; de domínio público; e das que possuam autorização expressa do autor (art. 3º).
- O fenômeno se alastra, inclusive, para as bibliotecas de órgãos públicos, cujos próprios funcionários operam as máquinas de reprodução.
- Poucas são as decisões de segunda instância relacionadas especificamente à questão da reprodução de obras intelectuais no ambiente acadêmico. Mas a concepção do direito autoral como um direito real ainda é majoritária, em que pese já exista decisões do STJ que afastem a possibilidade de utilização de interditos proibitórios para os direitos autorais. Neste sentido: "Não cabe a utilização dos interditos possessórios para a defesa dos direitos autorais" (REsp 89.171/MS, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 09/09/1996, DJ 08/09/1997 p. 42.508). O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, possui decisão atual – e, diga-se, data venia, de todo despropositada - em que se admitiu a cobrança de direitos autorais em festa de carnaval pública e gratuita promovida pela Prefeitura, ao argumento de que o evento estava sendo realizado em ambiente público: "A utilização de obras musicais em espetáculos carnavalescos gratuitos promovidos pela municipalidade enseja a cobrança de direitos autorais à luz da novel Lei n. 9.610/98, que não mais está condicionada à aferição de lucro direto ou indireto pelo ente promotor. O período anterior à mencionada data não possibilita a cobrança de direitos autorais envolvendo eventos públicos e gratuitos. Apelo do autor provido em parte" (AP. Civ 3822054800.Rel. Des. Nathan Zelinschi de Arruda. Orig. Comarca de São Paulo. 7ª Cam. Dto. Privado. Julg. 12.11.2008)
- Optou-se pelo termo "científico-educacional" como forma de atentar para o fato de que, além dos interesses de instrução educacional do estudante, estão em causa também a gama de atividades relativas à pesquisa e à aplicação científica do conhecimento disponível.
- Mais comumente ligadas às atividades de reprodução de cd’s e dvd’s.
- É o caso, por exemplo do comércio do "Livro do Professor", exemplar de livro didático que, por conter respostas e ser destinado ao professor que leciona a matéria, tem sua venda expressamente proibida.
- CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de propriedade industrial. p. 121.
- Clóvis Beviláqua era influenciado pela doutrina de Piola Caseli, para quem o direito autoral seria um direito de propriedade com estrutura pessoal e patrimonial. Ao realizar o anteprojeto do Código Civil de 1916, Clóvis Beviláqua, embora tenha inserido o direito autoral no capítulo dos direitos reais, assim se justificou: "Abstendo-se de dar à creação juridica a denominação de propriedade, claramente deixa ver que a distingue do dominio; collocando-a entre os direitos reaes, quiz indicar que, por algum modo, havia similaridade entre essas manifestações jurídicas e o direito autoral. É um direito sui generis, que, ou entraria na Parte Geral, ou havia de ser intercalado no livro dedicado ao direito das coisas; que aqui são tomados numa accepção mais estensa do que se dissesse: - coisas corpóeas".BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Coisas. p. 273.
- O copyright anglo-saxão é o direito da cópia. É somente um direito patrimonial de exploração da obra (hoje contemplando outras utilizações além da reprodução), em que todos os direitos sobre a obra compõem o patrimônio do autor e são eles disponíveis. Tal concepção deriva dos valores pragmáticos da cultura anglo-saxã, que se opõem às matrizes teóricas romano-germânicas que originaram o direito brasileiro.
- ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral, p. 610
- ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral, p. 615.
- ASCENSÃO, José de Oliveira, Direito autoral, p. 615.
- No caso do acórdão da Ap. Civ. 159.742-4/6-00 (Editora Atlas S/A x Sucopi Serviço Universitário de Cópias S/C Ltda. Publ. 11.02.2009. Rel. Des. Gilberto de Souza Moreira TJ/SP) foi garantido o direito autoral à editora, em que pese o conteúdo do livro fosse mera lei seca. A LDA, de fato, confere direitos autorais aquele que realiza coletâneas ou compilações (art. 7º, XIII, LDA). A compilação, por ser extremamente criativa, ganha status de obra. Mas a proteção é justamente da forma criativa de reunião de conteúdo, e não do conteúdo em si. São exemplos: 100 Melhores Poesias Brasileiras, Contos Consagrados de Machado de Assis, etc. Na lide, era de rigor apreciar o grau de criatividade da compilação, organização ou sistematização da lei seca, não bastando verificar-se o simples emprego de uma metodologia de disposição da matéria! De qualquer modo, é certo que o conteúdo da compilação não confere direitos autorais ao compilador (neste caso, art. 8º, IV, LDA). Aquele que reúne informações em base de dados, por exemplo, não se apodera do conteúdo organizado – do contrário, se chegaria ao cúmulo de impedir um jornal de publicar notícia só porque outro a formatou e a disponibilizou primeiro!
- Conforme, mais pormenorizadamente, ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. p. 62.
- ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral, p. 165.
- Em sentido contrário, vale citar a decisão do acórdão do Agravo de Instrumento nº 238.322-4/5-00 TJ/SP (publ. 21.05.2006), em que o Des. Rel. Flávio Pinheiro, entende ser suficiente para a caracterização da ilegalidade a mera realização do ato de reprodução: "Se a reprodução por reprografia de obras intelectuais constitui violação a direitos autorais, é óbvio que, quem se utiliza dessa prática ilícita, não pode se queixar da ordem judicial que objetiva reprimi-la".
- Somente por esta imprecisão do art. 28 justificaria a afirmação do referido acórdão paulista em que o magistrado afirma que a LDA não mais levaria em consideração o aspecto lucrativo da utilização da obra intelectual. Esta interpretação, contudo, é equivocada, data venia.
- Capítulo IV - Das Limitações aos Direitos Autorais
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I - a reprodução:
a)na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
b)em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;
c)de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;
d)de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;
II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;
V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.