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Reprodução de livros (obras intelectuais) no ambiente acadêmico.

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Agenda 06/10/2010 às 08:39

6. LIMITAÇÕES AO DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR E A APLICAÇÃO DO DIREITO AO CASO CONCRETO

6.1. OS LIMITES AO DIREITO SUBJETIVO DO AUTOR

A controvérsia entre estudantes e editoras é, em essência, um problema de limites ao direito subjetivo do autor. Ao se analisar a jurisprudência brasileira, observa-se que o entendimento corrente sobre a matéria é o de que só seria possível afastar a regra que exige a prévia autorização do autor nas hipóteses dos limites previstos pela LDA em seu Capítulo IV. Há certo consenso jurisprudencial, portanto, de que o rol ali previsto seria exaustivo e não exemplificativo [19].

Tal compreensão sobre os limites do direito do autor, contudo, é bastante equivocada.

Basta um rápido passar de olhos nos artigos e incisos do capítulo IV para se verificar que nem de longe a LDA contempla todas as possibilidades em que o direito subjetivo do autor deveria ceder para se proteger interesses de terceiros. Como se pode verificar, o rol versa quase que apenas das hipóteses de reprodução, pouco tratando das demais faculdades patrimoniais.

Aliás, o art. 46, que trata da reprodução, é tão deficiente que aborda de maneira idêntica as hipóteses em que a utilização seria uma limitação ao direito, e as hipóteses em que utilizações, por não comporem o exclusivo do autor, seriam verdadeiras liberdades.

Deve-se atentar que a limitação é uma previsão normativa que, motivada por outros interesses além dos conferidos ao titular do direito, retrai, estanca, atrofia certa faculdade a ele garantida, permitindo que outros também a exerçam. No caso do direito autoral, é exatamente isso o que faz, por exemplo, o inciso VII do art. 46, quando permite a reprodução de obra intelectual como prova judicial ou administrativa.

Se terceiro, no entanto, realiza utilização da obra que não constitui uma das faculdades exclusivas conferidas ao autor, não há que se falar em limites, mas em exercício de liberdade, justamente por ser uma utilização fora da tutela e permitida a todos [20].

De maneira que, afastada a hipótese do aluno que reproduz obra para si, toda a discussão que envolva um ente intermediário que venha a auferir lucro para satisfazer o interesse acadêmico de alguém passa por uma apreciação dos limites impostos (ou a serem impostos) ao direito subjetivo do autor.

As limitações ao direito de autor, contudo, como já se disse, não se restringem às hipóteses da LDA: primeiro, porque as limitações não necessitam estar previamente previstas no texto da lei (como seria o caso das exceções, que excepcionam eventual regra firmada); segundo, porque existe uma infinidade de situações em que se impõe a preservação de outros interesses além do autor e que não foram previstas no texto legal. Não se pode esquecer que o direito subjetivo do autor sofre as limitações internas naturais da tutela autoral, mas, por estar inserido no ordenamento jurídico brasileiro, se submete também à incidência de normas limitadoras externas, advindas de preceitos legislativos nacionais e internacionais, se estes forem devidamente internalizados no país.

6.2. A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

Já vai longe o período em que o magistrado era um mero aplicador da norma geral ao caso concreto, sem que em sua decisão houvesse qualquer consideração de cunho subjetivo.

Após a Constituição Federal de 1988, que instaurou um Estado social baseado em princípios solidários, o ordenamento jurídico brasileiro passou por uma drástica reforma no que diz respeito às técnicas de decisão.

Se é verdade que o melhor seria uma LDA ajustada à realidade social, fato é que o magistrado não pode se furtar de bem julgar o caso concreto ao argumento de que, na falta de melhor norma, deve ser aplicado o texto legal existente, ainda que tecnicamente inadequado à lide.

É preciso compreender que toda aplicação de norma infraconstitucional ao caso concreto exige do magistrado uma interpretação conforme a Constituição, de modo que, se necessário, deverá excluir possível sentido inconstitucional da norma, sob pena de aplicar comando manifestamente contrário aos valores constitucionais do ordenamento jurídico [21].

A interpretação conforme é técnica de controle de constitucionalidade e de preservação do princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição [22], uma vez que os princípios constitucionais são vetores de orientação para uma aplicação do Direito harmônica aos interesses ou valores que se contraponham.

Luís Roberto Barroso bem leciona que:

"A eficácia interpretativa significa, muito singelamente, que se pode exigir do Judiciário que as normas de hierarquia inferior sejam interpretadas de acordo com as de hierarquia superior a que estão vinculadas. (...) A eficácia dos princípios constitucionais, nessa acepção, consiste em orientar a interpretação das regras em geral (constitucionais e infraconstitucionais), para que o intérprete faça a opção, dentre as possíveis exegeses para o caso, por aquela que realiza melhor o efeito pretendido pelo princípio constitucional pertinente". [23]

Assim é que a ausência do cotejo dos princípios constitucionais aplicáveis ao conflito entre editoras e estudantes, pressupondo-se a inexistência de outros interesses além do exclusivo de exploração da obra intelectual – como se o autor possuísse absoluto domínio das utilizações sobre a obra – implica má apreciação da lide e insuficiência de efetividade na prestação jurisdicional.

José de Oliveira Ascensão leciona que o direito subjetivo do autor não implica apenas a concessão de poderes – a situação jurídica do direito autoral compreende um complexo de posições positivas e negativas (poderes e deveres), e, por tal razão, o interesse do autor pode ser restringido (por meio de limites) quando, na relação jurídica, houver interesse público que clame maior proteção [24]. Tal concepção é efeito direto do princípio do solidarismo [25], encartado no art. 3º, I, da Constituição Federal, como objetivo fundamental da República.

No caso das reproduções de obra em âmbito acadêmico, parece evidente que a aplicação direta dos art. 28 e 29, I da LDA fulmina – ou prejudica em sua quase totalidade – o núcleo existencial dos interesses científico-educacionais que justificam a funcionalidade do direito subjetivo do autor.

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Não há dúvidas de que, no conflito entre as editoras e os estudantes, há manifesta necessidade de se resguardar as utilizações das obras que, em última análise, impliquem o exercício de direitos fundamentais, como, por exemplo, o direito de acesso aos bens culturais, o direito à educação, e o direito ao conhecimento. A interpretação da LDA conforme a Constituição é um dos principais instrumentos que o magistrado deve se valer para relativizar o preceito de que toda reprodução no ambiente acadêmico, seja ela com ou sem intuito de lucro, exige a prévia autorização do autor.

Nunca é demais lembrar, com bem leciona Marçal Justen Filho, que o fundamento maior que sustenta o chamado "interesse público" reside na dignidade da pessoa humana! [26] Em tempos em que a sofisticação do arcabouço jurídico já admite falar-se em reconhecimento de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, relativas aos direitos do Conhecimento [27], parece evidente que a formação educacional é o vetor imprescindível para a evolução dos espíritos, a fim de que o indivíduo possa conhecer melhor a si mesmo e compreender melhor o mundo em que vive.

6.3. A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E A APLICAÇÃO DO DIREITO

É preciso observar que, ainda que a LDA não preveja explicitamente, por meio de limites internos da tutela autoral as limitações necessárias ao direito patrimonial do autor, é possível ao magistrado, valendo-se de argumentação jurídica embasada no princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição, aplicar limitações externas ao direito subjetivo do autor e assim assegurar o exercício de direitos fundamentais de terceiros que utilizem a obra intelectual.

A evolução dos conceitos da metodologia do Direito e da argumentação jurídica conferem hoje não apenas o poder de o magistrado, diante do caso concreto, conformar as previsões normativas a fim de melhor compor os interesses em causa, como garante ao julgador o poder de sustentar sua decisão com base não apenas no comando concreto da lei, mas também em princípios ou valores constitucionais.

Robert Alexy demonstra que o caráter aberto, abstrato e até mesmo ideologizado dos princípios e direitos fundamentais não impede o magistrado de construir fundamentação racional de sua decisão, se ancorado em um processo argumentativo que sustente e controle a racionalidade de seus argumentos [28].

Significa dizer: se por um lado a decisão parte de uma base em que se ancora em valores abstratos, o processo argumentativo que lhe segue é capaz de suficientemente controlar a racionalidade da decisão de modo a afastar hipóteses de arbitrariedade e mero decisionismo [29].

Deve ser ressaltado que, no que concerne ao direito autoral, dificilmente seria sustentável a tese de que terceiros possuiriam algum direito subjetivo à reprodução da obra que submetesse o autor a lhes tolerar a conduta de utilização. Esta posição de exigir prestação ou não-prestação por meio de direitos fundamentais melhor se enquadra na relação vertical "indivíduo / Estado" do que na relação horizontal "indivíduo / indivíduo".

Mas os direitos fundamentais não implicam só a constituição de direitos subjetivos. Podem, neste sentido, revestirem-se de meros interesses que exijam a necessária proteção – o que seria suficiente para que o autor se abstivesse de coibir utilização de obra intelectual que, em tese, seria exclusiva.

Daniel Sarmento, de maneira bastante clara, ao discorrer sobre a eficácia direta dos direitos fundamentais sobre as relações privadas assim afirma:

"Parece-nos que não é possível resumir todas as hipóteses de aplicação direta dos direitos individuais nas relação privadas à moldura, por vezes estreita, do direito subjetivo (...). Os direitos individuais podem e devem ser utilizados como pautas exegéticas, ou, em casos patológicos, como limites externos para a regulação jurídica emanada de fontes não estatais do Direito (...). / Neste Particular, o operador do direito não deve ser podado na sua criatividade, reconhecendo-lhe a possibilidade de, através dos mecanismos ou instrumentos que a situação concreta revelar como os mais apropriados, proteger os bens jurídicos tutelados pelas normas garantidoras dos direitos fundamentais" [30].

Há ainda que considerar que a norma de direito autoral que exige a autorização prévia do autor não é, em si, inconstitucional – pois, o autor de fato possui exclusividade de utilizações sobre a obra. Todavia, nem sempre a genérica previsão normativa acaba por ter efetiva penetração em determinadas situações fáticas, como ocorre com as reproduções motivadas por interesses científico-educacionais e culturais, em especial, aquelas que se realizam nas instituições de ensino por meio de um intermediário que venha a auferir lucro na prestação educacional.

No caso das reproduções de obras intelectuais que se realizam no âmbito acadêmico, além da necessária interpretação conforme a Constituição – que afaste interpretações inconstitucionais do texto legal – pode o magistrado, inclusive, ao aplicar o Direito, impor o que Karl Larenz chama de Desenvolvimento do Direito Superador da Lei de Acordo com a Natureza das Coisas.

Tal instituto é um instrumento que o julgador possui para, diante de um arcabouço legal não condizente com a "natureza das coisas" que a norma jurídica visa a proteger, superar o texto legal e prestar a tutela jurisdicional adequada ao caso concreto.

Como bem destaca Karl Larenz:

"A natureza das coisas é um critério teleológico-objetivo de interpretação, sempre que não se possa supor que o legislador tenha querido desatendê-la (...). Onde a regulação legal falseie de modo grosseiro a natureza das coisas, a jurisprudência corrigiu-a aqui e ali, mediante um desenvolvimento do Direito superador da lei".

E citando Heinrich Stoll, o doutrinador alemão conclui:

"se o legislador passa por alto ou deprecia a natureza das coisas e crê poder configurar o mundo segundo os seus desejos, em breve terá que experimentar a verdade da máxima horaciana: naturam expellas furca tamen usque recurret [31]" [32]

No que respeita ao direito autoral, o magistrado deve, pois, assegurar a possibilidade de reprodução de obra intelectual sempre que esta se justifique pela finalidade científico-educacional – em especial nos casos em que a reprodução se dá como extensão da prestação educacional pelas instituições de ensino –, ainda que para isso necessite afastar o expresso comando legal que determina a prévia autorização do autor para a utilização da obra por terceiro.

Tal medida, se bem observada, nada tem de radical, uma vez que a LDA, como instrumento de efetivação da norma autoral, por meio do seu art. 46, ainda que de modo bastante tímido, sempre teve o intuito de garantir interesses científico-educacionais.

Deve ser reconhecido, ademais, que a noção de reprodução de obras intelectuais motivadas por finalidades científico-educacionais não se restringem aos meios analógicos, estendendo-se também para o ambiente digital, pois que o resultado da conduta do terceiro acaba por ser o mesmo: a constituição de um exemplar por meio da reprodução, ainda que digital [33].


7. OS TRATADOS INTERNACIONAIS E A REGRA DOS 3 PASSOS

Fato sempre esquecido na abordagem das limitações ao direito subjetivo do autor é que o Brasil é signatário da Convenção de Berna (primeiro tratado que disciplinou o direito autoral no âmbito internacional), assim como dos demais tratados subseqüentes, em especial, o TRIPS [34] e WCT [35].

Em todos estes tratados, a questão das limitações ao direito de autor é regulada por meio de um sistema de princípios gerais, que veio a ser denominado de Regra dos 3 Passos. Tal expediente surgiu como meio de integrar os diferentes regimes jurídicos dos países signatários em um sistema harmônico disciplinador dos direitos autorais.

Inicialmente, por meio da Conferência de Paris, em 1971, a regra dos 3 passos, ao ser introduzida no texto original da Convenção de Berna, destinava-se apenas à faculdade de reprodução. Atualmente, contudo, tal regra é prevista em todos os tratados de direito autoral e se estendeu a todas as faculdades patrimoniais do autor [36].

O art. 9/ 1 e 9/2 da Convenção de Berna vem assim disposto:

Artigo 9

1) Os autores de obras literárias e artísticas protegidas pela presente Convenção gozam do direito exclusivo de autorizar a reprodução destas obras, de qualquer modo ou sob qualquer forma que seja.

2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor. – (grifos nossos).

De acordo com a Regra dos 3 Passos, portanto, será admissível limitar o direito de exclusivo do autor:

a)quando se estiver diante de certos casos especiais;

b)quando a utilização não prejudicar a exploração normal da obra;

c)quando a utilização não causar prejuízo injustificada aos legítimos interesses do autor.

Como se pode inferir, os três passos são cláusulas abertas com conceitos indeterminados – são, neste sentido, princípios, diretrizes de atuação.

José de Oliveira Ascensão, ao analisar a maneira como a regra dos três passos veio a ser instituída nos tratados internacionais, destaca que houve nestes diplomas manifesto favoritismo aos interesses do autor, o que poderia causar sérios problemas de aplicação pelo direito interno de cada país signatário.

Como se pode verificar do texto da Convenção de Berna, as normas que dispõem sobre os direitos exclusivos do autor seriam positivas (isto é, implementariam as faculdades ao autor) e injuntivas (ou seja, obrigatórias). Já as limitações ao exclusivo, seriam naturalmente negativas (restringiriam os poderes concedidos), porém facultativas (não haveria obrigatoriedade de os Estados em adotá-las) [37]. O fato de os textos internacionais previrem os três passos para a validação dos limites ao direito do autor levou alguns países a tornar injuntivos os limites dos limites: uma vez adotados os limites ao direito de autor pelo Estado, estes não poderiam ultrapassar o âmbito do teste dos três passos.

Em face desta interpretação extremamente restritiva que se construiu acerca das possibilidades de se limitar os limites ao direito exclusivo do autor, bem como da constatação de que, em diversos casos, o Poder Judiciário dos países signatários vinham aplicando a regra dos 3 passos de modo a inviabilizar situações de manifesto interesse de terceiros usuários de obras intelectuais, o INSTITUTO MAX PLANCK DE MUNIQUE, um dos mais prestigiados centros de propriedade intelectual do mundo, publicou a Declaração "Uma Interpretação Equilibrada para o Teste dos Três Passos" [38], subscrita por Cristophe Geiger, Reto M. Hilty e uma plêiade de doutrinadores internacionais de grande envergadura, em que busca dar o real sentido jurídico para o sistema principiológico encartado nos tratados internacionais, de modo a compor os interesses em causa.

A Declaração vem redigida nos seguintes termos (com grifos nossos):

1. O Teste dos Três Passos constitui um todo indivisível. Os três passos do teste devem ser considerados conjuntamente, em uma avaliação geral e abrangente.

2. O Teste dos Três Passos não exige que as limitações e exceções sejam interpretadas restritivamente, devendo ser interpretadas em consonância com seus objetivos e propósitos.

3. A restrição do Teste às limitações e exceções dos direitos de exclusivo a certos casos especiais não impede, quando possível dentro do sistema legal a que se vinculam:

(a) os legisladores de introduzirem limitações e exceções abertas, desde que seu escopo seja razoavelmente previsível; ou

(b) os tribunais de,

- aplicar limitações e exceções enunciadas em lei mutatis mutandis a circunstâncias factuais similares, ou

- estabelecer novas limitações ou exceções.

4. Limitações e exceções não conflitam com a exploração normal da matéria protegida, se - forem fundadas em interesses concorrentes importantes ou

- tiverem o efeito de se contrapor a restrições não-razoáveis à concorrência, notadamente em mercados secundários, particularmente quando compensação adequada for assegurada, seja ou

não por meios contratuais.

5. Ao se aplicar o Teste dos Três Passos, devem-se tomar em consideração os interesses dos titulares originários de direitos, assim como os dos titulares subseqüentes de direitos.

6. O Teste dos Três Passos deve ser interpretado de maneira a respeitar os interesses legítimos de terceiras partes, inclusive:

- interesses derivados de direitos humanos e liberdades fundamentais;

- interesses sobre competição, notadamente em mercados secundários; e

- outros interesses públicos, sobretudo aqueles concernentes ao progresso científico, cultural, social ou ao desenvolvimento econômico.

Deve ser reconhecido que o destinatário da implementação das regras autorais previstas em tratados é o Poder Legislativo do Estado e não o Judiciário, a quem incumbe, por meio da lei, conformar as relações sociais. Daí que, como ressalta José de Oliveira Ascensão, "se o legislador transpuser inadequadamente este comando entram em acção [para o aplicador do direito] os meios gerais de tutela das regras internacionais" [39].

E, nesta medida, a regra dos 3 passos, como se observa, é um sistema principiológico que, além de assegurar o direito patrimonial do autor, busca assegurar interesses legítimos de terceiros que se utilizam da obra intelectual. É, pois, um instrumento de auxílio ao julgador quando da aplicação da LDA.

A previsão da regra dos três passos no Brasil como limitador dos limites ao direito subjetivo do autor não tem força injuntiva, porque o legislador brasileiro não previu nenhuma regra nesse sentido. O Judiciário, portanto, tem amplo poder de conformar os interesses envolvidos nos casos de reprodução ocorridas no ambiente acadêmico, podendo, inclusive, estabelecer outras limitações ao direito do autor, além das previstas na LDA.

A reprodução integral de obra motivada por interesses didático-científicos é facilmente classificável nos parâmetros previstos na regra dos 3 passos.

Analisada separadamente (como poderiam ser interpretados os textos internacionais), a reprodução integral, a nosso ver, seria enquadrável nas hipóteses em que não se atinge a normal exploração da obra [40]. Isso porque o fato de o acadêmico solicitar a cópia não significa que, sendo ele proibido de o fazer, viria a adquirir a obra original. Não há aqui relação direta entre a reprodução acadêmica e eventual abalo ao patrimônio do autor – razão pela qual, diversamente do que alegam os titulares de direitos autorais, é incorreto afirmar-se que haveria prejuízo ao autor e a necessidade de, por isso, coibir-se a ação estudantil.

Por sua vez, visto em conjunto os termos da regra dos 3 passos, é facilmente perceptível que a reprodução integral atende aos três critérios, pois sua realização - ainda que, em última análise, seja vista como um caso especial - não emperraria a normal exploração da obra e se justificaria, ainda que causasse prejuízo aos legítimos interesses do autor, por haver manifesta necessidade de proteção aos direitos fundamentais envolvidos.

O professor Pedro Cordeiro, da Universidade de Lisboa, aliás, em estudo em que analisa a possibilidade de a regra dos três passos ser aplicada tanto ao meio analógico quanto ao digital, é categórico em afirmar a aplicação do sistema às reproduções em âmbito acadêmico:

"Estão nesse caso limites de interesse público, excepções de carácter pedagógico e humanitário entre outras. Assim, por exemplo, reproduções feitas por bibliotecas ou estabelecimentos de ensino sem fins comerciais, reproduções ou comunicações realizadas em hospitais ou em prisões, as utilizações para efeitos de processos judiciais ou administrativos, citações para fins de crítica ou análise caiem nesta categoria de limitações e excepções" [41].

Nunca é demais lembrar que, nos conflitos entre tratados e norma interna infraconstitucional, vige no Brasil o sistema monista, em que o comando internacional prevalece sobre a lei interna [42]. Assim, ainda que o ordenamento jurídico brasileiro não regule adequadamente a matéria dos limites ao direito autoral, não pode o Judiciário se eximir de cotejar as normas internacionais válidas internamente.

Fica claro, portanto, que diante da existência de manifestos interesses científico-educacionais que motivam a reprodução de obras no ambiente acadêmico, se revelam totalmente anacrônicas as decisões que vetam a possibilidade de reprodução integral da obra intelectual nas instituições de ensino (e, em alguns casos, no próprio âmbito comercial) sob o argumento de preservação das faculdades patrimoniais exclusivas do autor – como se ainda estivéssemos a viver sob os valores de um Estado puramente liberal em que o direito subjetivo não era outra coisa se não a encarnação da liberdade individual e egoísta de cada um.

Ressalte-se, por fim, que a necessidade de resguardo dos interesses científico-educacionais é um princípio que deve permear o agir não apenas dos tribunais, mas também de todas as instituições de ensino, as quais, diante de sua autonomia didático-científica, não deveriam ceder às pressões sociais (e econômicas), mas sustentar, ao mais que pudessem, os instrumentos do desenvolvimento educacional do país.

Sobre o autor
Leonardo Gonçalves Tessler

Assessor Jurídico da Procuradoria de Justiça do Estado do Paraná. Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa - Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TESSLER, Leonardo Gonçalves. Reprodução de livros (obras intelectuais) no ambiente acadêmico.: A necessária limitação dos direitos autorais para a preservação de direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2653, 6 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17542. Acesso em: 25 dez. 2024.

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