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Por todo o explanado, apesar da demonstração de posicionamentos diversos (o da possibilidade irrestrita de relativização, o da possibilidade da relativização somente ante um pronunciamento inconstitucional, o pendor pela inclusão de novos incisos no art. 485 do Código de Processo Civil, e o que defende a vedação absoluta às hipóteses de relativização); perfilha-se este Autor ao último posicionamento.
Isto porque em primeiro lugar, do contrário, fica a impressão da possibilidade de criação de um "mecanismo revisor amplíssimo". Ora, em observando tal hipótese, verifica-se a existência de uma situação espectral: a coisa julgada, antes atributo de tranqüilidade (em regra) ao litigante vencedor e de resignação ao perdedor, perderia este efeito frente à possibilidade de desconstituição.
Em que pesem as melhores intenções dos que a defendem, parece um tanto abstrato sua admissão no ordenamento jurídico. Fala-se hodiernamente em "Processo Civil Teleológico (ou Finalístico)" e em "Função Social do Processo", de maneira que, pelo primeiro, deve-se zelar pela evicção de protelações desnecessárias e por um resultado o mais próximo possível do status quo ante; e pela "função social", tem-se que é preciso observar a condução do processo da maneira mais equânime o possível. Falar em flexibilização da coisa julgada parece, por critério de exclusão, mais próximo do segundo item, ou seja, os valores "celeridade processual" e "segurança pelo resultado" são substituídos pelo valor "justiça social".
Contudo, a ideia da função social deve ser acoplada ao processo civil de resultado, para que ambos sejam interpretados harmoniosamente. Do contrário, admitir o casualismo da coisa julgada pode levar à seguinte situação: revisa-se a decisão transitada em julgado por ela ter ferido o Princípio da Razoabilidade, por exemplo, mas fere-se a idéia contemporânea do processo civil teleológico, vez que mesmo o resultado, pelo qual tanto se busca, não é mais absoluto.
Ademais, valer-se de elementos fenomenológicos e "empossá-los" na condição de desestruturadores da res judicata pode ser arriscado, vez que, por não estarem previstos em codificação alguma, são passíveis de interpretações diversas, e nem sempre a diversidade é positiva. Isto porque, os próprios conceitos de "justiça" e "constitucionalidade" são relativizados. Assim, na opinião deste Autor, um instituto somente pode ser relativizado quando esta metamorfose for unicamente benéfica. Para que isto ocorra, é preciso que o "elemento relativizador" seja absoluto, o que não ocorre na hipótese da relativização da coisa julgada, pois os conceitos de "justiça" e "constitucionalidade", elementos relativizadores da coisa julgada, são relativos e não absolutos como necessitariam ser.
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Notas
- Acrescentamos às duas convencionais modalidades de desconstituição da coisa julgada esta terceira modalidade, lembrada por Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga; Rafael Oliveira. (2008, p. 579.
- Importante deixar no papel, para efeitos de análise e crítica à nominação "relativização da coisa julgada", a opinião, diferente e complementar àquela formulada pelo Autor desta exegese, de José Carlos Barbosa Moreira (2008, p. 225): "É que, quando se afirma que algo deve ser "relativizado", logicamente se dá a entender que se está enxergando nesse algo um absoluto: não faz sentido que se pretenda "relativizar" o que já é relativo. Ora, até a mais superficial mirada ao ordenamento jurídico brasileiro mostra que nele está longe de ser absoluto o valor da coisa julgada material: para nos cingirmos, de caso pensado, aos dois exemplos mais ostensivos, eis aí, no campo civil, a ação rescisória e, no penal, a revisão criminal, destinadas ambas, primariamente, à eliminação da coisa julgada. O que se pode querer – e é o que no fundo se quer, com dicção imperfeita – é a ampliação do terreno "relativizado", o alargamento dos limites da "relativização"".
- "Art. 5°: [...] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". (grifo nosso). Fica clarividente, pois, que a Carta de 1988 recepcionou o §3° do art. 6° do Decreto Lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), o qual prevê: "Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba mais recurso". Assim, apesar de sua definição se dar no plano infraconstitucional (tanto no CPC, como na LICC), a essência da res judicata encontra-se "petrificada" no quinto artigo da Constituição Federal, o que lhe garante a condição de direito fundamental explícito.
- Também relacionando a coisa julgada ao Princípio da Segurança Jurídica, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina (2003, p. 21) definem a res judicata como um "[...] instituto cuja função é a de estender ou projetar os efeitos da sentença indefinidamente para o futuro. Com isso, pretende-se zelar pela segurança extrínseca das relações jurídicas, de certo modo em complementação ao instituto da preclusão, cuja função primordial é garantir a segurança intrínseca do processo, pois que assegura a irreversibilidade das situações jurídicas cristalizadas endoprocessualmente". (grifo nosso).
- Na mesma direção, Eduardo Talamini (2005, p. 61) trata este processo mitigatório como um "ciclo natural das coisas", ao afirmar que: "A íntima vinculação entre coisa julgada e o princípio da segurança jurídica comporta ainda outra indagação. Trata-se de saber em que medida a própria segurança jurídica, no estado moderno, não teria perdido seu relevo sistemático em prol de outros valores – hipótese em que a coisa julgada poderia ter tido o mesmo destino".
- Tal asserção encontra guarida nas palavras de Donaldo Armelin (2008, p. 99), senão vejamos: "A desarmonia entre a decisão judicial transita em julgado e o valor Justiça pode ocorrer em razão de várias circunstâncias. Algumas podem ser suscitadas por serem consideravelmente mais freqüentes e podem ser reconhecidas, tal como supra examinado, até mesmo no rol das hipóteses de cabimento da ação rescisória de sentença. São elas a) o erro, dolo ou fraude do órgão judicante; b) a fraude da parte ou dos órgãos auxiliares da Justiça; c) o erro ou a inércia da parte no seu desempenho processual, nisso compreendido o erro, dolo ou omissão de seu representante técnico; d) a evolução do estado da técnica, em se tratando de meio de prova; e) má aplicação do direito à espécie sub judice". Observa-se, portanto, que as causas enumeradas pelo ilustre doutrinador como capazes de influir no resultado de uma decisão, e que são, segundo ele, "consideravelmente mais frequentes"; amoldam-se à questão da vulnerabilidade do homem a possíveis falhas, sejam elas acidentais, intencionais, ou até mesmo inevitáveis, como é o caso do item "d", acima elencado.
- A opinião do autor em muito se assemelha à do processualista José Maria Rosa Tesheiner (http://www.tex.pro.br/wwwroot/33de020302/relativizacaodacoisajulgada.htm. Acesso em 21/10/2003), segundo Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 27), o qual afirma, em análise às palavras de Tesheiner, que "[...] há um tendência, "bem moderna, de desdenhar, senão de eliminar o instituto da coisa julgada". Sustenta o autor, então, que o melhor seria, para os casos – relativamente raros – de sentenças "objetivamente desarrazoadas", abrir-se a possibilidade de sua rescisão a qualquer tempo. E conclui: "O que absolutamente não pode prevalecer é a idéia de que possa qualquer juiz ou tribunal desrespeitar a coisa julgada decorrente de decisão proferida por outro órgão judiciário, de igual ou superior hierarquia, a pretexto de sua nulidade ou erronia"". Já José Carlos Barbosa Moreira (2008, p. 248) não entende que seja o caso de se "ampliar as hipóteses de ação rescisória". Contudo, o autor debruça-se especialmente sobre a questão da precisão técnica que se consubstancia quando já há pronunciamento consolidado e afirma: "O mais importante, ao menos do ponto de vista prático, é o da descoberta científica suscetível de demonstrar a erronia da solução dada anteriormente ao litígio, em época na qual não era possível contar com determinada prova. Para a hipótese do exame de DNA, como registrado, a jurisprudência já vem atenuando, por via interpretativa, o rigor do texto do Código (art. 485, VII), para admitir a rescisória com fundamento no laudo pericial, incluído no conceito de "documento novo". O socorro hermenêutico tem, contudo, alcance limitado: não serve para o caso de já haver decorrido o biênio decadencial (art. 495) quando da realização do exame. Atenta a relevância da matéria, julgamos conveniente modificar aí a disciplina, não para abolir o pressuposto temporal – pois, com a ressalva que se fará adiante, relutamos em deixar a coisa julgada, indefinidamente, a mercê de impugnações -, mas para fixar o termo inicial do prazo no dia em que o interessado obtém o laudo, em vez do trânsito em julgado da sentença rescidenda". (grifo nosso).